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Sanguinários

Quando escuto as tradicionais acusações dos direitistas e liberais aos “ditadores” comunistas (ou não) e suas listas de mortes – cujos números são sempre criados em “freestyle” ou usando dados do instituto TireyDoku – eu exijo que qualquer avaliação da história destes personagens não ceda às pressões do anacronismo e avaliem o contexto em que estas revoluções foram estabelecidas.

Olhem, como exemplo claro, a história da China e o “século de humilhações” pelo qual passou. Anos de exploração estrangeira, repletos de abusos e o confisco de suas riquezas. Pensem nas derrotas humilhantes nas Guerras do Ópio, a pobreza do seu povo, a espoliação produzida pelos colonizadores ingleses e ficará mais fácil compreender a necessária reação para a liberdade do povo chinês. Sem entender a realidade das múltiplas invasões estrangeiras e as lutas internas fica mais complicado colocar em contexto a libertação da China em 1949 através da guerra civil e a “grande marcha” de Mao Zedong. Entretanto, a ninguém seria lícito imaginar que a entrega da China aos chineses seria feita sem os tradicionais massacres que as nações imperialistas impõem como punição aos povos dominados. É necessário também lembrar o que era a China em meados do século XX e o quanto sofreu durante a invasão japonesa, a perda da Manchúria na segunda guerra mundial e os 14 milhões de mortos que sucumbiram nessa guerra brutal contra o domínio nipônico.

Como não lembrar a história da Coreia, a ocupação japonesa, a tentativa de extermínio de sua língua, de sua história e até dos seus patronímicos? A invasão americana na “Guerra da Coreia” (ou Guerra da Libertação, como é referida na Coreia Popular) exterminou 1/3 da população civil, mandando o país para a idade da pedra com a destruição de todas a sua infraestrutura (a exemplo do que se faz hoje em Gaza) e só quando estudamos a crueldade assassina das forças imperialistas é possível entender a história de Kim Jong-Un, seu pai, seu avô, sua gente e a luta por liberdade e autonomia do povo coreano. Não é justo esquecer o que a França fez com o Haiti e com a Argélia, uma história de dominação repleta de atos da mais absoluta selvageria e covardia. Como apagar a história brutal do Congo, e os 10 milhões de mortos sob o domínio da Bélgica do Rei Leopoldo. Portanto, seria de esperar que a resistência pela liberdade em resposta à esta brutalidade só poderia ser igualmente feroz.

É preciso ter em mente que 14 nações invadiram a União Soviética durante a “guerra civil” (na verdade, guerra de independência) e isso facilita para entender a necessidade que havia de lutar de todas as formas possíveis, pois isso representava a única possibilidade de manter a unidade nacional. Que dizer dos 20 milhões de mortos da União Soviética na luta vitoriosa contra o nazismo de Adolf Hitler e o preço pago pelos soviéticos para que o mundo se livrasse do fascismo da Alemanha? Em Cuba a revolução se estabeleceu na luta contra um governo corrupto e burguês, que mantinha a ilha como um bordel americano e uma gigantesca fazenda de cana de açúcar, mantendo a população miserável, oprimida e subjugada pelos latifundiários e seu sistema semi-escravista. Por acaso estes poderosos, apoiados pelo governo americano, entregariam a soberania de Cuba para os cubanos sem luta e sem violência? Seria condenável a reação violenta de um povo que por séculos sofreu de forma desumana?

E o que falar sobre o Hamas, este partido politico e seu braço armado (a brigada Qassam) e os demais grupos de resistência palestina que lideram uma luta de 76 anos contra os canalhas sionistas, racistas e abusadores, terroristas da pior espécie, violadores e assassinos de crianças? Há como analisar suas ações, em especial o 7 de outubro de 2023, sem levar em consideração as humilhações impostas pelos invasores sionistas nas últimas sete décadas? Há como apagar uma parte da história e manter apenas aquela que nos interessa? Por acaso eram “terroristas” aqueles que atacaram a realeza na França na queda da Bastilha, criando as fundações do mundo burguês no qual hoje vivemos? Ou seriam eles tão somente os bravos lutadores que resistiram ao poder despótico e injusto da cleptocracia monárquica? E a resistência francesa que lutou contra os nazistas em Paris? Seriam terroristas aqueles que lideraram o levante do gueto de Varsóvia? Ou a história provou que eles eram lutadores pela liberdade de seus povos? Será mesmo que a independência dos Estados Unidos, libertando-se da Inglaterra, foi feita com abaixo-assinados, ou foi como todas as lutas libertárias – a ferro e fogo? Ora, não sejamos tolos e ingênuos.

Isso não significa que as guerras de libertação não contenham ações bárbaras violentas, abusivas e até criminosas. Porém, quando vejo críticas a estes eventos do passado é impossível não lembrar de Bertold Brecht: “Dos rios dizemos violentos, mas não dizemos violentas as margens que os oprimem”. Do Hamas reclamamos a fúria, mas fechamos os olhos diante dos 76 anos de massacres, torturas, assassinatos, sequestros, o extermínio de famílias inteiras, o apartheid e a dominação opressiva por parte do Estado terrorista de Israel. O mesmo se pode dizer de todos os grupos de resistência que se levantaram contra a opressão. É preciso aprender a história dos povos para entender suas lutas e seus dilemas. E por fim é fundamental conhecer os personagens que são criticados pelos reacionários para saber em qual contexto eles atuaram.

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Arquivado em Causa Operária, Palestina, Pensamentos, Violência

Apenas imagine…

Faça um simples exercício de imaginação e pense como reagiríamos se a China comunista tivesse esmagado uma rebelião no Tibete e, através de um bombardeio incessante sobre regiões densamente habitadas e houvesse matado mais de 15 mil civis, entre estes 8700 crianças tibetanas – até agora. Diante de tamanha matança, como seriam as manchetes nos principais meios de comunicação do ocidente? Como seriam tratados os chineses e suas autoridades? Que país europeu estaria apoiando a China e sua carnificina com slogans “I Stand with China”?

Por que a diferença no tratamento destes dois episódios desumanos e brutais? O que está por trás desse horror que não sejam os interesses capitalistas, o racismo e a perversidade mais explícita? Qual a diferença entre os campos de concentração nazi e o campo de concentração de Gaza? Por que aceitamos as desculpas cretinas dos apoiadores de Israel, aceitando haver razão para matar 1000 crianças para atingir um único combatente do Hamas? A resposta é óbvia: Israel é uma ponta de lança do imperialismo cravada no Oriente Médio, às custas da liberdade e da autonomia da Palestina. Além disso, Israel, através do AIPAC, financia a maioria dos políticos americanos, em especial do partido Democrata. Fica fácil entender porque tanto amor devotado a esta colônia europeia branca entre os países árabes.

Acrescento a estes questionamentos, perguntas direcionadas à imprensa: por que insistimos em chamar o Hamas de terrorista, e não chamamos de terroristas os brancos e europeus que roubaram suas terras, os humilharam e torturaram a ponto de não restar nenhuma alternativa além da reação violenta e feroz? Qual a razão para acreditarmos como aceitáveis as milhares de violências cotidianas cometidas contra a população palestina, mas nos escandalizamos quando aqueles que sofrem os abusos durante décadas finalmente reagem às agressões? Por qual motivo aceitamos o Apartheid declarado e explícito que impede o acesso dos palestinos à plena cidadania? “Dos rios dizemos violentos, mas não chamamos violentas as margens que os oprimem”. (Bertold Brecht)

Não é possível calar-se diante do apoio necessário à Palestina. É necessário que as denúncias se mantenham; é preciso expressar cotidianamente nossa inconformidade. Precisamos deixar claro o lado da história em que nos colocamos, apresentando a todos, e a todo momento, a realidade desumana do sionismo. Não permita que normalizem o racismo, a exclusão e o preconceito contra a coletividade Palestina. Peço para cada um que olhe para a foto desse texto e se imagine correndo com um filho nos braços, recém retirado dos escombros de sua casa, covardemente destruída pelas bombas sionistas. Difícil? Se esta identificação é complicada, então imagine que é uma criança loira e de olhos azuis atacada por nazistas no gueto de Varsóvia; talvez com esta pequena alteração na cor da pele fique mais fácil criar esta identificação. Miko Peled, ativista israelense pela palestina, filho de um general israelense que atuou na Guerra dos 6 dias, afirma que é “impossível vencer os palestinos”. Em uma postagem recente, deixa claro que a guerra contra Gaza é a guerra contra a paz. A imaginária vitória de Israel nessa guerra genocida significaria a vitória do racismo, da exclusão, da brutalidade e do abuso. Por isso somos todos Palestina Livre.

Palestine will be free!!! 

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Cristãos e a opressão

Dos rios dizemos violentos mas não dizemos violentas às margens que os oprimem“. Brecht

Esta é a face mais triste das religiões: transformar os fiéis em cordeiros manipuláveis pela mídia e pelo capital, fazer com que acreditem que a resistência à opressão não é legítima ou digna, tornando cada cidadão em um servo robotizado carregando um crucifixo para que ele mesmo seja, por fim, pendurado. Talvez seja um pagamento justo para sua alienação. Não esqueçam que este Cristo a quem tanto adoram era um revolucionário que deu a vida pela libertação de seu povo, e não um babaca conformista que baixava a cabeça para os poderosos.

Seja cristão e combata a opressão!!! O cristianismo, via de regra, acaba com o senso crítico, a visão política e a cidadania em nome de uma teleologia de direita, alienante, aristocrática e sem uma visão coletiva. Essa é a parte mais triste das religiões: imaginar que a luta pelos direitos deve estar subjugada a uma falsa visão pacífica de Cristo, quando em verdade sua vida foi uma luta constante contra a opressão.

“Não se faz uma revolução com tapinhas nas costas”, como dizia Sheila Kitzinger. Se algumas pioneiras não fossem suficientemente ousadas, quebrassem padrões morais e estéticos e botassem “pra quebrar” as mulheres estariam ainda hoje indo à missa, bordando e conversando sobre receitas.

Alguém aí acha que as conquistas dos trabalhadores surgiram através de abaixo assinados ou conversas amigáveis com os patrões? Claro que não. Direito não se ganha, se conquista. Se tiver que ser incendiando carro que seja. Trabalhadores bem comportados vão para o céu; os corajosos vão à luta!

Apenas para lembrar a necessidade de lutar:

Não precisa lei trabalhista, ora, basta negociar. No circo romano onde estava escrito que era o leão que comia as pessoas? Podia ser o contrário, por que não? Havia espaço para livre negociação, e se esta não ocorria era por culpa do radicalismo das pessoas e não pela força superior ou ferocidade dos felinos“.

A propósito, uma realidade chocante: recente pesquisa nos Estados Unidos (!!) revela que 43% dos entrevistados tem uma visão positiva do socialismo e apenas 32% do capitalismo. É aqui, no centro mundial da ideologia capitalista, onde a queda do sistema será mais ruidosa.

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Ode ao parto

 

Nós, os humanistas do nascimento, não temos interesse em tratar o nascimento fisiológico, também chamado de “parto normal” (mas que, infelizmente não se expressa de forma “normal” no mundo contemporâneo), como se fosse um bem, uma commodity a ser adquirida com qualidades acima das concorrentes. A humanização do nascimento não se propõe a isso, e quem preferir entender nossas palavras como uma “ode ao parto natural” então as leu de forma equivocada. O que pretendemos é lançar um contraponto à alienação que a cultura contemporânea propõe pela intromissão excessiva no fenômeno do nascimento. A evidência de hospitais brasileiros com quase 100% de cesarianas está ACIMA de qualquer discussão, mas curiosamente a própria sociedade (com exceção dos poucos humanistas) não os acusa de propor uma “ode às cesarianas”, esta sim, sem dúvida.  

Parece que escutamos as palavras proféticas de Bertold Brecht: “Dos rios dizemos violentos, mas não chamamos violentas as margens que o oprimem“. Dos humanistas “temos medo”, com sua “ode ao parto natural”, mas não temos pânico de ver uma cultura endeusar a tecnologia e desprezar a capacidade feminina de gestar e parir com segurança. A destruição sistemática de uma capacidade humana como o parir, e o desprezo pelas milenares habilidades de cuidar do parto humano, não causam medo em muitas pessoas, e a invasão tecnológica no parto, sem que ela ofereça melhorias na atenção, é saudada com o nome de “progresso”. Por favor, permitam que nos escandalizemos com isso. Escutem o que temos a dizer, antes de nos condenar por um ingênuo conceito de “fanatismo”.

Por outro lado, percebemos sempre, e de forma padronizada, o mesmo discurso, em qualquer lugar: “Eu fiz cesariana, não sou menos mãe por isso, e se não a tivesse feito teríamos morrido, eu e meu bebê”. Mesmo reconhecendo que essa frase pode estar correta (existem cesarianas que são realmente salvadoras) a sua multiplicação nas inúmeras vozes femininas, para muito além do que seria de se esperar, apenas nos demonstra que ela é usada para camuflar uma verdade que se esconde por detrás de tais palavras. Em verdade, poucas dessas cirurgias seriam justificáveis à luz da medicina baseada em evidências, mas quase todas as mulheres se agarram a esta explicação sobre a necessidade de suas cesarianas (muitas vezes cômica) como quem se agarra a um pedaço de madeira, depois do naufrágio. A explicação do médico cesarista parece, muitas vezes, o suporte para manter a autoestima quando ela parece querer afundar. Por isso é que eu acho compreensível a dor que se expressa com certa crueza nas palavras de mulheres que fizeram cesarianas e que suspeitam, mesmo que secretamente, que não havia, para elas, uma real necessidade.  

Para terminar, quero deixar claro que “retrógrado” é o discurso alienante de não discutir a invasão de corpos e mentes por uma ideologia que considera as mulheres inferiores, e seus corpos defectivos, anômalos e imperfeitos. Retrógrado é olhar para as cesarianas desmedidas, a mortalidade materna aumentada, a violência institucional praticada contra as gestantes e ficar em silêncio, apenas por uma promessa inconsciente de calar-se diante da violência que também sofreu, mas que teme confessar.  

Para melhorar o nascimento é necessário modificar o mundo ao redor, e o primeiro lugar a fazer isso é o interior de nossas mentes, pois que o nascimento, em verdade, é algo que ocorre “entre as orelhas”.

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