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Sionismo não é judaísmo

Nem todo judeu é sionista e a maioria dos sionistas sequer é composta por judeus; são cristãos sionistas, como Biden ou os bispos Malafaia e Edir Macedo, pragas surgidas respectivamente pelo israelismo da política americana ou pelo neopentecostalismo tupiniquim, que lucra milhões com suas viagens turísticas à Terra Santa. Portanto, qualquer confusão entre estes termos é oportunismo, serve como manobra diversionista, cujo único objetivo é evitar que apontemos os horrores da aventura colonial racista no Oriente Médio. Para qualquer sujeito intelectualmente honesto, não é difícil entender que atacar o nazismo não significa ser antialemão, assim como criticar o retrocesso civilizatório do bolsonarismo não é o mesmo que ser antibrasileiro. Da mesma forma, criticar a inquisição da idade média não é o mesmo do que atacar Cristo ou sua doutrina.

Passei anos sendo perseguido por sionistas da aldeia que acusavam minhas críticas veementes ao apartheid de Israel como sendo “racismo”, ataques injustificados aos judeus ou ações antissemitas. Muitas dessas pessoas me xingaram e usaram de violência verbal pelas minhas palavras duras, em especial durante e após as “operações especiais” realizadas em Gaza e nos territórios ocupados da Cisjordânia, que matavam centenas de crianças e mulheres, números que agora chegam aos milhares. Nunca me intimidei e desafiei aqueles que me contestavam para que respondessem perguntas simples sobre a vida em Gaza e na Cisjordânia, as quais demonstram sem sombra de dúvida a brutalidade da ocupação.

Para quem acompanha este debate há décadas, é simples de ver que a defesa de Israel é sempre recheada de mentiras. Desde uma terra sem povo para um povo sem terra até as crianças decepadas, estuprosou não atiramos em civis, as mentiras são inexoravelmente imbricadas na narrativa sionista. São falsidades repetidas à exaustão, auxiliadas pela parcialidade criminosa das grandes plataformas digitais (Facebook, Instagram, Google) e a imprensa corporativa, toda ela nas mãos dos sionistas e dos senhores da guerra, que lucram bilhões quanto mais mortes aparecem nas capas dos jornais.

Já aqueles que defendem o povo palestino são, via de regra, pessoas que, como eu, acordaram para a realidade da geopolítica do Oriente Médio há muitos anos, o que só ocorre quando ousamos investigar o que existe por detrás das capas de enganação que são despejadas pelos telejornais há décadas. Nossas posições são essencialmente humanistas, pois que expõem a barbárie da ocupação, as mortes, a limpeza étnica, a indignidade do tratamento, os abusos, a prisão de crianças, as detenções administrativas que duram anos, as mortes e os processos kafkianos de violência jurídica. Por outro lado, o “whitewashing” (prática de selecionar informações, enfatizando ou omitindo, a fim de melhorar a imagem de uma pessoa ou de uma instituição frente à opinião pública) sempre foi a forma de apresentar Israel ao ocidente, e por isso era chamado de “a villa in the jungle” e, com o mesmo cinismo característico, difundem ideia de serem a única democracia na região – uma mentira asquerosa – e usam a questão identitária (em especial de mulheres e gays) para vender a imagem de uma civilização justa, europeia, branca e semelhante à nossa. Por seu turno, todo e qualquer grupo que lutasse pela libertação do povo palestino era imediatamente rotulado de “terrorista”, da mesma forma como os presidentes anti-imperialistas de qualquer nação são automaticamente chamados de “ditadores”, inobstante serem democráticas as eleições que os tenham levado ao poder.

Cabe a nós não retroceder na exposição, cada vez mais intensa, das contradições do sionismo. Não é mais possível aceitar o colonialismo genocida a controlar com mão de ferro a Palestina, e cada um de nós é responsável por espalhar a necessidade de democracia na região. E “cada um de nós” inclui os nobres irmãos judeus que na Palestina, no Oriente, na Oceania, na América e na Europa se levantam contra o sionismo e seu modelo supremacista e excludente. Judeus estarão lado a lado com os palestinos na luta pela liberdade, do rio ao mar.

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Arquivado em Causa Operária, Palestina

Jesus e Charles Bronson

Existe um caloroso debate acerca dos fatos acerca da vida de Jesus de Nazaré, isso porque os indícios de sua existência real não são conclusivos e não conseguem convencer os estudiosos mais céticos. Presume-se, entretanto, que esse personagem foi apenas um entre mais de 400 conhecidos e autoproclamados “Messias” da Palestina no período de dominação de Roma, cujo objetivo principal era tão somente libertar o povo miserável da Palestina do jugo do Império. Todos eles, inclusive o filho de José e Maria, falharam de forma inquestionável e foram sacrificados por seus dominadores. Jesus sequer foi o mais importante em sua época; como diz Reza Aslan, autor do livro “Zelota” que busca analisar os passos deste galileu que teria vivido entre nós há cerca de 20 séculos, “tivéssemos jornais diários naquela época é bem possível que sua execução ocupasse tão somente uma pequena nota no pé da página policial“.

Por outro lado, sabemos bastante sobre o Jesus mítico, por certo, mas ao analisarmos sua existência através dos textos bíblicos é possível encontrar em sua trajetória uma variada compilação das crenças da sua época, uma mistura rica de tradições de várias partes do mundo antigo, desde tradições egípcias, gregas e romanas até persas e babilônicas. Do ponto de vista histórico o Jesus “homem” é uma curiosidade que dura quase 2 mil anos, mas o filho de Deus foi uma criação coletiva que se adaptou às necessidades humanas do tempo em que foi forjada.

Minha percepção é que o “Jesus histórico” realmente existiu e era o que se pode chamar hoje de um reformista do judaísmo, alguém que desejava a transformação da religião judaica por dentro, um judeu falando das crenças judaicas exclusivamente para judeus, visto que Jesus nunca se referiu a outro povo que não o seu durante toda a sua vida. A ideia de levar sua mensagem aos gentios nunca foi dele, mas de seu seguidor Paulo de Tarso. Assim, o cristianismo tal qual o conhecemos, é uma mistura do apóstolo visionário Paulo com a incorporação desta religião pelo Império Romano do Oriente, através de Constantino, mas quase nada tem a ver com o revolucionário libertador que porventura tenha caminhado pela Palestina.

Inobstante os acalorados debates sobre a figura de Jesus, muito mais importante do que a descoberta desse sujeito que perambulou pela aridez Palestina há 2000 anos é a sua mensagem. Para um observador isento de preconceitos, é fácil perceber que as histórias da Bíblia precisam ser entendidas através de uma exegese profunda e sofisticada, olhando para os fatos narrados como ensinamentos e metáforas que carregam valores e ideias, e não como a descrição factual de acontecimentos. Essa é a essência dos livros “sagrados”, e por isso eles sobrevivem por milênios. Desta forma, o que se encontra na Bíblia, no Corão e no Bhagavad Gita não pode ser alvo de uma leitura histórica, fundamentalista e literal – pois isso seria uma perversão do sentido original de sua escrita – mas de um mergulho profundo nos valores e signos de sua época, para que possa ser entendido em seu contexto e significado profundos.

É por isso que durante minha vida inteira sempre tive um dúvida sincera: será que o Papa ou membros dos altos círculos da Igreja acreditam mesmo nesses milagres descritos no velho e novo testamentos, na multiplicação de tilápias, na transformação de água em vinho, na concepção virginal da mãe de Deus, no Cristo redivivo ao terceiro dia, nas curas, etc? Ou será que eles sabem – por serem homens de rara erudição – que tais descrições bíblicas não passam de belas alegorias, ficções escritas mais de um século após decorridos os fatos, exemplos de vida, valores morais, metáforas e histórias cheias de ensinamentos que servem apenas para oferecer um sentido ao caos da existência, mas que por sua força coercitiva e de coesão social funcionam como um cimento cultural poderoso para a formação de identidades?

Este dilema dos poderosos que controlam o cristianismo sempre me faz lembrar um filme do anos 80, um épico de extrema direita chamado “Desejo de Matar”, com Charles Bronson. Depois de ver a esposa sendo morta e a filha estuprada por um grupo de bandidos (claro, todos imigrantes escurinhos e latinos) o heróis vingador do filme resolve se vingar dos elementos que produziram sua desgraça pessoal. Movido por um ódio imparável, e sendo um veterano da Guerra da Coreia, ele conhecia “as manhas” do ofício de matar, mas teve agir à margem da lei. “Desejo de Matar” foi um dos mais importantes filmes do gênero “vigilante”, sujeitos que tomam a justiça pelas próprias mãos por reconhecerem a incapacidade do sistema judiciário de livrar a sociedade dos maus elementos. O filme, como se pode facilmente apreender, é um libelo fascista, que descreve a luta de “gente de bem” contra vagabundos que invadem e promovem a degenerescência dos valores americanos. Depois de muito treinar com a ajuda de um amigo ele encontra os meliantes e se inicia uma carnificina. Na luta, mesmo ferido, ele consegue matar um a um todos os criminosos e consumar sua vingança, até ser pego pelos seus policiais que estavam à caça do “justiceiro”

No hospital acontece a fala mais brilhante do filme. Os oficiais da polícia confidenciam a ele que houve uma diminuição significativa na taxa de crimes desde que ele iniciou sua busca por vingança. Sua prisão, portanto, de nada serviria à polícia. Os criminosos da cidade estavam com medo do “vingador”, e por isso refrearam suas intenções criminosas. Por este fato, os tiras decidiram se calar e não revelar publicamente sua prisão, preferindo deixar o mito vivo e à solta. Assim, ele foi avisado que nenhuma queixa seria dada e que poderia voltar para casa, desde que abandonasse a cidade para nunca mais voltar.

Ou seja: apesar de ser um criminoso ele cumpriu a importante tarefa de estancar a sangria de crimes na cidade. Um delinquente, um assassino frio e violento, um justiceiro cruel e um animal ferido, mas que cumpriu uma importante função social – a eliminação de vários criminosos e a instalação de um clima de medo entre os que ficaram. Como é fácil perceber, um filme típico da sociedade americana dos anos 70, assustada com o índice de criminalidade urbana, que pretendia justificar a violência tratando os policiais como heróis e os criminosos como uma casta de perversos e degenerados, acusando as leis de apenas ajudarem os meliantes e limitarem a ação da justiça. Suco de fascismo concentrado.

Aqui é que eu estabeleço minha analogia: Não estaria o Papa diante do mesmo dilema? “Eu sei que tudo isso é mentira, que são apenas histórias, que nada é passível de confirmação. Sei também da história terrível da Santa Sé, dos seus delitos horríveis, do poder e da corrupção. Sei dos malfeitos repreensíveis que colorem de sangue sua história. Todavia, reconheço a importância que estes mitos desempenham na coesão dos fiéis, em nome da Santa Igreja, de Jesus – o Cristo, e da Santíssima Trindade. Por entender isso, melhor calar-me diante do que sei, vejo e sinto. É melhor manter o mito vivo e à solta, porque isso exerce um controle moral sobre o rebanho“.

Não parece uma ideia justa?

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Arquivado em Pensamentos, Violência

Guerra Moral

Eu entendo as boas intenções desses religiosos, mas sei que existe um conceito por trás desse gesto que frequentemente nos leva para o lado errado do debate.

Esses três personagens – clérigos das três grandes religiões abrahâmicas – estão igualmente relacionados aos massacres ao povo Palestino, em especial em Gaza. Em geral, querem nos fazer crer que existe um elemento religioso nessas disputas. Todavia, apenas os tolos acreditam que a solução desses problemas se dará através da comunhão de pastores, rabinos e padres, como se as questões do colonialismo e da iniquidade fossem morais e as religiões pudessem resolvê-las. Isso é falso. Minha perspectiva é de que, se esse encontro pudesse trazer qualquer solução ao bolsonarismo que nos aflige, bastaria ir a Gaza, dar as mãos, fazer uma marcha ecumênica pela paz envolvendo estas religiões e o conflito se resolveria. Entretanto, todos sabemos que o drama da pobreza no Brasil e a ocupação sionista da Palestina NADA tem a ver com as religiões.

Imaginar o contrário é seduzir-se pela mentira. Nada se resolve com esse tipo de iniciativa. Aliás, o próprio Jesus dizia que “não vim trazer a paz, mas a espada“. A solução só poderá através da luta de classes, pelo enfrentamento ao colonialismo assassino e contra o Imperialismo opressor. Às religiões nada tem a ver com os dilemas profundos do Brasil e não são a solução para nossa miséria. O fundamentalismo religioso evangélico no Brasil não tem nada de religiosidade – basta ver o amor à violência e a veneração às armas – mas tem uma adesão clara aos valores conservadores e apenas por essa interface se comunica com a política. Ambos – conservadorismo e religião – aceitam a opressão como natural, e só por isso estão irmanados. Não há cristianismo em Bolsonaro assim como não há nada de judaísmo nos invasores europeus que fazem limpeza étnica na Palestina.

Misturar esse debate é ação diversionista. As religiões nunca foram motivo para as guerras, mas foram frequentemente usadas para camuflar interesses geopolíticos e econômicos. Esses três clérigos estão, mesmo sem o saber, estimulando o uso dessa camuflagem ao nos fazer crer que as religiões unidas poderiam ser um obstáculo ao avanço do bolsonarismo. Para mim o que existe de mais chato nos debates atuais é quando os liberais reclamam de posições radicais, dizendo que o radicalismo impede o consenso. Confundem o conceito de radicalismo com o extremismo. Extremismo é o que vai até o extremo – e dificulta uma posição que possa produzir acordos – enquanto o radical (do latim “radix”) vai à RAIZ, por isso o nome. Por certo que sou radical, e por isso mesmo não me deixo seduzir pelas propostas de amor e comunhão que os religiosos tentam nos oferecer, que nada mais são que uma versão romantizada e contemporânea da “pax romana”.

Ou seja: “calem-se, deixem tudo como está e não toquem nas feridas sociais pois isso atrapalha a nossa “paz” e a comunhão entre as classes“. Eu prefiro o barulho das espadas se chocando em combate do que o silêncio das adagas na garganta. Isso é ser “radical”: entender que não existe paz oferecida graciosamente, muito menos uma paz que trata conflitos geopolíticos e econômicos como simples questões morais, como uma guerra do “bem contra o mal”.

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Arquivado em Palestina, Religião