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Nossos comerciais, por favor

Clark Gable e Vivien Leigh em “Gone with the Wind”….

Passei os últimos 27 anos viajando para o Centro do Império, em especial para o Texas, e sempre admirei muito a fabulosa máquina de propaganda que hipnotiza os americanos, tornando-os os cidadãos mais controlados e manipulados do mundo. Entretanto, percebi também que as pessoas de lá são iguais a todas as outras de qualquer lugar do mundo – quando observamos sua essência e os sentimentos que a todos nós pertencem.

Todavia, a capacidade de transformar seus pecados em virtudes para consumo interno é assombrosa. Poucos países são tão iludidos quanto a si mesmos quanto os gringos. E mais: para todos os desastres que protagonizam eles produzem arte, muitas vezes de alta qualidade, mas com o claro interesse de mascarar as atrocidades e crimes hediondos cometidos em nome da consolidação e manutenção do Império.

Assim, diante do fato de que a guerra civil americana matou 600.000 em uma disputa fratricida que tinha a garantia da mão de obra escrava como “leimotif“, eles revisaram a narrativa e fizeram “E o Vento Levou“. Depois da violência descomunal e o genocídio da “Corrida do Ouro“, que levou à morte mais de 18 milhões de indígenas, eles fizeram “Daniel Boone” e “Os Pioneiros“, limpando a barra dos invasores brancos que protagonizaram uma matança inédita em terras do novo mundo. Quando 1/3 da população civil da Coreia foi morta pelas bombas americanas -que jogaram mais bombas nos 3 anos de guerra lá do que em toda a II Guerra Mundial – e a infraestrutura do país ficou completamente destruída, eles fizeram “M*A*S*H” uma das comédias de TV de maior sucesso da história.

Um cidadão médio americano acredita piamente que o exército americano foi o responsável pela derrota nazista, uma guerra onde 400 mil americanos morreram, mas que matou mais de 20 milhões de soviéticos. E isso porque a sociedade americana é bombardeada por este tipo de informação falsa (a exemplo das “armas de destruição em massa”), que também chega via Hollywood e TV. Quem não lembra de “Guerra Sombra e Água Fresca” (Hogan’s Heroes), que pintava de comédia a ação americana na guerra e “Combate“, que mostrava os americanos como nobres e corajosos e os alemães como covardes e traiçoeiros? Como não acreditar que os heróis dessa guerra foram eles?

Desmerecer a força poderosa da informação e da propaganda – imaginando que “a verdade no fim prevalecerá” – é uma ingenuidade que a esquerda não pode aceitar. Combater todas estas informações mentirosas é fundamental para criar um mundo livre e que reconheça o valor da justiça social.

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Séries Gringas

As séries americanas dos anos 60 e 70 que eu assisti na infância sempre passaram pano para o genocídio americano das população nativas, que veio associado à “Corrida do Ouro”, fluxo de deslocamento em direção ao pacífico anterior à guerra de secessão na segunda metade do século XIX. Entre os programas que eu assistia estavam Daniel Boone, Rin Tin Tin, Os Pioneiros, O Último dos Moicanos e muitos mais, sem mencionar os inúmeros filmes com John Wayne, Audie Murphy, Clint Eastwood, Randolph Scott, Glenn Ford, Lee Van Cleef e outros tantos artistas famosos de “bang-bang”, ou “western”. Todos eles poderiam ser caracterizados como filmes criados para a “exaltação da cultura branca europeia”.

Estas criações de Hollywood tinham como objetivo principal descrever os invasores brancos como “bravos e heroicos”, mas também para estereotipar os índios como violentos e traiçoeiros, ignorantes e bárbaros, ou para apresentar sua versão “civilizada”: o “bom índio”, que se tornou pacífico, subserviente, obediente e servil. Mingo (Ed Ames), o companheiro índio de Daniel Boone (Fess Parker) é o melhor exemplo de “índio bonzinho”.

Estas produções de Hollywood formaram toda uma legião de espectadores – toda a minha geração, que brincou de “Forte Apache” – manipulados pela visão colonialista americana, que escondeu durante mais de um século a barbárie e as matanças da “conquista do Oeste”.

Hoje, o que me resta é sentir vergonha de não ter percebido na época a maquiagem vergonhosa que impuseram à realidade…

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Rin tin tin

A respeito das reivindicações dos povos nativos, vitimizados pelas invasões colonialistas.

As séries de TV dos anos 60-70 eram carregadas dos valores daquela época. Refletiam a euforia do capitalismo americano do pós guerra, a pujança e a opulência de sua classe média e o esplendoroso “American Way of Life”. Entretanto, pela perspectiva de hoje, passavam pano para o genocídio das populações indígenas, um massacre sem precedente na história das Américas.

Além de Rin Tin Tin – um garoto órfão cujos pais foram mortos (que surpresa!!) num ataque dos nativos e criado pelos soldados no “Forte Apache” – havia também “Daniel Boone” (e o mito do índio bom x índio ruim) e “Os Pioneiros” (o cristianismo e a família, contra a degradação pagã), que igualmente fizeram forte propaganda colonialista. Milhões de mortos foram esquecidos e uma parte importante da história americana foi apagada com esses programas que incentivavam a vilificação dos nativos enquanto produziam a exaltação do branco, cristão e “civilizado” que matava, destruía, destroçava e invadia as terras dos nativos.

Sim, enterrem o meu coração na curva do rio. Para a gente brincar de Forte Apache antes a limpeza étnica precisou rolar solta e sem freio.

O fato de aceitarmos estas propagandas descaradas naquela época, como quase todos nós (inclusive eu), não significa que precisamos continuar acreditando nesta perspectiva da história sem questioná-la de forma vigorosa. O mesmo se aplica a outros fatos da vida, em especial a falta de respeito com negros e homossexuais – algo corriqueiro na minha infância – mas que hoje não tem mais espaço na cultura. Se é possível contextualizar e entender que o “mundo era outro” também podemos reconhecer que estas séries eram propaganda explícita de supremacia branca, de movimentos racistas, colonialistas e imperialistas, e que hoje merecem uma avaliação mais apurada.

Mesmo de tendo acreditado nas mensagens supremacistas do passado, e sabendo o quanto nos divertimos com as histórias de aventura na juventude, isso não nos obriga a continuar repetindo tamanhas aberrações.

Todo mundo algum dia já acreditou em Papai Noel e não deveria se envergonhar de nenhuma festa de Natal que participou. Por outro lado, manter-se acreditando nesta fantasia hoje seria um atestado de alienação inaceitável. Continuar olhando propaganda racista sem uma necessária crítica significa aceitar seus pressupostos e sua perspectiva de mundo.

Para conhecer mais sobre o tema, veja aqui no post Enterrem o meu coração e Forte Apache.

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Estátuas Virtuais

Quando pensamos em retirar as estátuas que homenageiam mercadores de escravos, racistas inveterados, matadores de índios e ditadores eu me pergunto sobre o que fazer com as “Estátuas Virtuais” erigidas a grupos que impuseram terror, genocídio, limpeza étnica e massacres e que ainda hoje são glorificados através de um processo de “limpeza cultural’, que transforma monstros em heróis e crimes contra a humanidade em atos de bravura.

Lembro muito bem das séries de TV da minha época, onde os “colonos” com suas carroças, mulher e filhos loiros rumavam para o Oeste cheios da paixão pela aventura e plenos de coragem para enfrentar os perigos de uma terra selvagem.

Só muitos anos depois pude perceber o engodo dessas narrativas. Em verdade, nós poderíamos com toda a justiça chamar “Os Pioneiros” mais corretamente de “Os genocidas invasores de terras indígenas”.

Sim, eles nada mais eram que selvagens, assassinos, ladrões de terra e genocidas que produziram limpeza étnica de dezenas de nações indígenas nativas da América do Norte, herdeiras das populações Clóvis. O livro “Enterre meu coração na Curva do Rio”, de Dee Brown, deixa muito claro como tudo ocorreu – e o nível inacreditável de crueldade desse genocídio norte americano.

Todavia, a imagem que nos chegava era completamente diferente dessa dura realidade. “Daniel Boone”, “Os Pioneiros”, “Rin tin tin”, etc, eram programas que tentavam retratar estes invasores e assassinos como “bons cristãos”, “cidadãos de bem”, com suas Bíblias e carroças levando a palavra de Cristo aos selvagens. Estas séries se ocupavam de fazer uma limpeza da história, transformando invasores em “colonos” – como se estivessem ocupando terras vazias – enquanto os indígenas eram retratados de duas formas básicas: o “índio ruim”, cruel, bárbaro, traiçoeiro e vil, ou então o “bom índio“, domesticado, civilizado, de feições ocidentalizadas, que auxiliava os brancos e aceitava docilmente sua submissão à invasão europeia.

Em verdade, os índios que moravam nas terras à oeste por mais de 100 séculos foram massacrados por sujeitos movidos pela ganância e pelo desrespeito à posse das terras dos “first nation” – nativos da América. Não há outra forma de descrever as “Guerras Indígenas” americanas com um nome diferente de “massacre colonialista”.

Assim fala a Wikipédia sobre o massacre iniciado pela “Corrida do Ouro” em direção ao “Wild West” durante o século XIX:

“O Genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos durante o século XIX, que resultou no massacre de milhões e na destruição irreversível de várias culturas, feito sob a alegação de uma guerra justa, ou guerra indígena, teve características próprias, que diferem o que aconteceu nos Estados Unidos do que aconteceu no restante da América. A limpeza étnica do oeste americano tornou-se política oficial do governo americano, que passou a declarar guerra às tribos indígenas sob qualquer pretexto.

Assim os apaches foram destruídos pela ação do exército americano após a entrada de mineiros e bandidos no território dos apache. A eliminação dos índios também foi defendida por dificultarem o trabalho dos empreiteiros e empresários de ferrovias que construíam e cortavam suas terras com a nova malha viária, ou como uma forma de se desobstruir o solo das planícies, destruindo suas culturas de subsistência, substituídas por lavouras comerciais em contato com os mercados consumidores através do novo sistema ferroviário.

Os indígenas foram paulatinamente empurrados pelo governo americano para territórios cada vez mais áridos, inférteis, isolados e diminutos. O antigo “Território Indígena”, que cobria a superfície de 4 estados da União, acabou sendo abolido e trocado por pequenas e esparsas reservas indígenas.

Em um discurso diante de representantes dos povos indígenas americanos em junho de 2019, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, pediu desculpas pelo genocídio cometido em seu estado. Newsom disse: “Isso é o que foi, um genocídio. Não há outra maneira de descrevê-lo. E é assim que ele precisa ser descrito nos livros de história.”

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