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Casamentos

O segredo das relações longas não está exatamente no caráter, na espiritualidade, na moral ou nas condições econômicas dos casais envolvidos, mas no desejo – ou necessidade – de que esta relação tenha sucesso. Ou seja, não está sequer no amor, mas na fantasia compartilhada de que a união se mantenha viva por um valor intrínseco a ela. Isso não significa que qualquer um de nós precisa manter relacionamentos insatisfatórios. Aliás, ninguém defende mais manter relações que são apenas fantasmas ambulantes, resquícios de algo que há muito morreu, mas que apenas não foi ainda devidamente enterrado. Todavia, o post fala do desejo dos sujeitos para que as relações se mantenham apesar das dificuldades inerentes à qualquer relacionamento humano.

Entretanto, o que se observa hoje é o oposto: pela facilidade dos desenlaces, os casamentos são (ex)terminados diante das mais simples contrariedades. Com a queda da penalização social (não totalmente) as separações ficaram simples, fáceis e rápidas. Em países como a Inglaterra 50% dos casais se separam até 8 anos de relação, mas no Brasil não deve ser muito diferente – em especial na classe média. Isso nos coloca diante de relações afetivas que não conseguem sofrer o saudável amadurecimento que só vem com o tempo, e os divórcios produzem famílias fraturadas, com todas as consequências financeiras e emocionais que daí advém, em especial para as crianças.

Ou seja: não se trata de exaltar relações longas a despeito da infelicidade dos envolvidos, mas um aviso para aqueles que buscam parceria: procurem saber o quanto de dedicação à um relacionamento o(a) parceiro(a) está disposto a empenhar. Paixão e amor são insuficientes para estabelecer a longevidade de uma relação; muito mais importante é o desejo (e a fantasia) de constituir uma parceria. E não há razão em fazer qualquer julgamento de mérito; não acredito que ser romântico – ou seja, acreditar no amor romântico – é um “estado superior da alma”, mas tão somente que estes sujeitos “românticos” são as pessoas mais adequadas para encontrar na vida caso você deseje um amor duradouro e capaz de resistir às intempéries de um casamento.

Helen M. Hofstetter, “Living the Dream – How to Create Valid Relationships”, ed. Pauline, pág 135

Helen Maguire Hofstetter é uma psicóloga e escritora americana, especializada em relacionamentos, nascida em Fort Collins, Colorado. Possui sua clínica em Denver onde se especializou em terapias de casal. Foi por muitos anos colunista de revistas femininas onde fazia aconselhamento para dramas corriqueiros da vida em comum: traições, partilhas, insatisfação sexual, fantasias, questões econômicas, etc. Nos início do século, com a expansão da Internet, criou uma empresa de relacionamentos “on line” chamada “Forever in Love”, onde procurava realizar encontros de casais utilizando sofisticados (para a época) algoritmos onde procurava cruzar perfis na procura de parcerias “perfeitas”. A empresa fechou em 2010, mas a deixou com uma larga experiência sobre as motivações e os desafios de estabelecer encontros duradouros. Escreveu seu primeiro livro sobre a experiência acumulada na “Forever in Love” e causou um certo furor ao afirmar que sua atividade à frente do site – que chegou a ter 100 mil inscritos – apenas lhe demonstrou que os recursos matemáticos e os cruzamentos objetivos produzidos pelo software tinham a mesma eficiência em criar casais duradouros que a mais aleatória das escolhas – como jogar uma moeda para cima e anotar o resultado. Sua conclusão é de que o sucesso destes encontros é muito mais complexo do que pode ser obtido através de uma listagem de escolhas pessoais, preferências, rejeições, expectativas e projetos. Em verdade, segundo ela, eles se encontram em elementos do inconsciente, invisíveis às análises objetivas. Desta forma, passou a exercer sua atividade de uma forma muito mais subjetiva e analiticamente orientada, ao invés de se manter na busca do “par perfeito” através de fatos positivos e mensuráveis. Seu último livro “O Abismo do Amor” nos fala do salto profundo no universo desconhecido do desejo, e da necessidade de reconhecer que as inscrições do inconsciente que nos fazem construir relações duradouras e produtivas não estão acessíveis à olho nu, por mais que os seus resultados estejam à nossa frente. Mora em Denver com seu marido, com quem está casada há 40 anos, e seus cães de estimação, Rolf e Hrowulf.

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Adeus amor…

Durante muitos anos escutei os lamentos de dor das mulheres cujos parceiros ganhavam asas e partiam. Eram histórias carregadas de sentimento, de afetos cortados, de amores interrompidos, de partidas, de camas vazias, de perguntas sem resposta.

Uma dessas histórias me marcou pela tristeza da protagonista. Ela era tão grata ao ex-parceiro que jamais se permitiu odiá-lo, e também porque percebeu a dor compartilhada pela chegada do fim. Certa noite chegou em casa do trabalho e encontrou o marido sentado no sofá da sala, no escuro, com a cabeça entre as mãos e soluçando. Atônita, abraçou-o e perguntou o que havia ocorrido. Como ele não respondia, questionou se houve “algo no emprego”, “dinheiro”, “sua mãe”, “família” e ele só movia a cabeça negando.

Subitamente, ela percebeu que só lhe restava como alternativa aquilo que mais temia. “Sou eu, então?” disse ela, o que ele respondeu balançando a cabeça afirmativamente, gesto que se repetiu quando ela fez a pergunta derradeira e fatal:

– Então… você não me ama mais?

Em outras vezes a reação trazia a crueza das feridas abertas. Indignação, raiva, desprezo. Choro e ranger de dentes. E quanto mais odiavam, mais dolorido era o luto. Aprendi errando a não dizer nada nessas horas. Acabei descobrindo que a identificação com o “outro opressor” podia ser facilmente estabelecida.

“Vocês são sempre assim, todos iguais!!!”, diziam algumas, esperando uma “defesa da classe” que com o tempo percebi inútil e ineficaz. Eu apenas silenciava, oferecendo minha mudez como eco às suas lágrimas. Eu intuía que aquela quantidade imensa de projetos e planos fracassados, transformados em cinza de sonhos, precisava encontrar na palavra seu necessário escoadouro.

Muitas vezes quis abraçar e acalentar estas almas sofridas, mas sabia o quão arriscado estes movimentos são. No fim, creio que o melhor é permitir que a dor de esgote, que curse seu caminho por completo, que passe por todas as paragens e que siga até o fim da linha. Sem atalhos ou desvios.

O Merthiolate do tempo acabava servindo como remédio infalível. A ardência corrosiva do abandono aos poucos dava lugar à aceitação, e depois dela a reconstrução. Para muitas era possível entender e perdoar, abrindo espaço para um novo amor. Sabiam elas que odiar era “adorar pelo avesso”, impedindo o corte duro e necessário dos laços que outrora foram sua razão de viver.

Escrevi isso porque meus ouvidos encontraram “Atrás da Porta” hoje, onde Chico Buarque, na voz de Elis, conta todas estas milhões de histórias com a simplicidade genial dos poucos versos.

“Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar

Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua
Até provar que ainda sou tua”

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Bodas

No passado recente – e com marcas até hoje em dia – a expectativa era que as mulheres se mantivessem casadas para garantir a estrutura da família (célula máter e blá, blá, blá) e o patrimônio. Não eram corajosas ou guerreiras, eram apenas vítimas de um silêncio (auto)imposto pela estrutura patriarcal da sociedade. Casamentos longos são fetiches dessa cultura, ligados ao mito do amor romântico.

Não vejo vantagem alguma em manter-se um casamento – ou qualquer outra sociedade – apenas para dar conta dessa união para a sociedade; se não houver mais nada de positivo a unir o casal, que se separem.

Talvez a única coisa que a taxa de divórcios pode mostrar em uma determinada cultura é a maior ou menor liberdade dos sujeitos para tomar decisões sobre a sua sexualidade.

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Desapego

Eu posso entender as pessoas, como meu pai, que sofreu muito depois que mais de 60 anos de convívio com a minha mãe foram interrompidos pela sua partida. Talvez essa perda fez desgastar muito da sua vontade de permanecer nesse plano. Admiro esse amor que despreza o tempo e a senescência da carne. No caso dos meus pais houve uma união que se manteve firme e forte, algo cada dia mais difícil de encontrar em um mundo de amores fugazes e inconstantes.

Apesar da imagem positiva que sempre guardei dessas uniões, não vejo nelas um valor absoluto. Não há porque acreditar que os casamentos – de qualquer tipo – deveriam continuar para além do tempo em que são úteis e construtivos a ambos. Parece que todos admiram e invejam relações duradouras, mas poucos são aqueles que sabem os martírios que por vezes estão escondidos por trás dessas uniões.

É comum a gente se apiedar do sobrevivente que fica entre nós quando a morte leva o parceiro. A gente diz “coitado” ou “tadinha” porque sabe que a morte de um será devastadora para o outro. Já a morte de alguém que nos é indiferente não nos maltrata nem desanima. Parece que amar é investir na dor de perder.

“Amam-se tanto que o amor deles é sua maior fragilidade”. Como um avarento que, de tão apegado às posses, sofre por antecipação pelo medo de perder sua riqueza. Talvez o segredo esteja mesmo no despojamento. Desapegar-se não apenas das cargas e riquezas materiais, mas também dos afetos, dos ressentimentos, das mágoas e ódios… e dos amores. Quanto mais apego, mais dor

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Grilhões

No futuro só existirão solteiros e bem casados“, já dizia o psicanalista Flávio Gikovate. Creio que sim, mas apenas quando as inúmeras outras amarras que mantém juntas pessoas que não mais se desejam forem plenamente suplantadas. Uma mudança de tal magnitude, onde a plena liberdade das escolhas afetivas se tornará o padrão nos encontros amorosos, levará bastante tempo.

Digo isso porque é ingenuidade imaginar que as correntes que nos prendem são apenas externas a nós, como dinheiro, filhos, condições gerais, moradia, proteção, etc. Não, creio mesmo que a pior servidão é aquela autoimposta; é na forja do inconsciente, na configuração psíquica mais profunda onde se produzem os grilhões mais poderosos.

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Realidades chinesas

Quando das minhas visitas à China, para trabalhar junto às parteiras chinesas, as questões que mais me impressionam são sobre dinâmica familiar. Elas me perguntam muito sobre fatos e situações corriqueiras entre as famílias. Não esqueçam que aqui as famílias são minúsculas. Raros cunhados, quase nenhum irmão (só os mais jovens tem) e gente muito isolada. Elas querem saber miudezas, detalhes, coisas que nunca paramos para questionar.

Por exemplo, elas me perguntaram se “saiu muito caro para o meu filho se casar“. Diante da minha estranheza com a pergunta elas me dizem que para um filho homem se casar os pais precisam pagar tudo: cerimônia, convites, comilança, casa própria, carro, e sustento (mesada mesmo), caso ele ainda não ganhe o suficiente. Eu disse que para o meu filho dei um abraço e um chute na bunda, mas o humor chinês não consegue fazer sinapse com esse tipo de piada. Tive, então, que explicar que não nos sentimos responsáveis neste nível, e que o casamento é uma forma de estabelecer a autonomia por parte dos jovens, e que pagar para eles casarem não parece ser um bom início de vida independente.

Outra pergunta que fazem é “Quem cuida das crianças?” e eu explico que a família ajuda quando pode e que temos creche (baby care) para quem trabalha fora. Elas me explicam que na China essa tarefa é sempre da mãe da moça, quase que uma obrigação social que ela tem que cumprir; não é uma ajuda, mas uma tarefa culturalmente determinada – e cobrada

A outra pergunta é: “Como a sua nora se relaciona com a Zeza?”, e eu respondo que sempre me pareceu a melhor relação possível. Elas dizem que na China as relações da sogra com a nora são sempre conturbadas e belicosas, e existem muitas piadas e histórias sobre este relacionamento. Dizem que genro com sogra é, via de regra, uma relação muito tranquila, mas entre as “mulheres que amam o mesmo homem” ela é conflituosa e complicada. “Que sorte tem sua nora”, disseram elas. Eu disse que a relação da Zeza com a sogra dela também sempre foi ótima, mas fundamentalmente por um fato essencial: minha mãe teve a sabedoria de jamais se intrometer na vida econômica ou afetiva dos filhos sem ser convidada. Creio que Zeza tem a mesma política.

Mac Tavish, meu tradutor, me contou que, quando os chineses viajam para o exterior com seus amigos e se comportam mal na rua (adolescentes), eles fingem que são japoneses e começam a falar “saionara” e “arigatô“. Contei para ele que fazemos o mesmo com os argentinos e ele caiu no chão de tanto rir. Nunca imaginou que essa trolagem fosse internacional.

Conversando com Gillian, minha tradutora chinesa e professora de inglês me atrevo a fazer algumas perguntas da vida na China. Afetos, profissão, família, dinheiro, etc. Ela me disse que recentemente rompeu um namoro de 8 anos. Perguntei se estava deprimida por isso e ela disse que as vezes se sentia triste e só. Ela é uma menina e tem a idade da minha filha.

– Você é jovem e bonita. Não fique triste; daqui a pouco aparece um príncipe encantado.
–  Ah, tem até um menino que eu gosto, muito mais é baixinho.
– Sério?
– Sim, mais baixo que eu (ela tem 1.64m)
– Mas isso é tão importante assim?
– Bem…. eu gosto de homens altos. E, acima de tudo, as meninas chinesas gostam de homens com pernas compridas.
– Ah…. as pernas…

Lembrei da pergunta do camponês ao presidente Lincoln, no conto de Woody Allen:
– Qual o tamanho ideal das pernas de um homem?, perguntou o camponês em desespero.
– Ideal para que cheguem até o chão, respondeu de forma marota o presidente.
A partir da conversa com Gillian tenho outra resposta:

– Ideal para alcançar o coração de uma bela menina (mas esta resposta só vale na China)

Em relação ao parto e nascimento, apesar de testemunhar tantos avanços na China, me impressiona o atraso no debate sobre as posições de parto. Em 1986, há 30 anos atrás, eu comecei a utilizar a posição de cócoras na atenção ao parto, ainda como residente no Hospital de Clínicas. Para mim foi o processo de entrada no universo da humanização, que na época não tinha esse nome e ainda aparecia como “sofisticação de tutela”. Muito tempo depois é que o protagonismo garantido às mulheres se tornou o eixo central ao redor do qual todos os outros valores gravitam. Entretanto, aqui ainda não se fala de parto vertical, e todos os partos são realizados como nos anos 50: perneiras, estribos, gente torcendo ao lado, etc. Minhas aulas todas se centraram na importância de mudar a posição do parto para que esta atitude venha abrir as portas para mudanças mais significativas.

Por outro lado, alguns encontros que eu testemunhei foram extremamente gratificantes. Um desses presentes que a vida me deu foi conhecer a chefe da única Casa de Parto da China, na região do Tibete. Ela se diz parteira mas sua formação é em medicina. O hospital de referência para a casa de parto em que atendem fica há 5 minutos de distância. O número de atendimentos é de 900 por ano, por volta de 2 a 3 por dia. Os maridos nunca assistem partos, mas ela explicou que se trata de uma questão cultural (maridos nunca enxergam a mulher ir ao banheiro). Além disso, nenhum marido jamais pediu para assistir, apesar de que esta solicitação já é muito comum em cidades maiores como Linyi, Qingdao ou Beijing. Lembro do meu pai me falando que assistir o parto de seus filhos nos anos 60 jamais passou por sua cabeça. A taxa de transferência para o hospital é (preparem-se) 1%. Eu perguntei três vezes para confirmar e não dar informação errada. Mortes neonatais acontecem 1x cada dois anos. A clínica é privada e todos pagam o mesmo valor, inobstante a classe social a que pertencem. O valor pelo atendimento completo é ao redor de 1000 yuan (R$ 500.00).

Essa parteira teria muito a ensinar sobre os malefícios que a sociedade moderna (onde a obstetrícia tecnológica é apenas uma das suas manifestações) produziu sobre as mulheres, seus ciclos vitais e sua sexualidade.

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Game Over

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Um parto é como um casamento: uma travessia cheia de percalços, dificuldades, problemas, atrasos, recuos e vicissitudes de todas ordem. De um nascem as esperanças de uma nova vida; de outro uma parceria que nos oferece a oportunidade de crescimento pelo choque constante com o desejo do outro. Tanto quanto os partos, os casamentos são sempre acompanhados da constante sedução da desistência. Basta olhar para o lado e iludir-se rapidamente com a promessa de uma vida melhor desistindo propostas outrora assumidas. Parece-nos tão simples, tão mais fácil e tão mais adequado fazermos as malas e deixarmos para trás um processo que se desenrolava, mesmo que com toda a sorte de transtornos. A tecnologia das cesarianas e dos divórcios nos ofereceu a escapatória limpa e simples para a troca de planos.

Por outro lado, é certo que existem partos e casamentos que precisam ser cortados à faca, pois que se tornam viciosos e agridem as estruturas emocionais daqueles que dele fazem parte. Para a toxicidade de alguns processos não há paciência que resista e nem lenitivo para a tortura do convívio. Para estes, não há porque insistir em um projeto que pode levar a mais tristeza, dor e sofrimento. Entretanto, cada dia mais fica evidente que a simples desistência diante de pequenas discordâncias e contratempos não soluciona as angústias na maior parte dos casos, apesar das crescentes facilidades. Muitos processos que precisariam de um tempo maior de amadurecimento – para sedimentar cumplicidades, reforçar compromissos e aplacar mágoas – são cortados pelas lâminas vorazes dos bisturis e dos cartórios. Nem todos se beneficiam dessa ação radical, e fica claro que é preciso mais ponderação ao fazer escolhas definitivas.

Uma lástima tanta pressa quando o que mais precisamos é paciência, perseverança e vontade de vencer obstáculos. Partos e casamentos duradouros escassearam no mundo moderno, mas será que isso tornou as pessoas mais felizes?

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