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Activism

“The same kind of argument (that the activism for normal and physiologic birth is dangerous) is used against every social movement, like ecology, anti-racism, muslims, refugees etc. Why not attack the birth movement as well? The strategy is to use focal problems and to generalize, creating the idea that protecting gays, pregnant women, refugees, children and workers, in fact, hides a “terrible problem”, since activists are “fanatics” and “irresponsible human beings”.

Indeed, that’s what we should always expect when we witness the slow death the old paradigms.”

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Nudes

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Na boa…. será que ainda é preciso fazer tanto escândalo sobre nudes? Ok, vamos combinar que publicar coisas privadas de alguém é crime, principalmente coisas que podem causar constrangimento, como a intimidade. Quanto a isso não vejo dúvida: privacidade é sagrada.

Por outro lado… nudes? Sério?

Falei muito com minha amiga sueca-americana que é uma líder no universo da amamentação e ela me contou da mania de nudez que os suecos tem. Existe uma verdadeira democracia com o corpo que nós ainda não entendemos. Eles curtem sair da sauna no inverno e fazer passeios na neve durante o inverno, completamente nus. Pai, mãe, irmãos, avós e os vizinhos. Eu fico imaginando como seria ridículo vazar a foto do bombadão pelado nesse contexto. Tem curiosidade sobre o pinto do garotão ou os titis da sua vizinha? Olha no Facebook deles!!! (e ganhe de brinde a tia e a avó peladonas na foto da família).

O Brasil é visto aqui nos Estados Unidos como um país de mulheres livres, homens bonitos (eu explico a elas que sou uma exceção) e liberalidade sexual. Mas esta última parte é absolutamente mentira. Somos moralistas com o corpo. Gordofóbicos e julgadores. Ficamos eletrizados com esses vazamentos fake de “celebridades de uma semana”. Ainda somos crianças excitadas com a diferença sexual.

Eu acho que estes comentários exagerados sobre o corpo alheio deveriam ser vistos como resquícios de um moralismo cristão anacrônico e sem sentido, e deveríamos – enquanto cultura – cultivar uma relação mais madura com a nudez.

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Ferocidade

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Ainda sobre a pediatra que negou atendimento a uma criança por ela ser filha de uma militante do PT.

Uma pergunta me ocorreu..

E se a questão não fosse a cor partidária, mas a cor da pele? Se a médica dissesse que não se sente bem por atender negros, orientais ou imigrantes, ainda sim o representante do sindicato da corporação diria que a médica deveria se orgulhar pela sua “sinceridade”? E se a mãe da criança fosse gay? Preconceito racial não pode, mas contra um partido pode? Alguns preconceitos são piores – ou mais aceitáveis – que os outros? É certo focarmos apenas na (necessária) sinceridade da profissional e esquecer o preconceito asqueroso e abjeto que a moveu?

Fiquei rindo sozinho (um sorriso triste, confesso) de imaginar o que diria o mesmo representante da corporação se uma médica petista (existem sim, acreditem) resolvesse escrever a mesma mensagem para uma mãe que veio à consulta com a camiseta da CBF e um adesivo “Fora Dilma” colado ao peito.

Alguém dúvida da ferocidade com a qual ela seria atacada por seus iguais?

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Vitimismo

Vitimismo

Uma comunidade de direita apareceu na minha TL com a mensagem conhecida de que não existe racismo, mas indivíduos de diversas etnias que escolhem caminhos certos ou errados.

A retórica é a conhecida exaltação da meritocracia. Os negros não se esforçam tanto quanto os brancos, por isso estão em condições menos favoráveis na economia. Se os negros parassem de reclamar e se esforçassem mais esta distância acabaria. Chamam os movimentos sociais contra o racismo de movimentos “vitimistas”.

O vitimismo é o uso da condição de vítima para obter vantagens. Todo mundo sabe o que é isso, e todo mundo que teve irmãos na infância já usou das táticas vitimistas. Dito isso, é óbvio que existe vitimismo no movimento negro, no movimento LGBT e no feminismo. É impossível existir vitimas que não se seduzam pelo vitimismo e as vantagens que ele oferece. Ele funciona como um bypass, um atalho para conseguir alguma vantagem usando sua condição política e economicamente inferior. Não há como não se deixar levar, mesmo que temporariamente, por esta sedução.

Entretanto, existe racismo, homofobia e misoginia na nossa cultura. Essa evidência pode ser facilmente extraída das estatísticas e dos dados governamentais, assim como dos relatos dos negros, dos homossexuais e das mulheres que sofrem atos racistas lgbtfóbicos ou machistas. Minha experiência com o parto me permitiu testemunhar milhares de atos, atitudes e comportamentos claramente sexistas contra as gestantes nas instituições que trabalhei, acima de qualquer dúvida. Com os negros e homossexuais certamente é o mesmo.

Não se trata, portanto, de contrapor vitimismo com preconceito. O vitimismo é absolutamente minoritário nesses movimentos, que se estabelecem sobre a crueza dos fatos do cotidiano, onde negros, mulheres e homossexuais são desconsiderados em função de sua cor, gênero e orientação sexual. Não há como desmerecer a luta contra o machismo, o racismo ou a homofobia pela existência, francamente minoritária, de discursos vitimistas no seio desses importantes movimentos sociais.

A tentativa de desqualificar a luta contra o racismo, a homofobia e o machismo apenas demonstra que os avanços alcançados por estes grupos incomodam os poderosos, e por isso mesmo precisam continuar.

A questão é que o “vitimismo” funciona como uma capa encobridora, fazendo com que todas as reivindicações dos grupos oprimidos desapareçam por serem deslegitimadas. Se existe ou não vitimismo em alguns setores destes movimentos é o menos importante. O que tem valor é reconhecer a legitimidade das lutas e respeitar seus pressupostos.

Nivelar, em que topografia for, é fazer justiça. Mas sequer é esse o problema. A “discriminação positiva” é uma etapa de readaptação, um processo de “aceleração da equidade”. É usada para tornar mais célere a justiça social, e por isso ela um dia acabará, como aconteceu em muitos lugares onde foi implementada (Flórida, por exemplo). No Brasil podemos constatar a olho nu como ela está produzindo frutos: uma quantidade crescente de negros tendo acesso às universidades e, mais ainda, aos cobiçados cursos de Medicina, Direito, Computação etc…

Quando os efeitos sociais da escravidão tiverem, por fim, evanescido o suficiente para não serem notados nas filigranas do cotidiano eu serei o primeiro a reivindicar pela extinção do sistema de cotas.

Por ora a inconformidade de uma parcela da classe média – ressentida e meritocrática – é a melhor medida para avaliar o sucesso do programa.

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Principiante

Doutor

Primeiros dias de trabalho no primeiro emprego. Não tinha mais de 27 anos mas carregava uma cara de 20. Trabalhava nesta clínica privada durante a manhã, enquanto à tarde atendia no hospital da aeronáutica. A essas “clínicas de passagem” (“fico aqui até achar algo melhor”) chamávamos “trambiclínicas“. Estão em extinção nos dias de hoje, mas quando me formei havia muitas.

Abri a porta e chamei por um nome de menina. Ela entrou, acabrunhada e tímida. Talvez não imaginasse um doutor adolescente. Quem sabe tivesse medo de me dizer algo, ou escutar alguma coisa que não queria.

Falou de umas dores no seio e algumas outras questões menos importantes. Ela era bonita como são as meninas nessa idade, e seu sorriso era tímido e juvenil. Tinha 19 anos e era estudante. Morava com o pai, e mãe e uma irmã.

Antes de pedir exames, colher o papanicolau e escrever uma receita protocolar resolvi perguntar-lhe sobre sua vida. Talvez houvesse ali algo a dizer.

– Como é sua vida sexual?, perguntei, fingindo uma maturidade e isenção que somente a idade garante.

Ela me olhou sem pestanejar e respondeu “boa”.

– Algum problema com as relações?

– Nenhum, disse ela, parecendo querer abreviar a conversa. Comecei a ter relações há 4 anos e nunca tive problemas.

– Anticoncepcional?, insisti

– Não tomo anticoncepcional, doutor.

Meu semblante ficou severo. Sua resposta de alguma forma me irritou. Esse sentimento pude sentir muitas vezes na vida. Uma mulher que não cumpre nossas “ordens” não está apenas prejudicando sua saúde, está desafiando nosso poder. Aprendi isso de uma maneira brutal ao tentar entender a raiva – às vezes ódio – que os profissionais sentem ao ver pessoas que se recusam a fazer uma cirurgia, tomar uma droga, ou ir para um hospital para ter um filho. Tais recusas são tomadas como ofensas e desconsideração com a autoridade do profissional. Nossa resposta, que deveria ser de acolhimento e respeito pelas decisões soberanas de quem nos procura, em geral é estruturada como violência. Não é lícito aos pacientes desmerecem nosso saber.

– Camisinha? Diafragma? Coito interrompido? DIU? Tabelinha?

A todas estas me respondeu negativamente, sem piscar um olho.

Resolvi agir com a delicadeza de um viking à mesa do jantar após uma batalha.

– Filha (iniciei com a arrogância típica dos donos da verdade, médicos e bispos), você não acha que é muita irresponsabilidade da sua parte agir desta forma em relação à sua vida sexual? Tem 19 anos, estuda, vive com os pais, não tem emprego, não tem renda, tem relações há 4 anos e não usa nenhuma proteção contra uma gravidez indesejada. Você acha certo agir assim? Acha justo que uma gravidez arruíne a sua vida e entristeça sua família? Não lhe parece uma atitude sem juízo?

Ela ficou por alguns instantes me olhando sem nada dizer. Finalmente arqueou as sobrancelhas e me respondeu com uma expressão de desconforto:

– Doutor, eu só tenho relações com meninas.

Silêncio. Passados alguns instantes percebi cada centímetro da minha pele ruborizar. Na minha face o vermelho brilhante denunciava a falha, a incompetência e o preconceito. Tentei falar algo, mas a voz não saía. Queria dizer algo para dar a impressão que “tudo estava bem” e que eu achava “a coisa mais normal do mundo”. Afinal somos treinados para estas situações.

Mentira. Somos produzidos em série para interpretar exames e cuidar de um corpo falsamente biológico. Achamos o erro na molécula, o equívoco no hormônio, a fissura no osso mas na arte do enfrentamento com a crueza da palavra somos garotos que, diante de uma mulher de verdade, nada sabem dizer. Falta-nos a voz. Para saber como enfrentar o choque da fala do outro somente se conquistarmos a mais excelsa das virtudes de um medico: a idade, que por vezes nos brinda com a sabedoria.

O constrangimento havia me roubado a voz e a pose. Dos frangalhos de uma arrogância tola, filha da insegurança infinita que jamais me abandonou, consigo forças para uma última frase, que poderia abrir – ou não – as portas para um novo contato, certo que o anterior havia morrido em sua última fala. Depois de um breve suspiro, pergunto:

– Desculpe. Podemos começar tudo de novo?

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Parto Seguro

SIMERS

Hoje o Sindicato Médico do meu estado estará se reunindo para debater a seguinte pauta: Parto Seguro X Parto “dito” Humanizado. Além disso discutirão as responsabilidades de médicos que trabalham em lugares onde partos são atendidos por enfermeiras.

Evidentemente que a convocatória, contrapondo os partos “dito” humanizados com os “partos seguros” já demonstra um preconceito inquestionável. Mais do que isso: é uma provocação contra um movimento que vai se enraizando na cultura brasileira a partir de iniciativas bem evidentes e consistentes. Negar a importância desse movimento social é o grande risco que os médicos podem incorrer se negligenciarem os fatos que se acumulam há mais de 20 anos nessa direção. Cronologicamente podemos citar:

  1. A criação da ReHuNa (1993) – Rede pela Humanização do Parto e Nascimento – que já tem 22 anos de existência, de luta e de desafios em nome da humanização, com grande influência na elaboração de políticas para o parto no Brasil, além de conexões com instituições do mundo inteiro.
  2. Congressos Internacionais cada 5 anos no Rio e em Brasília, patrocinados pela OMS, OPAS, Ministério da Saúde, JICA e a própria ReHuNa, com milhares de participantes.
  3. Congressos anuais de humanização no Rio de Janeiro (Parto Consciente, Ecologia do Parto) e em São Paulo (Enapartu e Siaparto)
  4. Criação do curso de Obstetrícia na EACH da USP
  5. Lei do Acompanhante, com a garantia em lei para acompanhantes em hospitais públicos e privados em todo o território nacional
  6. Casas de Parto em várias localidades brasileiras, depois de lutas intensas pela garantia desse atendimento
  7. Capacitações de Doulas se multiplicando pelo país, levando às pacientes informações atualizadas sobre protagonismo e boas práticas nos cuidados com as gestantes durante o parto
  8. Um avanço da Medicina Baseada em Evidências como prática e discurso, deixando muitas “mitologias médicas” (Kristeller e episiotomia rotineiras, excesso de cesarianas, tricotomias e enemas, etc.) defasadas e com uma visível diminuição de sua utilização.
  9. Filmes e documentários (Orgasmic Birth, The Business of Being Born, O Renascimento do Parto, Le Premier Cri, Microbirth, etc) para o grande público mostrando a realidade do nascimento no Brasil e no resto do mundo.
  10. Participação inédita das mulheres nos movimentos sociais pelo parto normal no Brasil a partir de meados de 2012 com a “Marcha do Parto em Casa”, com mais de 5 mil participantes e 31 cidades, no Brasil e no exterior. Participação imensa dos debates sobre parto normal e cesariana nas redes sociais, com grupos de discussão, comunidades no Facebook e demais formas de participação. Criação de grupos como Amigas do Parto, Parto do Princípio, Nascer Sorrindo, Parto Alegre, Rodas de Gestantes, e tantos outros por todo o país
  11. Livros (nacionais e estrangeiros), congressos, seminários, cursos e simpósios. Por todo o lado, no Brasil e em todo o mundo.
  12. Participação do governo federal na luta contra as cesarianas desnecessárias, assim como a entrada da ANS no debate para limitar a taxa na saúde suplementar. Criação da Rede Cegonha como projeto de humanização da assistência ao parto.

Assim sendo o que vemos hoje é a culminância de uma trajetória de pelo menos 20 anos de questionamentos e críticas ao modelo assistencial ao parto, e não uma ação oportunista de grupos radicais. Não se trata de uma visão romântica ou superficial, mas uma postura engajada na autonomia feminina. Baseia-se na garantia do protagonismo à mulher no parto, na visão integrativa e interdisciplinar do evento e na ligação inexorável com a Saúde Baseada em Evidências. Portanto, o que se debate e se observa hoje em dia está sendo gestado há mais de duas décadas, e não se trata de uma aventura inconsequente sobre a assistência ao parto. Pelo contrário: trata-se de um lento amadurecimento de propostas, visões, experiências de sucesso e propostas.

Evidente que não é do nosso interesse pautar as discussões médicas, mas apenas solicitar que uma questão séria como são os projetos de humanização não seja tratada de forma desrespeitosa, irônica ou debochada. O risco que a categoria médica corre nestas situações é – mais uma vez – ficar à reboque da história, vendo os movimentos sociais promoverem mudanças sem perceber que o mundo mudou, alheios ao fato de que as mulheres estão diferentes e que as demandas por partos mais dignos e participativos estão na ordem do dia em diversos lugares do mundo.

Não faz sentido que o mundo se esforce por mudança enquanto os obstetras ficam cegos às demandas das gestantes. É preciso respeitar a voz que emerge de forma espontânea de pacientes que exigem respeito e segurança no momento central da feminilidade. Não há motivo – ou vantagem – em desmerecer esse movimento como se fosse desprezível ou fantasioso. Ele não é, e os governos do mundo inteiro se preocupam com esta questão de forma prioritária, pois se refere aos direitos humanos, reprodutivos e sexuais, para além das questões técnicas, corporativas e médicas.

Quando leio esta nota eu sempre me lembro de um fato ocorrido durante a última campanha eleitoral aqui mesmo no Rio Grande do Sul. Para um determinado setor (as elites) qualquer contraponto ao poder hegemônico “não presta“. Segundo o deputado Heiz (representante dos ruralistas): “É ali que estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas; tudo que não presta ali está alinhado.

Talvez o sindicato esteja dizendo algo parecido. “É ali que estão aninhados médicos que atendem partos normais, doulas, ANS, governo federal, enfermeiras obstetras; tudo que não presta ali está alinhado.

Quando é que nós médicos vamos perceber que esses atores na atenção ao parto tem o direito (como em qualquer democracia europeia) de participar dos debates e da assistência às gestantes e ao parto? O discurso retrógrado só poderá aprofundar o fosso que separa as demandas das mulheres do pensamento obstétrico hegemônico. E isso é ruim para TODOS, em especial o objeto de nossa atenção: mães e bebês.

Nesse rico momento de agitação é importante que os profissionais se unam às gestantes para que juntos possamos encontrar soluções para os dilemas da assistência. Se de um lado precisamos oferecer segurança às grávidas e seus bebês, por outro lado a autonomia e a liberdade são valores inquestionáveis que devem permear qualquer relação de assistência. Além disso, se as pacientes precisam ter seus direitos resguardados em nome da autonomia e da garantia do protagonismo sobre seus corpos, também os profissionais que prezam o bem-estar de suas clientes necessitam ser protegidos profissionalmente, para que possam usar sua arte e sabedoria com liberdade.

Espero que os colegas que participarem dessa reunião tenham como foco, acima de tudo, a descoberta de caminhos para garantir as conquistas da modernidade com os direitos humanos que devem ser garantidos às gestantes. Como dizia Willhelm Reich, “A civilização vai começar no dia em que o bem-estar dos recém-nascidos prevalecer sobre qualquer outra consideração“.

Hoje eu li que o Papa Francisco disse que o “inferno não é quente e que Adão e Eva não são figuras reais“. Se até a Santa Sé se moderniza e se adapta à ciência e aos costumes, porque a medicina insiste em se ensurdecer aos clamores por mais liberdade, autonomia, segurança, dignidade e protagonismo?

Espero que na reunião impere o bom senso e a visão sensata sobre o futuro da assistência ao parto.

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Cidadão de bem

Cidadao de bem

Auto proclamar-se “Cidadão de bem” é pejorativo, sim. Eu acho que não é à toa que a direita mais retrógrada usa tanto essa expressão. E ela se estabelece pela divisão essencialista da sociedade, baseada em critérios morais criados pelas classes hegemônicas. Assim, um cidadão racista, homofóbico, misógino, preconceituoso e golpista como o Bolsonaro pode se considerar um cidadão “de bem”, porque nunca precisou “bater” uma carteira ou roubar um supermercado para conseguir o que comer, ou apenas para ter acesso à felicidade que ilusoriamente vem com o consumo. Já estes últimos, “ou outros”, os “vagabundos”, mesmo sendo pessoas em que o crime existe por contingência – e não por convicção perversa, como em Bolsonaro – são considerados da “banda de lá”, meliantes, criminosos, safados, que merecem cadeia ou, de preferência, a morte.

Uma frase que li em um desses sites de extremistas em apoio à intervenção militar: “Na ditadura se você for uma pessoa de bem não terá o que temer“. Desta forma, para ser “pessoa de bem”, é necessário baixar a cabeça para os poderosos ou ser forte e violento o bastante para obrigar que os outros se curvem quando você passar. Sim, “cidadão de bem” me ofende, pois sou um cidadão IGUAL a todos os outros, e não pertenço a uma estirpe ou casta superior, aquela que pode atirar pedras nos outros por se julgar isenta de pecado.

Abaixo o jornal “Cidadão de Bem” de 1926 (Good Citizen), uma famosa publicação da Ku Kux Klan. Podemos considerar coincidência que esta expressão seja usada pelos defensores de Bolsonaro e outros fascistas contemporâneos?

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Loucura e preconceito no mundo dos trogloditas

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Será que ainda precisamos do “Homo ignobilis”?

Recebi de uma querida amiga paulistana (cujo nome não direi para não causar constrangimentos a ela) um link para ver partes de um livro recém-lançado sobre as mulheres e suas “doidices”. Eu imaginei, no primeiro momento, que se tratava de uma visão masculina sobre o misterioso mundo feminino, e as maravilhosas “loucuras” que as mulheres fazem na sua passagem pela Terra. Entretanto me deparei com uma torrente de preconceito, desinformação e grosseria que me chocou, a ponto de resolver escrever a respeito. O capítulo 10 deste livro (cujo nome não direi para não dar publicidade a um material tão ruim) chama-se “Parto em Casa”, que foi escrito em função da experiência que o autor (Sr W.) teve ao vislumbrar a Marcha de Mulheres que ocorreu em 32 cidades brasileiras em defesa do direito de escolha, do Parto em Casa e do nosso colega Jorge, injustamente acusado pelo órgão de classe do Rio de Janeiro. Não li o livro todo, porque este capítulo já é suficiente para demonstrar a grosseria do julgamento que o autor faz das mulheres e do feminino. Tomo a liberdade de transcrever apenas um parágrafo para que tenham uma ideia do que se trata:

“(…) Os outros benefícios [do parto domiciliar] não merecem nem ser citados por tamanha incoerência e esdrúxulas afirmações. Se perceber, verá que não batem bem da bola, são normalmente aquelas que não se apegam ao batente, como sabemos. Quando a mulher trabalha, ajuda no sustento da família e tem responsabilidades para continuar a vida como ela é, não tem tempo para essas “frescuras” [a Marcha e o ativismo]. Tem o filho na maternidade mesmo e após alguns dias volta à luta. Isso, sim, é mulher de verdade (…).”

Pelo trecho acima pode-se avaliar a qualidade do resto do livro. Por esta razão eu resolvi escrever a primeira resenha desta publicação, e que constará no Google Livros. Aqui está ela:

“Sobre o Livro XXXX do senhor W. tenho a dizer que o capítulo sobre o “Parto em Casa” é lamentável, triste, preconceituoso e chauvinista. Poderia escrever sobre o resto do livro, mas se ele contém algo semelhante a este capítulo ele certamente não vale a leitura. Eu acreditei (pelo título) que o livro era bem humorado e que tratasse das coisas lindas e até incompreensíveis (ao olhar masculino) da epopeia feminina na terra, mas é provavelmente (pela amostra que tive) um aglomerado de grosserias contra as mulheres, e uma torrente de preconceitos sem cabimento.

No texto sobre o parto domiciliar ele chega a dizer que isso é “coisa de mulher desocupada” (vide acima), usando as MESMAS PALAVRAS que os homens proferiam para debochar e desmerecer os interesses intelectuais femininos, como estudar, adiar um casamento, fazer uma faculdade ou decidir-se a não ter filhos nos anos 60. Um texto triste, lamentável, infeliz e inaceitável para uma sociedade que se propõe plural e justa. Desafortunadamente este senhor não passa de um fóssil vivo, um exemplar do “homo ignobilis” do início do século, que resiste em tratar as mulheres com um misto de compaixão arrogante (pobres delas, loucas, são apenas mulheres…) e desconhecimento total do ser feminino. Se eu fosse mulher e lesse isso, realmente ficaria LOUCA, e faria parte dos 90% que ele acusa. Por outro lado eu informaria a ele que só quando 100% das mulheres se indignarem com tanta ignorância e preconceito é que esse mundo oferecerá mais dignidade para elas no momento de fazer escolhas informadas sobre como parir.

E, por favor… eu li o capítulo (as partes que o Google permitia) e ficou CLARO que não se tratava de uma “brincadeira”, ou de uma espécie de “humor machista”. Não vou aceitar ser chamado de mal-humorado: ele expressou uma opinião séria, desconsiderando e debochando de gestantes que lutam por liberdade de escolhas. Não, não se trata de uma comédia ou de uma caricatura.

É preciso que cidadãos como o Sr W. permaneçam no mundo apenas pendurados em paredes de museu, para mostrar como eram os homens na pré-história da cidadania, quando as mulheres eram obrigadas a ter seus filhos da forma como os homens determinavam, e não da maneira como a ciência comprova como seguras, e as mulheres desejam.

Entretanto, é minha opinião de que o ponto de vista do Sr. W está cada dia se tornando mais cafona, démodé, ultrapassado e velho. Essa já foi a opinião consensual na cultura ocidental, mas hoje é apenas a hegemônica. Já existe, principalmente por força da Internet e das redes sociais, uma consciência muito maior dos direitos das mulheres, assim como informações idôneas sobre a segurança no parto domiciliar (e não o amontoado de opiniões e visões enviesadas deste senhor). Com o passar do tempo esta postura retrógrada e ofensiva com as mulheres será vista apenas uma visão antiquada e sem embasamento, e a história verá este texto como um resquício do preconceito que ainda recaía sobre as mulheres na cultura ocidental nos umbrais do século XXI.”

Ric Jones

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