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Bichos

Careca, a chefona da Comuna

Por que será que não me impressiona o fato de que a mulher que fez a acusação grosseira contra Lula no interior do RS – dizendo que a distribuição estaria suspensa até sua chegada – é defensora de bicho e trabalha em uma ONG de proteção aos animais? Por se tornaram tão comuns na sociedade atual esses personagens, como o “ecofascista” e o “fascista dos direitos animais”? Isso me faz lembrar a frase de um conhecido ditador brazuca que se gabava de “gostar mais do cheiro dos cavalos do que do cheiro de gente”. No ano passado uma apresentadora de programas infantis declarava que “preferia ficar com bichos do que com gente”.

Não parece coincidência. Essas são as pessoas que dizem que os animais são “superiores” aos humanos, que são fiéis, amorosos, inteligentes e bondosos. Essas pessoas adoram exaltar bichos e desmerecer as pessoas. Ouvi de uma paciente, há muitos anos, que ela gostava mais dos seus cães do que dos seus familiares. Existem nas grandes cidades supermercados dedicados exclusivamente ao mundo “pet”, com centenas de produtos, equipamentos, roupas, casas, brinquedos, comida, etc. O que isso significa para a cultura?

O Brasil ocupa a 3ª posição no ranking mundial de países com a maior população total de animais de estimação. Estes dados são da Abinpet (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação). Não apenas isso, mas o crescimento é vertiginoso, e a associação indica que deve ocorrer um aumento de até 14% no setor em relação ao ano passado, quando atingiu R$ 46 bilhões. Só para comparar, o orçamento da educação no Brasil é de 147 bilhões. Qual a explicação para o gigantismo crescente do “amor pelos animais”?

Ok, as pessoas tem menos filhos. O fenômeno começou na Europa quando, por lá, a classe média resolveu refrear a natalidade, enquanto o Brasil ainda crescia 3% ao ano. Entretanto, o modelo logo chegou aqui. Os sentimentos maternais e paternais seriam desviados para os pets, que assumiriam a condição de crianças da casa. Não é à toa que se usa tão abertamente a expressão “mãe” e “pai” de pet, e a relação com eles se estabelece com essa configuração familiar. Entretanto, para alguns o amor aos pets vem acompanhada de uma marcada e indisfarçável misantropia, um ódio pelas pessoas, associada a uma percepção fantasiosa e idealizada dos animais, que seriam como “adultos sem maldade”, ou seja “sem dolo”. Exato, crianças.

Nem é necessário lembrar de Freud e seus estudos sobre a sexualidade infantil que apontavam para o egoísmo visceral e natural das crianças, desmontando a imagem angelical dos pequenos. Também não é difícil perceber que o amor desmedido pelos animais esconde elementos menos nobres, os quais a superficialidade das análises por vezes impede nossa visão de perceber. Este amor, como se sabe, é sempre seletivo. É amor, mas por certo ele só acontece por alguns animais, aqueles com os quais é possível a identificação. Para amá-los é preciso torná-los gente, com sentimentos, emoções e desejos que podemos reconhecer. É por isso que amamos golfinhos, mas não atuns; os primeiros são capazes de demonstrar de forma clara sua semelhança conosco.

Nada tenho contra os animais – todos eles – muito menos condeno quem os ama, um sentimento que, reconheço, não fui dotado. Digo isso mesmo tendo quatro cachorros que convivem comigo e que me consideram como parte da sua família. Entretanto, não tenho por eles amor, tão somente respeito. Não os condiciono às minhas vontades e permito que sejam livres e soltos; sem compromissos. Entretanto, percebo que alguns apaixonados pela “causa animal” usam do ativismo pelos pets para esconder sua profunda aversão aos seus semelhantes, o grave ressentimento com seres humanos e uma rejeição ao contato com gente. Por isso é tão comum ver esses ativistas envolvidos em atos condenáveis.

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Especismo

Chorar por um golfinho ou uma baleia mortos na praia é um sentimento nobre; já saborear um atum não causa nenhuma crise de consciência na imensa maioria de nós. São todos grandes animais aquáticos, mas um deles não desperta empatia. Por quê?

Não é “amor aos animais” o que nos faz sofrer por eles, pois amamos apenas alguns. Cães, gatos, cavalos, baleias, golfinhos, mas jamais ratos, baratas, mosquitos, gambás, cobras e escorpiões. Nossa seletividade ocorre porque nosso amor é por nós mesmos, pois nosso sentimento só se revela quando é possível SE VER no animal. No fundo é a identificação quem determina o afeto.

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Soltem esses bichos

Quem me conhece sabe que não morro de amores por animais domésticos. E não “amar” os pets não significa que os desprezo, mas apenas que para mim os animais deveriam estar livres na natureza, e não submetidos aos caprichos e carências humanas.

Nessa e em outras eleições estou me surpreendendo (não devia) com a quantidade enorme de candidatos que se apresentam como defensores dos animais. Aqui mesmo na minha cidade um dos candidatos a prefeitura vai à TV com seu cachorro para falar que quer levar a defesa dos animais como uma bandeira para a governança municipal. Mas, esse é outro assunto. Se você chegou até aqui lhe convido a se aprofundar um pouco mais no buraco do coelho…

É evidente que não há nada de errado em querer que os cães e gatos que estão sob a custódia de humanos tenham um tratamento digno e… humano. Por certo que ninguém vai fazer a defesa de maus tratos, violência ou tortura com animais que moram com os humanos e lhes oferecem carinho e companhia.

Claro que vez por outra aparecem casos de acidentes, quando um cão de guarda morde crianças ou adultos, e em algumas situações mais trágicas chegam a levar à morte. Imediatamente os amantes de animais correm em defesa dos bichos dizendo que a “essência” dos pitbull, dos fila ou de qualquer um destes cães ferozes é boa, mas as situações de confinamento e a educação violenta que receberam é que os torna “assassinos”.

Isto é: “o meio os deforma”.

Por esta razão que eu questiono: o Brasil é a terceira maior massa carcerária do mundo. “Considerando presos em estabelecimentos penais e presos detidos em outras carceragens, o Infopen 2019 aponta que o Brasil possui uma população prisional de 773.151 pessoas privadas de liberdade em todos os regimes. Caso sejam analisados presos custodiados apenas em unidades prisionais, sem contar delegacias, o país detém 758.676 presos.” (Dados sobre População carcerária 2019). Gente, encarcerada, maltratada, em condições sub-humanas, torturados, assassinados sob a guarda do Estado, adoentados, subnutridos e vítimas de extorsão.

Por que somos muito mais empáticos com o sofrimento dos animais (mesmo os perigosos como leões, hipopótamos, cobras e aranhas) do que com os homens e mulheres que estão aprisionados? Por que aceitamos que a essência dos cães de guarda é dócil, mas o cuidador é que o brutaliza, mas ao mesmo tempo não acreditamos que todo ser humano é capaz de viver em sociedade e o sistema social em que está inserido é que o torna violento?

Por que devotamos tanta humanidade aos não humanos e aceitamos a animalidade contra nossos iguais? Por que não há defensores abertos na defesa do abolicionismo penal e da proteção dos “animais humanos enjaulados” pelo nosso sistema penal nestas (e em outras) eleições, mas em toda esquina recebemos um panfleto em defesa dos “pets”?

Ninguém diria “animal bom é animal morto”, não? Seria por demais condenável, por ser…. desumano.

Que tipo de sociedade é essa que desumaniza seus irmãos e humaniza os animais?

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Careca

Eu já falei muitas vezes que nasci sem o chip do “amor aos animais”, e é verdade. Não tenho este tipo de sentimento de proximidade com os bichos e não consigo suportar em minha retina imagens antropomorfizadas de cães e gatos. Não os vejo como “crianças”, anjinhos, amigos ou parceiros. São bichos, e tenho certeza que eles gostam do que são. Não gosto de promiscuidade, gente dormindo com cachorro ou bicho de banho tomado com perfume.

Há muitos anos escutei uma frase de um veterinário homeopata que me marcou muito: “Consigo perceber com facilidade as vantagens emocionais de manter os animais domésticos próximos de nós, em especial para os velhos e as crianças, mas tenho dificuldade em encontrar vantagens que eles possam ter com a nossa presença”.

Isso dito, e reconhecendo minhas limitações, eu por vezes me questiono o que seria uma boa vida para um desses animais. Será que um gato castrado que faz companhia para uma senhora viúva em um apartamento é… “feliz”? E quanto a um cachorro que mora no pátio de uma casa, será ele mais feliz que um primo seu que mora na rua? O Vagabundo era mais infeliz que a Lady? Deveria invejá-la ou ter pena de sua prisão maravilhosa?

Penso nisso quando lembro da cadela da Comuna, a matriarca de nossa pequena matilha. Seu nome foi dado pelo meu neto Oliver em homenagem aos seus dois avós homens: “Careca”. Foi encontrada há muitos anos vagando pela nossa rua, que é um tradicional ponto de “desova de cães”. O esquema é conhecido: Chega o carro, diminui a marcha até parar, abre-se a porta do carona e ali o bichinho é deixado.

Para o azar da Careca não apenas foi deixada por sua antiga família, mas ao ser largada na rua foi atropelada, quebrando o quadril. Quando foi encontrada (horas? dias?) depois pelo nosso caseiro Márcio ela carregava apenas uma fina camada de pelo sobre uma montoado de ossos. Magra, feia e manca. Estava nas últimas.

Que fazer? Bem, o que fizemos foi acolhê-la e tratar seus machucados. Posteriormente, Luiz Augusto a levou para ser castrada. Acabou ficando na Comuna como guardiã, parceira de brincadeiras das crianças e caçadora de quero-queros. Hoje é uma senhora feliz, bem alimentada – apesar de continuar manca pelo acidente.

Olho para a Careca como um símbolo de resiliência e de fé. Depois do abandono e do acidente que lhe causou sequelas ela tinha apenas um destino sombrio à frente. Todavia, acabou recebendo como prêmio o “Éden Canino”, vivendo no melhor lugar onde um cão jamais sonharia viver. Livre, solta, independente, sem coleiras, sem espaços exíguos, sem opressão e sem regras. Careca tem a felicidade que eu gostaria de ter. Carrega no corpo a marca de sua vida de desventuras, mas conseguiu vencer a despeito de suas tragédias.

Está pronta para reencarnar como uma menina na próxima vida. Espero apenas que ninguém tenha a ideia de lhe colocar este apelido.

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Amor aos Animais

Muitos relacionaram a morte de um cão no supermercado com a morte de um garoto por asfixia, igualmente em um supermercado carioca. Para mim não cabe aquilatar mortes inúteis e violentas, mas tentar entender porque ocorreu o sofrimento e a indignacao com uma e a aparente desconsideração com a outra nas redes sociais. Aqui vai minha opinião sobre os fatos:

“O “amor aos animais” é um sentimento contemporâneo cuja amplitude se relaciona a três fatores sociais: a diminuição do número de filhos, a solidão das famílias mononucleares em cidades e o desamparo da velhice – a qual perde função no capitalismo. Os animais entram como muletas afetivas para dar conta da ausência de iguais a nos suprir do afeto que sempre nos acompanhou durante a história da humanidade. Como eu costumo dizer, entendo perfeitamente o benefício que os “pets” produzem em casais sem filhos, crianças privadas de irmãos e velhos afastados de filhos e família, mas tenho sérias dúvidas dos benefícios que tais animais, enjaulados em apartamentos, têm da convivência com os seres humanos.

Outra curiosidade já citada é a seletividade com os animais. Existem campanhas altamente emocionais para a proteção de cães, gatos, baleias, pandas e golfinhos, mas não para um atum (que é do tamanho de um golfinho), minhoca, mosca, lesma, carrapato, etc. Por que alguns animais são dignos do nosso amor e outros não? Qual a diferença entre um cachorro e uma hiena, e porque ninguém se preocupa com estas últimas?

Ora, a resposta é simples e não está nos animais, mas em nós. Os cães, gatos, golfinhos e baleias são animais onde é possível se produzir uma antropomorfização, humanizá-los a ponto de encontrar atitudes e sentimentos tipicamente humanos, mesmo que imaginários. É possível fazer essa transmutação em um golfinho, mas não em um tubarão ou atum. O que nos atrai nesses animais é sua aparente humanidade, o que para eles só faz sentido como estratégia de sobrevivência: adaptar-se e agradar o opressor. Assim, gostamos dos bichos por eles se assemelharem a nós, inclusive fugindo o mais possível de sua natureza animal. Admitimos desconfigurar completamente a instintualidade dos animais, desde que nos ofereçam o afeto que carecemos.

Certamente que o amor aos pets é um sintoma neurótico, mas o que não é? Meu apreço por futebol cabe por completo nesse conceito: pura neurose compartilhada. Não há nada de errado ou pecaminoso nisso, e eu mesmo tenho apreço pelos que lutam pela dignidade animal. Todavia, creio que a negação da origem desse amor é que o torna problemático.

O que torna mais dramática a morte do menino negro do supermercado é a capacidade de nos identificarmos mais facilmente com a ilusória humanidade de um cão e não com a de um jovem negro de periferia.”

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