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O machismo de cada um

Machismo-II

Eu não sou um machista (porque racionalmente rejeito qualquer tese de supremacia masculina sobre a mulher), mas vivo num mundo controlado pelo patriarcado. Assim sendo, muitas vezes minhas ações são comandadas por este paradigma. Por exemplo: dirigir o carro quando a família toda está junto; pagar a conta do restaurante; ter um comportamento de proteção quando minha mulher e minha filha estão comigo.

Machismos? Não creio… marcas dos milênios de patriarcado. Portanto, o patriarcado está embebido nas minhas células determinando de forma invisível minha maneira de agir e proceder. Todavia, ele também compõe a matéria que forma as células das mulheres. Elas também vivem nesse sistema e esperam que ele lhes ofereça alguma vantagem e proteção. O problema é que, depois de 10 mil anos de vigência é hora de exterminá-lo por algo que ofereça uma condição melhor para as mulheres, mas também para os homens. Se ele teve sua importância no mundo a ponto de ser usado em toda parte, agora está caduco e não serve mais aos propósitos deste mundo. Para acabar com isso é necessário tocar nas fundações profundamente fincadas em nosso código valorativo, e isso não se faz sem dor.

Da mesma forma que a passagem da infância para a adolescência nos propicia um acréscimo de liberdade às custas de uma perda da proteção paternal, a queda do patriarcado também se fará com o necessário sofrimento, para os homens – que sofrem as dores da perda de uma identidade forjada há milênios como provedores e proprietários das mulheres – e para as mulheres, que terão que aprender a se defender sozinhas em um mundo em que a liberdade sempre cobra altos preços. É isso o que vemos hoje em dia: mulheres muitas vezes solitárias pelas perdas de companheiros, mas orgulhosas dos passos que deram em direção à liberdade e à autonomia. A literatura e o cinema nos oferecem exemplos magníficos dessa fase de transição.

Por seu turno vemos homens que se despedem da roupagem controladora e machista de “proprietários“, e que sentem-se confusos e desnorteados, perdidos num limbo identificatório sem precedentes. “Se não sou mais o provedor, o que sai pelo mundo na caça e na luta, se as mulheres não mais precisam de mim para sobreviver, se não sou mais o braço forte em um mundo mecanizado e cibernético, para o que sirvo, afinal? Qual o sentido do masculino no mundo? Seremos fêmeas sem útero?”

Estas são as perguntas de homens e mulheres, cujas respostas nos aguardam nos próximos séculos. Certamente que o mundo que virá será diferente, mas espero que, apesar dos embates necessários e da reacomodação das placas tectônicas dos papéis sociais, os homens continuem amando suas mulheres e que elas continuem nutrindo por eles a paixão que é a chama indelével que nos transforma em humanos.

Se não sobrar nenhuma marca cultural e artificial que nos defina, que o desejo e a complementariedade permaneçam para nos dar esperança no futuro.

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Feminismo e Humanização

discussao

Aqui estão reflexões sobre a Humanização do Nascimento conforme tenho observado.

Nos últimos meses temos visto muitas brigas intestinas dentro do movimento exatamente no momento em que ele se torna mais forte e abrangente. Muitas destas divergências poderiam ser tratadas internamente, esperando que os ataques venham daqueles que não concordam com nossas ideias, mas infelizmente vemos brigas entre pessoas que comungam com a mesma base de pensamento, divergindo apenas nos detalhes.

De uma certa forma isso é compreensível, visto que essas lutas são causadas quase que exclusivamente pelas  vaidades inerentes a qualquer coração que se deixa tomar por uma paixão, e o trabalho com o parto está dentro das grandes paixões que imantam profissionais do mundo inteiro.

Sei que minhas palavras desagradam muitas pessoas e não tiro minha culpa sobre estes julgamentos. Sou falante demais, opiniático e intrometido. Por outro lado sou alguém que acredita que o diálogo pode ser a única forma de resolver conflitos de forma civilizada, e para isso é fundamental escutar o que o outro tem a dizer, suportar o contraditório e (ó dor…) aprender com a experiência alheia. Por isso creio que o movimento de humanização precisa fazer uma reflexão sobre as questões inerentes ao ritmo e direcionamento de suas lutas.

Por transitar pelo universo feminino há mais de três décadas acabei me tornando um observador atento das nuances e características dos movimentos com os quais tive contato e aproximação: o feminismo e a humanização do nascimento.

É importante esclarecer que, do meu ponto de vista, a humanização do nascimento não é um assunto “feminista”. É um assunto sobre o qual as feministas precisam se debruçar de forma crescente, já que foi por elas negligenciado por décadas, mas que não pertence ao escopo de assuntos que pertencem ao feminismo. O parto é múltiplo, inúmeras facetas e vieses cabem no seu entendimento. Se é verdade que ocorre nos corpo das mulheres, TODOS somos nascidos deste processo, conferindo à totalidade da humanidade o direito de ter voz neste debate. Todavia, é evidente que  a imensa maioria das ativistas de ambos os movimentos sociais são mulheres. No feminismo, a totalidade, mas na humanização do parto a gigantesca maioria, e isso dá às mulheres uma especial posição de autoridade para falar de um tema que as toca de forma muito marcante. Posso ser visto como um dos poucos homens que se aventura a falar e defender de forma desabrida o protagonismo feminino como o ponto nevrálgico desta mudança paradigmática na atenção ao parto.

Como observador atento das nuances de discurso nos dois movimentos, muito do que vejo no feminismo é o mesmo que observo no movimento de humanização do nascimento: para algumas defensoras existe uma clara confusão conceitual entre o “problema” e quem o “representa“.

Na humanização do nascimento, o qual acompanho desde o final do século passado, ao invés de focarmos nossas forças na mudança de um SISTEMA perverso e ineficaz (nossas taxas de mortalidade materna nos comprovam isso) perdemos muito tempo nos elementos que – concordando ou não com ele – o representam; no caso do parto, os obstetras. Assim, muita energia é dispensada em atacar ferozmente médicos que atuam dentro de um sistema que não respeita a subjetividade, a autonomia e a liberdade das mulheres. Infelizmente, muitas vezes estes próprios médicos atacados são até sujeitos interessados em fazer mudanças na sua postura e na sua prática, mas são forçados a se proteger em suas corporações porque TUDO o que observam partindo do outro lado (as ativistas) é formado por acusações, agressões, violências verbais e rancor. Como seria possível chamar estes profissionais para fazer parte de uma grande mudança se não lhes oferecemos o carinho e a acolhida necessárias, exatamente o que reclamamos para as pacientes que entram em um hospital para dar à luz?

O mesmo acontece no feminismo. Eu mesmo, que tenho 30 anos de lutas para fortalecer a autonomia e o protagonismo das mulheres no parto, fui duramente atacado pela “tropa de choque” das feministas por um conceito (que sequer é meu, é de Engels) sobre as origens do patriarcado. Quando eu vi a enxurrada de acusações e violências (repletas de clichês do tipo “vaza“, “já vai tarde“, “não passará“, “machista“, “misógino mentiroso“, etc..) desferidas a mim eu pensei: “Bem, se eu não sirvo para essa luta, quem serve? Que tipo de obstetra seria correto e adequado para as feministas? Que tipo de profissional poderia cumprir todos os requisitos para servia à causa da humanização? Que tipo de obstetra concordaria com qualquer agressão à sua corporação sem sequer ter o direito de defesa? Que obstetra aceitaria participar de uma luta em que, qualquer discordância, o faria ser tratado como lixo?

Trinta anos buscando auxiliar a causa do protagonismo feminino não servem de nada diante das exigências das mulheres sobre o “correto comportamento e o adequado discurso de um homem quando fala sobre as mulheres“.

Mas antes que as defesas apareçam, é claro que não são todas as feministas que agem assim, talvez sejam uma minoria, mas são as que tem mais voz e que causaram mais estragos nas tentativas de diálogo.  No caso destes grupos mais radicais o objetivo implícito em muitas manifestações é uma total humilhação dos homens, uma vingança completa e final pelo “mal” que causaram às mulheres em todos estes séculos, sempre recheada de clichês (vaza macho, não passarão, mascus, esquerdomacho, etc.).

Na humanização do nascimento temos um grupo semelhante e muito vocal, acostumado a criticar abertamente o comportamento dos médicos com piadas, deboches, apelidos e críticas onde os fatos sequer foram totalmente esclarecidos, fazendo com que qualquer intervenção médica seja julgada com desconfiança. Para estas, o “extermínio” dos obstetras é uma espécie de “solução final”, pois eles representam todo o mal e toda a dor das mulheres na assistência.

Nenhuma destas soluções é possível (ou mesmo suportável), mas os discursos de culpa contra homens e médicos se multiplicam de forma inaceitável, pelo menos para quem sonha com mudanças.

Para quem deseja avanços surgindo no horizonte, mesmo que lentos e seguros, ver a humanização do nascimento adotar as mesmas táticas do feminismo mais violento pode retardar estas transformações por décadas. Atacar de forma agressiva e irracional – com palavras  recheadas de rancor e mágoa – os profissionais que atuam no parto, nos fará apenas regredir nas conquistas até aqui conseguidas. Esse comportamento apenas incentiva o surgimento e crescimento de reações óbvia daqueles que se sentem (justa ou injustamente) atingidos: os grupos machistas e o “dignidade médica“.

Sem uma postura de congraçamento e diálogo, isto é, uma postura mais “feminina“, nada será feito de forma consistente em um futuro próximo.

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Despedida

Bye bye

A partir de amanhã não faço mais parte do Portal “V. Mamífera”. Durante o tempo em que lá estive pude exercitar minha vontade de escrever, conjugada com uma necessidade praticamente insana de exorcizar pensamentos e ideias. Em função da minha inabilidade com as limitações políticas da escrita, e o desejo de dizer abertamente e sem anteparos a verdade de minha mente, acabei ferindo suscetibilidades de algumas parceiras do Portal que se sentem incomodadas com a minha presença, a ponto de exigir a minha expulsão. Meu pensamento, livre de amarras ideológicas e aberto para o embate no terreno das ideias, deixou algumas companheiras decepcionadas, o que acho respeitável e compreensível. É provável que na posição delas eu sentisse o mesmo. Entretanto, há alguns meses eu escrevi que faz parte de uma trajetória séria o cultivo de algumas decepções. Mais ainda, disse que “a não gostância dói, mas a unanimidade maltrata ainda mais“. Ser colocado numa posição de expectativa oblitera a liberdade de expressão, e é um castigo que não mereço.

Assim sendo me despeço dos colegas que cultivei e peço desculpas àqueles que decepcionei. Continuarei meus escritos solitários em meu futuro blog onde as pessoas poderão entrar se desejarem ler o que eu escrevo. Peço perdão se minhas palavras feriram alguém, mas no embate das ideias isso pode ocorrer a qualquer momento. É inevitável que o atrito gere calor, que para muitos é insuportável. Minha saída objetiva, acima de tudo, manter ativo um portal que foi construído com muito carinho pela doula Kalu Brum com o desejo de estimular o debate sobre partos e nascimentos no Brasil.

Sobre a fonte da discórdia, não retiro nada do que disse, porque mantenho minhas posições ainda hoje, mesmo admitindo que um dia argumentos melhores possam fazer que sejam alteradas. Continuarei na minha luta, cada vez mais pessoal e isolada, pelo pleno protagonismo da mulher nos seus momentos sagrados de gestar, parir e amamentar. Vou me manter fiel à LIVRE escolha, sem constrangimentos, das pessoas que ELA decide como acompanhantes. Continuarei escrevendo sobre a beleza de um nascimento protegido pela aura sublime da paz, que se conquista passo a passo em cada parto atendido com dedicação e envolvimento. Por outro lado, não me calarei diante dos exageros, da insensatez, da violência, da censura, e da tentativa de cercear a liberdade de pensamento em nome de ideários sectários. Não é calando a boca de alguém que se estimula o debate, e nada se constrói sem o choque dos contraditórios, que energizam o caminho e as conquistas.

Afastar os homens do cenário do nascimento pela constante desconsideração de suas vozes, criando um ambiente negativo e violento, só pode produzir a fragmentação de um movimento, o que atrasa seu progresso. Os opositores, os que fazem parte do “mainstream” do parto cirúrgico, sempre se divertem com essas brigas intestinas. Para os amigos que entenderam minhas posições, principalmente no que tange às diferenças entre “machismo” e “patriarcado“, eu espero que compreendam a atitude de minhas colegas. Para elas, absorvidas na luta diária por um mundo com mais equidade, minhas palavras parecem se contrapor ao que pensam. Não é o que eu disse, e muito menos o que eu penso, mas entendo que no seu ativismo uma voz dissonante (e não discordante) possa desestabilizar as suas lutas.

Obrigado pelo tempo em que pude compartilhar este espaço.

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Trashing

saturno

O artigo anexado – escrito em 1976, quando a honra de alguém levava mais tempo para virar cinzas – nos mostra o significado do “trashing”, ou como se destroem reputações e se joga na lama antigos parceiros que ousam pensar diferente e que vocalizam suas ideias de forma aberta e clara. Sempre que o “movimento”, a “causa”, a “irmandade” são maiores do que as pessoas que os compõem (ou combatem) teremos o que se chama “pensamento totalitário“. Quando Stálin mandava matar centenas de “tavarish” com um simples e prosaico golpe de caneta, em nome da “grande mãe Rússia”, ele também não se importava com o camponês que tinha 4 filhos, era casado com Olga e se chamava Vladimir. Não, o sujeito perdia sua face e sua história diante da “causa maior”. Entretanto, sem o respeito à cada uma das pessoas que vivem nesse planeta como portadoras de um elemento sagrado – sua individualidade – só o que teremos é o terror e o desprezo como elementos de controle social.

A expressão que mais se repetiu no recente episódio da perseguição contra mim (que ousei diferenciar patriarcado de machismo), curiosamente dita por doulas e ativistas dos direitos da mulher, foi “não passará“, uma provável alusão ao “Senhor dos Anéis”, quando Gandalf, o mago, grita da beira de um penhasco para um ser diabólico que tenta alcançá-lo em uma ponte. “You shall not pass!” diz ele levantando seu cajado ameaçadoramente. Pois a frase parece ser plena de sentido nos recentes acontecimentos. Para que a causa tenha sucesso os debatedores contrários aos dogmas do “movimento” são reduzidos a demônios maléficos, imbecis e uma série de outros adjetivos facilmente encontrados quando se procura desonrar um adversário. Para estes seres do mal nenhuma pena é pouca ou suficientemente dura.

Afinal, aquele que trai os nossos sonhos não merece menos do que a destruição de sua reputação.

O movimento feminista é, em alguns aspectos, igual a todos os movimentos de libertação do mundo, como o LGBT ou dos negros, mas em alguns aspectos é único em suas particularidades. Não vou falar o que as feministas devem fazer, mas ouso dizer que esmigalhar publicamente defensores da causa ou destruir reputações de irmãs do movimento jamais serão meios adequados de se alcançar justiça e equidade de gênero. A visão histórica (marxista) dos eventos sempre nos coloca face a face com os nossos dilemas e fragilidades. Não gostamos de falar disso. Não curtimos olhar para as falhas do passado e preferimos glamorizá-lo ou inventá-lo. Mas qualquer movimento que não se critica cristaliza e morre.

Nunca um artigo veio tanto a calhar no atual debate sobre o feminismo X humanização do nascimento. Sei que tê-lo publicado vai fazer incrementar o “trashing” pois os personagens descritos nele se parecem com algumas militantes mais violentas que conheci. O desabafo de muitas das vítimas deste tipo de perseguição poderia ter sido escrito por mim, e a dor e desesperança deles se parecem muito com as minhas. Espero que todos possam assimilar os ensinamentos contidos no episódio para que as ativistas não sejam obrigadas a castrar sua natural criatividade por medo da destruição subsequente de sua honra e imagem social.

Veja o brilhante texto “Trashing – O Lado Sombrio da Sororidade” aqui.

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Machismo

Soldadas

(*) post scriptum:

Este foi o texto que gerou a cisão dentro do antigo blog que eu escrevia,  que depois de dois anos de convivência fui convidado e me retirar. Existe um outro artigo em que eu deixo aclaradas algumas posições sobre este texto e que se chama “Algumas Explicações Necessárias”  que também contém alguns escritos que foram publicados no Facebook após o incidente.  No final deste artigo original eu transcrevi em itálico – para diferenciar do texto publicado no blog – minhas falas em uma conversa privada com uma amiga feminista que lamentava o ocorrido. Espero que este fato triste seja um degrau na construção de uma interlocução cada vez mais intensa entre a humanização do nascimento e o feminismo. Estou certo de que são aspectos diversos na cultura, mas suas interfaces são tão claras que a necessidade de um contato entre humanistas e feministas é mais do que necessário: é urgente.

MACHISMO

A segregação que o patriarcado determinou forçou a invasão que hoje testemunhamos nos espaços antigamente entendidos como “naturais”. Eu não creio que o patriarcado seja “machista”, pois penso se tratar de dois aspectos da organização social diferentes em essência. Minha tese é de que o machismo é a naturalização de um modelo social artificial baseado na posse e com o objetivo de garantir segurança. O patriarcado não é um sistema de valor; o machismo é.

A separação das atividades por gênero, por vezes absolutamente RÍGIDAS na sociedade, é milenar. Poderia me cansar citando, mas lembro que a atenção ao parto era proibida para os homens até o final do século XVI.

“Em 1522, um certo doutor Wortt de Hamburgo travestiu-se de mulher para assistir a um parto, mas seu disfarce foi descoberto e ele foi queimado na fogueira “por sua indecência e por degradar sua profissão” (Rich, 1986:140), o que ilustra que, pelo menos em certos contextos, aos varões era vedada a presença na sala de parto, delito que poderia ser punido com a morte. Por outro lado, foi no começo do século XVI que se iniciou a publicação de edições dos livros de ginecologia e obstetrícia dos antigos, por varões, em língua vernacular, como é o caso do Rosengarten, o Jardim das Rosas.”  (www.mulheres.org.br/mestrado_3.html)

Mulheres nas Igrejas são discriminadas até hoje (e não apenas na Igreja Católica), e não se vislumbra uma invasão neste terreno em curto prazo. Nenhum sinalizador na Santa Sé ou outras denominações para que o modelo misógino e androcêntrico seja modificado.

As invasões de território, na esfera de gênero, não ocorrem com facilidade e nem com plena aceitação. Por isso o termo invasão está correto, pois os espaços não “estão aí” para serem ocupados, pois já tinham “dono”. A posse é garantida pela cultura, mas como sabemos, as culturas são cambiantes, mutantes e plásticas. Mais uma vez, o termo “invasão” se refere exatamente a estes caminhos de lutas para desbravar espaços ocupados por OUTROS. Mulheres e homens assim constroem a sociedade. As mulheres o fazem de forma mais intensa na atualidade porque muitos espaços sociais foram ocupados pelo patriarcado (e não pelo “machismo”). Todavia, vemos – como acima – espaços sendo invadidos pelos homens de maneira corajosa e consistente, como na atenção ao parto nos últimos 3 séculos, ou nos cuidados com mães e bebês nos últimos anos.

O machismo é um sistema de poder como qualquer um dos outros sistemas existentes, como o racismo. Quem não se deixa cativar por eles? Quem não os incorpora e os naturaliza? Se você fosse da realeza no século XVII ou XVIII certamente acreditaria que sua essência é diversa daquela da plebe, e olharia seus braços todos os dias para confirmar que seu sangue é azul. Não se trata de justificar qualquer desses sistemas de exclusão, mas incorporá-los à natureza humana. É preciso coragem para abrir mão de suas prerrogativas culturais. Quando se sugeriu a presença de doulos no parto algumas corporativistas de gênero “subiram nas tamancas” e reclamaram dessa invasão de território. Elas estavam cativas em seu sexismo, não lhes parece?

O patriarcado ofereceu a posição política preponderante ao mais forte, para proteger a sociedade. Essa é sua essência. É ingenuidade acreditar que ele foi criado por “ódio às mulheres”. Este sentimento até pode existir em muitos homens, mas não é pelo ódio que se cria um modelo e uma estrutura social de absoluto sucesso como este, de abrangência universal. Em qualquer canto da terra ele foi utilizado como ferramenta de progresso, e qualquer sociedade que ousou desafiar o patriarcado no passado veio a fenecer.

Entretanto, hoje em dia – depois da pílula e da Magnum, diriam algumas – sua necessidade não se faz mais tão evidente. A força física dos homens não é mais tão fundamental em um mundo tecnológico, o que permite que grandes nações do mundo – Alemanha, Chile, Brasil, Argentina – sejam governadas por mulheres, de compleição física mais frágil, mas igualmente poderosas. Agora já é possível trocar a configuração política do mundo por um modelo mais justo e equilibrado, onde os gêneros sejam respeitados e tratados com equidade.

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Vou acrescentar algumas coisas que eu disse depois no texto original para que a minha posição possa ficar mais clara. Mas não se preocupem comigo… isso não me atinge tanto assim. Pois é, isso é ruim, mas na minha opinião faz parte do jogo. É natural que isso aconteça, e temos que nos preparar para isso. Com o tempo as melancias se ajeitam com o balançar da carroça.

Minha argumentação é bem simples: o patriarcado é uma estratégia de sobrevivência, estabelecida no fim do paleolítico superior e a partir das mudanças estruturais da sociedade, de um modelo nômade para um agrário. O surgimento da posse (terra, animais) nos obrigou a colocar em posição de poder os machos testosterônicos de nossa espécie, daí surgindo o patriarcado. Isto é: o patriarcado NÃO surgiu por um ódio às mulheres. Um sentimento estranho como esse não poderia ter criado um modelo de “sucesso” como este na manutenção da propriedade e na expansão territorial, com consequente bem estar para as populações sob seu domínio. Não só isso: o patriarcado permitia que um homem tivesse várias mulheres, o que apoia o incremento populacional, o que era fundamental para as novas tarefas incorporadas, na agricultura e pecuária..Isso nada tem a ver como machismo, que é a NATURALIZAÇÃO de um sistema ARTIFICIAL, como o patriarcado. Entretanto, algumas feministas se encheram de raiva por eu aparentemente ter uma visão “condescendente” do patriarcado. Não é verdade, mas eu acho que se você confundir patriarcado com “ódio às mulheres” será muito mais difícil combatê-lo.

O machismo é a tentativa de fazer uma simples estratégia (como uma ditadura, o racismo ou a escravidão) ser naturalizada, como se fosse “natural” o homem ser superior à mulher. Mas TODA a briga foi por eu ter dito exatamente isso o que muitas pessoas disseram antes de mim.
Mas é ÓBVIO (!!!!!) que o patriarcado é um estupendo sucesso !! Fosse ele um fracasso não haveria porque combatê-lo !!! Ele ainda é, mas é claro que percebemos a sua decadência dia a dia, e é para isso que lutamos. Quando falo no sucesso do patriarcado falo de sua abrangência planetária, sucesso em abrangência e em poder de transformação social. Somos todos herdeiros do patriarcado.

Mas isso de deu as custas de sufocar o feminino. E o patriarcado precisa ser substituído por um modelo mais justo e igualitário. Ele agora é insuportável. A origem das ofensas está nessas simples ideias. Podem ser combatidas e aceito argumentos em contrário, mas as ofensas foram pela minha pessoa, e não pelas minhas ideias. Eu tenho uma visão próxima da marxista sim, dialética e histórica, mas o problema é tocar na ferida do feminismo, e isso deixou as feministas em pé de guerra. Todavia meus argumentos são límpidos e translúcidos. Pode-se discordar deles, mas é absurdo pensar que “existe algo por trás”, desejos ocultos ou uma visão diminutiva da mulher. Pelo contrário; no próprio texto eu falo da importância capital de combater a ambos: o machismo por ser preconceituoso, e o patriarcado por ser um modelo anacrônico.

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Loucura e preconceito no mundo dos trogloditas

Troglodita 01
Será que ainda precisamos do “Homo ignobilis”?

Recebi de uma querida amiga paulistana (cujo nome não direi para não causar constrangimentos a ela) um link para ver partes de um livro recém-lançado sobre as mulheres e suas “doidices”. Eu imaginei, no primeiro momento, que se tratava de uma visão masculina sobre o misterioso mundo feminino, e as maravilhosas “loucuras” que as mulheres fazem na sua passagem pela Terra. Entretanto me deparei com uma torrente de preconceito, desinformação e grosseria que me chocou, a ponto de resolver escrever a respeito. O capítulo 10 deste livro (cujo nome não direi para não dar publicidade a um material tão ruim) chama-se “Parto em Casa”, que foi escrito em função da experiência que o autor (Sr W.) teve ao vislumbrar a Marcha de Mulheres que ocorreu em 32 cidades brasileiras em defesa do direito de escolha, do Parto em Casa e do nosso colega Jorge, injustamente acusado pelo órgão de classe do Rio de Janeiro. Não li o livro todo, porque este capítulo já é suficiente para demonstrar a grosseria do julgamento que o autor faz das mulheres e do feminino. Tomo a liberdade de transcrever apenas um parágrafo para que tenham uma ideia do que se trata:

“(…) Os outros benefícios [do parto domiciliar] não merecem nem ser citados por tamanha incoerência e esdrúxulas afirmações. Se perceber, verá que não batem bem da bola, são normalmente aquelas que não se apegam ao batente, como sabemos. Quando a mulher trabalha, ajuda no sustento da família e tem responsabilidades para continuar a vida como ela é, não tem tempo para essas “frescuras” [a Marcha e o ativismo]. Tem o filho na maternidade mesmo e após alguns dias volta à luta. Isso, sim, é mulher de verdade (…).”

Pelo trecho acima pode-se avaliar a qualidade do resto do livro. Por esta razão eu resolvi escrever a primeira resenha desta publicação, e que constará no Google Livros. Aqui está ela:

“Sobre o Livro XXXX do senhor W. tenho a dizer que o capítulo sobre o “Parto em Casa” é lamentável, triste, preconceituoso e chauvinista. Poderia escrever sobre o resto do livro, mas se ele contém algo semelhante a este capítulo ele certamente não vale a leitura. Eu acreditei (pelo título) que o livro era bem humorado e que tratasse das coisas lindas e até incompreensíveis (ao olhar masculino) da epopeia feminina na terra, mas é provavelmente (pela amostra que tive) um aglomerado de grosserias contra as mulheres, e uma torrente de preconceitos sem cabimento.

No texto sobre o parto domiciliar ele chega a dizer que isso é “coisa de mulher desocupada” (vide acima), usando as MESMAS PALAVRAS que os homens proferiam para debochar e desmerecer os interesses intelectuais femininos, como estudar, adiar um casamento, fazer uma faculdade ou decidir-se a não ter filhos nos anos 60. Um texto triste, lamentável, infeliz e inaceitável para uma sociedade que se propõe plural e justa. Desafortunadamente este senhor não passa de um fóssil vivo, um exemplar do “homo ignobilis” do início do século, que resiste em tratar as mulheres com um misto de compaixão arrogante (pobres delas, loucas, são apenas mulheres…) e desconhecimento total do ser feminino. Se eu fosse mulher e lesse isso, realmente ficaria LOUCA, e faria parte dos 90% que ele acusa. Por outro lado eu informaria a ele que só quando 100% das mulheres se indignarem com tanta ignorância e preconceito é que esse mundo oferecerá mais dignidade para elas no momento de fazer escolhas informadas sobre como parir.

E, por favor… eu li o capítulo (as partes que o Google permitia) e ficou CLARO que não se tratava de uma “brincadeira”, ou de uma espécie de “humor machista”. Não vou aceitar ser chamado de mal-humorado: ele expressou uma opinião séria, desconsiderando e debochando de gestantes que lutam por liberdade de escolhas. Não, não se trata de uma comédia ou de uma caricatura.

É preciso que cidadãos como o Sr W. permaneçam no mundo apenas pendurados em paredes de museu, para mostrar como eram os homens na pré-história da cidadania, quando as mulheres eram obrigadas a ter seus filhos da forma como os homens determinavam, e não da maneira como a ciência comprova como seguras, e as mulheres desejam.

Entretanto, é minha opinião de que o ponto de vista do Sr. W está cada dia se tornando mais cafona, démodé, ultrapassado e velho. Essa já foi a opinião consensual na cultura ocidental, mas hoje é apenas a hegemônica. Já existe, principalmente por força da Internet e das redes sociais, uma consciência muito maior dos direitos das mulheres, assim como informações idôneas sobre a segurança no parto domiciliar (e não o amontoado de opiniões e visões enviesadas deste senhor). Com o passar do tempo esta postura retrógrada e ofensiva com as mulheres será vista apenas uma visão antiquada e sem embasamento, e a história verá este texto como um resquício do preconceito que ainda recaía sobre as mulheres na cultura ocidental nos umbrais do século XXI.”

Ric Jones

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