No discurso da candidata de Sergipe ao Miss Brasil Teen 2024 ela tenta se defender do que chama de “vitimismo”, como a pedir para que suas origens não sejam confundidas com um pedido de atenção especial. Entre citações em várias línguas ela solicitou que sua condição de mulher negra, filha de mão solteira, neta de indígenas e pobre não fosse tomada como vantagem sobre as demais concorrentes. Para ela, o fato de sua situação social ser ruim não significaria que seja “limitante”. Diante desse tipo de discurso – que sempre contém a palavra “representatividade” – creio ser importante um pequeno ajuste.
Sim, os seus “parâmetros sociais” vão, sem dúvida, limitar os seus sonhos, e por isso mesmo para uma menina pobre e periférica na maioria das vezes restam as qualidades herdadas de beleza e graça para que possa alcançar algum futuro, furar a bolha das castas e conquistar seu lugar numa sociedade de classes. Se essa condição social não fosse limitante para os pobres, onde estaria essa menina caso fosse feia, ou apenas de uma beleza normal, e não fulgurante como é a sua? Onde estão as outras meninas, as filhas de mãe solteira, netas de indígenas e que vivem nos subúrbios? Na faculdade de Medicina, fazendo o curso de Direito, de Arquitetura? Serão elas, em boa conta, empresárias e artistas? Não, elas serão em sua grande maioria mães, donas de casa, manicures, diaristas, funcionárias de escritórios e empregadas do comércio, pois a sua condição social será um enorme impeditivo para a sua ascensão. Negar isso é cegar-se à realidade cotidiana.
Quando se fala de um sujeito com qualidades especiais, em especial uma menina agraciada por incontestável beleza, não se pode tirar do horizonte que ela é uma minúscula exceção em um universo que determina desde o berço o destino de quem nasce pobre e com a cor negra a colorir sua pele. Não é justo tomar a exceção como se fosse a regra, pois a realidade bate à porta todos os dias nos mostrando que o mundo não oferece oportunidades iguais para quem nasce no bairro nobre e para aqueles da periferia dos grandes centros urbanos.
Sem que a sociedade sofra uma revolução através da luta de classes essas meninas continuarão a ser a suprema exceção, o ponto desviante, cuja única esperança de alcançar o sucesso e a fortuna na vida será através da beleza física ou, no caso dos meninos, a arte de chutar uma bola. Acreditar que o sucesso ocasional de uma pessoa representa a “vitória dos excluídos” é jogar o jogo dos poderosos, fazendo com que a sociedade injusta que temos seja tratada como normal, a qual só pune os vitimistas e os que “não se esforçaram o suficiente”.
Uma conhecida jornalista, da maior rede de televisão brasileira, ao prestar homenagem ao dia das mulheres, apontou solenemente seus dedos para as “mortes de mulheres israelenses cometidas pelo Hamas”, sem que uma palavra sequer fosse dita sobre as milhares de mulheres mortas pela fúria assassina sionista que ocorre agora em Gaza, no primeiro genocídio televisionado pela humanidade. Também não fez referência ao fato de que as mulheres palestinas são executadas há décadas, e números de mortes seriam ainda mais tétricos se acrescentarmos aquelas que pereceram nos 75 anos de ocupação brutal de Israel, que se iniciou no Nakba e perdura até hoje. Mas é claro que sabemos o quanto de blindagem se produz sobre jornalistas de grandes emissoras. Não há como criticá-las publicamente sem pagar um alto preço, pois é fácil ser acusado de misoginia e/ou racismo – pelo menos na perspectiva dos identitários. Aliás, está é uma das razões (além da qualidade profissional) para as empresas jornalísticas apostarem no identitarismo, pois esta estratégia cria uma barreira bem sólida contra as notícias enviesadas que veiculam.
A mesma estratégia ocorre na representatividade política onde as ações mais brutais e destrutivas do imperialismo são comunicadas por negros (ou “afro-americanos”), basta lembrar a recente negativa de cessar fogo comunicada pela embaixadora americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, uma diplomata negra que afirmou que o veto americano à proposta ocorreu por este não citar o “direito de Israel de se defender”, sem explicar que, pelas leis internacionais, apenas o país ocupado tem o direito de se defender das agressões dos invasores. É evidente que esta desculpa esfarrapada tem o claro intuito de manter viva a guerra, levando adiante a limpeza étnica sobre a palestina e tornando realidade a “solução final” que a mesma diplomata acabou citando – em um curioso e horrendo “lapso” – algumas semanas depois.
“Ahhh, mas eles apenas cumprem ordens. Eles somente reproduzem o que os seus superiores lhes determinam”. Estes argumentos que isentam de culpa os jornalistas que oferecem seu rosto às notícias ou os representantes políticos que comunicam atrocidades se baseiam, por um lado, na tese da neutralidade da imprensa, que seria apenas um veículo imparcial dos fatos e por outro lado na cadeia de responsabilidades que coloca os representantes como apenas aqueles que comunicam as decisões. Sabemos da impossibilidade de uma imprensa positivista, baseada em fatos concretos e sem qualquer viés; não existe jornalista sem lado que apenas “cumpre ordens”. Também não há embaixadores sem opinião e sem valores morais. Usar como defesa a impossibilidade de se insubordinarem às determinações dos seus superiores é inaceitável. Os jornalistas que representam uma empresa francamente engajada nos interesses americanos e com evidentes interesses de proteger Israel, o sionismo e o apartheid na Palestina, assim como os representantes legais deste poder transnacional são responsáveis pelas atrocidades que escondem e pelas ações de terror que disseminam.
Ora, essa desculpa não pode mais ser aceita. Um policial que só prendesse negros dizendo estar cumprindo ordens também é responsável pelo racismo de suas ações. Ninguém é obrigado a cumprir ordens ilegais ou que ferem a decência. Qualquer sujeito a quem fosse exigido veicular mentiras ou narrativas sectárias poderia se negar a cumprir estas ordens, por um mecanismo de “escusa de consciência”. Sua condição de empregados não pode levar ao extremo aceitar e reproduzir qualquer mentira ou desinformação como se não fosse dono de sua consciência, como que transformado em um mero megafone humano das ideias de quem representa.
Aliás, “eu só cumpria ordens” foi o que mais se ouviu em Nuremberg, mas ninguém se tornou inocente usando esta estratégia. Caso um oficial alemão oferecesse como justificativa as ordens recebidas de seus superiores, ficando sem alternativa para desobedecê-las, não foi aceita a possibilidade de absolvição, mas apenas de redução de pena. Da mesma forma, um jornalista que aceita narrativas enviesadas na condução de um noticiário torna-se responsável pelos danos a que elas estiverem vinculadas. A responsabilidade do jornalista ocorrerá sempre que ele foi fonte ou veículo de uma notícia ou opinião.
Pensem por esta linha: se a representatividade fosse realmente determinante para a mudança dos modelos não seria de esperar que a entrada de mulheres na obstetrícia (onde hoje já são a maioria) deveria transformar as práticas de atenção ao parto de forma que se tornassem mais humanizadas? Ou seja, com tantas médicas mulheres atendendo partos, não deveriam os nascimentos ser mais centrados na autonomia das mulheres, na vinculação com a saúde baseada em evidências e na abordagem interdisciplinar do evento? E por que isso não ocorreu? Por que a prática obstétrica se mantém violenta e “iatrocêntrica” (centrada no médico) a despeito da entrada massiva de mulheres na profissão?
Ora, esse fenômeno ocorre por razões até simples de entender. As mulheres que entram num ofício caracteristicamente masculino como a obstetrícia que opera na lógica da intervenção (ao contrário da parteria, que é essencialmente feminina e opera na lógica do cuidado) adaptam-se à ideologia hegemônica, tornando-se veículo de uma ordem de poderes e de uma ideologia que mantém o poder nas mãos dos médicos. Nessa ideologia os corpos das mulheres precisam ser controlados e domesticados, retirando-se deles a natural energia selvagem e criativa. Via de regra, não se observa nenhuma diferença marcante na atenção prestada por homens e por mulheres no que diz respeito àspráticas condenáveis como episiotomia, posição de litotomia, Kristeller, corte prematuro de cordão, cesarianas, etc. Da mesma forma, na atenção médica ao parto não há diferença alguma entre homens e mulheres quando avaliamos as boas práticas e as posturas que estimulam a humanização. Portanto, as obstetras mulheres claramente se adaptam ao sistema de poderes no qual se inserem e não foram – até então – capazes de transformá-lo pela identificação de gênero que teriam com as gestantes.
Da mesma forma, uma mulher negra representando o imperialismo, como Linda Thomas-Greenfield, que vetou o acordo de paz da guerra de Israel contra os palestinos, jamais se posicionaria ao lado das populações negras (ou não brancas) que lutam contra o sistema imperialista, a opressão, o apartheid e a violência de Estado que ela própria representa. Ela também se adapta ao sistema que a abriga, tornando-se uma emissária dos interesses imperiais, e não uma mulher negra em posição de comando. Sua negritude e sua feminilidade desaparecem diante da magnitude de sua posição.
Pois é exatamente por isso que esse modelo de representatividade, que é apregoado e disseminado pela direita – mesmo a direita travestida de esquerda identitária – é uma falácia. Esta estratégia divisionista foi criada pelos “neocons” americanos para produzir a divisão da classe operária entre suas múltiplas identidades – pretos, gays, mulheres, transsexuais, etc. – oferecendo a estas identidades uma pífia representatividade, enquanto mantém intocados os poderes do capitalismo e obstrui a luta de todos nós – a luta de classes. Em troca oferece uma fatia do bolo para essas personagens, mantendo os milhões de representados na mesma condição de miserabilidade e exclusão.
Não existe possibilidade de avançar nas lutas por uma sociedade equilibrada através desses truques narrativos. Assim como mulheres, negros, gays etc. assumem a roupagem do poder que os acolhe, suas ações serão sempre reflexo desse poder, e não das identidades que carregam.
A bancada feminina do Congresso Nacional de 2018 conta com 77 mulheres, das quais 55 são bolsonaristas.
Faz alguns poucos dias um articulista de esquerda liberal reclamava da baixa representatividade feminina na Câmara de Deputados. Exaltava a importância das mulheres nos espaços públicos e afirmava de forma categórica que “se houvesse mais mulheres no poder legislativo a legalização do aborto já teria sido aprovada”.
Será mesmo?
Vejamos: temos 77 parlamentares mulheres em um universo de 513 representantes, onde 15% das vagas são ocupadas por quem representa mais de 52% da população brasileira. Por certo que é pouco, mas já houve avanços: em 1982 eram apenas 8 mulheres no congresso, e em 1998 somente 28. Hoje já se pode dizer que existe uma real “bancada feminina” no Congresso Nacional. Não há dúvida que as mulheres são uma categoria sub-representada e que isso certamente tem consequência nas políticas que são defendidas pela casa legislativa. Entretanto, seria possível dizer que se elas fossem 52% da casa (a real representatividade do gênero) seria muito diferente? Haveria uma facilidade para aprovar pautas que as feministas desejam ver aprovadas? Haveria progresso na equidade de gênero, distribuindo de forma igualitárias ganhos, deveres e direitos?
Creio que esta suposição não passa de uma fantasia, um desejo sem lastro na realidade, e apresento alguns dados que podem confirmar minha perspectiva. Não acredito ser possível desenhar uma linha reta ligando a representatividade de gênero com as políticas em favor da mulher. O mesmo em relação aos não-brancos, igualmente pouco representados. O que vemos hoje é que a maioria das parlamentares da bancada federal é conservadora e aliada de Bolsonaro. Surpresos? Pois não deveríamos estar, pois as mulheres no Brasil não tem uma postura muito diferente daquelas dos homens no que se refere à posição no espectro político. Das 77 deputadas eleitas em 2018 para a atual legislatura 55 votam com Bolsonaro. Ou seja, 71% das mulheres representantes no Congresso Nacional são conservadoras e não seria difícil perceber que sua posição frente ao aborto seria absolutamente contrária à legalização. Segundo a reportagem, a pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política (Gepô) da Universidade de São Paulo (USP), Hannah Maruci frisa que “mais da metade das mulheres eleitas estão à direita no espectro político -– ou seja, mais próximas à posição política do presidente”.
Podemos reclamar de Damares Alves, pela sua postura reacionária e dogmática no que diz respeito aos direitos femininos, mas é injusto dizer que ela não representa a média das mulheres brasileiras.
Contrariamente a outros países do mundo, a participação das mulheres na política representativa é extremamente baixa no Brasil. O país com a maior representatividade é Ruanda com surpreendentes 63% de parlamentares mulheres, país da África que foi devastado por uma guerra civil que matou mais de um milhão de habitantes nos anos 90 do século passado. Cuba em segundo lugar, tem uma representatividade que se aproxima do percentual de mulheres no país, e a maior presença de mulheres na esfera política é um dos claros e inquestionáveis resultados do processo revolucionário cubano. O Brasil ocupa a vergonhosa posição 145, entre a Índia e Gana.
Em um estudo realizado na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, com quase 1500 mulheres entre 15 e 49 anos de idade, apenas 30% delas se posicionaram positivamente à legalização irrestrita do aborto – como é o desejo de muitas feministas – o que está em sintonia com a representação de mulheres progressistas na atual composição das mulheres do poder legislativo.
É evidente que não se pode dizer que a representatividade é inútil e/ou supérflua. Muito pelo contrário: ter pessoas que sentem na pele a “dor e a delícia” de serem mulheres, negros, gays, trans, indígenas e outras minorias, representando os interesses de sua identidade, é um fato que devemos perseguir para uma sociedade mais plural e mais diversa. Todavia, o erro está em acreditar que a simples mudança no gênero, cor da pele ou orientação poderá fazer este trabalho. Não, ele só ocorre quando se acresce à representatividade um elemento essencial para as lutas populares: a consciência de classe.
“Representatividade sem consciência de classe é ciranda”. Pouco efeito teve para as lutas históricas da comunidade negra o acesso de Fernando Holiday à câmara de vereadores da maior cidade do país, muito menos a eleição de “Hélio (Bolsonaro) Lopes” pelo Rio de Janeiro. Igualmente não ocorreu nenhum progresso significativo com a entrada de Thammy Miranda na vereança de São Paulo – representando a comunidade trans – ou uma melhoria para a mulher trabalhadora e seus filhos com a eleição da “Comandante” Nádia em Porto Alegre, ambos filiados aos grupos políticos mais reacionários do atual cenário político-partidário brasileiro. As mulheres pouco ou nenhum avanço vão alcançar tendo Joyce Hasselmann, Carla Zambelli, Simone Tebet, Bia Kicis ou Major Fabiana a representá-las, pois que estas mulheres estão alinhadas aos setores financeiros, ao empresariado, ao agronegócio, aos rentistas e algumas (senão todas) aos mais abjetos interesses do imperialismo. Portanto, as conquistas para a franja mais desassistida da população só serão atendidas quando os representantes – de qualquer identidade – estiverem empoderados para encampar as lutas da população mais oprimida, o que inclui negros, mulheres, gays, trans, etc…
A representatividade vazia é como um corpo sem alma. Pode impressionar por pouco tempo e dar a impressão de que os cidadãos vão se reconhecer no parlamentar, mas a falta de sintonia e conteúdo com o tempo fará crescer a decepção pois os valores conservadores que estes parlamentares carregam ultrapassam as graves questões sociais pelas quais deveriam lutar.
Quem é o sujeito de boné nessa reunião??? Não há um “dress code” para este tipo de encontro?
Na foto que mostra a reunião entre os representantes de Ucrânia e Rússia houve reclamações de grupos identitários de que não havia nenhuma mulher presente. A ideia é que as guerras são eventos “masculinistas” (palavra cuja definição eu desconheço) e que se houvesse mulheres a tomar as rédeas destas negociações “o resultado seria rápido, eficiente, haveria canapés deliciosos e ainda colocariam os homens para lavar a louça” (estes foram os comentários das mulheres, claro, com humor).
Há poucas horas tomei conhecimento do texto publicado na Revista Carta Capital de uma feminista chamada Esther Solano em que ela colocava a culpa da guerra não nos intrincados labirintos geopolíticos e estratégicos que se referem ao nacionalismo, fronteiras, espaços de poder, democracia, auto determinação dos povos, mas simplesmente porque esta é uma ação humana comandada por homens, e colocava a culpa desse tipo de desastre civilizatório no famigerado “homem branco de esquerda” – o “esquerdomacho”.
Não pretendo me deter no texto, que pode ser lido aqui, mas ele me parece um libelo anti masculino, uma brutal essencialização do homem como o ser que incorpora todo o mal do mundo, sendo analisado por uma mulher que não entende as razões de uma guerra e que acredita piamente que a condução de tais questões – estivessem elas nas mãos de mulheres – seria absolutamente diferente. “Mulheres jamais declarariam guerras”, pode ser a tradução de sua perspectiva.
Pois eu aconselho cuidado com a romantização e a essencialização. “As mulheres não…” geralmente é um péssimo início de frase; “os homens sempre…” também. Usando um pouco de imaginação, digam aqui como seria a delegação brasileira nessa mesa de negociações na Ucrânia objetivando acabar com a guerra? Certamente seriam enviadas as mulheres destacadas no surgimento do governo atual: Sara Winter, Joice Hasselman, Bia Kicis, Carla Zambelli… acham mesmo que fariam diferença? Seriam elas embaixadoras da paz?
A última guerra em que se meteu a América do Sul foi contra uma …. mulher, a Dama de Ferro, que sempre se mostrou tão fura e cruel quanto qualquer homem. E Hillary Clinton? Enquanto esteve à frente da Chancelaria americana 7 países foram invadidos e bombardeados. Milhares de mães no Oriente Médio foram calcinadas com seus filhos ao colo por ordem dessa mulher. E se Kamala assumir o cargo de Joe Biden, será diferente? Sim, por certo teríamos invasões e mortes no mundo inteiro, mas com um toque feminino. Entre 2010 e 2014 ela foi Procuradora-geral do Estado da Califórnia, função na qual liderou o órgão responsável por colocar centenas de negros na prisão através do doutrina da “lei e ordem”. Ou seja, uma punitivista.
Muitos enxergam diferença nos sexos que eu sou incapaz de encontrar. Mulheres são covardes e brutais…. tanto quanto homens. São geniais e nobres, tanto quanto eles. Estes podem ser tão maternais e amáveis como qualquer mulher, enquanto essa podem fazer prodígios de engenharia e ciência como qualquer varão. Falar de “essência” feminina e masculina é muito arriscado, pois estamos imersos em um oceano de patriarcado que deixa a visão inexoravelmente enevoada.
“Ahhh, mas e a representatividade?”Pois eu digo que ela é vazia se não for conectada a um propósito firme e profundo. Não nego sua relevância, mas me recuso a aceitar que a simples diversidade é a resposta para o governança ou mesmo para a solução de uma guerra. Sei o quanto ela é importante, mas veja como um parlamentar transexual famoso se São Paulo em nada melhorou a vida das pessoas desse segmento, assim como o reacionário negro e gay do MBL chegou a piorar a vida de pessoas desta cor e dessa orientação sexual na sua cidade.
Homens não querem a paz… mas tampouco as mulheres a desejam; somos seres de conflito. A ideia de que as mulheres são mais pacíficas é ridícula. Este preconceito tem tanto valor quanto dizer que “os homens são mais inteligentes porque tem mais prêmios Nobel”. Ora, ambos os casos – o pacifismo feminino e os prêmios masculinos – são resultado do patriarcado. Ofereça poder para uma mulher – Cleópatra, Messalina, Merkel, Dilma, Thatcher, Golda Meyr, Bachelet, Indira, Cristina Kirchner e tantas outras e elas vão se comportar como qualquer outro humano carregado de poder, sofrendo as pressões que este poder determina. Aliás, coloque um bisturi na mão de uma mulher obstetra e verá a mesma violência que se observa entre os homens. Por que a entrada nas mulheres na obstetrícia não diminuiu os casos de violência obstétrica? Exatamente porque mulheres, nestas posições, se comportam como a sua função determina. Seu gênero muito pouco, ou quase nada, poderá influenciar.
Coloque homens a a maternar e cuidar e em muito pouco tempo serão tão bons cuidadores quanto as mulheres; o mesmo se puser um rifle nas mãos de uma mocinha, como Liudmila Pavlichenko, a matadora de nazistas. Coloque mulheres em qualquer posição outrora ocupada exclusivamente pelos homens e rapidamente elas os alcançam.
A falta de mulheres nesta mesa é resultado do patriarcado, mas quando Argentinos e Ingleses sentaram nas mesmas condições para discutir a paz na Guerra das Malvinas o resultado não foi amoroso e maternal para os perdedores, mesmo tendo uma mulher poderosa a comandar a cena.
Pergunto: de que adianta para a comunidade LGBT ter um governador gay? O que adianta para a comunidade negra de São Paulo ter um Holiday vereador? Que uso pode ter um Tammy Gretchen para a comunidade de trans da mesma cidade? De que vale ter mulheres como Janaína e Joyce para levar adiante a pauta das mulheres? Infelizmente nos deixamos seduzir pela forma e o aspecto externo, e muito menos pelo conteúdo e a consistência das propostas.
Como diria Chico Mendes, “Ecologia sem luta de classes é jardinagem”. Pois eu digo que “Representatividade negra, LGBT e Trans sem luta de classes é apenas a fantasia vazia e colorida da diversidade”. As vidas das pessoas dos grupos oprimidos não se modificarão substancialmente com a manutenção de pautas conservadoras, mesmo quando trazidas por sujeitos destes grupos, a não ser que sejam capazes de compreender as raízes profundas que sustentam estas lutas.
No dia da consciência gay eu disse – de brincadeira – que seria uma ideia genial do Dudu Milk sair do armário no meio das homenagens e galvanizar a luta pela visibilidade dos homossexuais no Brasil, já que sua opção sexual é conhecida de todo mundo aqui (os gaúchos) há muitos anos. “Se é público e notório, por que não capitalizar em nome da causa gay?”
Era brincadeira, sim, porque essa não é – e nunca foi – sua causa, o que não é sua culpa. Cada um escolhe suas lutas e ninguém pode ser acusado de não escolher aquelas que NÓS desejamos. É injusto acusar um sujeito gay de não fazer de sua sexualidade uma bandeira. Muitos – creio que a maioria – preferem que sua vida íntima se mantenha privada e reservada. Como negar aos gays esse direito?
Por outro lado, também me parece justo suspeitar do “timing” especial do “outing”. (Sim, também concordo que dois anglicismos toscos na mesma frase seria uma razoável exceção à minha recusa à pena capital. Sim, foi de propósito). Por isso, sair do armário exatamente agora, quando a Globo desesperadamente tenta encontrar um personagem que ocupe a vaga do Bolsonaro no imaginário da direita é, no mínimo, digno de desconfiança. Lançar-se como candidato neoliberal usando essa plataforma – tentando conquistar os votos dos “progressistas” e/ou identitários – me parece um equívoco. Mais ainda, me soa desonesto…
Prefiro respeitar a proposta do próprio governador, que rejeita a ideia de ser um “governador gay”, mas sim um gay governador. Acho melhor dizer que ele é mais um político de direita, conservador, neoliberal, privatista e que se aliou explicitamente à perversidade de Bolsonaro quando da disputa ao governo do Estado.
Para mim Eduardo continua sendo um gay reaça, como tantos que conheço.
A detentora desse mandato aparentemente deu um gigantesco tiro no pé. Anotem. Esta atitude pode pavimentar o caminho para a extinção dessa modalidade. Afinal, quem pode aceitar “puxar votos” para uma candidatura coletiva correndo o risco de ser expulsa posteriormente por uma canetada causada por discordâncias de ênfase? Quem se arriscaria a colocar sua representatividade fora por meras antipatias ou brigas intestinas?
Um mandato coletivo tem outra dinâmica, outra ideia, outra proposta. A pessoa defenestrada pelo “Mandata” era co-deputada, e não assessora!!! Essa é a imagem vendida para todos na eleição. Nunca foi dito que aquela que encabeçava a candidatura era a deputada e as outras suas auxiliares, mas que se tratava de um MANDATO COLETIVO!!! Por isso é que muitas pessoas votaram nessa candidatura: para dar poder à cada uma das participantes e às suas propostas – assim como para as outras.
Esse é o ponto central, o que que me fez pensar ainda mais sobre o tema: o cancelamento de uma co-deputada cancela ao mesmo tempo um número enorme de MÃES que se viam representadas pelo seu discurso e pela sua luta contra a violência obstétrica. Quem vai solucionar essa falta e esse buraco representativo?
Repito a pergunta: quem vai aceitar, a partir de agora, a posição de mero “puxador de votos” de uma candidatura pela qual não terá NENHUMA ingerência e de onde poderá ser demitida sumariamente pela detentora do cargo, sem precisar dar qualquer explicação? Quem votará em uma co-deputada que defende suas ideias ou sua identidade sabendo que o seu voto pode ser jogado no lixo por uma canetada autoritária?
Por outro lado, é saudável ver um projeto autoritário ser exposto publicamente.
Não tão rápido com este entusiasmo sobre a eleição de uma negra para a vice-presidência dos Estados Unidos. Lembrem apenas que eles já tiveram um presidente negro, e esse negro jogou bombas e matou milhares de cidadãos de pele escura no Oriente Médio. A cor dela é importante, mas pode facilmente sucumbir a outras vinculações e compromissos.
Eu pessoalmente acho que há muitas outras questões em disputa. A celebração por Obama resultou numa gigantesca frustração, pois ele foi um presidente genocida e cruel. Do ponto de vista da saúde pública um desastre; para os imigrantes um terror. A cor de sua pele não fez diferença alguma e os alvos mais afetados de sua política continuaram sendo as pessoas de pele escura. Quem quiser pode ver aqui as palavras breves de Cornel West – filósofo e pensador contemporâneo americano – para que a miragem da cor da pele não deixe as pessoas – mais uma vez – iludidas.
E veja bem, para a comunidade imigrante, gay e negra a vitória de Biden é um alívio, exatamente porque representa a queda de Trump. Entretanto, eu apenas peço “calma” na comemoração. Não vou torcer contra o sucesso dela, pelo contrário. Entretanto, a nossa experiência prévia com essa representatividade nos exige ponderação, pois a cor da pele não produziu nenhum benefício palpável para a comunidade negra americana.
Outro dica é esse debate entre Chris Hedges e Cornel West, extremamente útil nestes tempos de desencanto – mas de esperança. É longo porém muito elucidativo. No meio do debate eles falam do legado de Obama e o significado prático de um presidente negro à frente do Império. Sugiro que vejam, até porque são dois grandes expoentes da cultura americana falando sobre vários temas, em especial racismo e representatividade
Mas não se deixem enganar; os argumentos para deslegitimar Obama e sua governança não vem da direita; vem de todos os lados, principalmente da esquerda e dos negros, extremamente frustrados com sua administração. E vejam, vou repetir: não quero julgar o governo desses gringos antes que ele aconteça. Apenas pedi ponderação para não haver uma cobrança desproporcional gerada por uma expectativa ilusória. Os Estados Unidos são um império decadente que despenca vertiginosamente e não há presidente que possa negar esse fato, muito menos interromper seu notável declínio. Qualquer um, de qualquer cor, verá as tensões raciais aumentarem. Kamala é uma punitivista, promotora durona. Não joguem suas fichas todas em gente da direita.
Esta é a minha postura no momento:
– Comemorar a derrota de um supremacista branco é algo não só plenamente defensável como necessário. Nenhum militante suporta psiquicamente por muito tempo essa proibição de gozar vitórias, mesmo quando parciais e de um certo ponto de vista insuficientes. Na pior das hipóteses o Bolsonaro está irritado e isso, por si só, é motivo de comemoração de todos os progressistas.
– Ficou evidente para o mundo inteiro a farsa plutocrática da “democracia” americana e a falência de suas instituições. Um país que, em pleno século XXI não adota “1 person = 1 vote” não pode ser considerado democrático.
– Kamala Harris é uma punitivista que mandou vários jovens negros para a cadeia por posse de maconha. É uma virtual candidata a criminosa de guerra impune. Como Obama. Não coloquem a cor de sua pele acima de seus compromissos com a direita americana.
– O candidato que representaria alguma mudança estrutural, Bernie Sanders, foi interditado pelos oligarcas do partido democrata americano. Creio que a esquerda americana (que, sim, existe) deverá em futuro próximo centrar suas forças no fim do colégio eleitoral. Esta é a condição mínima para o surgimento de um partido de fato de esquerda com alguma viabilidade eleitoral. (adaptado de Alexandre Vasilenskas)
Vou deixar bem claro: eu acho uma profunda ingenuidade imaginar que os Conselhos de Medicina deveriam “proteger a sociedade”. Essa é uma acusação injusta a estas entidades. Um conselho é feito para proteger a CORPORAÇÃO, os médicos e suas práticas, as quais são validadas por seus pares (e não necessariamente pelas evidências científicas).
Não existe NENHUM compromisso explícito de defender a saúde da população e isso é mais do que óbvio. Afinal, você cidadão comum, em quem vai votar na próxima eleição do Conselho de Medicina? Ahhh, só os médicos votam? Então como é posível imaginar que um grupo que não aceita seu voto vai lhe representar?
Não… os conselhos de Medicina protegem a medicina, seus profissionais e seus privilégios sociais, mesmo quando sua prática é capaz de prejudicar pacientes. A cesariana é apenas um dos exemplos fáceis para demonstrar que não se pode confiar num Conselho de Medicina para tomar ações que contrariam os desejos dos médicos que, em última análise, elegem os conselheiros para representar seus desejos – e não os de seus clientes.
Por isso é importante sempre ter no horizonte que os conselhos médicos – estaduais ou federal – são órgãos corporativos e que tem como compromisso o médico e sua proteção, e não a saúde dos pacientes. Para estes objetivos é necessário criar outros representantes ou modificar o MS para que este possa trabalhar de forma efetiva na defesa dos pacientes e suas questões. Talvez esteja no horizonte a “Ordem dos Doentes”, uma organização criada para a defesa dos pacientes em todas as instâncias e que, em inúmeras circunstâncias, vai se opor diametralmente à “ordem dos médicos” na defesa dos seus interesses.
Não é justo cobrar dos Conselhos de Medicina algo que eles não tem obrigação de fazer, mas também é ingenuidade acreditar que eles trabalham por você ou por sua saúde.