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Distopias

Tomei contato com um debate interessante, que passa por Blade Runner, Matrix, O Exterminador do Futuro, O Dia Depois de Amanhã e Star Wars, entre outros: por que nossa literatura e nosso cinema insistem em desenhar futuros distópicos, desesperançosos, lúgubres, tristes e dramáticos? Por que não nos oferecem possibilidades para imaginar utopias ao estilo de Gene Roddenberry, que concebeu Jornada nas Estrelas a partir de uma perspectiva essencialmente otimista do futuro? Para ele a solução dos conflitos e do egoísmo na Terra nos levaria a conquistar o Espaço, a “Última Fronteira”, já que, em nosso planeta, estas barreiras já teriam sido derrubadas.

Minha amiga antropóloga Robbie Davis-Floyd (uma Trekker) me contava que a ideia de Roddenberry se baseava em uma proposta inovadora: a solução dos problemas do planeta estava no fim do consumismo (e com ele a sociedade de classes). Entretanto, esta revolução não viria pela escassez dos recursos finitos do planeta e a consequente convulsão social, mas através da tecnologia. Máquinas de recombinação molecular fariam com que fosse possível criar facilmente qualquer “coisa”, qualquer objeto, a partir de seus componentes básicos. Assim, ao simples apertar de um botão poderíamos criar um Stradivarius do século XVII, ou um Porsche 911 GT3, com o mesmo custo de um pacote de bananas, apenas recombinando matéria. Com isso as coisas – pela facilidade absoluta de aquisição – perderiam o valor, e a verdadeira riqueza (e o poder dela derivado) se tornaria o conhecimento.

Desta forma, resolvidos os problemas na Terra, a Enterprise partia da Terra para resolver os dramas do Universo. Todavia, Star Trek é uma exceção entre os filmes de ficção científica. Estes, quase sempre, mostram mundos degradados, destroçados, gelados e onde a luta é pela dura e heroica sobrevivência dos poucos remanescentes. Por que insistimos em apostar em um futuro de horror e perdição?

Acho que a resposta é até simples: não mostramos futuros bons e perfeitos no cinema porque eles não vendem, da mesma forma que as novelas só apresentam ao público partos dramáticos, cheios de correria, angústia, dor, sangue e drama, e jamais apresentam nascimentos tranquilos, domiciliares, rápidos e cercados de paz. Essa felicidade e esse bem estar não vendem, não nos mobilizam. A bem da verdade, nem Star Trek mostra isso; apenas aceita que resolvemos as diferenças na Terra, mas na distância do cosmos imperam ainda o egoísmo e a violência; e é lá que as tramas se desenrolam.

Experimente aparecer em um estúdio de Hollywood dizendo: “Quero apresentar um projeto de filme que se passa em 2222. Nesta época da humanidade tudo dá certo, ninguém explora ninguém, não há crimes e sequer temos roubos. O marxismo venceu, a fraternidade impera, somos irmãos de todos, há equidade entre pessoas e povos, exterminamos a violência bruta e não há barreiras ou bordas. Não há sentido para as guerras, etc…” John Lennon na veia, “imagine all the people”

A resposta dos diretores seria: “Desculpe, no seu filme não há diversão alguma, não há conflito e, portanto, não há solução que se possa imaginar. Seu mundo é como uma montanha russa em linha reta, sem quedas, sem sustos e sem pânico. Entretanto, somos movidos por essas emoções. Sem o pavor despertado pelas distopias a vida se torna insuportável; elas são o bode colocado na sala da realidade“.

A má notícia é que não há possibilidade de aguardarmos uma revolução tecnológica como a que ocorreu na fantasia de Jornada nas Estrelas para acabarmos com a sociedade de classes. Muito antes que seja possível recombinar átomos para criar a matéria que compões os objetos os recursos do planeta estarão escassos, os conflitos se multiplicarão e a tensão entre a diminuta classe burguesa e as multidões de operários, trabalhadores, miseráveis e famintos fará o mundo ascender a um modelo político e econômico superior. Gene Roddenberry por certo sonhou com uma fantasia de tecnologia redentora, mas a realidade material não suportará que o desnível criado pelo capitalismo continue até que ela seja realidade. O socialismo virá muito antes da Enterprise, do capitão Kirk e do Dr. Spock.

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Pesquisas científicas

Pesquisas científicas são produzidas pela necessidade humana de estabelecer um conhecimento seguro da realidade externa. A simples análise dos fenômenos por um observador isolado usando seus aparelhos sensoriais pode ser – e frequentemente é – enganosa. O trajeto do sol pela abóbada celeste produziu durante milênios a percepção errônea de que o astro-rei girava ao redor do nosso planeta, que se mantinha central e estático em relação ao universo. Todavia, quando esta ideia foi confrontada mediante pesquisas baseadas em método ela se mostrou equivocada, pois não satisfazia o rigor das análises matemáticas aplicadas à relação da Terra com o restante do universo.

A pesquisa científica é basicamente o senso comum submetido ao método de avaliação de um específico fenômeno. Para isso são necessários critérios e abrangência para que a avaliação seja o mais universal possível. Para que a pesquisa possa ser considerada válida ela necessita estar ancorada em uma análise sistemática e precisa, e mesmo assim ela será considerada sempre como “provisória”, pois que os achados científicos podem ser falseados por uma nova análise, com novas perspectivas e utilizando novos instrumentais, que nos mostram o que anteriormente era invisível.

Como já dizia o pensador contemporâneo Maurice Herbert, Depois de certa idade, não se passa um dia sequer sem que eu assista de forma clara e definitiva a derrocada espetacular de uma certeza, por tantos anos acalentada, e de onde muitas vezes tirei consolo e conforto”. E assim também é com a ciência, que tal qual Penélope – que tecia sua colcha de dia para desfazê-la à noite – introduz um novo conhecimento hoje para desfazê-lo no futuro, próximo ou distante. A pesquisa científica é, portanto, uma característica fundamental do espírito humano, ao conjugar nossa natural curiosidade para desvendar o universo com a necessidade de estabelecer limites, sistemas, métodos e parâmetros nesta busca, evitando assim a natural sedução dos nossos desejos e a falibilidade dos nossos sentidos.

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O que (não) fazer

A respeito de exames exagerados e abusivos lembrei da minha velha tese sobre as ecografias, que em nosso meio são de 3 categorias diferentes:

  • Recreativas
  • Sedativas
  • Médicas

A primeira é uma criação cultural relacionada com a angústia criada pela indústria para descobrir tamanhos, formas e genitálias de bebês. A segunda é para oferecer alívio às mulheres bombardeadas pelo terrorismo cultural sobre as barrigas em crescimento. Ambas não tem nenhuma base científica que justifique seu uso; são criações da cultura para vender aparelhos (caros) e fortalecer a dependência das mulheres à “tecnologia redentora”. Apenas o último ultrassom é justificável, mas para ser solicitado precisaria de 3 elementos essenciais: uma pergunta, uma possível resposta e uma ação. Só assim ele poderia ser medicamente útil.

Posso garantir que na obstetrícia 99% (talvez mais) pertencem às primeiras duas categorias. Portanto, inúteis e perigosas. Concordo com a tese de que “exames matam”. Em verdade, palavras também, mas um exame pode fazer com que os julgamentos e a confiança na paciente – e dela consigo mesma – seja destruída ou fatalmente ferida.

Asim sendo, antes de pedir quaisquer exames durante a gestação pense:

  • Além da indústria médica e seus tentáculos (laboratórios, drogas, reagentes, equipamentos, profissionais, etc), quem mais se beneficia desse pedido de exames?
  • É possível que este exames mude sua estratégia no caso? Como? Ou está pedindo só para “ver como está”?
  • Tem validação científica?
  • Vai realmente trazer luz a este caso ou será um desperdício de recursos? É muito caro? Vale a pena o recurso investido?
  • Não seria possível trocar este exame por uma anamnese melhor ou por mais meia hora de prosa?

Pense melhor. Menos é mais…

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DNA

Não, o socialismo não veio no meu DNA. A minha família é toda de conservadores direitistas e pseudo aristocratas, infelizmente. Mas o triste é perceber que boa parte dela nunca entendeu o que eu escrevi aqui no Facebook. Não sou petista e Lula nem é meu candidato. Sou socialista e o PT não é;  o PT é um partido de centro-esquerda. Meus ideais socialistas não tem plena expressão nesse partido o qual tenho muita admiração, apesar de ter sido vítima dele em um episódio difamatório.

Minha defesa de Lula, entretanto, se dá pela importância do Estado Democrático de Direito e pela defesa de um julgamento justo para qualquer cidadão. Lula é vítima de um massacre injusto e cruel, conduzido por pessoas que o condenam por ter ofendido o sistema de classes brasileiro e ter questionado a divisão entre Senzala e Casa Grande. Poderia ter sido o Aécio ou até o Cunha, e eu os defenderia igualmente.

Eu me solidarizo com sujeitos que lutam por seus ideais e, em especial, aqueles que descobriram que existe um outro Brasil, que precisa ter voz e vez, e que não faz parte dessa burguesia atrasada, burra, incompetente, racista e fascista a qual eu pertenço. Se não criarmos a oportunidade para que este outro Brasil tenha chances teremos convulsão social, ou melhor, teremos um estado policial e uma constante luta pela dignidade dos esquecidos. Isso já vemos agora e só podemos esperar uma piora se membros dessa burguesia – atrasada e raquítica, que usa botox, slogans anacrônicos e atitudes dissimuladas – continuar a controlar a vida de milhões de pessoas.

Sim… eu me preocupo com isso enquanto boa parte da minha família se detém em difamar um sujeito cuja acusação é ser dono de um triplex vagabundo em uma praia decadente cujas provas apontam claramente de que não lhe pertence. Sim, enquanto minha família apoia um sujeito de camisa preta que planeja a destruição da representação dos trabalhadores eu me solidarizo com quem sai à rua para lutar por justiça e pelo direito de sonhar com equidade e uma vida digna.

Precisamos de símbolos para tudo, assim como de rituais. A perseguição infame a Lula SIMBOLIZA que qualquer um de nós pode ser caçado covardemente por ousar questionar a perversidade da estrutura social brasileira. Lula é o símbolo de uma resistência corajosa e nobre contra o arbítrio. 

Por isso não é preciso gostar dele como pessoa ou como político, basta respeitar o lugar que ocupa nos nossos sonhos por liberdade e justiça social. Pela mesma razão, não é preciso gostar da pessoa do Ronaldinho ou Neymar para, mesmo assim, torcer pela seleção.

Lula, neste momento, incorpora a luta do povo contra um judiciário corrupto – pelo partidarismo – e um governo canalha – pelo golpe e pela entrega imoral de nossas riquezas.

Força Lula!!!

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Telefonema

celular roubado

Minha filha foi novamente assaltada e teve o celular roubado. Estava na passeata contra o golpe porco e sórdido que nosso país sofreu quando foi abordada por um jovem com uma faca que lhe solicitou o celular. Como ela é uma pessoa inteligente, não reagiu e o entregou.

Por uma mistura de curiosidade mórbida e a ilusão de fazer uma negociação qualquer liguei para o número dela logo após saber do roubo, e quem me atendeu foi o próprio ladrão. Disse a ele que sabia que ele havia roubado o telefone da minha filha. Ele deu uma risada com um linguajar super “bagaceiro” e me disse: “Ah meu, a mina deu mole, azar né…” e desligou.

Para minha surpresa hoje pela manhã ele me devolveu a ligação. Titubeei antes de atender, mas resolvi pagar para ver. Ele iniciou a conversa com um papo muito bobo, em um lugar onde parecia estar rodeado por uma galera fuleira. Iniciou a conversa dizendo:

– O seu merda, por que me ligou ontem? Eu vou aí na tua casa e vou te encher de bala. Vai te f* seu idiota. Tu vai ver o que vou fazer contigo”.

Senti o clima de deboche ao redor dele mas resolvi não aceitar o jogo. Respondi com toda a calma.

– Só liguei ontem porque você roubou o telefone da minha filha. E você não vai me pegar coisa nenhuma. Você é um ladrão de celular que ataca meninas; não ia se arriscar comigo. E eu não tenho medo de você.

Eu vi que ele ficou brabo, e os amigos ao redor começaram a gritar. “Filho da p*, otário, vai tomar no c*…

Expliquei a eles que me xingar não faria diferença alguma; isso não me atinge e sequer me irrita. Falei ainda que me agredir era inútil, mas fui duro com ele:

– Escuta cara, você roubou um celular velho. Na sua mão isso não vale nada. Vou bloquear em minutos e você vai ganhar talvez 100 reais por ele no mercado negro. Entretanto, se você continuar assim em 10 anos só existem 3 possibilidades: vai estar preso, morto ou ainda estará roubando celular para ganhar míseros 100 reais, correndo o risco de apanhar, ser linchado ou preso. Tem certeza que esse é o futuro que você pensou para si mesmo?

Ele interrompeu sua fala debochada e arrogante. Percebeu que os xingamentos não me irritaram e que não poderia se divertir me ameaçando. Tentou me dizer que eram mais de 100 reais que conseguia, e que fazia isso porque tinha que sustentar seu vício, o que é uma desculpa usada por todo tipo de adito: das drogas aos remédios, bebidas ou cigarro. Terminou seu curto discurso com um outro clichê previsível: “Essa sociedade não me dá outra possibilidade. Não tenho alternativa“.

Sabia que ele usaria essa desculpa fácil, mas também entendia que não poderia responder um clichê batido com outro pior.

– Você tem razão ao dizer que essa sociedade é injusta e não lhe dá oportunidades. Também parece claro para mim que a sociedade olha de maneira diferente para você e para a minha filha. Mas você pode sair desse jogo perverso. Existem, sim, alternativas para criar uma vida digna. Roubar pessoas dá essa sensação passageira de ser malandro, esperto e ter “vencido” os “manés” pela força. Mas basta você ser humilhado numa delegacia para ver que isso é uma ilusão, que o mané é você mesmo e que o seu destino é ser tratado como traste em uma cadeia abarrotada. É isso que você quer para você? É essa a sua resposta para uma sociedade injusta? Acha que o roubo desse telefone prejudica a minha filha mais do que você? Olha meu, você está enganando. Quem foi roubado foi você.

Ele insistiu nas desculpas manjadas, numa derradeira tentativa padronizada e estereotipada de justificar seu crime.

– Roubei o celular para pagar meu aluguel, disse ele.

– Nada justifica ameaçar uma menina para roubar um celular velho. Entenda… não tenho raiva de você. Em termos econômicos, isso não fará diferença alguma para a minha vida, e nem para a minha filha. O que a gente perde mesmo é a confiança nos outros, aumentando nossa sensação de insegurança. Minha tristeza é ver um jovem ser enganado pela ilusão de que roubar um celular pode lhe trazer alguma coisa boa na vida. Isso sim é triste.

– Bem, desculpe qualquer coisa. Eu realmente roubei, mas…

Ele não sabia o que dizer. Aliás, que poderia ele falar diante do que fez?

– Meu amigo, não se lamente. Pense apenas no que eu lhe disse. Como vê sua vida no futuro? Seja feliz, siga sua vida. Abraços e boa sorte.

Ele se despediu de forma sincera.

– Ok. Um abraço para sua família e desculpe o transtorno.

Dito isso, desligou.

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