Arquivo do mês: fevereiro 2021

Mudanças

Todos nós temos a obrigação de consertar a todos. O outro é sempre teu espelho e também teu bote salva-vidas. Se não forem as mulheres a consertar os homens (e vice versa) de quem será esta tarefa? A quem cabe mostrar que o outro invadiu nosso território, senão nós mesmos? A mudança sempre ocorre por dentro, por certo, mas o estímulo para a transformação sempre virá de fora.

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Fracassos

“Somos o que resta de uma montanha de escombros”, já dizia meu amigo Max. Os fracassos, mais do que as conquistas, são o que nos moldam e aperfeiçoam. Esta semana tivemos a vitória esmagadora de alguém que representa o atraso, o machismo, a corrupção e a perversão na política para ser o chefe do legislativo federal, numa reprise macabra da eleição de Eduardo Cunha. Tivemos a queda das máscaras lacradoras no Big Brother e o fim do sonho autoritário e farsesco da Lava Jato.

Os ídolos com pés de barro, Moro e Dalanhol, caíram das alturas: um queria ser presidente, o outro desejava uma estátua. Ambos terão que se contentar com o esquecimento. Também vimos um partido à esquerda “cancelar” uma co-deputada de um mandato coletivo – sem direito a defesa – por discordar de um texto publicado nas mídias sociais, na mais escandalosa demonstração de amadorismo político e falta de preparo para as discordâncias naturais e o contraditório.

Se não soubermos aprender com estes fatos então teremos perdido uma oportunidade histórica de fazer a necessária depuração nos quadros da esquerda.

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Estrangeiros na própria terra

Conheço alguns, até (em especial) médicos…

Sempre se acharam superiores a essa “tigrada” com quem são obrigados a conviver. Um deles, um cardiologista, quando viajou pela primeira vez à Europa, veio nos dizer que se sentia “em casa”, com aquela “finesse”, todo o charme e a elegância dos europeus. Esta falta de noção aqui no Rio Grande do Sul é MUITO pior do que no resto do Brasil por causa da colonização italiana e alemã.

Há alguns anos uma sociedade cultural italiana aqui de Porto Alegre distribuía aos seus sócios um adesivo onde se lia em dialeto vêneto: “Mi son Talian grazie Dio”, ou seja “Eu sou italiano graças a Deus”, o que nos faz lembrar dos italianos mortos de fome e miseráveis que vieram para nosso país para fugir da “mirada” (miséria + gelada) da Europa do século XIX. Foram recebidos de braços abertos e com terras gratuitas para plantarem. Alguns viraram industriais e grandes fazendeiros, e muitos continuam vivendo na Europa, mesmo sem sair da sua fazenda no interior do Rio Grande do Sul ou São Paulo.

Hoje os tetranetos desses miseráveis europeus se acham superiores pela cor de sua pele, e não aceitam ser confundidos com os “pelo duro”, os moreninhos, os “brasileiros” com quem são obrigados a conviver. Dizem frases características como “se eu pudesse fugia daqui” (mesmo para ser cidadão de segunda classe em Miami), ou “o problema não é o Brasil, mas esse povinho” (mas sempre se colocam fora do “povo”) e tantas outras grosserias que estamos acostumados a ouvir em mesas de bar ou conversas informais.

“O Brasil não merece uma pessoa como eu”, dizem, numa arrogância patética e estúpida. Negam o quanto receberam desse país e o tanto de benefícios tiveram para chegar onde agora estão. Médicos, advogados, comerciantes e empresários sustentados pelo esforço conjunto de uma sociedade que agora desprezam, achando que seu mundo é outro.

Mal sabem que quando chegam na Europa são vistos com deboche e desconsideração pelos racistas que, como eles, não percebem o quanto de sua riqueza depende do trabalho de quem tanto desprezam.

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Espelho

Terêncio nos deixou como seu maior legado a ideia, profundamente humanista de que “O que é humano não me é estranho”. Ali na solidão dos meus pensamentos, olhando a imagem refletida no espelho, vejo todo horror e toda a transcendência. Em mim habita a escuridão e a luz do que nos faz humanos. Em cada célula do meu corpo dorme a poeira das estrelas, a qual divido com todos os meus irmãos. O que é do homem a mim pertence.

Jean de la Meirie, “Ettoiles”, Ed. Printemps, pag 135

Jean de la Meirie foi um escritor francês nascido em 1717 na cidade de Avignon – França, que já foi a capital da Igreja católica na idade medieval. Jean cresceu entre as muralhas medievais que protegiam o papado e que ainda cercam o antigo centro, onde ficam bons restaurantes e hotéis. Filho de comerciantes de carne defumada, ele frequentou o seminário mas desistiu da vida eclesiástica. Conheceu o matemático e físico francês Jean Le Rond d´Alambert que desenvolveu as primeiras fases do cálculo, formalizou a nova ciência da mecânica, e foi o editor de ciência da Enciclopédia de Diderot, e junto com Voltaire eles foram personagens centrais no iluminismo na França. Esse encontro foi um divisor de águas na vida de Jean de la Meirie, e o fez se dedicar à teologia e à filosofia. Escreveu “Quatuor gradus angelicorum” (As Quatro fases Angelicais) e “Amorem, ac in Deum pœnitentiam” (Amor, Deus e a vida em penitência) e livros de poesia sacra em francês, como “Ettoiles”. Morreu em Rocamadour em 1780

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Lacrolândia

Eu denuncio a lacrolândia de esquerda há muitos anos e fui cancelado impiedosamente, até entre as pessoas que militam na humanização do nascimento. Aliás, tenho muito orgulho desses cancelamentos; detestaria ser visto como o bispo de uma religião de aparências. Avisei dos discursos moralistas de esquerda, vazios e falsos, mas que eram usados como arma moral contra os inimigos da fé. Poucos acharam pertinente. Afinal, os fins justificam os meios, não?

Estamos vivendo um moralismo que em tudo se assemelha a uma seita, deixando muitas vezes em segundo plano a autonomia e a liberdade em nome de um catecismo politicamente correto, mas que engessa da mesma forma a livre expressão do desejo.

“…quantos de nós não temos atitudes parecidas no dia a dia sem ter uma câmera nos filmando? Não precisa fingir. Nem eu, nem vocês, escapamos do desejo pulsante de aceitação.”

Eu sei que se houvesse mais gravadores e câmeras na minha época eu – e toda a minha geração – estaríamos inexoravelmente condenados pelo tribunal da lacração ilimitada. O resultado é essa imolação pública e falsa pequeno burguesa, cristã e culposa, tão falsa quanto uma promessa do Bozo. “Perdão por ser opressor, perdão, perdão”.

Texto abaixo de Tiago da Silva Ferreira

“Muitas pessoas estão falando sobre o BBB e sobre como determinados participantes estão destruindo a imagem da esquerda. Acusam os jogadores do programa de repetirem discursos militantes decorados e que por trás das palavras não há nada mais do que uma tentativa desesperada de ganhar aceitação.

Algo sempre vem à minha mente quando penso sobre o campo progressista no Brasil contemporâneo. Uma das principais características da nossa nova esquerda é que ela se trata, antes de tudo, de uma posição moral mais do que política. A esquerda de hoje não critica sistemas políticos ou econômicos. Ela critica, na verdade, como esses sistemas e suas associações com uma moral conservadora afetam a vida de grupos excluídos.

Dessa forma, o foco dessa esquerda são os costumes e os valores morais da sociedade. Ela se compadece de um mendigo por empatia, por uma espécie de dever moral universal que um ser humano “naturalmente” tem por outro. Consequentemente, essa visão de mundo tenta ganhar adeptos através do apelo emocional. Os humanos, nessa perspectiva, precisam apoiar determinados grupos que sofrem perseguição ou discriminação, pois é moral se colocar no lugar do outro e lhe dar o devido espaço e respeito. Quem não o faz é porque não sabe se colocar no lugar do outro. Há lógica nessa equação e eu tendo a concordar que a compaixão é um bom norte político. Entretanto, esse tipo de enfoque trouxe para parte da esquerda um padrão de comportamento em grupo que é mais emocional do que racional e que tende a ser tão passional quanto o discurso religioso.

No final das contas, parte da esquerda tem caminhado para um moralismo recheado de militância emocionalista. Seu objetivo é descontrair a moral vigente, que é patriarcal, misógina, racista, homofóbica, etc. O que acho curioso é que pouco se fala em ética (que é algo mais pessoal) dentro da esquerda. Pelo contrário, as práticas apontam mais para a configuração de uma nova moral social, onde o conservadorismo é superado e novos modelos sociais o substituem. Dessa forma, está subentendido que a moral conservadora cristã será substituída pela moral esquerdista progressista. Alguém pode perguntar qual o mal nisso, afinal, não seria ótimo ver o fim do patriarcado ou do racismo? Claro que eu acho que esse tipo de dispositivo social retrógrado precisa acabar, mas sinto falta de discussões mais éticas e menos moralistas dentro da esquerda. Quando falo em discutir ética e não moral, quero dizer que deveríamos investir mais na construção de valores onde se respeita discrepâncias individuais e não se impõe uma moral de grupo . Quem critica os participantes do BBB não percebeu ainda que eles estão agindo dessa forma porque é assim que se espera que eles ajam. Como toda moral militante, a moral esquerdista, apesar de bem intencionada, tende a criar asseclas e não livres pensadores. Parece uma religião. No mau sentido. É possível fazer muitos paralelos entre a esquerda ultra militante e os evangélicos fundamentalistas, por exemplo.

Duvida?

O modus operandi da galera desconstruída progressista dos DCEs e dos frequentadores de templos pentecostais é similar. Nos dois casos, espera-se que todo mundo siga a mesma cartilha, incluindo a utilização dos mesmos jargões. Precisam demonstrar o tempo todo o quanto amam a causa e precisam se esforçar pra demonstrar em público e a todo instante o quanto são engajados. Nos dois casos induzem você a ter culpa por algum comportamento considerado desviante. A pessoa que é pega se desviando do “dogma” é esculachada. Os evangélicos excluem, dizem que a pessoa virou “do mundo”. A esquerda faz textão e cancela. Ambos exigem uma retratação pública do acusado, um verdadeiro auto de fé.

Lembram-se da Lilia Schwarz e o texto sobre a Beyoncé? Conheci crentes pegos em adultério que receberam melhor tratamento de suas igrejas.

O que mais me incomoda é a hipocrisia que acaba imperando tanto entre esquerdistas quanto entre evangélicos. Como ambos estabelecem metas morais difíceis de serem alcançadas, acabam vivendo quase que uma vida dupla. Os evangélicos fingem que casaram virgens, que não bebem nunca, que não escutam “música do mundo”, fingem que não traem a esposa, fingem que gostam do “irmão” da igreja, fingem que não tem dúvidas sobre a existência de Deus, etc.

O esquerdista não fica atrás: finge que é “desconstruído” e conta pra todo mundo que pega gente gordinha, quando na verdade só corre atrás de gente sarada; finge que ama funk e Anita porque é música popular, quando na verdade odeia, mas não quer parecer elitista; finge que ama o nordeste, mas no fundo da alma não tem nenhum interesse genuíno na região; finge que amou Bacurau, mas odeia filme nacional, mas não quer parecer colonizado; finge que apoia o amor livre, quando na verdade é monogâmico, mas não quer parecer retrógrado.

O novo ponto em comum entre a esquerda moralista e os religiosos de direita é a pornografia. Como a esquerda decidiu que ver pornô é quase o mesmo que um estupro, agora surgiu o novo tipo de esquerdista, aquele que fala mal de pornô no Facebook e assiste escondido em casa. Pro evangélico, pornô não é de Deus, é contra a sexualidade sadia. Pro esquerdista, pornô também não é saudável, mas por outras razões, como a misoginia e a exploração dos atores e atrizes no mercado pornográfico. A causa da esquerda me parece mais nobre e conta com melhor argumentação. Mas a militância não é lá muito diferente. O crente diz que “Deus tá vendo” você se masturbar assistindo Xvideos. A esquerda diz que você é um monstro que sente prazer com a exploração sexual dos outros e que te falta empatia.

O resultado é igual: culpa. A solução também é igual: assistir escondido.

Não sou contra nenhuma das problematizações levantadas pela esquerda, mas o modus operandi que parece pregação religiosa me cansa. Assim como a intolerância a pequenas divergências, a incapacidade de diálogo, o ódio e a demonização contra quem entra em dissenso, a mania de querer silenciar o outro e o extremo moralismo sufocante.

Não tem nada de estranho na atuação dos esquerdistas do BBB. Eles não estão fingindo mais do que boa parte da galera de esquerda que vocês já conhecem. São apenas pessoas querendo aceitação do grupo. A única diferença é que as besteiras que eles falam estão sendo gravadas e exibidas pra todo mundo ver e criticar. Mas quantos de nós não temos atitudes parecidas no dia a dia sem ter uma câmera nos filmando? Não precisa fingir. Nem eu, nem vocês, escapamos do desejo pulsante de aceitação.”

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