Arquivo da tag: pastores

Religiosidades

Gostaria de analisar de uma forma mais racional a relação entre a evidente “religiosidade” do povo brasileiro e suas consequências morais. Para isso trago a frase que colhi do texto de um religioso de esquerda que procurava avaliar as razões da dissonância entre essa característica e os resultados práticos na relação entre as pessoas deste país.

“O Brasil é o maior país católico do mundo, é uma das maiores nações cristãs do planeta. Somos um povo muito religioso. Todos e todas concordamos que a Fé em Deus tem uma consequência ética. Para cristãos e cristãs, a consequência ética máxima da fé em Deus é o AMOR AO PRÓXIMO.”

Acredito que a fala acima contém um “non sequitur”. Sim, é verdade que somos cristãos, mas se trata de uma formalidade e não de um compromisso com suas diretrizes morais. A ideia de que somos “religiosos” não é exata, ou pode induzir a falsas interpretações. É certo de que temos religiões e que nos dedicamos a elas. Não há dúvida de que nos vinculamos às suas igrejas e templos, mas isso não nos torna “religiosos”, e muito menos demonstra um desejo de sermos éticos ou de “amar o próximo” acima de todas as coisas. Não vou falar sequer do “oferecer a outra face”….

Religiões são, acima de tudo, formas de expressar identidade, na busca por algo que nos congrega, nos faz participar de um mesmo rebanho, de um mesmo grupo de pessoas com história, cultura, práticas e crenças semelhantes. Essa necessidade de fortalecer-se através dos iguais que existe nas religiões, nos partidos e nos times de futebol é um aspecto absolutamente indissociável da nossa condição humana. Todavia, a partir dessas vinculações aceitar que acreditamos nos valores das religiões (ou mesmo dos partidos) é um salto arriscado e não há porque incorporá-lo sem ressalvas.

Essa dissociação entre a Religião e seus postulados explica não apenas as brutais Cruzadas – massacres em nome de Cristo – mas também qualquer outra guerra onde se usa a Religião como mote (mesmo escondendo interesses econômicos ou nacionalistas). Também oferece uma explicação para as “bênçãos de pistolas”, as marchas com Cristo (que anunciam golpes contra a democracia), as igrejas milionárias, os pastores abusadores, os mercadores da fé, a intolerância com gays e com outras religiões, mas também para o fato de que os grupos menos cristãos em essência (na ética e nas propostas) sejam aqueles que mais defendem a figura de Jesus em suas múltiplas seitas evangélicas. É possível dizer que “cremos em Deus”, mas isso nada tem a ver com um compromisso ético de nossa parte e muito menos que isso nos faria “amar ao próximo”, ou “perdoar a quem nos ofende”. Não, essas crenças não nos vinculam diretamente a estas condutas.

As religiões são apenas idiomas que usamos para nos conectar com aqueles que compartilham nossa visão de mundo. São os potes que fazemos descer ao manancial da água da fé, o veio cristalino de onde brota esse sentimento aquém da racionalidade e que nos move no sentido de apreender o sentido cósmico universal. Sua conexão com a mudança de atitude do sujeito (se existe) é imperceptível ou ausente. Não há nenhuma moralidade superior no crente em relação ao ateu, pois que a conduta ética está calcada em valores surgidos muito antes de qualquer racionalidade capaz de guiar condutas.

Acreditar em Deus – ou no seu filho – não lhe torna uma pessoa melhor, mais nobre, ética ou pacífica, mas talvez ajude a esconder muitas das suas pequenas e grandes sujeiras.

Deixe um comentário

Arquivado em Religião

O perdão impossível

Infelizmente parece mesmo que só os pastores evangélicos conseguem acolher pessoas que cometem erros, mesmo os mais terríveis. Enquanto isso, a sociedade só joga pedra. Acusa, destrói, promove vingança e é sempre inexorável nos seus julgamentos. Nao adianta mofar anos na prisão, é preciso incinerar, picotar e cuspir em cima. Aqui, esquerda e direita se encontram, no submundo dos sentimentos mais rasteiros.

Já os evangélicos, muito mais por marketing do que por virtude, recebem os “pecadores” e lhes oferecem o benefício (ou a possibilidade) da “redenção”. O resto da sociedade joga pedra na Geni. “Enquanto existirem Suzanes todas as minhas maldades e perversões serão aliviadas”. As Genis são tão odiadas e desprezadas quanto…. necessárias.

Não reclamem, pois, pelo crescimento acentuado do fundamentalismo mais tacanho e emburrecedor no nosso meio; participamos desta bestialidade ao oferecer aos párias sociais apenas esta possibilidade de ler os ensinamento cristãos – e a esperança do perdão, que é universal.

O que nos incomoda em Suzane é ver que não somos tão diferentes dela quanto gostaríamos…

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos, Violência

Cultos

Preso no hotel fico estarrecido com os programas religiosos na Internet. Existem dezenas de canais evangélicos na TV com cultos dos mais variados. Não sabia dessa abundância. Este que eu estava assistindo chama-se “Milagres na TV” e se baseia em curas. O que me chama a atenção é a estética do programa. A foto abaixo parece ter sido tirada em uma sinagoga; os homens usam quipá e as mulheres mantos brancos. As músicas falam de “destruir o inimigo; não restará nenhum de pé”.

As ligações telefônicas ao bispo contém pedidos de melhora financeira e “ânimo” para conseguir um emprego. As palavras do bispo são: “se você está de pé seu inimigo deve estar no chão. No mundo espiritual é que lutamos pela vida espiritual e financeira e pelos nossos sonhos de consumo”. Claro, isso os coloca como “gate keepers”, aqueles que podem (ou não) abrir as portas para essas “felicidades”.

Os pastores são incríveis, num perfeito sincretismo religioso bem brasileiro. Um deles falou “somos ensinados sobre a tricotomia corpo, alma e espírito”. Sim, “tricotomia”. Depois fala que a alma também é chamada “perispírito”, um termo que não aparece na Bíblia, mas foi retirada do discurso espiritualista.

Todo o discurso é baseado na guerra, nos exércitos de Deus na luta contra o diabo. Diz ele que quem não entende isso nunca estudou “angeologia”, ou o “estudo dos anjos”. Quase não se fala em Jesus, tudo é sobre Deus e o velho testamento. A “boa nova” é abolida para tirar a poeira do velho testamento. A metáfora mais usada é David e Golias. Ahhh, dízimistas (que pagam dízimo à igreja) tem favores especiais de Deus, mesmo que Ele nos ame de forma igual. Sei…

Até bandeira de Israel tem…

É o que se poderia chamar de “desmoralização da religião”: uma religião sem “moral”; pragmática (emprego, dinheiro, casamento, álcool, drogas) e assentada sobre valores outros que não os morais e espirituais, refutando a busca da elevação através da reforma íntima.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos