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Madonna

Esse comentário nada tem a ver com música, coreografia, showbiz, festas ou qualidades musicais, muito menos sobre a adesão de Madonna à Cabala. Este texto não trata de budismo, judaísmo, cristianismo ou qualquer religião ou culto. O texto, entretanto, trata do sionismo, que é uma vertente racista do fascismo, uma expressão de excepcionalismo e supremacismo nacionalista. Madonna, aliás, jamais se converteu ao judaísmo, mas é uma admiradora da Cabala, corrente mística da religião judaica, e adotou o nome hebraico Ester; em Israel, a cantora é chamada de “Rainha Ester”. Ela poderia até ser espírita, e nada haveria a mudar neste conteúdo, porque nossa preocupação deve ser com a vinculação dessas figuras públicas com o colonialismo e o imperialismo. Minha intenção é deixar claro que não é admissível colocar a Madonna como ícone progressista apenas porque ela sofre ataque dos bolsonaristas homofóbicos; esse erro identitário não pode mais ser tolerado.

Nos tempos atuais é muito comum personalidades da música defendendo a pauta dos excluídos e a favor de minorias (gays, negros, indígenas, trans, mulheres, etc.) ao mesmo tempo em que apoiam o imperialismo e regimes fascistas como Israel. Não acredito que Madonna seja pessoalmente uma fascista (nem Barbra Streisand, Gal Gadot, Natalie Portman, The Rock, Seinfeld, etc) mas ela falhou no teste fundamental para ser considerada de esquerda: o apoio ao horror racista e supremacista de Israel. Por outro lado é preciso denunciar este tipo de cooptação, porque parece que a esquerda não compreendeu ainda a armadilha.

Primeiramente, vou deixar bem claro que sou a favor de distanciar o artista de sua arte, e por isso me permito curtir Monteiro Lobato, Michael Jackson, Pablo Neruda e Nana Caymi, todos devidamente cancelados pela tendência atual de buscar, no passado de figuras proeminentes da cultura, falhas morais ou agressões às identidades que ora defendemos. De minha parte, não acho que os erros – mesmo graves – de intelectuais e artistas podem necessariamente destruir sua obra. Portanto, não há absurdo algum em curtir Like a Virgin, dançar com sua música e se reunir em Copacabana para celebrar sua arte. Todavia, isso é bem diferente de tratar Madonna como um ícone para uma nova sociedade. Madonna nunca foi de esquerda, e nem seria justo cobrar isso dela. Afinal, ela deixou claro que é A material girl living in a material world. Seria tolo cobrar dela algo mais elaborado no que diz respeito aos direitos humanos. Ela é uma artista talentosa e de sucesso, que ganha milhões com sua arte; nenhum erro nisso.

Alguns poucos estão falando do equívoco brutal que é colocar Madonna ao lado da esquerda. Breno Altman deixou claro que Madonna é uma sionista que defende não apenas Israel e o sionismo, mas até mesmo o indefensável primeiro ministro Netanyahu – absurdo que também se manifestou entre os senadores americanos que escreveram uma nota em sua defesa. Ela tem plena adesão ao discurso racista que dá suporte enfático ao colonialismo branco e europeu de Israel e mostra desprezo pelo povo palestino. Que haja gente de esquerda comemorando essa personalidade, apenas pela sua vinculação aos grupos identitários, diz muito da infiltração fascista dentro da própria esquerda. Colocar Madonna dentro da nossa trincheira para atacar os homofóbicos e pervertidos bolsonaristas tem um nome bem conhecido, usado em homenagem à uma história muito antiga de uma guerra entre gregos e troianos.

Madonna é uma representante dos valores imperialistas do partido democrata e uma sionista da linha de frente; é uma representante do sectarismo identitário criador de divisionismo na classe trabalhadora e dissemina o “pinkwashing” tão conhecido de nós, o mesmo que tenta apresentar Israel como um paraíso para os gays. Tudo mentira, como sabemos; Israel tem uma violenta polícia de costumes e possui na sua população uma homofobia raiz tão intensa quanto o racismo e a xenofobia entranhados em sua cultura.

Portanto, muita calma nessa hora. Madonna, pelos seus valores, posturas e ideias, está muito mais próxima do bolsonarismo do que de qualquer grupo de esquerda. O apoio ao colonialismo racista e ao apartheid de Israel é a régua moral dos nossos tempos. Não há como ser um sionista apoiando o massacre de crianças em Gaza e ao mesmo tempo colocar-se ao lado da esquerda. Podemos aceitar que Madonna é reaça, uma agente do imperialismo disseminando suporte ao colonialismo, mas você não precisa ter vergonha de dançar sua música.

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Arquivado em Causa Operária, Pensamentos

Milan

O escritor Milan Kundera faleceu aos 92 anos. Alguns defendem o trabalho do escritor – um notório anticomunista – dizendo que as acusações de Milan Kundera aos dramas do bloco soviético eram baseadas na verdade. “As coisas que ele relata eram reais” dizem. Todavia, o mesmo tipo de narrativa aconteceu faz pouco aqui no Brasil quando os golpistas falavam: “sim, mas as queixas contra Dilma eram todas reais” – o que justificaria o golpe. Neste caso, o “real” é aquela perspectiva apresentada pelos vencedores, né? As coisas na União Soviética eram realmente conturbadas durante a Guerra Fria (entre outras razões pelo esforço armamentista, que destruiu sua economia, mas é o que faz a Rússia ainda existir e estar vencendo a guerra – exatamente o que a Coreia Popular historicamente faz), mas o golpe de Yeltsin – a serviço do Império – fez a Rússia mergulhar no Caos do qual levou 25 anos para se reerguer.

Quem reclama do período Temer-Bolsonaro pode imaginar como seria uma economia reduzir-se a 1/3 do que era nos meses que se seguiram à fragmentação do bloco soviético. A destruição da União Soviética e o poder popular por ela criado era visto como o grande objetivo para a expansão do Império. Não foi possível com os tanques, mas o foi pela guerra gelada do comércio.

E quanto à “Primavera de Praga”, o eurocentrismo que ela denuncia é apenas espetacular. Claro, tanques em Praga são inaceitáveis, não? Já no Vietnã, qual o problema? Por que será que a gente não dá nomes bonitos para os 70 países invadidos pelo Império nas últimas décadas? Só esse episódio parece causar horror aqui no Ocidente. Mas e a Síria? E a Líbia, que retrocedeu um século após a invasão (por que não a “Primavera de Trípoli”?)? E Gaza? E o Afeganistão? E o Iraque? E o Panamá? Não deveríamos tratar por ‘Verão Panamenho” quando o país foi invadido e o presidente Noriega sequestrado pelos americanos? Não haveria uma estação do ano para adornar e dar nomes às sanguinárias invasões do imperialismo em países soberanos?

Eu li Milan Kundera e “A insustentável leveza do ser” me cativou. Poético, tocante, duro e delicado. Mas também li Vargas Llosa, que foi um baluarte de sustentação de Fugimori – e inclusive de sua filha, além de ter apoiado Orbán e Bolsonaro. E isso porque é possível ser reacionário e um gigante da literatura. Da mesma forma eu adoro Zizek e fiquei chocado ao ler seu apoio ao Otanistão, para tristeza de todo mundo que deseja o fim da guerra. As posições políticas desses escritores e intelectuais (inclusive Kundera) eu ponho na conta da russofobia que muitos ainda carregam. Se aqui no Brasil ainda acreditamos nas mentiras contadas sobre a USSR, imaginem o que é feito pela máquina de propaganda da burguesia entre os vizinhos da Rússia, e o grau de manipulação que deve existir até hoje. Mesmo com os graves erros cometidos na Cortina de Ferro – e que devem ser denunciados – nada justifica a adesão ao imperialismo mortal e destruidor que esses personagens adotaram. Meu interesse não é diminuir a importância do escritor Kundera, apenas lembrar desse aspecto da sua personalidade. Um grande escritor, mas um reacionário no campo da politica.

Por outro lado eu nunca deixo de me surpreender com o anticomunismo da esquerda brasileira. Essa característica pode ser explicada pela cultura ocidental que afunda no oceano de propaganda anticomunista que já tem mais de 1 século. Esses ataques é que nos fazem ver o cisco da “primavera” e não enxergar a trave das inúmeras invasões genocidas do Império. Talvez Milan seja “menos” anticomunista do que os francamente direitistas, como Soljenítsin ou Vargas Llosa, ou quem sabe nunca saberemos ao certo até onde o seu anticomunismo poderia chegar. Como saber?

Aliás, sabe o que mais choca as pessoas quando lembram do “A insustentável leveza ser”? O fato de um médico ter se tornado um mísero limpador de vidros. Acho que essa é a ideia central do autor: como pode haver uma subversão de classes a ponto de um médico, alguém que representa os valores das classes superiores, ter se tornado um simples operário. Para a burguesia é um horror imaginar que alguém da “nobreza capitalista” seja “reduzido” a um mero proletário. Todo o livro de Milan é recheado por esse pânico burguês de imaginar um mundo sem classes, onde limpadores e cirurgiões podem sentar na mesma mesa.

Mas, como eu já disse, os reacionários podem ser grandes literatos. Ferdinand Céline, um dos maiores escritores frances do século XX, era nazista, mas foi ele quem escreveu a melhor e mais bela biografia de Ignaz Phillop Semmelweis. Não posso cobrar dele que seja como eu quero. Milan escreveu maravilhosas obras, mas seu reacionarismo não pode passar em brancas nuvens.

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Conservadores e Progressistas

Eu sempre me defini como um progressista, de esquerda, comunista e com uma postura aberta e franca sobre a minha posição política. Jamais achei que esta é uma questão moral, a qual me tornaria melhor do que os outros por estar do “lado certo” do espectro político. Não acredito nisso. Conheço pessoas de direita que são anjos, gente caridosa, amável, inteligente, culta e espiritualizada. Contrário senso, conheço esquerdistas toscos, violentos, agressivos, preconceituosos, sexistas e vingativos. As qualidades morais não se estabelecem entre progressistas e conservadores; elas são produzidas em camadas muito mais basilares de nossa estrutura psíquica.

Digo isso porque entendo que as posições políticas estão profundamente sedimentadas na nossa especial visão de mundo – e de nós mesmos. São valores adquiridos numa fase muito inicial da vida. Um conservador é alguém que tenta manter o que foi conquistado. Sua missão é não perder as conquistas, garantir o caminho percorrido e não permitir aventuras que possam colocá-las em risco. Já os progressistas querem ver adiante, romper barreiras, atravessar os limites, arriscar novos caminhos e questionar valores. Um tem os pés no chão e o outro as mãos apontadas para o céu.

Não existe erro em nenhuma dessas posturas; ambas são válidas e necessárias. Não há nenhum problema moral em exigir que as mudanças sejam lentas e cuidadosas, assim como não há equívoco em desejar lançar-se ao espaço e experimentar a novidade do mundo. Ambas são posições subjetivas naturais e moralmente válidas, e pessoas más e boas ocorrem em ambos os lados desse embate.

Quando no inicio desse século resolvemos intensificar os debates sobre as definições da “humanização do nascimento” enquanto movimento, ideologia, filosofia e prática eu deixei claro que havia uma série de princípios dos quais não poderíamos abrir mão, sob pena de perdermos a base ideológica que nos conectava. Por esta razão, sempre me posicionei de forma muito forte contra a ideia de “cesarianas humanizadas” na medida em que o protagonismo é um fator essencial nessa definição e, estando ausente num procedimento cirúrgico, não poderia ser tratado como tal. Da mesma forma, sempre me mantive fiel à proposta revolucionária da obstetrícia – o modelo de parteria – não aceitando as propostas reformistas que muitos ainda perseguem e defendem com fervor.

Nesse aspecto específico, eu sempre me comportei como um “conservador”, e acredito que posso até parecer um “reacionário” aos olhos dos que acreditam que “o importante é o resultado, não a via de parto”. Por isso eu posso entender quando conservadores em várias áreas me falam de suas preocupação em relação à sexualidade, gênero, costumes, economia, pedagogia, educação dos filhos etc, mesmo não concordando com sua visão de mundo. E também entendo visceralmente a perspectiva daqueles que, como eu, lutam por mudanças.

A idade nos garante esse tipo de vantagem. Podemos enxergar esses conflitos e atritos com menos apaixonamento, de forma mais compreensiva e situando-se de maneira mais racional diante desses dilemas. Isso não significa “frouxidão”, mas “flexibilidade”; não é “fragilidade”, é “paralaxe”.

Como eu dizia ao meu pai, ao ouvir muitos de seus conselhos cheios de sabedoria: “são as benesses da senectude”.

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O Bagaceiro Reaça

Depois de velho eu fui obrigado a testemunhar o nascimento de um personagem que poderia ter sido descrito por Nelson Rodrigues: o “bagaceiro reaça”.

Ele é pobre, muitas vezes desempregado e faz bicos ocasionais. Vive da pensão da mãe, com quem mora, mesmo tendo mais de 40 anos. Já teve algumas mulheres, mas abandonou a todas. É grosso, machista, misógino e, mesmo tendo aquela pele mais escura adora fazer piadas racistas (jura que é branco e que seu avô era alemão), porque são “brincadeiras entre amigos”.

É bolsonarista raiz. Mesmo já tendo várias entradas na chefatura por pequenos delitos – como punga, furto, violência doméstica e desordem – acredita que bandido bom é “bandido morto”. Adora a polícia batendo – nos outros – e faz o mesmo com os filhos pequenos. Acha que o comunismo é coisa do diabo. Vai na Igreja, paga dízimo quando tem algum, faz promessa prá Santo, toma passe no terreiro, vota sempre em empresários e gente rica, pois eles sabem como “cuidar de nós”.

Esse personagem apareceu de forma resplandecente nas últimas eleições. A mídia conseguiu convencer esse sujeito de que a sua miséria é fruto de sua falta de ambição ou de fé, e não de uma conjuntura que o maltrata desde o berço. Não há consciência alguma de classe: acredita ser um um ente sem vínculos; o que vale é o “cada um por si”.

A esquerda precisa voltar a falar com esse sujeito. Ele foi entregue para a direita mais atrasada e alienada. Usaram sua frustração para alavancar uma utopia neoliberal que se mostrou fracassada, mas que aqui ainda embala os sonhos de popular através da religião exploradora da fé e da propaganda massiva contra qualquer modelo meramente justo e distributivo.

Acredito que a tarefa da esquerda é ali, no seio do proletariado mais abandonado, para resgatar nestes o sonho de uma sociedade mais equilibrada e justa.

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