Arquivo do mês: maio 2020

Nostalgia

Na minha juventude era comum ouvir. “Sabe que vai passar Woody Allen no Corujão de sábado na Globo?” e a gente ficava acordado para assistir o filme porque a benevolência de uma emissora de TV era a única forma de rever um filme que se gostava ou assistir um que não conseguiu ver quando passou no cinema.

Em meados dos anos 80 surgiram os videocassetes e a consequente proliferação das “locadoras de vídeo”, as quais tornaram possível assistir filmes antigos que tivessem cópia para alugar. Primeiro os vídeos eram piratas ou “bootlegs” (filmados no cinema) e mais tarde as cópias precisavam ter o selo da Ancine para serem alugados. Foi também o “boom” da pornografia. Era possível assistir filmes pornôs sem passar pelo constrangimento de ir num cinema. As locadoras chegaram a ser um grande negócio e até meu irmão teve uma, mas hoje desapareceram por completo (lembram da Blockbuster?)

Aí chegou a internet, Napster e o Torrent. Uma vez uma amiga me mandou um arquivo pelo ICQ e disse para eu clicar. Era uma música no padrão .VQF, que nem existe mais. Era “Coração Bobo”, com Zé Ramalho e Alceu Valença. Escutei a música mas fiquei mais impressionado ainda por uma visão que eu tive, uma espécie de epifania. Chamei meu filho Lucas, menino na época, e lhe disse: “Acabou a indústria fonográfica”. Expliquei para ele que, se já é possível mandar músicas P2P (entre pessoas), não haverá mais porque comprá-las. Isso mudaria definitivamente a relação das pessoas com a música e com o mercado de discos e CDs.

Eu estava certo. Quebraram todas. O passo seguinte foi a venda de CDs piratas com filmes baixados na internet, o que selou em definitivo o destino das locadoras, mas garantiu a todos nós o acesso direto a toda a criação musical e cinematográfica da história dentro de nossas casas. Agora, até no celular. Hoje em dia podemos assistir qualquer obra a qualquer momento, bastando para isso um acesso a uma conexão wi-fi. Porém, quem hoje tem menos de 25 anos não sabe o que significava esperar para saber o que seria o Temperatura Máxima, Domingo Maior, Cinema em Casa, Cine Belas Artes etc…

Era todo o cinema que o mundo nos oferecia para assistir dentro de nossas casas.

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Quarentena

A quarentena me obriga a alguns questionamentos…

O que aconteceria com um cara muito azarado e medíocre que resolvesse escrever um livro contando sua história de fracassos e derrotas, sobre sua notável mediocridade e falta de talento, e esse livro se tornasse um sucesso editorial incrível, tornando-o famoso e milionário?

Seria tratado como farsante?

E um cara que escrevesse um livro sobre a inutilidade da literatura e milhões se interessassem por ele?

E que tal uma página no Facebook para tratar da malignidade de Mark Zuckerberg e a importância de boicotá-lo?

Que acham de um cara tão medroso, mas tão medroso mesmo, cujo maior medo é que descubram sua covardia, e para ocultá-la comete os atos mais impetuosos e temerários apenas para que não percebam o quão medroso sempre foi?

E você, o que tem feito de elucubração inútil durante a pandemia?

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Algo precisa ser feito

Então, diante da incompetência inconteste de um governo de perversidades alguém se ergue e, movido por genuína indignação, questiona aos gritos…

“Precisamos fazer algo!! Onde estão as esquerdas para reagir?”

Quando me defronto com estas questões eu respondo:

“Quantas unidades de infantaria o sr já conta para sua investida? Sim, porque sua proposta é de golpe, mesmo que a intenção seja de salvar o país. Pelas vias democráticas e republicanas NÃO há (pelo menos ainda) maioria no congresso para a ação extrema de sacar um presidente. Pela via judiciária menos ainda, pois o judiciário brasileiro é vil, covarde, corporativista e corrompido por vaidades, privilégios e interesses.”

Cobrar da esquerda o quê? Sair às ruas? Se unir? Mas nem a união de todas as esquerdas conseguiria tirar um presidente com 30% de aprovação dada pelos fanáticos que seguem o atual mandatário, alguém que se comporta como um líder religioso, e não como chefe de uma nação.

É justo pedir Impeachment para depois pagarmos mico como aconteceu com Trump?

Estamos encurralados. Não há via simples. Bolsonaro continua dizendo o que seus seguidores querem ouvir, e por isso não perdeu apoio significativo com a saída de Moro.

Não se trata de republicanismo. Digo mais: para mim FODA-SE a institucionalidade quando temos cadáveres se acumulando nos hospitais e nas casas. Todavia, para romper a situação FORA da institucionalidade, com quantos tanques poderíamos contar? Quantas unidades de infantaria? E, se a proposta ainda se encontra dentro das leis, quais congressistas do “centrão” (a direita de banho tomado) estariam interessados em mudar de lado? Quais ministros do STF tem REAL compromisso com a constituição a ponto de “matar no peito” uma ação firme contra Bolsonaro?

Além disso, qual setor do exército aceitaria um compromisso com as INSTITUIÇÕES e a salvação do Brasil arriscando-se a colocar um “comunista” de novo no poder? Para um golpe é preciso muito mais do que indignação e prova de crimes; é necessário conhecer o terreno dos poderosos…

Sim, estamos encurralados por um presidente que mantém – apesar da defecção do Moro – seus 20% de fiéis. Nenhum presidente sofre um impeachment com uma avaliação de 30% de bom e ótimo e, portanto, não se trata de um “clamor popular”.

Isso não significa um chamado à imobilidade ou ao conformismo, mas o reconhecimento de que gritar “alguém precisa fazer alguma coisa” é inútil e não nos ajuda.

Vejam a entrevista do Roberto Jefferson sobre os bombeiros, a polícia civil, o exército e todo o aparato de força do Brasil e respondam minha simples pergunta: fora das instituições, qual a proposta?

Enquanto esta proposta não aparece ainda prefiro me espelhar no comportamento reservado de Lula, um conhecedor da podridão do congresso e que entende as fragilidades e os suportes que (ainda) garantem esse governo.

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Moro e o espetáculo sobre nada

Talvez Moro tenha calculado tudo isso que agora acontece com ele. Pode ser, mas subestimar a inteligência dessa gente (Moro, Bolsonaro e seus seguidores verde-amarelistas) é tão errado quanto superestimá-la.

Talvez Moro seja mesmo um jeca subletrado interiorano e arrogante como parece ser. Pode ser mesmo um sujeito levado a uma posição de destaque por ser o “idiota necessário” naquele momento histórico. O ex juiz traiu a confiança do presidente e mostra que durante todo esse tempo o espionava. Agora apresenta “evidências”, que ao mesmo tempo o incriminam. Depois do espetáculo (que superou o ridículo das “provas” que Collor apresentou contra Sarney) constrangedor do seu depoimento na Polícia federal, resta a Moro pedir para ser esquecido, o melhor que poderia fazer com o que resta de sua figura pública.

Moro já perdeu a magistratura, perdeu qualquer admiração dos juristas, perdeu respeitabilidade internacional, perdeu a indicação sonhada ao STF, perdeu o Ministério da Justiça, perdeu a confiança do chefe e perdeu boa parte dos políticos que o apoiavam. Quem teria coragem de abrigar Moro em um partido sabendo que terá suas conversas gravadas e que o ex ministro joga somente para si? Quem se atreve a confiar em alguém que trai seus pares quando se sente acuado?

Terá Moro uma carta na manga para usar até 2022? Será o conluio frutífero com a Globo seu pulo do gato? E a Vênus Platinada se manterá fiel ao seu funcionário ou teme ser delatada também por ele?

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Deixem o Lula…

Deixem Lula em paz…

Todo texto que começa esculachando o Lula para forjar credibilidade é no mínimo isentão. Lula é um perseguido político, como foram Mandela e Luther King. Vocês podem concordar ou discordar, mas desprezar e odiar é fazer o jogo do opressor. Atacar o Lula para se sentir autorizado a questionar psicopatas como Moro ou Bolsonaro é seguir a trilha marcada no chão pela elite perversa que criamos no Brasil, que tenta de todas as formas sufocar as lideranças populares.

Além disso, colocar Lula e Bolsonaro na mesma frase é uma ofensa para um líder reconhecido no mundo inteiro por seu combate à iniquidade e por sua luta contra a fome. Ninguém jamais diminuiu tanto as distâncias que separam os brasileiros como ele – mesmo sendo pouco diante do que precisa ser feito. Comparar políticos tão díspares é um desaforo e uma injustiça contra alguém que saiu da presidência com 87% de aprovação (um recorde mundial entre as democracias) e fez o maior governo da história da república.

Ahhh, e não sou petista nem lulista. Estou à esquerda de Lula. Sou anticapitalista, abolicionista penal, humanista, ecosocialista, marxista e comuna. Lula é um social democrata de centro esquerda.

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Inveja

Vadzê que você não morre de inveja de alguém que ultrapassa os limites todos os dias e cada vez que o faz se sente mais poderoso? Imagine se você pudesse mentir indefinidamente e ninguém pudesse lhe contestar. Pense o gozo espetacular de ofender, atacar, burlar, manipular, perseguir seus desafetos, sabendo que os que possuem a competência de lhe vigiar se limitam a fazer muxoxos ou escrever notas de repúdio. E se todos os seus adversários se acovardam diante dos cães que lhe circundam?

Deve ser uma sensação especial poder fazer tudo o que quiser, cometer dezenas de crimes de responsabilidade, além de vários crimes comuns e nada lhe acontecer, porque você tem os guardas ao seu lado.

Para um poder extremo uma tensão igualmente intensa. O poder extremado enlouquece e mata. Gore Vidal no seu livro sobre os césares – os homens com maior concentração de poder da nossa civilização – mostrou que dos doze que assumiram o poder em Roma apenas dois não sucumbiram à loucura e à perversão.

Assim como ocorreu com outros tiranos e inimigos da vida, esse que ora nos aflige um dia passará. Assim como Hitler, Mussolini e Pol Pot este também verá que o abuso de poder cobra um preço bem alto.

Eu aposto como ainda veremos nossos projetos de ditador virados de cabeça para baixo….

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Relevâncias

A partir de uma conversa com Andreia Coelho

Olha… tenho pensado muito nisso, sobre o tema recorrente, em especial para os velhos, da “ilusão da relevância“, ou a ideia de que somos muito mais importantes e imprescindíveis do que realmente somos. Eu percebo hoje – com um pouco de tristeza mas um certo alívio – que somos muito mais insignificantes para a engrenagem da vida do que fantasiamos. Não tenho mais dúvidas que o mundo se recuperaria da minha desaparição em não mais que uma fração de segundo.

Tal como a cauda de um cometa, deixamos em nosso rastro a poeira dos sonhos, fragmentos de ideias, recortes de frases, observações soltas, risadas, comentários tolos, lembranças vagas, histórias e imagens. Um dia, que via de regra chega rápido demais, ninguém mais lembrará de nós, como o velho que morre – mesmo estando morto – na animação “Coco”, da Disney.

Meus netos não conheceram meu avô, e as lembranças dele vão cessar quando eu desaparecer. Assim como eu em breve, suas memórias vão ficar nas páginas de um livro bolorento, guardado em uma gaveta, que talvez será encontrado por escafandristas de um oceano de gases, num milênio distante, quando a lua estiver mais próxima e o sol um gigante vermelho e brilhante.

Por mais que seja duro admitir, ninguém saberá de mim passadas tão somente duas gerações. Tudo que hoje penso, as ideias, as palavras, os amores estarão diluídos na memória da vida como… lágrimas na chuva – com o perdão do diálogo final de Blade Runner.

Então talvez apostar na imortalidade seja mesmo uma profunda perda de tempo. Quem sabe o valor está na colheita das bergamotas, na corrida das crianças, no dormir de conchinha, ao rir de uma comédia pastelão, ou ao chorar por um drama. Quem sabe seja esse o segredo da vida e não o o sonho de imortalidade e de consciência perene.

De qualquer maneira, seja qual for a crença que nos motiva, vale mais a pena curtir o que a vida nos oferece agora de prazer e transcendência do que o sonho dourado de uma relevância infinita.

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