Arquivo do mês: abril 2015

Impactos

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Seguindo o pensamento de Ivan Illich sobre o significado último das intervenções na saúde das populações, eu pergunto: quem é capaz de causar mais impacto positivo no nível de saúde global, uma nova estatina (medicamento para o colesterol, que gerará bilhões em lucro para um laboratório inglês, americano ou suíço) ou um simples sapato que protegerá os pés das crianças africanas? Sabemos que esta ação provavelmente não vai gerar lucro algum para o seus inventores, mas prevenirá milhares de mortes absolutamente evitáveis através de uma intervenção civilizatória  simples (proteger os pés), de baixo custo e fácil de implementar.

Ainda recordo de uma frase que li no livro “A Nêmesis da Medicina” do mesmo Ivan Illich em que ele dizia “Vidros nas janelas e cuecas limpas fizeram mais pela saúde do que todas as drogas e tratamentos no mundo“. Quando analisamos os impactos que as ações de saúde promovem no sujeito (e também numa determinada cultura) muitas vezes ficamos perplexos em como são limitados os resultados  “drogais” e como são relevantes as alterações positivas decorrentes de mudanças estruturais. Se isso não serve para desconsiderar a importância de alguns medicamentos e seu uso, também deve nos mostrar que o impacto deles sobre a saúde é muito pequeno e circunscrito.

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Sentar para o Parto

Ric Sentado

Atendimento ocorrido no Hospital Divina Providência, Porto Alegre – RS

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20 de abril de 2015 · 21:42

Mundo prisional

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Palavras de um colega médico que trabalhou durante muitos anos na maior penitenciária do meu estado…

“Depois de trabalhar durante anos no mundo prisional eu descobri que nós trancafiamos as vítimas, para que sua presença não deixe constrangidos os algozes, também conhecidos como “pessoas de bem”. Quanto mais eu falo com esses meninos mais me convenço de que são sobreviventes de um mundo que, ao mesmo tempo que os explora, guarda repulsa e nojo por eles.”

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Teia de Mentiras

Teia de Mentiras

Quando uma teia bem costurada de mentiras é vendida gradualmente para as pessoas através de gerações, a Verdade nos parece profundamente absurda e aquele que a traz um lunático em delírio“. (Dresden James)

Pensei nisso hoje quando discutia questões como episiotomias, circuncisões e cesarianas com um grupo extremamente ativo e lúcido de feministas americanas. Algumas mentiras (como a superioridade das cesarianas em oferecer segurança, os benefícios da episiotomia ou a inocuidade das circuncisões) foram enfiadas goela abaixo de gerações de homens e mulheres com tanto vigor e intensidade que qualquer um que ouse questionar estas inverdades é imediatamente tratado como ignorante ou maluco. Mentiras que, de tanto usarem a capa da verdade, acreditamos serem legítimas. Só o contraditório, a informação, o debate e o confronto podem nos auxiliar na busca do aprimoramento.

E o tempo, senhor de todas as verdades…

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Trânsito

Transito caótico

“Quantas vezes eu já me surpreendi no trânsito dizendo: “Por que esses babacas todos resolveram sair de casa na mesma hora que eu?“. Claro, depois tive que rir da minha cretinice. Afinal, eu não era uma ilha de correção num oceano de calhordas; eu era apenas um sujeito sem a adequada noção da parte que lhe cabe na formatação do caos de cada dia.”

Fiz esse comentário e lembrei daquela velha história de um homem (mas poderia ser uma mulher) que passa por uma mulher sem-teto embriagada e atirada na rua quando se dirigia ao supermercado. Na volta ele encontra a mendiga no mesmo lugar e comenta com um popular que passa ao seu lado. “Passei por esta mulher há meia hora e ninguém fez nada por ela desde então. Que gente sem coração! Custa tanto assim ser um pouco solidário? Que falta de fraternidade!!!” Diz isso, troca as sacolas de mão, olha mais uma vez para a pobre mulher e apressa o passo em direção à sua casa.

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Sucesso no Facebook

likes

Depois de alguns anos no espaço cibernético histérico do Facebook acabei desenvolvendo algumas manhas. Em função disso elaborei a seguinte lista:

Como conseguir “likes”:
1 – Fotos dos meus netos
2 – Fotos de doulas
3 – Textos curtos com piadas
4 – Fotos de decotes.
5 – Fotos em que aparece a minha careca, para que as pessoas escrevam frases de deboche ou escárnio e riam pelas minhas costas, sem levar em consideração meus sentimentos.

Como NÃO conseguir “likes” e ser desprezado:
1 – Textos grandes
2 – Textos chatos
3 – Textos grandes e chatos (minha especialidade)
4 – Comentários de futebol
5 – Textos em que aparecem as seguintes expressões ou palavras: “admoestação“, “inobstante“, ou “em função disso elaborei a seguinte lista…

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Feriadão de Obstetra

Feriadão

Ebaaaa, Feriadão!!!
Sair, relaxar, viajar…
“A gente não quer só comida a gente quer diversão, balé!!!”

Jogar conversa fora, namorar, levantar tarde, se espreguiçar sem pudor. Botar aquela camisa velha e furada e tomar café da manhã de pijama e chinelo.

Ou então só ficar em casa descansando, sem culpa de saber-se inútil..

Arrumar as gavetas, escrever, postar no Face, assistir TV. Quem sabe sair para comer fora, ou ficar em casa e fazer um mega sanduíche indecente. Comer sorvete no pote, fazer um “espresso” e abrir um pacote de amendoim.

Talvez apenas visitar meu neto, contar uma história, brincar de esconder, escutar suas frases curiosas ou soprar o joelho e secar suas lágrimas quando cair no chão.

Não, melhor ler um livro. Abrir aquele da Elizabeth B. que você encomendou e ainda não leu. Ou o outro que começou e não conseguiu terminar. Talvez ir até a livraria do shopping e escolher algo que sua intuição aponte, um livro que trará nas letras algo que seu coração desordenado já dizia.

Ouvir música, quem sabe. Deitar-se de barriga para cima no quarto, sem tirar o sapato, e colocar uma coletânea de rock progressivo dos anos 70. Começarei com Tony Banks, depois Anthony Phillips e então Steve Hackett. Posso migrar para Yes, “Turn of the Century” e depois… escutar James Taylor e me sentir um adolescente que recém descobriu a paixão.

Nada disso. Vou visitar meus pais, aproveitar ao máximo todas as chances de encontrá-los, trocar ideias, escutar sua sabedoria e me deliciar com a possibilidade de, mesmo já velho e também avô, receber um puxão de orelhas do meu pai e um carinho de minha mãe.

Pensando melhor, quem sabe eu poderia simplesmente….

– Alô? Sim, é ele quem fala. Como vão as coisas? Claro. E que horas rompeu a bolsa? Ok, estamos indo para o hospital. Nos encontramos lá. Fique tranquila, chegou o dia tão esperado!

Onde eu estava mesmo? Ah, sim o Feriadão! Pensei em outra possibilidades. Quem sabe eu…

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Guerras Religiosas

Guerra Israel

Um erro plantado na cultura ocidental contemporânea é a crença de que as guerras entre israelenses e palestinos ou entre britânicos e nacionalistas na Irlanda tem alguma conotação religiosa. A religião é apenas uma coincidência. Da mesma forma que brancos e negros poderiam ter religiões diferentes na África do Sul, ela nunca foi a origem do Apartheid. Israel domina o território palestino, mas isso nada tem a ver com a religião, até porque os ideólogos sionistas eram declaradamente ateus. O mesmo se dá com as lutas entre “católicos” e “protestantes” na Irlanda, que nada mais são que uma forma de desviar a atenção sobre o colonialismo britânico e colocar sobre a disputa uma conotação religiosa e de intolerância com as crenças alheias.

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Híbridos

Partolandia

No link abaixo pode-se escutar uma entrevista de um médico em período de transição, o que é interessante de analisar do ponto de vista das modificações lentas e graduais nos paradigmas e no “campo simbólico” que governa o nascimento humano. O profissional é o que se poderia chamar de “híbrido”: de um lado mantém-se colocado ao lado do paradigma médico intervencionista, mas percebe-se o seu real interesse em estabelecer uma crítica a este modelo. Ao mesmo tempo em que apoia o protagonismo do nascimento e as posições verticalizadas (o que infelizmente é raro entre os profissionais médicos) ainda insiste no mito da “cesariana humanizada”, usa o termo “parto cesárea“, investe na tese dos “riscos possíveis do parto na água“, e outros ideias que julgo ultrapassadas. Diz que não gosta do termo “parto humanizado”, e que prefere o “parto natural”.

Minha posição clara e histórica a este respeito é pela impossibilidade absoluta de seres humanos terem “partos naturais”, exatamente porque seres humanos dotados de linguagem são incapazes de se inserir no mundo natural. Seres humanos não são objetos da natureza, mas agentes, sujeitos de seu destino. A entrevistada também insiste na ideia de que o parto humanizado “não precisa ser vaginal”, pois que a cesariana também pode ser feita sob este paradigma.

Os pontos positivos aparecem na ideia de não interferência no processo e na postura clara de “restituir o protagonismo”. Durante a sua fala cita até “partolândia”, um termo consagrado há muitos anos em nossas falas. Ao que parece está cada vez mais claro que a humanização do nascimento, como há muito tempo reclamamos, parte de uma visão de direitos humanos reprodutivos e sexuais, onde o DIREITO de escolha por parte da mulher ocupa a posição central. “Humanização do Nascimento é restituir o protagonismo a mulher, o resto é apenas sofisticação de tutela”, já me dizia o colega Max há mais de 30 anos.

A entrevista mostra que é impossível ficar alheio à humanização do nascimento e as transformações inerentes a este novo paradigma quando se trabalha no dia a dia com um novo padrão de “clientela”. As MULHERES – únicas e legítimas proprietárias desta revolução – estão mudando a cabeça dos médicos aos poucos. Não há como voltar atrás: esta revolução veio para ficar.

http://www.ebc.com.br/infantil/para-pais/2015/03/parto-humanizado-e-como-todo-o-parto-deveria-ser-diz-obstetra

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Judiciário

martelo juiz

“Enquanto o judiciário continuar com seus mitos e preconceitos contra o parto normal, agindo embasado na mitologia da transcendência tecnológica, acreditando na “cesariana salvadora”, aceitando qualquer intervenção como “natural” e necessária, e todo respeito à fisiologia como “risco”, será difícil seduzir os médicos a adotarem uma postura mais serena e embasada em evidências. Sem uma modernização do pensamento jurídico será muito mais lento qualquer progresso na atenção ao parto. Por isso mesmo os “Cursos de Violência Obstétrica” para a área jurídica são tão importantes.”

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