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Liberdade e Imprensa

Estes que agora levantam a bandeira da “liberdade de expressão”, democratas de fachada e oportunistas da livre expressão, sempre foram vorazes defensores do capitalismo – um sistema que torna a cidadania e os direitos humanos produtos que se compram na prateleira. Este modelo de sociedade, ao exaltar uma sociedade de classes dividida entre capitalistas e trabalhadores, cerceia a liberdade de quem, alijado do capital, se torna incapaz de exercer sua cidadania com plenitude. Estes são os mesmos “libertários” que há poucos meses se mobilizaram, com slogans, cartazes e povo na rua, por uma nova ditadura militar no Brasil. Com bandeiras verde-amarelas, laquê nos cabelos alourados e gritos de “eu autorizo”, conclamavam as forças militares à tomada do poder, mesmo com o uso da força, desprezando os resultados eleitorais.

Estiveram todo o tempo alinhados com a extrema direita prestando continência para pneus e chamando ETs com o celular. Esperavam que uma ditadura militar, com a volta dos mesmos personagens violentos e estúpidos do passado retornassem de suas tumbas. Se pudessem, trariam Newton Cruz e Coronel Ustra de volta ao nosso convívio, para junto com Geisel, Médici e Figueiredo impor a “disciplina” e a “ordem” no Brasil.

Isso nos deixa uma importante lição: não há porque desistir do sonho de uma sociedade sem censura onde as mentiras sejam combatidas com a verdade e o exercício pleno do contraditório. Entretanto, não é admissível aceitar o discurso falso e dissimulado de quem há pouco tempo apoiaria a desaparição de todas as nossas garantias constitucionais e até mesmo os resquícios de liberdade política garantidos pela constituição de 1988. É preciso estar atendo às narrativas tortas da direita: quando os liberais falam de “valores democráticos”, “liberdade”, “livre expressão” nunca estão se referindo à garantia desses direitos às pessoas simples, o povo, o motorista de aplicativo, a doméstica, o rapaz da bicicleta do IFood ou o servente de pedreiro. Jamais estarão tratando dos direitos de todos, mas apenas dos deveres que a classe operária tem para com os ricos, para que estes últimos possam desfrutar da liberdade, um valor que pode ser usufruído apenas por quem “merece”.

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Censura

Hoje o debate no Facebook sobre riscos, eficiência, vantagens e benefícios de vacinas está banido. Canais no YouTube estão sendo excluídos e todas as vozes dissidentes estão sendo silenciadas. Censurados, em nome do bem geral, da saúde pública, para o “greater good”, decidido por algumas poucas pessoas que pensaram por nós, decidiram por nós, falaram por nós e apertaram o botão “delete” para milhões no mundo todo.

Não, este post não é sobre vacinas, é sobre a liberdade de debater e conhecer todas as faces da verdade.

Peço paciência para uma analogia. Fiz todo o meu transcurso pela escola médica e na época da residência em ginecologia escutando a exaltação das mamografias, Elas eram exames de baixíssima periculosidade, boa acuidade e poderiam fazer diagnósticos de tumores ainda abaixo da possibilidade de palpação e a tempo de se fazer uma cirurgia curativa. Quem poderia ser contrário a este tipo de milagre da tecnologia? Quem poderia questionar os resultados positivos de mulheres que foram operadas e recuperaram a saúde após a descoberta de um minúsculo tumor na mama?

Pois houve gente que, mesmo diante deste aparente sucesso, teve desconfianças e resolveu investigar a fundo o difícil campo dos riscos e benefícios de irradiar uma mama de forma rotineira e periodicamente para descobrir tumores escondidos nos tecidos mamários. O trabalho iconoclástico do meu herói pessoal, Peter Gotzsche, vai exatamente nesse sentido.

Suas conclusões foram impactantes. Para alguns este exame deveria ser banido. Para outros ele não deveria ser usado de forma rotineira e, muito menos, com tamanha frequência.

Agora imagine que há alguns poucos anos o debate sobre mamografias tivesse sido banido, por diminuir a taxa de pacientes submetidas a este escrutínio e, portanto, teoricamente aumentado o número de pacientes não diagnosticadas precocemente. Jamais teríamos descoberto que as vantagens das mamografias rotineiras nem de longe produzem o resultado que imaginávamos produzirem.

O que é “desinformação” hoje pode não ser amanhã. Existe muita pesquisa sendo feita para mostrar problemas relativos às vacinas, de boa, excelente e até de péssima qualidade. Banir todas elas com a desculpa de “proteger as pessoas” é uma atitude totalitária. Eu lembro da unanimidade em relação às mamografias há 20 anos, e a fúria contra qualquer médico que resolvesse questionar sua validade. Cesarianas a mesma coisa. Enteroviofórmio idem. Se alguém quisesse questionar o uso de raios X nos primeiros anos do século XX, seria tratado como um retrógrado, inimigo da ciência.

Poucos lugares do conhecimento merecem e necessitam tanto de iconoclastia como a medicina. Poucos são mais necessários do que aqueles que se contrapõem às posturas hegemônicas. Esses sujeitos – como Peter Gotzsche – são essenciais.

Bem sei o que a direita tem feito com essa questão, adicionando misticismos, mentiras e fraudes sobre achados científicos. Entretanto não se retiram os dedos por infecções nas unhas. Não há como ressuscitar a censura com a desculpa de “proteger pessoas”. Lembre que o macartismo se guiava por este mesmo norte. A liberdade de pesquisar e divulgar dissidências dos conhecimentos hegemônicos deve ser sempre garantido. Existe boa ciência entre aqueles que questionam vacinas e, como eu disse, muita bobagem, mas em qualquer campo existe algo parecido. Que às pessoas seja garantido o direito de decidir. E veja… aqueles que se contrapõem à avalanche de informações favoráveis às vacinas são ratinhos lidando contra elefantes, mas também o era Galileu ao dizer “eppur si muove”.

Outras coisa perigosa é “entre os pares”. O debate científico tem pressupostos rígidos do debate e da pesquisa, mas não são os cientistas que devem pautar a vida cotidiana. A propósito… que horror seria uma vida coordenada por cientistas!!! Portanto, esse debate DEVE obrigatoriamente verter para a discussão pública, para que as pessoas, os governos, as sociedades e os grupos possam decidir com os argumentos que as ciências lhes oferecem, e não pela IMPOSIÇÃO do debate secreto e fechado entre pares. É por isso que os cientistas divulgam seus achados na imprensa, para provar ou negar achados para gente comum, como nós.

Agora pensem… apesar de ser doloroso ter que aguentar posições que agridem nossas convicções mais profundas a censura é uma tragédia para o conhecimento, a liberdade e o próprio avanço das ciências. A facilidade como as pessoas aceitam este tipo de proibições (em especial na esquerda festeira identitária) é uma tragédia social. Parece que vamos precisar reinventar os princípios básicos da civilização, baseados na liberdade de expressão, novamente, partindo do zero. Nunca as palavras de Evelyn Beatrice Hall, erroneamente atribuídas a Voltaire, fizeram tanto sentido: “Discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”.

Ainda haverá no mundo paixão suficiente para a defesa destes princípios?

Veja AQUI o trabalho de Peter Gotzsche publicado no Lancet.

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Conservadorismo espírita

Pensa numa contradição….
Um cara escreve um texto denunciando a “geração cristal”, frágil e fraca, que não suporta contradições.
Você discorda,
Ele te bloqueia….

Mesmo sites espíritas que se dizem progressistas acabam escorregando para o conservadorismo, a essencialização dos gêneros a muitas vezes descambam para uma misoginia escancarada.

Acabei de ler um texto sobre a velha tese da “geração de cristal” que diz que os jovens de hoje não suportam críticas ou frustrações. Eu mesmo creio que existe verdade nesta perspectiva, e temos legiões de jovens “flocos de neve” cujos sentimentos ficam abalados por qualquer contradição. Entretanto o texto apelava para um saudosismo tosco quando afirma textualmente:

“A geração que nos ensinou a viver sem medo está morrendo
….as pessoas que ensinavam aos homens o valor de uma mulher
…. e às mulheres o respeito pelos homens.”

Quer dizer então que “antes sim os homens sabiam valorizar uma mulher”?

Sério? Há 100 anos quando elas não votavam? Há 43 anos quando não podiam se divorciar? Quando se matava em nome da honra? Quando não tinham liberdade sexual? Quando eram apêndices dos homens? Quando não podiam trabalhar? As mulheres não respeitavam os homens; tinham medo deles. E os homens – como regra – viam nas mulheres valores maternais, e quase nada mais.

Ora, quanta verve reacionária. Apesar do nosso atraso civilizatório não será no passado que vamos encontrar solução para os problemas de gênero. Achar que o “cavalheirismo” é a resposta é um brutal desrespeito com as lutas das mulheres. Acreditar que no passado havia respeito é ignorância. Achar possível um passo atrás é absurdo.

É triste ver posturas reacionárias dentro de um movimento que se propõe progressista, aberto e livre pensador.

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Lacre

Nos anos 80 e 90 do século passado eu escutava muito um programa de esportes no rádio que era transmitido logo depois do almoço. Tinha uma característica clássica: um torcedor fanático de cada um dos times da cidade, alguns torcedores moderados e outros ditos isentos. Era cômico, divertido, machista muitas vezes, informativo e falava desse universo masculino do futebol. Ainda existe, porém claramente decadente, mas por mais de 40 anos foi o maior programa de rádio desse estado.

Havia, entretanto, uma característica desse programa que sempre me incomodou. Uma vez por mês o programa se mudava para o interior do Estado para fazer uma transmissão ao vivo, num ginásio de esportes ou em uma praça. Lá eles debatiam o mesmo tema – o futebol do estado – mas com plateia, ao vivo. Aí é que as coisas complicavam.

Os argumentos e as tiradas espirituosas davam lugar a falas cujo único objetivo era conquistar o povo reunido para escutá-los. Como em todo lugar, metade da audiência torcia por um time e metade para outro. Assim, a tarefa dos debatedores era dizer algo pretensamente espirituoso e provocativo – falar do número de títulos do seu time, lembrar quem ganhou a última disputa, quantos embates vencidos na história, quem estava melhor no campeonato, etc – e fazer a plateia vibrar quando se dizia algo aparentemente grandioso e que deixaria o adversário sem resposta. Uma espécie de “repente” nordestino, mas centrado no tema do futebol.

O problema desse modelo é que a profundidade dos argumentos, a qualidade da explanação e a própria verdade dos fatos sucumbiam à necessidade de agitar aqueles presentes ao encontro. Não se tratava mais de oferecer uma qualidade argumentativa, com lógica, coerência e precisão, mas conseguir mais aplausos, apupos e aceitação dos presentes. Isso, evidentemente, agradava quem lá se encontrava, os quais passavam uma procuração aos debatedores nessa batalha retórica. As discussões, entretanto, se tornavam pueris, infantis e maniqueístas, reduzindo o encontro de ideias a pó.

Muitos anos depois o mesmo fenômeno aconteceu nas redes sociais e hoje atende pelo nome de “lacração”. Da mesma forma como no programa de rádio, temos uma imensa plateia de pessoas que podem ler o que escrevemos. Para algumas – os chamados influenciadores digitais, ou “influencers” – esse número pode chegar aos milhões. Desta forma, nada que se diga passa impune. Como consequência dessa plateia cativa de observadores, os bons argumentos, a retórica de qualidade e a simplicidade enxuta de uma fala acabam dando lugar às manifestações “lacrativas”, que visam produzir não apenas ataques “ad hominem”, mas argumentos frágeis e até mesmo toscos e tolos, mas que são direcionados à gigantesca massa de pessoas que fazem parte da torcida organizada criada pela nossa bolha das redes sociais.

Mais ainda: os argumentos são frequentemente usados de forma desonesta, quando sabemos que, mesmo sendo errados e injustos, ainda assim os usamos, pois temos a certeza que serão aqueles que mais impacto poderão causar.

A cultura do “lacre” produz cotidianamente manchetes estúpidas como “Fulano humilha Ciclano em um debate“, “Beltrana destroi opositora em conferência“, geralmente no YouTube, e não são poucas as vezes em que o inimigo (de esquerda ou direita) é retirado do contexto e sua fala jogada nas redes para assim poder ser destruída. Vale tudo em nome da lacração.

A “Lacração Ilimitada” não é de hoje, por certo, mas as redes sociais a transformaram em uma praga que obstaculiza o pensamento, impede os debates e atrasa o progresso das ideias.

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Free Speech

Palavras do parlamenta americano democrata Bernie Sanders sobre os ataques de manifestantes ao discurso da sua adversária, a conservadora Ann Coulter:

“To me, it’s a sign of intellectual weakness,” he (Bernie Sanders) said. “If you can’t ask Ann Coulter in a polite way questions which expose the weakness of her arguments, if all you can do is boo, or shut her down, or prevent her from coming, what does that tell the world?”

“What are you afraid of ― her ideas? Ask her the hard questions,” he concluded. “Confront her intellectually. Booing people down, or intimidating people, or shutting down events, I don’t think that that works in any way.”

A primeira vez que eu disse isso fui metralhado por pessoas que não suportavam o fato de que eu criticava de forma veemente a cusparada de um parlamentar em outro. Não importa de que lado eles estão; um parlamento (como o nome diz) é o lugar onde a palavra precisa ser respeitada sempre.

Da mesma forma eu considero como suprema tolice ver manifestantes de esquerda (porque o autoritarismo na direita me parece coerente) impedindo pessoas que apoiam o líder da direita racista e misógina de se manifestarem.

A propósito, para justificar o respeito à diversidade de opiniões o líder da esquerda americana usa os MESMOS argumentos que eu uso para defender a LIVRE expressão das ideias: “Afinal vocês tem medo dos argumentos dela?

Calar os outros, quando dessa manifestação não resulta delito (como incitação ao crime, racismo, etc) é SEMPRE um sinal de fraqueza. Mas agora não reclamem de mim, façam a queixa diretamente ao Bernie.

Atrás dessas manifestações está escondido – encolhido e envergonhado – o pânico de termos nossas ideias confrontadas e, desse confronto, a perda das certezas absolutas. Por esta razão, silenciar o outro nos oferece o falso convívio com “A Verdade” e o ilusório sentimento de termos vencido nossos opositores, quando na verdade apenas nos negamos – por medo e não por virtude – a escutar suas razões e sua visão de mundo.

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Aprendendo com o “Inimigo”

Nunca será demasiado ressaltar a importância de conviver em intimidade com os contraditórios, aprender com as diferenças e usá-las como um teste permanente para a solução das dúvidas e desafios que surgem no desenrolar do processo. Mais do que “respeitar as diferenças” é necessário saudá-las, aproximá-las de nós, conviver com elas e retirar delas todo o ensinamento possível.

Rechaçar o outro, expurgá-lo, castrá-lo e exilá-lo não ajuda no crescimento de nenhum movimento. Os conflitos, tanto quanto as quedas de um rio, são os propulsores de energia. Sem discussões, por mais que sejam acirradas – e até mesmo duras – não saímos da morosidade paralisante dos consensos. A diferença entre a briga e a discussão é que na segunda dois se propõe a escutar; discutir vem do termo latino “discutere“, que deriva de “quatere” que significa sacudir. Dessa forma, “discutir” significa sacudir algo para separá-lo. Uma discussão é mesmo uma “sacudida”, uma convulsão de ideias e propostas, mas quando as partes aceitam a existência da palavra do outro o processo pode levar a uma conciliação em que os dois polos do debate acabam crescendo e se modificando.  

Um dos problemas que eu sempre diagnostiquei na humanização do nascimento era a palestra para os “convertidos”; a fala que se repetia para os mesmos. Ali sempre reinava a paz e evitavam-se os conflitos; perdemos muito tempo com essa ilusão de paz e harmonia. Com a proliferação dos vídeos, peças de teatro e documentários relacionados à problemática do nascimento no mundo ocidental, mudamos um pouco o nosso direcionamento e acabamos por atingir um público mais abrangente, e isso deu um impulso enorme às nossas propostas. Em contrapartida ao crescimento do número de interessados nesse tema, acabamos por criar adversários violentos e até mesmo cruéis, como os fatos recentes puderam comprovar. Todavia, continuamos a entendê-los como “inimigos”, sem entender a possibilidade renovadora que eles nos propiciam. Deixamos de escutar o preceito bíblico que diz que “os inimigos são os teus verdadeiros amigos”, e pecamos por esquecer as palavras de Oscar Wilde: “Devem-se escolher os amigos pela beleza, os conhecidos pelo caráter e os inimigos pela inteligência”. Sim porque a inteligência dos inimigos nos provoca crescimento e fortalecimento.  

Talvez esse seja o passo mais complicado para o ativismo, qualquer que seja, dos palestinos, dos grupos homossexuais, dos “verdes” e dos ativistas da humanização: como aprender a compor com os desiguais, instruir-se com suas teses e aceitar avanços lentos e graduais. Para mim a resposta continua sendo a sensibilização afetiva, sobre a qual podemos descarregar uma tonelada de evidências, assim como projetos que coloquem a mulher e sua saúde em primeiro plano.

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A Ousadia de Discordar

Como de hábito, meu filho Lucas selecionou uma pérola de sabedoria, inteligência, poder de síntese e simpatia nas páginas do TED. A palestrante Margaret Heffernan fala com brilhantismo da importância dos conflitos e do convívio com os diferentes. Mas, ao contrário do que poderíamos esperar, ela não faz uma pregação ao estilo “respeite aqueles que divergem de você“. Não… ela vai muito mais além. Ela diz da importância de trabalharmos com pessoas que pensam de maneira diferente, pois esta é a única maneira de calibrarmos o nosso trabalho e mostrar que ele está correto. Conviver com os que pensam como nós produz letargia e acomodação. Por sua vez, o contraditório é estimulante e induz ao progresso, das pessoas, corporações ou nações.

A palestrante produz em 20 minutos uma das mais fantásticas palestras do TED que eu escutei nos últimos anos. Curiosamente eu havia acabado de postar aqui no meu humilde blog um artigo chamado “Mudança de Paradigma” onde exponho a minha crítica ao racionalismo exacerbado como proposta de mudanças paradigmáticas na cultura. Minha tese é centrada na ideia de que as modificações profundas se dão a partir de mudanças de ordem afetiva, psicológica e emocional. Somente depois que tais elementos forem mobilizados é que a abertura para o conhecimento poderá plantar as sementes da mudança. Lucas enviou-me essa palestra sem saber do sofrimento por que passei por ter ousado discordar do senso comum, de ter coragem de me posicionar contra algo que intuía ser uma agressão ao direito soberano de livre expressão. Mas eu percebia que, mais do que simplesmente uma crise de posturas e opiniões, eu estava diante de uma tensão causada pelos diferentes caminhos propostos no ideário da humanização, e a discordância verdadeira se escondia no que não havia sido dito. Talvez alguns colegas houvessem percebido e preferiram se calar – e talvez apenas eu tenha essa opinião – mas a verdade é que eu resolvi aceitar o desafio do conflito e dizer minhas propostas.

Continuo acreditando que o caminho mais seguro para a humanização do nascimento seja através da sensibilização, do afeto, do carinho reconquistado e de uma abordagem humana e pessoal. A trajetória do “nascimento na perspectiva do sujeito” nos obrigará a repensar os modelos, protocolos e rotinas, abrindo um campo muito mais vasto de atenção às gestantes, fazendo de cada nascimento uma história única e inigualável. O grande erro das sociedades contemporâneas, no dizer de Wenda Trevathan, é a incapacidade do sistema médico ocidental de reconhecer e trabalhar com as necessidades afetivas, psicológicas e sociais do nascimento, mesmo que as evidências dessa falha sejam facilmente reconhecíveis pelos profissionais que atuam na atenção ao parto. Não faltam estudos, análises e pesquisas para demonstrar tal desacerto e disparidade. O problema é que “saber” não é suficiente. O conhecimento segue as mudanças, e não as provoca. Antes de informar é preciso transformar, subverter, modificar, revirar a terra de nossas convicções envelhecidas, para assim torná-la fértil para a semeadura do saber. Termino com as palavras finais de Margaret Heffernan sobre a “abertura” das consciências:

“Informação livre é algo fantástico; redes abertas são essenciais. Entretanto, a verdade não nos libertará até que desenvolvamos as habilidades, o hábito, o talento e a coragem moral para utilizá-los. Franqueza e sinceridade não são o fim; são o começo.”

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As Questões Primordiais

“Sou amigo de Platão, mas amo ainda mais a verdade”.
– Aristóteles –

É por vezes difícil e desafiador reconhecer os valores mais profundos embutidos em nossas atitudes e no nosso discurso. Por vezes nos deixamos ofuscar pelo brilho das teses que defendemos sem nos dar conta de que, por baixo da tela fúlgida que encobre o que ardorosamente defendemos, existe uma questão filosófica mais ampla e complexa. A liberdade de falarem o que não me agrada é um assunto que sempre tomei como “sagrado”, assim como o direito ao contraditório, a busca da pluralidade das expressões, a liberdade resguardada e a necessidade de suportar opiniões contrárias, tanto quanto a importância de devolver as agressões com argumentos e não com violência. Quando tratamos das teses humanistas do nascimento é importante ter em mente que para combater o excesso de cesarianas (entre outras intervenções abusivas) é essencial que fundamentemos nossa causa com ideias e argumentos, e não com agressões e xingamentos. Para a defesa das minorias nossa postura não pode se afastar desse mesmo ideário: devemos utilizar a argumentação embasada na fraternidade e nos ideais humanísticos, sem cair na tentação de usar as mesmas armas cerceadoras daqueles que nos atacam.

As violências cometidas contra opiniões sobre o parto domiciliar são graves por ferirem o direito de livre expressão, em especial por atacarem algo que a medicina baseada em evidências comprova como sendo lícito, adequado e até mesmo benéfico. O parto domiciliar é passível de debate, com profusão de argumentos livremente expressos de ambos os lados. Aliás, essa é a solicitação veemente que fazem os defensores da humanização do nascimento: um debate plural, cientificamente embasado e livre sobre o local de parto. Entretanto, algo muito mais importante do que o local do parto e sua segurança é a garantia que o estado de direito oferece aos cidadãos de que suas opiniões possam ser expressas sem coerção ou constrangimento. Posso não concordar com um colega que defenda “cesarianas para todos”, mas não ousaria impedi-lo de manifestar suas teses e seus argumentos. O que aconteceem muitos lugares é grave exatamente porque agride um dos preceitos fundamentais das democracias modernas: a liberdade de falar o que alguns não querem ouvir. Numa sociedade livre tal preceito está acima de qualquer consideração.

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