Arquivo da tag: linchamentos virtuais

A los que Luchan

O sistema de patrulha que existe hoje em dia, mormente nas redes sociais, impede (ou dificulta) que as pessoas se posicionem de forma contra hegemônica em alguns temas sensíveis. Isso produz uma espécie de duplicidade retórica, onde o sujeito guarda suas crenças pessoais, porém sua opinião expressa é uma “mentira pública”. Nesse modelo o sujeito diz para você em uma conversa privada: “Sim, eu concordo com você, mas é óbvio que eu não podia falar isso publicamente, pois você conhece aquele pessoal: eles fariam pedacinhos de mim”.

Mais curioso ainda é quando algumas pessoas ficam tão conectadas com essa sua face pública que passam a tratá-la como verdade, mesmo que no íntimo saibam que se trata de algo contrário às suas crenças mais íntimas e mais profundas. Chegam a defender ardentemente algo que discordam e até mesmo desprezam, como os sofistas, tendo como pagamento a aprovação das pessoas que encontram em suas palavras aconchego e esperança. Mentem descaradamente por terem se viciado na aprovação da qual, por fim, se tornam dependentes. As vezes, ao testemunhar as manifestações emocionadas e veementes de alguns sujeitos, fico pensando: “Será mesmo que essa pessoa acredita no que afirma? Ou estará ela apenas aceitando a submissão a um ordenamento social que, caso rompesse, sabe de antemão que não suportaria?”

Muito dessa relação dissimulada com seus próprios valores eu vi na política, nos partidos e nas amizades, mas também no trabalho com o parto humanizado. Testemunhei dezenas de colegas que se aproximaram de mim em inúmeras ocasiões dizendo: “Acho que o que você está fazendo é correto. Não há como aceitar a barbárie imposta à mulheres no momento do parto e nascimento. Eu concordo com sua perspectiva, mas você há de entender a minha situação”. A partir daí falavam das pressões dos colegas, das dificuldades locais, das chefias médicas, do diretor do hospital, da família e da fé pública que tanto prezavam, e que é, em verdade, o maior patrimônio de qualquer profissional. “Eu realmente gostaria de trabalhar guiado por tais perspectivas, mas veja…. não há como”. E como se poderia culpar alguém que percebe o tamanho do gigante que lhe faz sombra? Nem todos tem vocação para Davi, e muito menos para Kamikaze. É compreensível que as pessoas queiram exercer seu ofício sem ameaças, sem violências, sem perseguições e sem ter uma espada apontada diuturnamente contra seu peito.

Em tempos de linchamento virtual, em especial pelos guardiões do politicamente correto, é compreensível que alguns se calem e contem suas verdades apenas entre devaneios – ou no obscuro cenário das alcovas. Entretanto, como diria Bertold Brecht, há que reverenciar aqueles que diante das balas no Pelotão de Fuzilamento das redes sociais abrem a camisa e gritam: “Que venham as balas, pois minha integridade e consciência são superiores à própria vida”.

À “los que luchan”, minha reverência…

Hay hombres que luchan un dia y son buenos;
Hay otros que luchan un año y son mejores;
Hay quienes luchan muchos años y son muy buenos;
Pero hay los que luchan toda la vida,
Esos son los imprescindibles.
(Bertold Brecht)

Abaixo, Mercedes Sosa declamando esta estrofe de Brech na música Sueño con Serpientes de Silvio Rodriguez

Deixe um comentário

Arquivado em Ativismo, Causa Operária, Pensamentos

Joga Pedra!!

Sabe o que eu acho curioso? O Brasil inteiro está com ódio daquela moça que atacou o rapazinho que, de tanto apanhar, pediu para sair. Só vejo mensagens de ódio contra ela. Ela é a Geni nacional e, como toda a Geni, cumpre uma importante função social. “Ela serve prá apanhar, ela é boa de cuspir, maldita!!”

Enquanto existir uma pessoa que encarna a maldade e o mal do mundo nosso ego se sente aliviado. Tipo “Eu sou mau – às vezes – mas nunca fiz isso que ela fez. Ela sim é ruim de verdade”. Ufa, que alívio. Ela é também nosso Judas, e podemos malhá-lo à vontade para dar vazão ao nosso ódio e às nossas frustrações.

Por outro lado, eu não acho que ela – escondida entre os muros daquela casa – sabe do ódio que atraiu nas últimas semanas. Ela, como todos nós, não tem a capacidade de saber o quanto suas ações afetam os outros. Temos uma enorme condescendência com nossas ações e para elas sempre encontramos explicações, razões e claras justificativas, que quase sempre não fazem sentido para os outros, pois que não conseguem enxergar de forma “correta”, da maneira como nós vemos.

Tenho certeza que ao saber do que aconteceu com ela aqui fora a sua reação será o espanto e a incredulidade. “Como assim? Eu? Não pode!!!”. Talvez – apenas uma suposição – em seu íntimo ela já tenha uma pequena suspeita, mas que fica soterrada por um sistema muito eficiente de proteção emocional.

Porém, isso não se aplica à essa artista, mas vale para todos nós. Somos uma construção do olhar do outro, e sem isso é impossível saber quem realmente somos. Essa moça é um pouco de cada um de nós, mas por sorte não temos câmeras a acompanhar nossas patifarias cotidianas. Somos muito mais incorruptíveis por mediocridade do que por virtude.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Desculpas

Há alguns anos escrevi um texto a respeito de um post em um blog que eu havia lido. Era uma história sobre sexualidade que mexeu comigo porque sempre tive esse tipo de angústia em relação aos filhos, crianças, adolescentes, etc… Por impulso escrevi um texto no Facebook sem citar de onde vinha este relato, mas dizendo que discordava do que havia sido escrito por uma série de razões. Era, por certo, um chamado à reflexão, não um ataque a uma pessoa que sequer sabia quem era.

Na minha cabeça era como escrever um texto a partir de uma notícia da Reuters que dizia (inventei a notícia): “Mulher búlgara adota apenas um dos gêmeos”, e eu respondesse: “Ora, eu não acho justo que apenas um seja adotado. Isso é cruel”. Assim, de forma impessoal, sem jamais imaginar que essa mulher do outro lado do planeta viesse me contestar pela minha posição pública quando ao caso, sem maiores aprofundamentos.

(Espero que o presidente atual não venha me cobrar pelas coisas que digo dele também…)

Para minha surpresa a pessoa que escreveu o post me escreveu indignada – furiosa até – e, anos passados, ainda existem reverberações dessa onda de contestação dura que surgiu após a sua manifestação. Acabei fazendo bloqueios em massa, não por discordância das teses em questão, mas por ofensas, agressões, ameaças e ódios. Só anos depois descobri quem era a autora do post e sua luta contra abusos sexuais, mas quando descobri já era tarde.

Não quero tratar do tema do post e da minha crítica a ele, e também sei que as pessoas que desenvolveram ódio por mim não vão me perdoar pelo que vou dizer agora, mas acho que é melhor dizer isso do que deixar em silêncio.

Eu errei. Errei rude. Eu me arrependo do que escrevi. Novamente, nem se trata de questionar o conteúdo – sobre ele poderia haver muito debate – mas certamente da forma. Não há desculpa para uma coisa feita até com boa intenção, mas que acaba ferindo pessoas. Fui ingênuo e burro ao não perceber que minha crítica poderia – pelas vias fluidas da Internet – chegar aos olhos da pessoa a quem eu me referia, mesmo morando em outro país. Além disso, a questão central – a sexualidade – não poderia ser tratada num post público desta forma, pois ela oferece gatilhos para muitas identificações e angústias.

Errei duramente por ter publicado de forma aberta. Poderia ter escrito privadamente para amigos que pensam de forma parecida – ou mesmo antagônica – para ver os limites do tema, mas jamais abertamente, imaginando que isso pudesse ser tratado “em tese”.

Na época eu escrevi para a autora do post original pedindo para conversar, mas ela, compreensivelmente, não quis. Creio que por muitos anos me odiou e não tiro suas razões. Errei, mesmo sem o desejar, ao expor suas escolhas, com as quais na época discordava.

Sim, gostaria de pedir perdão pois vi que muitas pessoas lembram desse fato ainda com rancor. Sei também que para elas eu não serei perdoado, e também não as culpo, mas o pedido de desculpas públicas não exige respostas de quem solicita, apenas o reconhecimento do erro por quem o praticou.

Aprendi com esse erro e procurei não repeti-lo, já passados quase 4 anos. Tive mais cuidado. Não fiz um pedido de desculpas anterior porque não queria despertar o vendaval de acusações que agora voltou à tona. Ou talvez apenas por medo, insegurança e vergonha. Talvez tivesse sido melhor fazê-lo antes, mas este, por certo, foi outro erro.

Todavia, nunca é tarde. Peço humildemente perdão também e – em especial – para seu filho que acabou sendo envolvido na discussão. Peço desculpas para as pessoas a quem ofendi e magoei, mas não peço nada em troca. Apenas deixo claro que reconheço o meu erro e que devo desculpas a todos por não entender a dor que poderia provocar com a amplitude das minhas palavras.

Deixe um comentário

Arquivado em Histórias Pessoais

Imperativos éticos

Vendo a reação das pessoas aos “anjos caídos” dá para ter certeza que o ódio está no ar. Não há perdão, contexto, compreensão e sequer desejo de justiça. O que se sente é a oportunidade de vingança, e usando as mesmas armas que os inimigos sempre usaram. Assim sendo, existe razão ao se pedir moderação nos linchamentos virtuais. A civilidade impõe que a punição não pode jamais suplantar o crime cometido, e a resposta da vítima não pode se igualar à do algoz. Sem esse imperativo ético não é possível distinguir justiça de revanche.

Edwin Rupert McAllister, “Virtual Lynch”, Ed. Barroblanco, pág. 135

Deixe um comentário

Arquivado em Citações

Autofagia

Eu li o pedido de desculpas da professora Elika e não li o texto do ano passado que gerou a celeuma. Entretanto, pela minha própria experiência, nem é preciso ler o texto inicial para saber que a violência contra ela é absurda e desmedida. Eu sei exatamente como estes grupos fazem linchamentos virtuais e por isso me solidarizo com Elika e todas as outras bruxas e bruxos queimados nas fogueiras da intolerância. Apenas deixo claro que o sucesso desses movimentos libertários e por justiça social não se dará apenas pelo enfrentamento com os adversários machistas, misóginos, racistas ou LGBTfóbicos, mas também através da dura tarefa de reconhecer e extirpar das entranhas do próprio movimento os fascistas que militam por estas causas.

Ninguém mais tem dúvidas do racismo e do machismo em nossa sociedade. Não é preciso avisar isso em todo texto como se fosse uma novidade. Não é mais esse o problema, e sim como combater de forma pedagógica e eficiente. O que eu penso é que o combate à estas duas feridas sociais não pode ser com a DESTRUIÇÃO de reputações, patrolando suas biografias e jogando toda uma militância do bem no lixo pela simples escolha errada de palavras. Esta é uma estratégia suicida. Alguém acha que os movimentos feministas, de esquerda ou anti racistas se beneficiaram com a “aposentadoria” da Elika no Facebook? Tenho certeza que nas fileiras adversárias é possível escutar o sorriso dos bolsonetes com a autofagia dos setores progressistas.

Pois vou mais adiante: nós brancos precisamos ser educados para a nova realidade. Sou da época em que era lícito contar piada de negros, claramente racistas, e fui amorosamente educado pelos meus amigos de que isso não tem graça. Quem quer imprimir uma nova realidade precisa entender e ter paciência para a adaptação. Isso não diminui nossa culpa, mas coloca todos os personagens sociais como responsáveis pela mudança.

Tanta gente acha errado espancar crianças quando elas agem errado, mas acham natural triturar publicamente a honra de quem cometeu erros. Lembre que o racismo – assim como o machismo – é tão naturalizado em nossa sociedade que muitas vezes agimos com estes preconceitos sem sequer percebermos. Erramos muitas vezes sem saber, como Elika errou com suas palavras…

Da mesma forma como as crianças erram também…

Deixe um comentário

Arquivado em Ativismo, Política