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Justiceiros

Qual a religião você acha mais próxima de Deus? Aquela conduzida por pessoas “nobres e elevadas”, mas cujo caráter inexorável condena os pecadores ao fogo eterno, sem perdão, sem chance de recuperação e sem alívio para suas culpas? Ou você acredita na outra, comandada por escroques e bandidos fuleiros, fraudadores e pilantras, mas que abraça os condenados e lhes oferece a redenção pelo perdão e a chance de reconstruir suas vidas, inobstante o crime cometido?

Se a esquerda não conseguir compreender a sedução das religiões evangélicas no imaginário popular, jamais conseguirá ser um movimento verdadeiramente de massas. Quando vejo a luta feroz de membros da esquerda para manter na cadeia senhoras sexagenárias, jovens cujo crime foi bagunçar a sala dos ministros e de pedir um governo mais justo, e homens que quebraram objetos e levantaram a bandeira nacional, eu me pergunto se essa é a real postura da esquerda. Não estou me referindo aos militares golpistas, aos que planejaram o assassinato de autoridades ou aos financiadores, burgueses em suas fazendas e escritórios, que tentaram dar um golpe à direita. Falo do povão, das pessoas cansadas do capitalismo que expolia suas forças e seus ganhos, mas confundem isso com as questões morais – que são a pauta da direita.

O bordão “sem anistia” virou o mantra desta esquerda raivosa, sem entender que este grito de guerra vai acabar caindo sobre nossas cabeças, ao dobrarmos a esquina. E não apenas na política: setores identitários da esquerda condenam um treinador de futebol que cometeu um erro grave há 40 anos, não permitindo que ele tenha paz, atacando-o de forma violenta e incansável e negando a ele o direito a exercer sua profissão com dignidade. Para esses é fundamental atacar o sujeito, não seu crime!!! Admitem, para estes, a prisão perpétua, sem chance de recuperação. Enquanto isso, os evangélicos, mesmo que muitas vezes comandados pelos piores escroques, os mais contumazes pilantras e os mais abjetos mercadores da fé, abraçam mesmo os criminosos mais odiados – como o ator que matou a atriz – sem fazer perguntas, apenas pedindo o arrependimento e o compromisso de uma vida de regeneração.

O sujeito comum procuraria se abrigar naqueles que perdoam ou naqueles que condenam com ferocidade? Será que essa violência da esquerda, seu caráter inexorável, raivoso e punitivista, que quer colocar a todos na cadeia e que aplaude as ações abusivas de ministros do supremo, não está afastando o povo, o cidadão comum, o pecador, o sujeito falho e imperfeito, e jogando-os nos braços das religiões? Que projeto de pais é esse baseado na revolta e no ressentimento? Que esquerda é essa, que tanto quer sangue e vingança?

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Abraços

Alguém pediu pra eu fazer um post “bonitinho” sobre o tema e eu respondo que “não me peçam que eu lhes faça um post como se deve, suavemente limpo, muito limpo e muito leve, sons e palavras são navalhas, e eu não posso falar como convém, sem querer ferir ninguém.”

Só o que digo é que os espetáculos punitivistas expõem de nós sempre o que temos de pior. Nenhuma pessoa movida pelo sentimento de vingança fica bem na foto. O punitivista é sempre um espírito de direita, conservador, mesmo quando veste roupas de arco-íris, cor de rosa ou grita “paz”. A ideia de que “punições exemplares”, “penas emblemáticas” de “lavar a alma” podem produzir mudanças estruturais é uma ilusão que muitos acalentam. Não salvam uma vida sequer, não nos educam, não nos protegem, não nos fazem avançar, mas fazem surgir os “justiceiros”, os “vingadores”, personagens do radicalismo mais primitivo, cuja visão de mundo está baseada no binômio “crime e castigo”, que acredita na punição como elemento supremo da pedagogia. Punitivismo não funciona há 100 mil anos na cultura humana. Não seria agora que a pedagogia da dor passaria a ser válida. Se esse modelo tivesse efeitos positivos a aplicação da pena de morte teria feito sucesso e a palmatória não teria sido arquivada. A destruição e a vingança como propedêutica sempre fracassaram; a história ensina.

Comemorem, mas lembrem que nesta punição está escondido um segredo: por que ele, e não os outros famosos cujo crime foi idêntico, tanto nas características quanto na época em que ocorreu? Por que blindamos alguns enquanto outros são colocados na fogueira? Será porque o ataque é ao futebol – arte masculina em suas origens – enquanto outras artes seriam protegidas?

Fica a minha curiosidade…

Alguém também me pediu que interpretasse o abraço que os jogadores deram em Cuca no final da partida, assim como a defesa que fizeram de seu amigo e parceiro – mesmo sem mencionar o crime do qual é acusado. Respondi que se meu filho estivesse sendo acusado, culpado ou não, eu o abraçaria. Meu abraço significa o seguinte: “Mesmo que você tenha errado continua sendo alguém que amamos. Na boa e na ruim não vamos te abandonar.” Os jogadores abraçaram um amigo, não seu delito, muito menos um crime. Uma mãe, mas também um irmão, cuida dos seus mesmo (e principalmente) quando estes erram. Se formos deixar de abraçar as pessoas que cometeram delitos – e até crimes – restarão poucas pessoas para a gente abraçar. Eu mesmo sinto que seria privado eternamente desse cuidado e desse carinho. Quando a gente abraça um irmão o faz sem julgamentos. Você abraçaria Simone de Beauvoir ou Marie Curie pelo trabalho maravilhoso que fizeram pela humanidade?

Se você as abraçaria, mesmo sabendo quem foram, vai entender o que digo.

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Justiceiro

As prisões não precisam ser “colônias de férias”, por certo, mas igualmente não podem ser as masmorras medievais, imundas, superlotadas e desumanas que caracterizam o sistema prisional brasileiro. Inobstante os crimes que tenham cometido, todos os brasileiros – até os golpistas bolsonaristas – têm direito a um tratamento digno garantido pelo Estado. Não há desculpa pelo descaso com quem cumpre pena, e nada justifica que prisioneiros sejam tratados de forma humilhante. O Estado precisa dar o exemplo e não pode ser mais criminoso do que aqueles cidadãos que cometem delitos.

Quem aplaude as ações de Alexandre apenas porque ele agora aparece ao lado da civilização, mais cedo ou mais tarde perceberá que sua índole é punitivista e autoritária. Esse filme eu já vi: “cria cuervos y ellos te comerán los ojos”. Passada a urgência dos levantes fascistas e, na primeira oportunidade, o ministro todo poderoso vai agir como na Lava Jato ou na prisão de Lula: um agente do poder militar e um direitista embriagado pelo poder.

Não se deixem enganar pela máscara democrática que estes vingadores vestem. O voto de Alexandre a favor da prisão criminosa de Lula ainda está presente em minha memória. Não será essa a verdadeira persona do ministro, enquanto o justiceiro de agora é tão somente seu disfarce e sua estratégica dissimulação?

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Convicções

Imagine que você viajasse no tempo e encontrasse Hitler frente a frente, no período imediatamente anterior “Putsch da Cervejaria”, em Munique. Diante de si estava o jovem cabo do exército com seus bigodes longos e seu olhar penetrante, que em poucos anos seria um dos maiores carrascos da humanidade. Ao ver o homem responsável por milhões de mortes você imagina que o extermínio deste único homem poderia poupar a vida de milhões de europeus envolvidos na guerra que estava para irromper.

Movido por esta convicção você mata o jovem Hitler, mesmo sabendo que estava executando um homem absolutamente inocente de qualquer crime até então cometido. Fez isso por convicção de que aquele sujeito – e não seus atos – merecia ser punido com o extermínio.

Aliás, Esse é um problema comum nos filmes de ficção sobre o tempo: a ideia de que existe linearidade temporal e que, retirando-se um elemento qualquer, todos os outros se manteriam intactos. Na verdade, se Hitler fosse eliminado, outro ocuparia seu “lugar histórico” para cumprir semelhante destinação. Havia realmente um solo de indignação e inconformidade no seio da nação alemã desde o final da primeira guerra mundial. Quem sabe com menos ódio vermelho não invadiria a Rússia e hoje teríamos uma Europa germânica. Por outro lado, poderia ter terminado a guerra bem antes, poupando vidas e evitando a entrada americana no combate. Com isso não haveria se desenvolvido o mesmo império que hoje testemunhamos no “irmão do norte”. Porém, poderia ser um líder ainda mais sanguinário e a treva que caiu sobre o planeta ainda hoje se manifestaria a escurecer nosso horizonte. Como saber?

(In)Felizmente não existem viagens ao passado, e o presente é essa fatia fina de tempo com o qual nossas ações se fazem possíveis. Para nós, qualquer ideia de um futuro é projeção estatística, adivinhação ou misticismo. Assim, uma condenação só poderia se dar diante de fatos, comprovações e evidências e não a partir das convicções de malucos e justiceiros empunhando a bandeira da (sua) Verdade e trazendo nas mãos uma arma, convencidos de que a barbárie que se obrigam a cometer salvará o mundo da perdição.

Não esqueçam que o próprio Führer, dentro sua lógica doentia, também imaginava estar depurando o mundo das suas mazelas, e para isso não poupou os inimigos das piores sentenças.

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