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Chinelões*

Nesse assunto eu até tenho lugar de fala: fui oficial das forças armadas durante 6 longos anos, logo após me formar na universidade. Desta forma, conheci por dentro as organizações militares e as pessoas que as compõem durante os anos em que trabalhei no HACO. Tive uma razoável oportunidade de ver como funciona o mundo da caserna, como se relacionam, como se expressam, como pensam e como agem. Portanto, nada do que apareça do comportamento de oficiais envolvidos nas questões da política me é estranho. Quando escutei os áudios gravados por membros de altas patentes planejando explicitamente um golpe contra a democracia, sem qualquer dúvida quanto às suas intenções golpistas, que inclusive incluía a execução de membros do judiciário e o próprio presidente, três coisas me chamaram à atenção:

1- O linguajar chulo, rasteiro, recheado de palavrões, caracteristico dos ambientes onde só circulam homens, onde a boa educação é coisa e maricas, a grosseria é a regra, a autoridade está acima da razão e as boas maneiras são sinal de fraqueza. O sotaque destes áudios soa de forma muito familiar para mim; parece algo adquirido nas escolas militares, pois é muito semelhante a maneira como estes “soldados graduados” conversam entre si.

2- Um tipo de arrogância e prepotência que é característico dos militares de altas patentes. Tomam decisões como se houvessem recebido alguma delegação divina para agir em nome do povo. Falam de “liberdade”, “patriotismo”, “amor ao Brasil” como se fossem os guardiões desses valores, podendo agir a despeito da vontade expressa do país. Para eles, as eleições são sempre roubadas, mas apenas quando os candidatos da direita são derrotados. Também é evidente uma postura violenta, assassina e fora da lei. Para eles, matar Lula, Alkmin e ministros do supremo seria apenas uma fase necessária do projeto. “Aguardamos sua ordem, presidente”.

3- O caráter reacionário. São sabujos, covardes, garotos de recado do exército americano. Olham para a matriz como se houvesse uma obrigação tácita de obedecer às suas determinações. Falsos patriotas, misturam palavras de ordem de caráter ufanista com postura genuflexa diante dos interesses corporativos e da ordem politica conservadora. Em todas as oportunidades defendem a ordem burguesa, sem pestanejar. São, em sua grande maioria, atrelados ao imperialismo, fazem cursos nos Estados Unidos, estão conectados pelo uso de armas, tecnologias e pela ideologia imperialista. Atuam como cães de guarda do capitalistas americanos.

As falas destes oficiais produziram um “flashback”, me fazendo recordar tais personagens da minha juventude. Infelizmente, a imagem que eles mostram agora – no plano de golpe e assassinato – parecem estar em perfeita sintonia com o que eu guardo na memória: o mesmo pendor golpista, o mesmo linguajar chulo, bagaceiro e de baixo nível, a mesma forma grosseira e inculta de tratar das questões políticas e o desprezo pela democracia. Isso me faz pensar que é urgente uma reforma nessa fábrica de golpistas incultos subservientes ao imperialismo que são as escolas militares. Também acho necessário a completa reformulação das Forças Armadas, para que se tornem verdadeiramente fiéis e leais ao poder civil, sem as mamatas e os vícios que recebem desde o seu surgimento, com os salários astronômicos, salários abusivos de desembargadores da justiça militar, as pensões vergonhosas para filhas “solteiras”, os cursos nos Estados Unidos, a justiça militar corporativista e as aposentadorias cheias de irregularidades. Reformar o generalato é uma emergência nacional. Se nada for feito, esse tipo de militar entreguista estará de prontidão para a próxima possibilidade de golpe. Que, podem apostar, será logo ali, ao dobrar a esquina…

* Chinelão é uma expressão do Rio Grande do Sul e que significa equivale a dizer que o insultado é bagaceiro (sujeito de baixa moral), pobre, mal arrumado, descomposto, mal educado, tudo isso junto. Também se usa, mais contemporaneamente, dizer chinelo, no mesmo sentido. Usa-se a forma feminina, também, chinelona.

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Impeachment?

Vou deixar bem clara a minha posição: não existe ninguém que lamente mais a eleição do governador Eduardo Leite para o governo do Estado e Sebastião Melo para a prefeitura de Porto Alegre do que eu. Ambos são representantes do que existe de mais atrasado em termos políticos: o neoliberalismo privatizante, o descaso com as populações mais carentes e periféricas, o desprezo com o meio ambiente e uma pauta cosmética, sem profundidade e sem atingir os pontos nevrálgicos da nossa sociedade. O preço a pagar pela eleição desses liberais privatistas estamos vendo agora: uma inundação que poderia ter seus efeito profundamente minorados não fosse o despreparo para as tragédias anunciadas, em especial no que diz respeito à capitalização de instrumentos do poder público para evitar e minorar os efeitos do desastre ou encurtar o sofrimento daqueles atingidos.

Por estas razões, surge aqui no Rio Grande do Sul a ideia de uma GLO. Sim, exatamente: existe um “zum-zum” no ar de que seria possível solicitar uma garantia da lei e da ordem e, através desse artifício constitucional, retirar os governador do seu posto. A partir daí seria designado algum representante do governo federal para assumir esta posição. Como as responsabilidades do atual governador na crise parecem ser bem severas e documentadas, esta GLO serviria para tornar mais diligentes as ações para a restauração da normalidade.

Quero deixar claro que me oponho veementemente a esta proposta, mesmo afirmando que sou oposição a este governo e que reconheço as responsabilidades dos mandatários atuais na crise grave das inundações. Entretanto, a frágil democracia brasileira precisa interromper este ciclo de impedimentos extra eleitorais de seus representantes. Não é aceitável que todo o presidente seja confrontado – desde o primeiro dia de mandato!! – com a ameaça de impeachment, em especial quando vemos que a imensa maioria destes movimentos são oportunistas, sem base legal, de caráter golpista e com o objetivo de ascender ao poder sem a necessidade de eleições. O mesmo devo dizer para governadores e prefeitos. Maus governantes merecem ser defenestrados nas urnas e apenas crimes de responsabilidade bem documentados poderiam retirá-los dos seus cargos. O impeachment de Dilma deveria ter nos ensinado que um congresso venal e corrupto como o que temos há várias legislaturas vai agir contra as leis e contra a constituição se assim for do seu interesse.

Ou seja: uma ação dessas no Rio Grande do Sul – mesmo que fosse necessária, algo que não estou convencido – abriria as portas para novos atentados golpistas. A vítima óbvia da próxima intentona golpista será a esquerda!! O presidente Lula será alvo de um ataque ainda maior por parte da direita rancorosa e, como bem o sabemos, não é difícil encontrar desculpas para um golpe, como ficou comprovado na fantasia das “pedaladas fiscais” do governo Dilma. Por isso, acredito que precisamos suportar esse governo neoliberal e derrotá-lo nas urnas; acreditar no congresso ou – pior ainda – na justiça burguesa é um erro que a esquerda não pode mais aceitar.

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Verdades inconvenientes

Liberalismo não tem nada a ver com liberdade, mas com propriedade privada. As sociedades liberais se organizam a partir da premissa de proteção da propriedade privada dos meios de produção, e defendem essa prerrogativa mesmo que às custas de aceitar a pior das barbáries humanas: a escravidão. John Locke, grande teórico do liberalismo, enriqueceu com o comércio de escravos. Como pode um sistema que diz lutar pela “liberdade” aceitar o lucro com a venda escravos como um meio lícito de enriquecimento?

A polícia, desde sua origem, existe para defender a propriedade, não as pessoas, e a defesa do sistema liberal é a tarefa primordial dos policiais. É por isso que se um ladrão roubar seu carro a polícia atira para matar; é evidente que, para este sistema, os objetos e as propriedades, são mais sagrados do que a vida. As forças de repressão, inseridas nesse modelo, servem como primeira linha de contenção contra a revolta popular. Que outra maneira haveria para conter o ódio das massas para a realidade do liberalismo, onde 1% da população concentra metade da riqueza de um país, como é o caso do Brasil?

Nossos mitares são todos corrompidos pela visão imperialista, e não é à toa que existe uma franca vinculação dos nossos comandantes com as forças armadas americanas. Esta conexão foi forjada por anos de cursos, intercâmbios, propaganda (inclusive do cinema), recursos, negócios, doações e treinamentos para manter as forças armadas como fiéis defensoras da propriedade, da burguesia e da elite financeira. Para isso, recebem como recompensa a blindagem histórica sobre seus malfeitos – da corrupção à tortura. Não é de se espantar o pendor golpista desses militares, desde sempre.

Nosso judiciário é formado pelo suco do poder burguês, com linhagens de juízes e desembargadores que se sucedem na cortes de todos os níveis, sendo o aparato mais moderno e sofisticado – usado em várias latitudes – para a fomentar a guerra híbrida. Para constatar a participação do judiciário na política basta ver a epidemia de “law fare” que ocorreu no Brasil, Argentina, Peru etc. nos últimos anos. Tornou-se muito mais barato para a matriz financiar meia dúzia de juízes (como Sérgio Moro) através de convites, treinamentos, homenagens, aulas e palestras pagas do que apoiar uma quartelada golpista como nos acostumamos a ver no sul global nos anos 60-70 do século passado.

A mudança do Brasil se inicia reconhecendo essas verdades doloridas, aceitando que nenhum tipo de reformismo produzirá uma mudança substancial na estrutura de poderes do Brasil. Perdemos tempo demais imaginando consertar estruturas corroídas e anacrônicas, ou tentando atalhos que nos iludem, como a perspectiva identitária. Somente uma mudança que leve em consideração os 99% de brasileiros que fazem a riqueza desse pais poderá nos fazer avançar como nação.

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Duvivier o Supremo

Gregório Duvivier é a mais perfeita explicação – existem outras – para o fracasso retumbante das esquerdas no Rio de Janeiro, fracasso esse que permitiu a ascensão da direita miliciana e dos candidatos de extrema direita evangélica. Sim, eu sei que há outros fatores relevantes, mas quando nomes como o de Márcia Tiburi assumem protagonismo político no PT da cidade isso é uma sinalização clara do drama que se abateu sobre a esquerda carioca, incapacitada de apresentar candidatos que representem a classe operária e suas demandas.

Gregório é o Luciano Huck da esquerda: rico, midiático, com sucesso profissional e oriundo de família burguesa, ele é um personagem facilmente identificado com a esquerda identitária do Brasil, e mais especificamente a esquerda do Rio de Janeiro. Enquanto Luciano faz assistencialismo barato e oportunista, arrancando lágrimas do público ao arrumar casas e carros de “eleitos”, Duvivier usa o identitarismo como forma de engajamento social, e isso explica sua atual defesa rasgada da nomeação de uma mulher negra ao Supremo Tribunal Federal. Ao lado disso, faz ataques explícitos ao Ministro Zanin por votos que não contemplam (no seu ver) sujeitos que, como ele, circulam no jet-set do Leblon e defendem pautas importadas do Partido Democrata americano.

“Maconheiro” assumido, fez dessa prática uma plataforma política, usando-a como emblema pessoal através das piadas que sempre faz sobre o tema. Entretanto, a despeito de serem questões respeitáveis, quando a cor e o gênero de uma ministra do STF, assim como a liberação do uso de drogas, se tornam plataformas mais importantes que as lutas da classe trabalhadora por moradia, alimentação, escola, e justiça social estamos diante de um problema grave, porque uma pauta periférica assume uma preponderância imerecida.

E veja; nada a reclamar de quem faz apologia da liberação da maconha – uma luta da qual eu me engajaria sem pestanejar – mas quando um humorista como Gregório Duvivier assume a condição de porta-voz e representante das demandas da esquerda usando essa bandeira isso se torna uma grave perversão do ideário da classe trabalhadora e os caminhos que ela pretende trilhar. Os recentes ataques ao portal 247, por meio do humor e do deboche – e aqui deixo minha defesa do deboche como ferramenta de crítica política – são movimentos claros em defesa do identitarismo como via de combate social. A insistência na estratégia de representatividade e visibilidade de grupos oprimidos persiste mesmo quando sabemos dos péssimos exemplos obtidos com esse tipo de política, em especial no quer diz respeito às indicações ao STF.

Joaquim Barbosa é o caso mais emblemático: negro e oriundo das camadas populares ele foi exaltado pela imprensa burguesa pela sua ação moralizante, devastadora e antipetista no Mensalão, o qual foi o grande tubo de ensaio para as jornadas de junho, a Lava Jato e os golpes contra Dilma e Lula. Hoje recolheu-se ao silêncio. Para além dele, as mulheres indicadas ao STF tiveram um comportamento tão ruim quanto o “representante negro”, basta lembrar os votos de Rosa Weber (“não tenho provas, mas a jurisprudência me permite”, ou “não concordo, mas voto pela colegialidade”) e o comportamento francamente golpista de Carmem Lúcia na prisão de Lula, agredindo despudoradamente a Constituição. O pior erro, nestes casos, é se surpreender com as ações desses ministros; basta lembrar o papel do STF no golpe de 1964 e na consolidação do golpe contra Dilma em 2016. É importante entender que tais personagens fazem parte da cúpula do poder burguês no Brasil, sem qualquer compromisso com as demandas de defesa do Estado democrático de direito e da constituição de 1988. Portanto, sabendo de qual classe eles são oriundos, é uma ingenuidade inaceitável acreditar que algo progressista possa brotar do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, sua origem, cor e gênero não os impediram de sucumbir espalhafatosamente às pressões da burguesia que os domina, mastiga e engole.

Resta lembrar que o STF é um órgão que só se justificaria pela defesa da Constituição, nada além disso. Seus ministros não têm cargos representativos, como ocorre no legislativo e executivo. Assim sendo, a indicação a este cargo deveria levar em consideração tão somente a história pessoal do candidato nos debates jurídicos e constitucionais, e não por “advogar” para grupos e minorias, em especial quando ele próprio se beneficia das decisões. Por estas razões, acredito que a defesa de Duvivier de uma mulher negra para o STF terá como resultado o oposto do que deseja: exatamente por seu ativismo a indicação será vista com reserva, porque vai escancarar o fato de que não há real preocupação com o garantismo constitucional, mas com a mais pura e aberta defesa do identitarismo dentro do STF.

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Fracasso?

Sejamos honestos: o dia de ontem marcou uma vitória para Bolsonaro. O vexame das carroças passeando por Brasília, a meia dúzia de gatos pingados nas ruas aplaudindo um bufão, a falta de apoio dos milicos (até o vice Mourão deu bolo) e a derrota da proposta do voto impresso são muito menos importantes do ponto de vista político do que os 229 votos que a estúpida proposta de Bolsonaro recebeu no plenário.

Isso tem um significado muito claro: se Bolsonaro pode pressionar, constranger ou ameaçar a ponto de receber a MAIORIA dos votos da casa para uma proposta esdrúxula e sem sentido – como é a troca às pressas de um sistema de votação de sucesso até agora – qualquer tentativa de colocar em votação um dos mais de cem pedidos de impeachment até agora será marcada pelo fracasso.

Com o congresso venal que temos, ainda reflexo da intensa campanha anti-esquerda, anti-PT e anti-comunista dos últimos anos (um trabalho conjunto do judiciário e da mídia) teremos que suportar esse governo até o final do próximo ano. Sou obrigado a concordar com o deputado Maia: colocar um pedido de impeachment para ser votado levaria ao fortalecimento desse governo homicida. Em verdade, funcionaria como o impeachment tosco a que Trump foi submetido – oferecer a ele respaldo e fôlego para a próxima eleição.

Alguns ainda dizem que o processo de impeachment por si só produziria o desgaste necessário, mas eu já não acredito mais nessa perspectiva. Vejo muito mais uma coesão do Centrão sobre seus interesses intestinos e também uma aliança com a extrema direita para o desmonte do patrimônio nacional e para alimentar a rapinagem do mercado.

A resposta, como sempre, sairá da união do povo nas ruas. É o nosso caminho.

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