Arquivo do mês: fevereiro 2019

Seja Você Mesmo

A ideia de “ser você mesmo” pode servir como mote de autoajuda ou para nos garantir o estimulo necessário para realizar obras que dependem de iniciativa inusitada. Entretanto, a maioria de nós esconde por debaixo das capas de civilidade e correção pequenos monstrengos disformes cuja visão seria grotesca e aterradora. Portanto, é inútil pedir para que sejamos “nós mesmos” porque, em verdade, essa essência nos é desconhecida. Como atores que nunca saíram do palco, somos personagens amarrados a fantasias que nunca despimos. Pior: ainda prefiro assim, pois que nossa nudez seria não apenas terrível para os outros, mas uma profunda decepção para nossa combalida autoestima.

Marcel Beaumarchais, “La Maison de la Vérité” (A Casa da Verdade) Ed Lyonesse, pág 135

Marcel Beaumarchais é um escritor/jornalista belga, nascido em Bruxelas em 1970. Escreve uma coluna semanal no jornal “Trompette” sobre política.

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(Des)crença

Nada como o parto para desafiar nossas (des)crenças.

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Pulsão materna

A vontade de ser mãe não é um desejo genuíno? É culturalmente construído? Bem, podemos pensar que o patriarcado tem 100 séculos, portanto muito recente para uma humanidade que tem 200 mil anos de idade. Passamos 95% da nossa existência fora do patriarcado, que é uma criação social razoavelmente nova.

Entao eu pergunto: como era antes disso? As mulheres tinham filhos por qual razão? Não havia “pulsão” sexual e desejo de gestar? Todo o desejo de maternar é socialmente construído? Ou, como penso, socialmente “moldado”, mas pertencente à essência de qualquer espécie?

Penso que o desejo de ser mãe é genuíno e constitutivo. É feminino e essencial (da essência, para além da cultura). Não há grupamento animal em que esse instinto não apareça de forma gritante e violenta, irrefreável e inexorável, obedecendo ao único ditame pétreo da vida: a sua perpetuação.

Por outro lado, não aceitar como fato o relógio biológico que a natureza criou nas entranhas femininas não faz nenhum sentido. Como querer negar que uma mulher perde gradativamente sua capacidade reprodutiva ao passar dos 40 anos? E como negar que os homens a mantém indefinidamente? Tenho parentes homens que foram pais depois dos 50, coisa que não ocorreu com nenhuma mulher da minha família. A senescência ovariana, e a consequente perda da capacidade reprodutiva, talvez sirvam mesmo ao que alguns antropólogos chamam de “efeito avó” que aumentaria o sucesso reprodutivo das comunidades primitivas.

Sem dúvida que é possível falar da sociedade que massacra as mulheres com um essencialismo reprodutivo anacrônico. É válido inclusive denunciar uma cultura que coloca a maternidade como única forma de expressão social das mulheres. Todavia, a exaltação de todas as outras potencialidades femininas não pode chegar ao ponto de negar a pulsão de vida inscrita e expressa na maternidade ou não reconhecer a importancia do relógio biológico. E este tal “Relógio biológico” apita mesmo e, por isso, as mulheres que desejam gestar e parir precisam levar em conta que o relógio não perdoa. Aí estão as “clínicas de fertilidade” em cada esquina que não me deixam mentir.

Circunscrever a felicidade ou a realização da mulher à maternidade é uma tolice, que aos poucos vai desaparecendo na cultura. Porém, acreditar que na inexistência de um desejo genuíno de gestar, ou que não existe um tempo (curto nos dias de hoje) para parir, é muito pior.

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Sei-os

Os seios são conflituosos porque demonstram que a sexualidade feminina se expressa à despeito e além da ordem monogâmica patriarcal. “Escandaloso” é o prazer que uma mulher tem ao amamentar, prazer esse que só pode ter origem em seu vasto repertório erótico.

Evelyn Forsythe, “”The roots of Pleasure”, Ed. Reuters-Smith, pag. 135

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As Modas

As “modas” em medicina – em especial na obstetrícia – são curiosas. Passei por muitas delas em quase 40 anos de prática. Elas se expressam da mesma forma como os chapéus e espartilhos de outrora, ou as calças de boca larga e de cós alto de alguns poucos anos. Não concorrem para a sua aparição o aprimoramento claro da atenção à saúde, e muito menos um impacto mensurável nos resultados positivos. Assim aconteceu com a hospitalização do parto, as ecografias obstétricas de rotina, as episiotomias, a posição de decúbito dorsal, as pesquisas para streptococcus e tantos outros instrumentos de intervenção sobre a fisiologia do parto.

O movimento de implementação dessas intervenções ocorre sempre dentro da lógica capitalista. Não há um questionamento sobre o significado e o valor do exame ou procedimento para diminuir problemas ou mesmo a morte, mas o quanto essa aplicação pode reverter em lucros ou incrementar o domínio dos profissionais e das instituições sobre o processo de nascimento. Não é a saúde de mães e bebês o foco, mas o controle patriarcal sobre corpos.

A moda do “clexane” será deixada de lado em breve, assim como lentamente estão saindo de cena as episiotomias, o Kristeller e a pesquisa de streptococcus, aos poucos deixadas de lado. Entretanto, a pesquisa não pode chegar a um ponto em que seja capaz de comprovar a suficiência feminina de gestar e parir com segurança. Quando uma moda médica morre, expondo sua inutilidade, seu perigo e um rastro de danos em sua história, uma nova moda precisa ser criada e exaltada, para evitar que as mentes femininas questionem a dependência que a sociedade de consumo tem da tecnologia usada como muleta para sustentar o corpo das mulheres, entendido por elas como insuficiente e defectivo.

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A Força do Silêncio

Nikolai acordou quando uma lâmina de luz invadiu sorrateiramente a cela lambendo seu corpo encolhido. Abriu os olhos com sofreguidão, afastando as pálpebras e permitindo que o sol esquentasse sua cara amassada e pálida.  O brilho luminoso que tocava seus cabelos loiros e revoltos parecia produzir uma chama em sua cabeça. Resmungou um pouco e reclamou da hora. Não era fácil dormir durante a noite ao som dos gritos, os barulhos dos ratos, a conversa dos carcereiros e os sons variados da noite, os cães, os gatos, as corujas e os camburões que chegavam ao portão central trazendo novos hóspedes. Tudo isso fazia sua cela solitária ser invadida por milhões de pequenos pacotes de som, muitos deles misturados e sem distinção, enquanto alguns chegavam solitários e nítidos. A noite na prisão era cheia de vazios preenchidos por angústias e medo. Ergueu seu corpo esquálido e resolveu se refugiar do calor do sol, deu dois passos e colocou-se na face oposta da pequena cela, onde a sombra ainda cobria de penumbra a parede descascada. Ajustou suas costas nuas no vão entre a parede e um ressalto da viga e sentiu o vinco do concreto a lhe machucar as costelas. Apesar de passar horas durante o dia encostado naquela parede, nunca havia sentido o vinco do ressalto a lhe incomodar. Afastou-se por momentos da parede e olhou para o pequeno vão atrás de si para entender porque seu corpo parecia não caber mais naquele espaço.

Anos já se haviam passado desde que pela primeira vez foi colocado na pequena cela solitária. Não havia engordado, por certo. Sua perda de peso já contava mais de 20 quilos desde que ali chegara. Como poderia então seu corpo subitamente não caber mais num espaço que sempre foi usado para fugir do sol impiedoso que lhe castigava nas manhãs de verão? Olhou mais uma vez para o pequeno vão entre a viga e a parede branca. De súbito fechou os olhos, girou a cabeça em direção à porta enferrujada e suja da cela e, depois de alguns instantes puxando pela memória, tentou recordar as imagens que deveria estar vendo. Descreveu mentalmente a porta de ferro verde, a portinhola de baixo por onde lhe chegava o pão duro e a sopa de peixes, o grunhido que faz ao abrir, os sapatos dos carcereiros, o ar que entra quando ela eventualmente é aberta, o vaso sanitário imundo que está no canto contíguo e o sol colorindo com sua luz o chão poeirento.

Depois do exercício, abriu os olhos e se assustou com as imagens que viu sobrepostas à sua lembrança. Tudo em sua mente estava levemente diferente. Em pânico se ergue, empurra suas costas contra a parede e decide contar os passos até a porta da cela. Menos de quatro passos. Muito impreciso. Prefere, então, contar com os pés. Equilibra-se como um bailarino de corda bamba e coloca um pé disforme e sujo depois do outro, cutucando seu calcanhar cascurrento com a unha do dedão. Contou catorze pés e mais quatro dedos da mão. O sentimento era de assombro e pânico. Pensou por alguns instantes estar alucinando, mas resolveu olhar os rabiscos na porta de ferro, feitos com o cabo de seu garfo, nos primeiros dias em que ali havia chegado. Leu seu nome “Nikolai” arranhado na porta, com a letra trêmula que lhe sobrou após uma noite de espancamentos.

Não havia em sua mente mais nenhuma dúvida, e um frio gelado percorreu o estreito espaço de sua coluna. Aquela era a sua velha cela imunda, e ela estava encolhendo.

Nikolai Kuznetzov, “Сила молчания” (A Força do Silêncio), Ed Dubrov, pag 135.

Nikolai Kuznetsov é um escritor russo, nascido em São Petersburgo em 1958. É irmão do também escritor Anatoli Kuznetsov, apesar de terem mães diferentes, pois a mãe de Nikolai morreu de tifo pouco depois de sua morte e seu pai Sergei Kuznetsov casou-se com sua segunda esposa Maria, e tiveram seu único filho Anatoli. Enquanto Anatoli participava de manifestações e escrevia textos de protesto Nikolai dedicou-se às letras estimulado fortemente pelo irmão, cuja luta em defesa dos direitos LGBT muito o influenciou. Apesar de não ser homossexual esteve preso, assim como seu irmão, pelas passeatas e demonstrações das quais participou em defesa da comunidade LGBT. Escreveu “A Força do Silêncio” ainda na penitenciária em Moscou, para onde foi levado após uma prisão arbitrária sob a acusação de profanar a bandeira da federação Russa. É casado com Ekaterina Fedorov, e tem duas filhas: Natália e Malinka.

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Anestesias

É impossível crescer sem sentir dor. As dores – tanto as físicas quanto as da alma – são constitutivas dos sujeitos, sem as quais nos tornamos autômatos e insensíveis. Somos formados no espaço que se cria entre nossos traumas e a solução que encontramos para eles.

Imaginar uma vida sem dissabores, perdas, fracassos e derrotas é absurdo e talvez enlouquecedor. É preciso agradecer por nossas tímidas vitórias cotidianas tanto quanto pelos nossos fracassos pedagógicos. Devemos fugir, isto sim, da anestesia, e saudar com sobriedade as dores inevitáveis que nos moldam a alma.

Henry Bouchel, “La vue pour l’avenir”, Ed. Sotero, pág 135

Henry Bouchel é um escritor argelino, nascido em Mostaganem, na costa do mediterrâneo, em 1940. Seus pais eram franceses e trabalhavam na Universidade Central de Mostaganém. Seu pai, Michel Bouchel era professor de literatura francesa e sua mãe Madeleine Bouchel era professora de geografia. Na sua infância foi testemunha dos levantes liderados por Ahmed Ben Bella, chefe da FLN – Frente Nacional de Libertação – que atuava tanto nas comunidades rurais quanto urbanas da Argélia. Muitos de seus livros espelham este respeito pelos sentimentos patrióticos dos magrebinos e sua luta contra a colonização europeia. Cerca de 300 mil argelinos pereceram nesta guerra, e 27 mil soldados franceses não retornaram vivos para casa. Sendo sua família de imigrantes, o medo de um ataque por parte dos argelinos era constante. Apesar disso, Henry desenvolveu uma clara simpatia pelas reivindicações dos argelinos por liberdade e autonomia. Muitos de seus livros espelham este respeito pelos sentimentos patrióticos dos magrebinos e sua luta contra a colonização europeia. Em 1962, quando Henry completou 22 anos de idade, a paz foi assinada por Charles De Gaule, e Ahmed Ben Bella foi conduzido à presidência. Todavia, Henry e sua família já haviam se mudado para a França há alguns anos, temendo algum tipo de ataques à sua família, como ocorreu com mais de 900 mil franceses que tiveram que voltar à França durante e após o conflito. Seu livro “O Perfume do Deserto” (Lódeur du Désert) descreve a saga de um casal de franceses em sua tentativa de fugir da FNL e voltar à França, no livro que posteriormente se tornou uma famosa película estrelada por Yves Montand.

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Por que homeopatia?

Existem diversas formas de responder esta pergunta. A primeira delas é reconhecer a profunda crise que atravessa a medicina contemporânea. Sua trajetória dentro do capitalismo se mostra cercada de profundas contradições, desde que percebemos a dicotomia entre os aspectos éticos relativos à sua ação terapêutica, preventiva e paliativa e as enormes pressões produzidas pelos lucros – muitas vezes estratosféricos – das empresas que compõe esse setor da indústria. Existem inúmeras publicações que nos mostram o descalabro da medicalização abusiva da vida normal, os efeitos colaterais letais dos tratamentos, o valor pago pelo cidadão comum para tratamentos de pouca resolutividade, os ganhos das empresas de seguro-saúde e o decréscimo da autonomia do sujeito diante do gigantismo do discurso médico.

Peter Gotzsche

Um dos expoentes desta crítica é Peter Goetzche, um dos criadores da Biblioteca Cochrane, onde ele compara as grandes empresas farmacêuticas com organizações criminosas. Logo na introdução do seu livro “Medicamentos Mortais e Crime Organizado – como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica” ele faz uma comparação dramática que nos obriga a questionar os rumos da medicina: “existem duas epidemias que o homem produziu e que matam terrivelmente – o tabaco e os medicamentos sob prescrição”. Neste livro ele descreve como as empresas de drogas escondem deliberadamente os danos letais de seus medicamentos através de comportamento fraudulento, tanto na pesquisa quanto no marketing e pela negação das acusações quando são confrontadas com os fatos. Goetzche nos lembra da responsabilidade de muitos médicos na prática pouco ética da prescrição de medicamentos desnecessários em vista de benefícios para quem assina a receita, como férias pagas, estadias em hotéis de luxo, jantares e e “lembrancinhas”, e nos alerta que, ao contrário do que a propaganda massiva nos fazer pensar, o “único padrão da indústria é o dinheiro”.

Marcia Angell

Ele não está sozinho nessa batalha. A escritora Marcia Angell, primeira mulher a ser editora chefe da prestigiosa revista “New England Journal of Medicine”, escreveu o livro “A verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos” com acusações do mesmo calibre do seu colega Peter Gotzsche.  Neste livro ela critica o mito de que o os custos elevados da pesquisa científica colocam a necessidade de altos custos para os medicamentos, e lembra que a maioria dessas pesquisas são feitas por instituições acadêmicas ou governamentais, que recebem verbas públicas. Junto com estes autores muitos outros apontam para os desvios terríveis que estão obstaculizando o combate à saúde para todos. Ajustar os descaminhos da medicina é uma obrigação de todos aqueles que se ocupam da saúde humana.

A segunda forma de explicar a razão de fazer um curso de homeopatia é sua maneira especial de encarar o processo de adoecimento. Muito mais do que produzir formas alternativas de tratar as doenças conhecidas, a homeopatia se estabelece por um entendimento diferente dos processos que levam ao desequilíbrio e à perda da homeostasia. A partir desse novo olhar sobre o sujeito – compreendido em sua totalidade psicofísica – e suas doenças, a homeopatia propõe um equilíbrio de dentro para fora, entendendo que qualquer cura que se possa propor precisa passar pelo entendimento de uma unidade complexa reagente composta de elementos físicos e psicológicos. A experiência de mais de 200 anos com as formulações homeopáticas nos oferece uma excelente possibilidade de curas suaves, sem os efeitos deletérios da intoxicação química e sem os custos absurdos da medicina oficial.

Todos os homens cometem erros, mas um bom homem cede quando sabe que seu proceder está errado e conserta o mal. O único crime é o orgulho.” – Sófocles, Antígona

Sófocles

É evidente que a medicina contemporânea fez muitos avanços no que diz respeito às situações de emergência, em especial nos traumas agudos, nas UTIs, nos transplantes e nos antibióticos, mas poucos avanços ocorrem na cura efetiva de doenças crônicas. É claro que a homeopatia tem limites muito claros, já que se vale da energia vital do próprio doente para produzir uma resposta em direção à saúde. Por isso, reconhecer os LIMITES da homeopatia é fundamental para estabelecer a confiança no próprio tratamento que se propõe. No caso da gestação, trabalho de parto, parto e puerpério existem plenas indicações para as condições específicas, mas é sempre essencial reconhecer suas limitações de indicação.

A homeopatia, portanto, tem um lugar especial para os transtornos do ciclo gravido-puerperal, em especial pela ausência de qualquer efeito colateral negativo e a visão integrativa que propõe sobre os desafios físicos e emocionais das gestantes e seus filhos.

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