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O Surto

O Brasil se enche de medo diante do surgimento de mais um modismo americano importado pelas ações irresponsáveis do governo Bolsonaro: as chacinas em escolas. Recentemente houve uma na cidade de Blumenau – uma das regiões onde proliferam grupos nazistas – em que um sujeito matou várias crianças com golpes de machadinha. Imediatamente houve uma divisão entre aqueles que consideram a ação “maldade”, enquanto outros tratavam o fato como “surto”. Um surto psicótico pode ser entendido como um processo abrupto de desorganização psíquica e emocional, onde se observa principalmente a perda de noção da realidade, conjugado com um comportamento descompensado e psicótico (fora da realidade objetiva). Durante a emergência do surto psicótico a pessoa pode apresentar sinais como: confusão mental, delírios, alucinações, catatonia (paralisada, sem reação), discurso desorganizado ou incoerente, mudança de humor, perda da noção de tempo e outros.

É óbvio que, pela infinita variabilidade das respostas emocionais do ser humano, os surtos não são todos iguais, e não é justo nem adequado julgar o surto alheio. Se alguém dissesse “quando eu surto vou à luta, não fico chorando” todos concordaríamos que se trata de insensibilidade e falta de empatia com a maneira como reagimos aos nossos dramas. Portanto, dizer que existem “surtos aceitáveis” enquanto outros não o são é desprezar o próprio conceito de surto, qual seja, a emergência de conteúdos psíquicos incontroláveis pelos nossos processos internos de proteção e controle.

Eu não sei o que moveu o rapaz que cometeu a barbárie de Blumenau mas acredito que este tipo de ação dificilmente poderia ser explicada pela neurose. Desta forma, acredito que é lícito chamar esta ação de surto, até porque ela não cabe na nossa compreensão; ela atinge de forma brutal a concepção mais básica de respeito à vida. Em verdade, estes atos brutais que nos agridem de forma coletiva, são produzidos por mentes deformadas e enfermas, sem o que não haveria possibilidade de enfrentar os freios mentais que nos constituem e impedem a “passagem ao ato“. Entretanto, para que este tipo de manifestação possa aflorar na sociedade é também necessário que exista um ambiente cultural propício, produzido por um campo simbólico onde estas palavras circulem sem a devida interdição.

Aqui é que entra o Bolsonarismo com seu culto à morte e à destruição. Sem a “arminha”, as palavras de ordem, os slogans fascistas, o punitivismo, a divisão moral da sociedade – vagabundos x cidadãos de bem – as motociatas mussolinistas, a pulsão de morte pulsante e vigorosa, as bravatas e a corrupção pequena, gatuna e sorrateira, não haveria o caldo adequado para o aparecimento destas aberrações. O mesmo elemento se vê no acréscimo da violência doméstica machista ou nos crimes políticos, onde os agressores são quase todos aliados da extrema direita fascista. Agente e terreno propício produzem os resultados que testemunhamos, na construção dialética complexa que nos caracteriza.

Portanto, se é verdadeiro que a alma deteriorada do sujeito é a semente que faz germinar a brutalidade de suas ações, também é certo que o terreno fértil de uma sociedade doente pelo fascismo é fundamental para que a erva daninha dos crimes absurdos e inaceitáveis possa crescer e se espalhar. De nada adianta eliminar estas sementes sem cuidar do terreno; além disso, arrancar o inço não resolve o problema, já que a sociedade desequilibrada e perversa os produz de forma incessante. A perspectiva punitivista serve apenas para fomentar a sensação de vingança, mas em nada modifica a estrutura social viciosa que estimula e promove o crime.

Resumindo, para deixar bem clara a minha posição: a frase “não chamem de surto o que é pura maldade” está no mesmo nível de “não chame de doente quem é bêbado, nele existe apenas falta de caráter”. O preconceito com a doença mental continua vivo e forte, manifesto no discurso cotidiano, tanto o popular quanto aquele mais rebuscado. Todavia, também é verdade que a expressão dessas condições na cultura ocorre na vigência de contextos sociais que os incentivam ou reprimem. Se é adequado tratar o sujeito enfermo é igualmente justo e necessário cuidar da sociedade doente.

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O abandono do macho

Lee Van Cleef, em “3 Homens em Conflito” (1966), o protótipo perfeito do “homem mau”…

Hoje escutei de novo a frase: “Nem todo homem, mas sempre um homem”….

A ideia é de que, sempre que um fato ruim ocorre na sociedade – que envolva violências ou abusos – haverá um homem envolvido. Sim, alguns homens não são perversos, abusivos ou malignos, mas na malignidade e na perversão sempre haverá um macho envolvido. Os homens são a raiz e a fonte de todos os males, a violência, a perversão e o horror.

Sabem por quê? Porque as pessoas que usam essa frase com o propósito de atacar os homens acreditam piamente que as mulheres não cometem erros graves, não produzem crimes e jamais têm atitudes perversas. Devotam uma fé inabalável na perspectiva de que pessoas oprimidas são moralmente superiores aos seus opressores.Para estas pessoas existem diferenças espirituais entre os sexos, e os homens se encontram em um plano inferior em relação às mulheres. Pense nisso quando alguém acusar os homens de machistas. Sim, porque o machismo é a “crença de que os homens são – para além das diferenças físicas – moral e intelectualmente superiores às mulheres“; porém, essa perspectiva de mundo é combatida por todas as pessoas que desejam um mundo equilibrado, com justiça e equidade. O machismo é a ideologia que tenta sustentar um sistema baseado na opressão.

Agora pergunto: por que deveríamos aceitar quando alguém afirma que os homens são moralmente e intelectualmente inferiores às mulheres? Por que achamos que tal acusação deveria ser tratada de forma diversa? Por que achamos que é justo passar pano para estas atitudes sexistas? Que tipo de sociedade desejam aqueles que consideram todos os homens – e não apenas aqueles que cometem erros e crimes – como se fossem inferiores, malévolos e perversos – os famosos “estupradores em potencial”?

Atentem para o fato de que tratar os homens (metade da população mundial) como os inimigos do progresso e da justiça fez com que o homem branco, cis, hétero e de classe média (a descrição do vilão contemporâneo) se refugiasse nos movimentos de direita – e até no fascismo. Isso porque foram tratados pelos identitários (que invadiram os movimentos de esquerda) como os inimigos, como o “problema” a ser resolvido na sociedade. Para estes grupos – criados nos laboratórios e “think tanks” do partido Democrata americano – o que existe de errado nas sociedades contemporâneas é o homem e sua visão de mundo. Mais do que o patriarcado, é a masculinidade que espalha o mal pelo planeta. “Fossem as mulheres a governar seria tudo diferente“, o que é um exemplo clássico de idealismo, pois que nenhum exemplo existe para nos mostrar as diferenças morais e de competência entre as mulheres que ocuparam posições de poder.

O que faziam tantas mulheres – e de todas as cores – nas manifestações que exigiam a volta da ditadura – em 1964 e agora mesmo nos piquetes bolsonaristas? Como se comportaram as mulheres quando alcançaram o poder? O que dizer de Margaret Thatcher ou Madeleine Albright – responsáveis pelo aniquilamento dos trabalhadores ou pela morte de milhões de árabes nas invasões imperialistas? “Essa é uma pergunta difícil. Mas, sim, achamos que valeu a pena”, disse a ex-secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright, quando, em 1996, lhe perguntaram sobre a morte de 500 mil crianças no Iraque. Já a Dama de Ferro teve sua morte comemorada por multidões na Inglaterra. A políticas neoliberais desta senhora resultaram na destruição de 20% da indústria inglesa entre os anos 1979 e 1981, maior até que o estrago na indústria causado pela força aérea alemã na II Guerra Mundial, resultando em mais de 3 milhões de desempregados. Esses simples fatos se chocam com a visão do “homem mau e perverso“, ou da famigerada expressão “sempre eles“.

Coloquem homens e mulheres, dotados de uma visão burguesa no controle de suas sociedades, e não haverá como reconhecer-lhes o gênero apenas avaliando suas ações. Não parece que existam tantas diferenças assim como alguns querem nos fazer crer; o que fica claro é que esses desvios de caráter não atacam apenas o cromossomo Y. Por esta razão simples, as esquerdas precisam urgentemente se reciclar nesse aspecto, trazendo os homens para – junto com as mulheres – criar uma sociedade mais equilibrada e justa. Abandonar o discurso identitário, de defesa das questões de gênero acima da luta de classes, é uma urgência. Rechaçar os homens do debate das esquerdas está na gênese do aparecimento do maior ícone contemporâneo dos homens ressentidos: Jair Bolsonaro. Todavia, muitos daqueles homens que se uniram a esta corrente de rancor e fanatismo poderiam ser recuperados não tivessem sua condição masculina tratada como defeito ou danação por aqueles que, na esquerda, se consideram progressistas.

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Divisões

Em termos políticos e sociológicos, dividir para conquistar (ou dividir para reinar) consiste em ganhar e manter o controle de uma determinada região por meio da fragmentação das maiores concentrações de poder, impedindo sua unidade e força. Esse conceito foi utilizado pelo governante romano César (divide et impera), Filipe II da Macedônia e o imperador francês Napoleão (divide ut regnes). Maquiavel cita uma estratégia semelhante em “A Arte da Guerra” (Dell’arte della guerra), dizendo da importância imperiosa em fragmentar as forças inimigas. Divisões sempre foram o maior interesse do Imperialismo. O sonho do Império Atlantista – ou Otanistão – liderado pelos Estados Unidos, era uma Iugoslávia dividida, e para isso fomentou a guerra fratricida do Kosovo, destruindo o sonho de Tito de uma nação eslava forte e unida. O desejo americano sempre foi uma Alemanha dividida, o que conseguiu por um certo tempo. O interesse do Império sempre foi dividir o Vietnã, a Coreia e a Rússia, assim como tentou com a China durante todo o século XIX. Para a América Latina – como bem cantou Pablo Milanés – ocorreu uma divisão artificial produzida pelo Império Britânico, contrária aos sonhos de Simón Bolivar. Mais modernamente, o Sudão foi dividido arbitrariamente com esta mesma lógica, claramente estimulado pelas nações colonialistas.

Até hoje se estimulam rivalidades e até guerras regionais na América Latina, como os ataques a Cuba, Nicarágua e Venezuela, não por acaso os três países que se impuseram orgulhosamente contra as determinações do Império Americano e, por isto, sofrem boicotes, ataques, sanções, atentados e golpes frequentes, todos eles financiados pelo grande capital internacional.

O próprio identitarismo parte da mesma percepção de mundo, e a través da estratégia de estímulo ao divisionismo como forma de enfraquecer a reação ao domínio. Uma sociedade pulverizada por identidades regradas por identidade sexual, raça, orientação sexual, etnias – onde um negro miserável se sente inimigo do branco explorado e pobre, a quem chama de “opressor” – também foi uma estratégia de sucesso do capitalismo americano, através do “leftismo” do partido democrata que, ao invés de abraçar as pautas socialistas e progressistas (eliminação da miséria, fim dos sem teto, sistema único de saúde, estímulo à reindustrialização), se entregou à defesa das minorias oprimidas, fragmentadas e divididas, assim como da “diversidade”, colocando operários e trabalhadores uns contra os outros como se a cor de sua pele ou sua sexualidade fossem reais barreiras para a integração, mais importantes do que a sua condição de classe.

É curioso que agora tantos falem no Brasil que “eles querem impor a divisão”. A frase é verdadeira, desde que se defina quem são eles. Falta a estes, que agora atacam os nordestinos pelo seu maciço apoio à candidatura de Lula, a percepção geopolítica de que “eles” se refere ao IMPERIALISMO, força que aqui no Brasil está ligada à extrema direita – Bolsonaro e seus seguidores. Quem realmente aposta na união nacional são os partidos da esquerda revolucionária e internacionalista, os quais reconhecem a importância da união dos povos em torno das pautas de apoio e de fortalecimento do operariado. É importante também, em meio a tantos ataques xenofóbicos contra o nordeste, entender o significado desta região para a construção do que hoje entendemos como Brasil. Nossa mensagem deve ir direto ao coração do eleitorado do sul e sudeste, este que deram seus votos a um racista declarado – Bolsonaro – e que agora depreciam o nordeste tratando esta parte do Brasil como subdesenvolvida e atrasada.

Os nordestinos salvaram o Brasil do fascismo que está presente em toda a história e as ações de Bolsonaro e – também por isso – seremos desta região eternamente devedores.

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Requentando Celso Daniel

Deixa eu explicar dessa forma: Élcio de Queiroz, o assassino de Marielle e Anderson, horas antes de cometer o crime foi ao Vivendas da Barra, condomínio de luxo na Barra da Tijuca, e apertou no número 58, exatamente a casa de Bolsonaro. O porteiro contou à polícia que, horas antes do assassinato, em 14 de março de 2018, Élcio adentrou o condomínio e disse que desejava ir à casa do então deputado Jair Bolsonaro. Não se trata de uma especulação; há provas materiais disso. Marielle era desafeto de Flávio, mal vista por Carlos e inimiga das milícias cariocas – a cloaca que sustenta Bolsonaro. Façam as contas…

Existem muito mais provas de que Bolsonaro está envolvido na morte dessa moça do que suspeitas para colocar culpa em alguém do Partido dos Trabalhadores na morte de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André – ele próprio um integrante do PT. A partir de insinuações de que houve uma possível motivação política envolvida na morte de Celso Daniel o caso foi foi amplamente investigado em São Paulo por uma polícia ligada ao PSDB, que teria todo o interesse em jogar a culpa deste caso no PT.

Enquanto isso, resultado de todas as investigações conduzidas mostra, de forma inequívoca, que a morte de Celso Daniel foi comprovadamente um crime comum. Sequestraram o sujeito errado. Não resta dúvida sobre isso. Vinte anos depois, pelo desespero da mídia e pela falta de realizações do governo atual o caso está sendo requentado para atacar Lula e o PT e – de novo – forjar a narrativa mentirosa de que o partido dos trabalhadores é uma organização criminosa, enquanto os partidos patronais e do grande capital são honestos e virtuosos, mesmo que todas as provas e a nossa experiência recente apontem para o oposto disso. O ex delegado geral da Polícia Civil de São Paulo, Marcos Lima Carneiro, afirma que se “Sombra” – amigo de Celso Daniel – tivesse sido condenado como mandante do crime, como querem os conspiracionistas, este seria um dos maiores erros da história do judiciário brasileiro.

O caso Celso Daniel foi julgado há mais de 20 anos, e nada foi comprovado além do óbvio: crime comum. Houve 4 inquéritos independentes: um da polícia federal e três da polícia civil que levaram à mesma conclusão: um crime comum. Atualmente a deixa para reabrir o caso estaria em um depoimento do condenado Marcos Valério que teria feito delações a respeito do caso. Mais ainda, Marcos Valério disse essa barbaridade para ganhar alguma vantagem. Seu depoimento é o seguinte: “ouvi de algumas pessoas que me falaram que….”. Marcos Valério também fala de um dossiê com provas sobre o caso que teria sido escrito pelo próprio Celso Daniel, mas que teria sido destruído. A própria Lava Jato não aceitou a cena feita por Marcos Valério, por ser inconsistente e carecer de provas. Até ela…

Vamos combinar que o espetáculo midiático protagonizado por Marcos Valério é pior que uma delação sem materialidade; trata-se da exata definição de uma “fofoca”, uma mentira contada para ganhar algum benefício espúrio, porque o Valério sabia que na Lava Jato aceitariam qualquer coisa que envolvesse o PT. Além disso, pense bem. Caso Celso Daniel tivesse sido morto por alguém do PT, o que o PT enquanto instituição teria a ver com isso? Por acaso a morte do petista em Foz do Iguaçu, cometido por um bolsonarista fanático, significa que o próprio Bolsonaro ou seu partido o mandou matar? É isso que a direita pensa sobre o caso? A culpa é do partido dele? Até onde o lavajatismo mais tacanho, misturado com o bolsonarismo paranoico pretende levar essa fábula?

A história requentada de Celso Daniel, agora com especial na TV Globo, jogando dúvidas sobre um caso mais do que esclarecido, é mais uma cartada goebbeliana conhecida e muito utilizada pela grande mídia e pelo esgoto do “Gabinete do Ódio”: repetir uma farsa ad nauseum, para convencer aqueles que assim desejam se deixar enganar. Não importa que o caso esteja encerrado e não interessa que nunca tenham surgido provas. Pouca relevância tem o fato de que Marcos Valério usou este estratagema para conseguir algum benefício em sua pena através do recurso de agradar os abutres do Ministério Público, sedentos de – literalmente – qualquer coisa para implicar Lula e o PT em algum tipo de escândalo. O objetivo sempre foi político, jamais policial e nunca pela busca da verdade.

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Dicotomia é o meu pai de óculos

É um erro (ou oportunismo) difundir a ideia de que nós estamos “dicotomizados” agora; de um lado a “extrema esquerda” (o PT) e do outro a “extrema direita” (o bolsonarismo). Está se tornando corriqueiro um discurso patético que tenta colocar a esquerda como antípoda do bolsonarismo, como se fossem as duas faces da mesma moeda do extremismo. O ápice dessa perspectiva veio hã poucos dias quando parte da mídia corporativa anunciou que o ato terrorista – onde um bolsonarista fanático atirou e causou a morte de um petista – foi decorrente de uma “troca de tiros”. Seria o equivalente a noticiar que Israel “troca agressões com os militantes Palestinos”.

Durante anos o PT disputou com o PSDB – um partido de direita – a hegemonia da nação. De um lado FHC, Alckmin, Serra e Aécio pelo PSDB e de outro Lula e Dilma pelo PT. Nesses sucessivos embates o PT foi vitorioso em todas as eleições limpas deste século, mas exatamente por isso foram necessários golpes – com o STF com tudo – para evitar que uma nova vitória ocorresse na última eleição presidencial. Entretanto, o caso mais grave de agressão nesses anos todos foi uma bolinha de papel que levou o candidato José Serra para um hospital para fazer uma tomografia cerebral.

Até a derrota de Aécio em 2014 nunca houve relatos de mortes, assassinatos, ameaças à democracia ou golpes. Foi com Aécio que se abriu a caixa de Pandora do fascismo, quando o candidato derrotado disse (na verdade ele prometeu) que o “PT não ia governar” e que eles boicotariam toda e qualquer possibilidade de governabilidade. Depois dessa manifestação – a semente do mal – vieram os golpes sucessivos. Primeiro o impedimento de Lula virar ministro, depois o golpe contra Dilma, em seguida a prisão ilegal de Lula, seu impedimento concorrer, a facada falsa, a ausência de Bolsonaro nos debates e a eleição deste fascista. Tudo isso a mando dos Estados Unidos para nos roubar empresas estatais estratégicas como Petrobrás, Eletrobrás, e Embraer, assim como para acabar com as empreiteiras multinacionais brasileiras e a indústria naval.

Enquanto não havia fascismo no governo a “dicotomia” estava confinada às ideias e ninguém temia ser morto ou ameaçado por pensar diferente. Tudo isso mudou com a chegada dos milicianos ao poder, inaugurando a barbárie e o vale tudo. Já não há mais “dicotomia” entre partidos e ideias como outrora; a diferença de hoje é entre civilização e barbárie, Estado ou milícia.

E agora o presidente fascista diz que a população deve se armar para dar tiros em nome de Cristo, para proteger a propriedade privada acima da vida humana, e para garantir que os ricos fiquem cada vez mais ricos…. e que os pobres continuem a sustentá-los.

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Kardec e o conservadorismo

Um pouco antes de desencarnar meu pai expressou uma evidente preocupação em relação ao futuro do espiritismo, projeto no qual militou durante toda sua vida. Depois de sua morte voltei a me ocupar das ideias espíritas, em especial os estudos sobre imortalidade da alma e sobre a reencarnação. Acabei encontrando no Facebook grupos de debates espíritas, do Brasil e do exterior. Percebi, então, que os fóruns espíritas estão lotados de reacionários.

Eu percebo isso há 40 anos, e basta olhar para o meu círculo de amigos da juventude espírita para constatar essa obviedade: quase todos são adultos de direita, a imensa maioria conservadores e moralistas e uma parcela menor – porém ativa – de reacionários e protofascistas. Muitos garotos maravilhosos da juventude espírita hoje estão nesse último grupo e desfilaram com a camisa da seleção fazendo coro aos gritos misóginos contra Dilma, aplaudindo os paladinos Moro e Dalanhol, e agora apoiando Bolsonaro e sua milícia.

Desta forma, o espiritismo, em que pese sua visão reencarnacionista e teoricamente progressista, em nada difere dos evangélicos, pentecostais, dos protestantes e dos católicos. São todos um grande grupo de conservadores cheios de culpa cristã, direitistas e muitos deles francamente alienados. O espiritismo jamais conseguiu produzir em seus seguidores uma mentalidade progressista, socialista, anticapitalista, mesmo quando as sociedades espirituais descritas em livros espíritas muito se assemelhassem a sociedades de caráter comunista – como Nosso Lar.

Entretanto, no meu modesto ver, o espiritismo se baseia em três premissas básicas e inalienáveis, sem as quais perde sua essência:

1- A existência de Deus
2- Pré-existência e sobrevivência da alma
3- Reencarnação.

É só isso, nada mais. O espiritismo não tem nada a dizer sobre modelos econômicos, sobre aborto, sobre feminismo, sobre ditaduras, sobre economia, sobre sexo, sobre casamento gay ou sobre quaisquer questões mundanas. O espiritismo pretende provar a existência de sentido universal (Deus), que a alma é imortal, que precede a vida e se mantém depois dela. Mais ainda, que a reencarnação é um método pedagógico de crescimento intelectual de um espírito entendido como imortal. Nada além disso.

Os postulados espíritas apenas muito indiretamente influenciam a “moral”, e eles seriam apenas acessórios de uma solução que pode ser buscada mais facilmente nesse mundo, sem precisar de recursos transcendentais.

Sim, a sobrevivência da alma nos deveria fazer abandonar as posturas punitivistas por entender que não existem espíritos cujos erros seriam imperdoáveis. No grande cenário, ninguém está livre de cometer crimes terríveis. Dou mais um exemplo: a ideia das múltiplas encarnações em gêneros diferentes poderia nos oferecer uma complacência maior com as opções de orientação e identidade sexuais. Todavia, os espíritas conservadores usam o argumento de que a orientação “desviante da norma” e a identidade “diversa da biologia” são provas e expiações que o espírito deve enfrentar para “vencer as provações”, suplantando suas “más inclinações”. Acreditem, escutei muito isso em casas espíritas, onde a “sublimação do pecado” era a tônica.

Desta forma, até a perspectiva progressista evidente dos gêneros vicariantes sucumbe diante do moralismo conservador e cafona inexorável do espiritismo cristão.

A ideia de Deus no espiritismo está expressa nos escritos de Kardec, e recebe do professor Hippolyte a questão primeira do “Livro dos Espíritos”, obra principal que funda o espiritismo. Todavia, seria lícito imaginar um espiritismo fiel à ideia de sobrevivência da alma e da reencarnação – entendidas como leis naturais, como a lei da gravidade e a reprodução – mas que fosse independente da ideia de um Criador?

Eu acho que sim, mas creio que isso produziria um conflito lógico complexo ao se perguntar “Ok, mas para quê? Por qual razão manter o espírito imortal? Por que voltar a nascer? Qual o sentido último da reencarnação se não houver um objetivo, qual seja, a depuração de nossas falhas?” Desta forma, para que a reencarnação e a imortalidade da alma fizessem sentido, seria fundamental dotá-las de propósito e direção, que a ideia de uma “inteligência suprema, causa primária de todas as coisas” é capaz de oferecer.

O resto que vemos do espiritismo contemporâneo emerge da impregnação religiosa que nos foi deixada como legado pelo sincretismo, o que tornou o espiritismo (lamentavelmente) uma seita cristã, repleta de códigos de condutas morais e cheio de culpas e remorsos – como de resto todo o cristianismo. Por isso a obra de Chico Xavier é cheia dessas referências moralistas – em especial quanto à expressão da sexualidade – e hoje profundamente defasada. Também por essa razão as casas espiritas são tão marcadamente conservadoras.

Todavia, esse torniquete comportamental não é a função do espiritismo, que deveria ser tão somente uma ciência e uma filosofia que considera a experiência material que vivemos como uma das muitas etapas de transformação do sujeito espiritual.

Por isso eu me incomodo há tantos anos com o conservadorismo e o moralismo dos espíritas, em especial porque os palestrantes e figuras exponenciais adoram ditar regra sobre a moral alheia, em especial a sexualidade. Infelizmente o espiritismo teve em seu criador (sem essa de “codificador”) um católico austero e severo do século XIX, que impregnou de cristianismo seu trabalho. Essa opção por Jesus, ao mesmo tempo que disseminou sua obra na carona das palavras do Cristo, hoje cobra um alto pedágio, pois o espiritismo estaria muito melhor enquanto ciência e filosofia sem a presença incomoda da cristolatria.

Já escrevi muito sobre o conservadorismo das personalidades espíritas – do Chico Xavier apoiador da ditadura ao Divaldo Franco que exaltou publicamente a “República de Curitiba” et caterva – mas acredito que esse é um traço dos espíritas (pelo viés da religião e da moral cristã) e não do espiritismo enquanto doutrina. Este, na minha modesta visão, não deve se ocupar das coisas da Terra, seus costumes e suas regras. O verdadeiro espírita se preocupa apenas com a tríade de sustentação da doutrina: Deus, imortalidade da alma e reencarnação. O resto é debate mundano; fundamental, por certo, mas que cabe aos encarnados resolverem, e não aos espíritos.

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Humanização de direita

É possível ser a favor da Humanização do Nascimento e ser “fascista”?

Acho que não, mas é melhor só usar a palavra “fascista” com respeito adequado ao seu conceito. Talvez melhor seria perguntar se é possível ser a favor da Humanização e ser de direita.

Existem milhões de matizes que exigem avaliação bem minuciosa. Não se trata de uma postura do “Bem contra o Mal”. A realidade é bem mais complicada do que qualquer limite estabelecido pelas simplificações maniqueístas.

Por exemplo, nos Estados Unidos a situação dos humanistas no espectro político é bem interessante no que diz respeito às suas origens no início dos anos 70, onde seu aparecimento esteve ligado aos movimentos “new age” e “espiritualista”.

Por esta origem atraiu muitas parteiras “espirituais”, ou “spiritual midwives”. Isso lembra alguma coisa? Pois é…

Além disso, essa fonte atraiu parteiras cristãs, que se opõem ao aborto de forma muito intensa. Algumas criaram o mais importante jornal de humanização do nascimento nos EUA. Outra curiosidade: muitas parteiras espirituais, oriundas dos movimentos “beatnik” e “hippie” são brancas, e foram recentemente atacadas pelas parteiras e doulas negras, que se sentem agredidas pelo seu “racismo estrutural”.

Com isso houve uma cisão entre os movimentos de humanização liderados pela MANA e os fortes grupos identitários de parteria negra. Como é bem sabido, os movimentos contrários ao identitarismo nos Estados Unidos se situam à direita do espectro político.

Conheço mulheres que são favoráveis à humanização do nascimento exatamente porque desejam garantir seu direito de parir em casa, um direito individual mais afeito aos propósitos da direita, já dentro do espectro liberal. O mesmo com o desejo de “homeschooling” ou contra a “obrigatoriedade de vacinas”. Nos meus grupos da Internet existe muito desse discurso que se poderia chamar “libertário”. O mais chamativo dessas comunidades é “Separation of Birth and State”.

Sim, humanização e de direita, contra a ação do Estado nos nascimentos.

Assim, é razoável imaginar que pessoas que enxergam o mundo pela perspectiva da liberdade, da autonomia e da livre determinação estejam à direita, contra o reforço do controle estatal e à favor da desregulamentação.

Humanização conservadora. Por quê não??

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Limites

Passados exatos 100 anos os fascistas na Itália já eram responsáveis pelo assassinato de cerca de 600 italianos, uma mostra da total impunidade dessas milícias que, por princípio, preferiam usar pedaços de pau e não armas contra seus inimigos – sindicalistas, socialistas, comunistas – pois seu objetivo essencial era humilhá-los, e não dar cabo de suas vidas.

Um médico na Itália, de sólida reputação e posição social, foi vítima dessas brigadas fascistas. Por sorte não morreu, mas recebeu seu quinhão de tortura e humilhação. Seu filho, ainda pequeno, a isso presenciou com terror, amargura e indignação.

Nesta época era comum na Itália que estas facções criminosas, os “camisas negras”, emboscassem líderes sindicais e atirassem nos joelhos, para que eles nunca mais pudessem andar; essa ação se chamava gambizzare. Outra prática era a purga: constranger o sujeito a beber litros de óleo de rícino para provocar tormentos na barriga e no intestino. Também havia ataques aos sindicalistas e líderes operários com correntes; esses eram os castigos determinados para o “crime” de liderar as reivindicações dos trabalhadores.

Assim era o pânico desse menino, que o aterrorizava todos os dias: receber à noite seu pai alvejado e tornado inválido pelos camisas negras fascistas. A guerra acabou. Mussolini foi executado e sua família foi exposta ao ódio que ele tanto semeou. O fascismo esmaecia na Itália e os camisas negras tornaram-se a triste memória da crueldade e do horror. Esse menino, filho do médico, já adulto volta à Itália já graduado depois de ter estudado com a nata do pensamento freudiano na França, tornando-se psicanalista. Abre uma consultório e começa a atender seus pacientes.

Certo dia encontra em sua sala um cliente novo, homem maduro à procura de atendimento. Trata de assuntos domésticos, angústias, dores do passado. Relata minuciosamente suas neuroses, suas dúvidas e suas feridas abertas. O atendimento continua sem novidades por algumas semanas até o dia em que ele conta de seu passado na Itália fascista, e revela que pertenceu a um grupo de agitadores cuja missão era atirar no joelho dos sindicalistas. Ele havia participado das gangues de “gambizzare”.

Nesse momento de revelação o coração do jovem psicanalista congelou. Por seus olhos passaram as cenas de terror e medo de sua infância, na iminência de ver seu pai voltando para casa baleado, aleijado ou morto, seu ativismo castigado pelos porretes e tiros dos camisas negras. Diante dessa confissão, nada falou, mas percebeu que uma lembrança muito sensível de sua alma foi atingida.

Na consulta seguinte pediu ao paciente que procurasse um colega. Criou uma desculpa qualquer e se despediu. Sentiu que havia sido atingido em um local por demais delicado de sua constituição emocional, ferindo mortalmente a relação que recém se havia iniciado.

Mas e quanto à isenção do profissional? E o que dizer da escuta sem preconceitos e julgamentos?“, perguntou o aluno, ao escutar a história contada pelo mestre.

Ora, não existe escuta isenta. Não há ouvidos que não transformem e metabolizem histórias no curto trajeto entre o tímpano e os sentimentos mais profundos. Exigir de um terapeuta que não seja tocado pelas narrativas que encontra em sua escuta cotidiana é pedir que negue o que há de mais humano em si. Se é justo pedir que as emoções e a perspectiva de mundo de um analista não conduzam um tratamento, também é correto aceitar que a carne que o constitui é suscetível às palavras e seus significados.

“Cada um sabe de seus limites”, respondeu ele com simplicidade. Da mesma forma, quando médicos invocam a “objeção de consciência” para recusar uma demanda podem estar falando de suas limitações diante da dramaticidade das escolhas que são obrigados a tomar. Não é justo tratá-los como se habitassem corpos ausentes de alma.

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Psicopatia

Eu acho que Bolsonaro é um psicopata e seus filhos também, mas igualmente reconheço que usar essa particularidade – um diagnóstico médico asséptico – como explicação para o que temos agora é pura tolice. Nunca é tarde para lembrar que Bolsonaro é um SINTOMA social, a agudização de uma doença crônica da sociedade, o racismo pervasivo na cultura e o preconceito de classe levando ao despertar do fascismo – que dormia silencioso desde o fracasso da ditadura.

Ao eliminar-se a figura pública do Bolsonaro NÃO decorre o fim das forças que o colocaram no poder. Surgirá a necessidade por parte dessa enorme parcela fascista e racista da sociedade para encontrar um ícone que galvanize seus ideais e sua perspectiva de mundo. E não são poucos os que desejam este posto.

Culpar Bolsonaro et caterva pelo desgoverno atual é apenas parte da solução. Mais importante é combater os golpistas que moram no condomínio, os milicos extremistas anticomunistas, os empresários que os sustentam e a parte deteriorada da sociedade que despreza a democracia e clama pela volta do horror, das torturas, da violência policial e do silenciamento das vozes dissonantes.

Estudo que rotulam o comportamento de Bolsonaro como típico de psicopatas em nada auxiliam na cura do problema social que Bolsonaro representa. Sinto que, a exemplo da Alemanha em meados do século XX, somente uma gigantesca tragédia será capaz de eliminar essa mancha escravagista da sociedade brasileira.

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