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Sexo

Há pouco li um texto curioso sobre as consequências do “sexo casual”. Não está bem explicado no texto, mas creio que foi definido como um encontro onde o sexo ocorre sem que exista uma conexão afetiva mais profunda e consequente. Ou seja: dois “ficantes” que resolvem usufruir dos prazeres sexuais sem que haja um compromisso formal, apenas pelo prazer que oferecem reciprocamente.

O texto descrevia os inúmeros problemas decorrentes desse tipo de encontro, usando como argumento teses pouco ortodoxas. Entre elas a ideia de que as “auras se fundem” durante o sexo, e que essa energia “permanece com você” por no mínimo 5 anos (como mensuraram essa impregnação?). Aponta para que, ao se relacionar sexualmente com alguém, você agrega parte da energia da pessoa com quem compartilhou a cama. Se ela for densa, instável, “carente de luz e amor” você incorpora essas características em sua própria aura. Pode inclusive tomar para si o carma de outra pessoa, caso ele(a) esteja carregado de “energias ruins”. Aqui se expressa, sem máscaras, a face mais moralista e conservadora do espiritualismo, usando de teorias sem evidências para criminalizar a livre expressão sexual. Este texto poderia ter sido escrito nos anos 30, e distribuído como um “manual para moças de família”. Por sorte o mundo mudou, e hoje este tipo de discurso não tem tanta popularidade quanto na minha juventude, quando a virgindade ainda era um tema frequentemente debatido. Essa perspectiva conservadora sobre o sexo – usado apenas como fonte de prazer – está fortemente arraigada na sociedade patriarcal, e para justificar esse preconceito criam-se teorias estapafúrdias como a impregnação de “energias” de outros parceiros e a “contaminação espiritual”.

Tais teorias em tudo mimetizam o furor microbiológico do final do século XIX onde todas as enfermidades eram explicadas pelas bactérias e pelas contaminações, fazendo do outro uma fonte de sujeira e de máculas físicas, geradoras de doença. O mesmo ocorre hoje, mas com elementos mais sutis; ao invés de bactérias, fungos e protozoários, agora falamos de energias sutis e carma. Tudo muito cafona, como, aliás, é típico do espiritualismo cristão, que herdou do catolicismo toda essa cultura de pecado e essa carga imensa de culpa. Fica evidente que a sexualidade com sua poderosa força criativa ainda vai receber por muito tempo a censura de conservadores, pelo medo do que possa ocorrer com uma sociedade onde o sexo seja livre. Não é à toa que o parto, elemento especial de expressão da sexualidade, continua sendo tolhido, amordaçado, cerceado, contido, controlado e domesticado, para jamais ocorrer sem o olhar controlador e censurador da sociedade.

Ainda vai demorar um bom tempo até que as pessoas possam parir e transar em paz, sem culpas e sem medos artificiais!!!

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Acusações

Na internet tropeço em um “exposed” de “macho escroto” todo santo dia. “Senta lá que vem textão”, dizem, e logo aparece um enorme e dramático texto acompanhado de um ou mais prints de Whatsapp. Lágrimas, cobranças, ataques, raiva, indignação são os ingredientes infalíveis da famosa lavagem pública de roupa suja. Bem, não me cabe julgar a dor de alguém que apela para estes ataques cujo alvo é um amor deteriorado. Quem poderia atirar a primeira pedra?

Ok, são as trevas do ressentimento. Muitas vezes os ataques nada mais são que gritos desesperados de um coração que sofre, vociferados na ilusão de manter vivo um vínculo de amor, nem que seja pelo artifício do ódio. Não há como saber da dor, que é única e intransferível, mas é possível imaginar a extensão da ferida pela força das palavras duras, inexoráveis e carregadas de tristeza.

Há algumas semanas vi um sujeito expor as conversas privadas com as namoradas como forma se defender de acusações gravíssimas. Jogou tudo no ventilador, reduzindo à poeira qualquer segredo de alcova, expondo os corpos contraídos, os sussurros, as juras, as safadezas e tudo aquilo que deveria estar no cofre da cumplicidade. Fez tudo isso para salvar o que lhe resta de dignidade, o tênue fio de honradez que ainda o liga à vida. Para algumas, não passou de uma estratégia que visava “silenciar” quem o acusa.

Não há como negar a este sujeito o direito à salvar-se, provando, através desta exposição, a sua inocência. Pau que bate em Chico, bate em Francisco. Àquelas que pretendem negar-lhe esse direito digo apenas que se acostumem com a equidade, ou desistam de lutar por ela. Além disso, nunca esqueçam que o equilíbrio nas relações de gênero demanda imparcialidade, e ela apresenta ônus e bônus. Quem acusa precisa provar, e quem é acusado tem o direito sagrado de se defender com as armas possíveis e legais.

E quem acusa de forma leviana, por vingança, perversidade ou desprezo, merece a mão firme da lei.

Ok, são as trevas do ressentimento. Muitas vezes os ataques nada mais são que gritos desesperados de um coração que sofre, vociferados na ilusão de manter vivo um vínculo de amor, nem que seja pelo artifício do ódio. Não há como saber da dor, que é única e intransferível, mas é possível imaginar a extensão da ferida pela força das palavras duras, inexoráveis e carregadas de tristeza.

Há algumas semanas vi um sujeito expor as conversas privadas com as namoradas como forma se defender de acusações gravíssimas. Jogou tudo no ventilador, reduzindo à poeira qualquer segredo de alcova, expondo os corpos contraídos, os sussurros, as juras, as safadezas e tudo aquilo que deveria estar no cofre da cumplicidade. Fez tudo isso para salvar o resto que lhe resta de dignidade, o tênue fio de honradez que ainda o liga à vida. Para algumas, não passou de uma estratégia que visava “silenciar” quem o acusa.

Não há como negar a este sujeito o direito à salvar-se, provando, através desta exposição, a sua inocência. Pau que bate em Chico, bate em Francisco. Àquelas que pretendem negar-lhe esse direito digo apenas que se acostumem com a equidade, ou desistam de lutar por ela. Além disso, nunca esqueçam que o equilíbrio nas relações de gênero demanda imparcialidade, e ela apresenta ônus e bônus. Quem acusa precisa provar, e quem é acusado tem o direito sagrado de se defender com as armas possíveis e legais.

E quem acusa de forma leviana, por vingança, perversidade ou desprezo, merece a mão firme da lei.

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Deceptio

Sim, já fui tomado pela decepção com algumas pessoas. Tipo: acreditar na bondade e nas boas intenções de alguém e descobrir que por trás dos sorrisos e dos abraços existe oportunismo e interesse. Todavia, não tenho a menor dúvida de que existem muitas pessoas que se decepcionaram comigo. Faz parte da vida.

Muitas vezes fui injusto ao me decepcionar, ou ingênuo ao esperar algo irreal de alguém. Outras vezes fui injustiçado por esperarem de mim o que eu não poderia dar – e sequer poderia ter oferecido. Quem nunca?

Hoje, depois de velho, já não há como me decepcionar de novo. Estas são as benesses da senectude: a gente aprende a esperar dos outros algo muito mais próximo da realidade.

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Visitar o Passado

O mestre Rubem Alves nos propõe a seguinte reflexão:

“Se você amou muito um lugar não faça a besteira de visitá-lo. Isso porque você vai pensando que encontrará o tempo daquele lugar, mas o tempo não estará mais lá. É melhor você ficar com a antiga imagem na sua cabeça…”

O mesmo vale para as coisas que te emocionaram ou te fizeram rir na infância. Eu, por exemplo, nunca assisto “Três Patetas” por essa mesma lógica. As piadas são as mesmas, mas eu mudei; não sou mais a criança que rolava de rir das palhaçadas que eles faziam. Tenho medo de que a minha incursão às piadas do passado desfaçam a mística que eu nutro pela alegria simples dessa época. E não é sequer necessário se reportar aos programas em P&B dos anos 40; até “Os Trapalhões” não teriam hoje o mesmo impacto dos anos 80 – e talvez fossem cancelados, assim como seria o “humor de bullying” dos Três Patetas.

Pode ser uma imagem de 1 pessoa

O tempo é um juiz severo, por vezes cruel, e somente os gênios vencem a barreira dos anos; estes a gente conta nos dedos das mãos. Grace Kelly seria linda ainda hoje, Marylin Monroe(*) não. Beethoven, Bach, Vivaldi, Pixinguinha e Chico ultrapassaram décadas, enquanto a maioria dos músicos de sucesso de hoje serão esquecidos em alguns pouco anos.

Acredito ser possível visitar os lugares que amamos outrora, mas apenas se tivermos plena consciência de que eles se mantiveram parados – num prédio, num filme, numa música, numa piada – mas nós, e o mundo que nos cerca, continuamos seguindo em frente. Se é verdade, como dizia Heráclito de Éfeso, que “é impossível cruzar duas vezes o mesmo rio”, também é justo dizer que não vamos nos emocionar duas vezes com o mesmo filme, lugar ou música, pois que se eles ainda são iguais, nós já não somos mais os mesmos.

Tenho uma amiga que foi abandonada pela mãe no parto. Esta mãe era muito jovem, bonita e ambiciosa, mas sua filha nasceu prematura e com graves problemas de saúde. Deixou a filha ainda no hospital, aos cuidados do pai, e voltou ao seu país de origem. Esta criança cresceu sob os cuidados do pai e da madrasta, que a adotou com poucos meses de vida. Sempre carregou a imagem da mãe linda e frágil que a abandonou por ser imatura demais para as responsabilidades da maternidade.

Passados mais de 30 anos decidiu-se por conhecê-la. Juntou o marido e os filhos e rumou ao encontro da mãe biológica, uma senhora que morava em um continente distante e que formou outra família, já com filhos e netos. Infelizmente para minha amiga esta visita foi o momento mais destrutivo de sua vida. A imagem de mãe que acalentara por tantos anos foi totalmente despedaçada pela mãe real, e desse trauma ela jamais se recuperou totalmente. Conhecer sua mãe verdadeira, para além das idealizações, foi um choque profundo demais, talvez porque ela não estava preparada para entender que o mundo de todos havia andado, seguido o fluxo dos tempos, enquanto sua imagem materna permanecera estática por mais de três décadas.

Se queres mesmo penetrar em seu passado deixe todas as ilusões de fora; não espere encontrar lá algo que tenha para si agora o mesmo valor de então.

(*) De maneira alguma eu acredito que Marylin Monroe seja “feia”. Aliás, quem chamasse Marylin de feia deveria ser preso – ou internado. Todavia, essa Marylin de formas rechonchudas nos dias de hoje não seria Miss nem da escola secundária. Ela está fora dos padrões de beleza de agora. Sua beleza teria valor nos anos 50, mas hoje seria desvalorizada. Mulheres como Marylin nos dias atuais estão fazendo dieta e tratamentos caros para celulite. Não existe aqui um julgamento de mérito; apenas pontuo que os padrões de beleza são mutantes, e nos padrões contemporâneos ela não se encaixaria.

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Voltar ao passado

Penso muito em voltar no tempo. Fico imaginando às vezes me concentrar até entrar em transe, aparecer em uma data do passado e mergulhar nela, como no filme “Somewhere in Time”. O problema é pensar em qual data eu gostaria de chegar.

Algumas vezes penso em retornar instantes antes de fatos traumáticos, mas outras vezes volto à escola, à infância, à minha casa no interior. Tipo, para falar com meu avô que morreu quando eu tinha três anos, ou reencontrar minha mãe e minha avó Irma. Também para rever a turma da rua ou os amigos da escola. Voltar naquele momento especial e ter coragem de dizer algo que não falei – por medo. Mas também voltar para ficar calado quando disse alguma bobagem que magoou alguém.

Essas viagens sempre me oportunizam pensar “como seria se…”, mas, mesmo que fosse possível ajeitar alguns erros do passado, uma viagem no tempo seria uma angústia brutal. Fico imaginando encontrar a mulher da minha vida e dizer a ela as palavras que sempre achei que deveria ter dito, só para depois perceber que o segredo de sua paixão foi mesmo ter sido bobo, tolo e desajeitado. E se dessa vez ela não me quisesse? Perderia instantaneamente meus filhos e netos e passaria a eternidade imaginando em que outra barriga teriam nascido.

Eu seria um perdido, vagando pelas ruas, imaginando encontrar em outros corpos as almas que perdi. A volta ao passado seria um martírio infinito, uma coleção de dores e tristezas. Uma “saudade do que nem cheguei a ser“. Talvez sejamos feitos dos próprios erros que cometemos, e mesmo os piores deles constroem o que somos hoje. Perdê-los talvez signifique retirar de nós a nossa própria essência.

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Destino sábio

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Neste ano de 2017 completarei 40 anos de namoro. Comecei a namorar aos 17 anos, quando fazia cursinho pré-vestibular. Tinha a fixação de cursar medicina desde os 15 anos, surgida em uma enigmática epifania ao abanar para minha mãe que embarcava para a Europa para lá encontrar meu pai. Minha namorada não tinha muita certeza do que fazer, mas queria também cursar algo na área da saúde.

Havia dois cursos públicos de Medicina na época: Universidade Federal e Faculdade Católica  (que não era pública, mas subsidiada, portanto pagável). Para ambos estudar na PUC era absolutamente impossível; não haveria como nossos pais pagarem por isso, e nem chegamos a fazer o vestibular para lá.

Eu me decidi pelo ingresso mais difícil: a Universidade Federal, mas ela disse que teria mais chances na Católica. Fiquei muito triste de pensar que, se ambos passássemos, não seríamos colegas de turma. Consegui convencê-la a mudar de ideia e fazer para a mesma universidade que eu.

O resultado disso foi que eu passei e ela entrou em segunda opção – educação física. Só no ano seguinte ela fez novo vestibular e entrou na enfermagem. Entretanto meu remorso vem do fato de que a nota do primeiro vestibular para medicina foi insuficiente para entrar na Universidade Federal, mas teria a pontuação necessária para entrar na Faculdade Católica. Não fosse pela minha insistência egoísta em ser seu colega e ela teria cursado medicina. Assim as nossas histórias de vida teriam sido mais distantes, e por certo completamente diferentes.

Eu me divirto em pensar que hoje ela seria rica, tendo se especializado em “medicina estética”. Estaria casada com um cirurgião vascular famoso e milionário. Teria dois filhos: Wesley e Jéssica, ele surfista, ela modelo. Teria filhos só depois dos 30, pois seu namorado médico era obviamente cuidadoso e responsável. E eu …. bem eu seria para ela apenas aquela lembrança que passa pela cabeça das mulheres e que se expressa para nós como um suspiro. A gente tolamente pergunta “está cansada?” e elas, com o olhar preso no infinito, respondem “não, estou bem” e … suspiram de novo.

Por alguns anos carreguei essa fantasia e essa culpa, mas a minha namorada sempre disse que o destino foi sábio com ela. Sua realização sempre foi ligada à enfermagem. Todavia, o pensamento que hoje tenho é de que minha atitude egoísta ao desejá-la como colega e as consequências disso – não passar em medicina  e cursar enfermagem – acabaram sendo a maior bênção que eu poderia receber. A melhor parte do que fui como médico veio do fato de conviver 24h por dia com alguém cujo foco principal de seu trabalho não era cortar, intervir e medicar, mas cuidar e amparar.

Como se pode facilmente perceber, o destino foi sempre muito bondoso comigo. Por mais que 2016 tenha sido um ano de tristezas, perseguições e decepções seria uma injustiça imperdoável não olhar para trás e agradecer a dádiva de ter vivido aqui.

Feliz 2017

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