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O dilema dos pais

Escutei de um professor, num passado distante, a ideia de que, para produzir um filósofo, era necessário retirá-lo ainda criança, do conforto do afeto mais poderoso: a presença de um pai amoroso. Se entendemos que a filosofia surge do reconhecimento da falta e da noção da precariedade da existência humana, só será possível produzir boa filosofia quando o sujeito é jogado no vazio, obrigando-o a procurar sentido sem o amparo de um pai. A história nos demonstra que a perda precoce dessa figura foi um marco na história pessoal de grandes nomes desse ramo do conhecimento.

Todavia, quando perguntam aos pais o que pretendem que seus filhos sejam no futuro, muitos (até eu) respondem “espero que sejam felizes”, oferecendo a eles o que podem para terem segurança em seus anos mais frágeis e alegria como consequência. Ou seja, sonegam aos filhos o elemento essencial para a boa filosofia: o vazio, o “pathos”, o poço escuro do desamparo.

Esse é o dilema: ao tempo em que damos proteção e amor aos filhos, tentando garantir a eles uma estrutura emocional centrada no afeto, precisamos jogá-los na noite do mundo, no desamparo, na solidão e na frustração, para que seus músculos emocionais sejam fortalecidos e seus olhos da alma se adaptem ao escuro da vida. Transitar pela paternidade é caminhar sobre a fina lâmina da dúvida e da angústia, sem a certeza de ter feito o melhor para os filhos

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Tempestade

Infância é puro sofrimento e angústia. Eu sei o quanto isso irrita as pessoas, pois nossa tendência e crer que esta é a fase mais feliz das nossas vidas. Se formos analisar com cuidado, não é assim que a realidade se expressa. A felicidade só existe em nossa memória porque selecionamos ilhas de momentos felizes e apagamos o oceano de tristeza, depressão e angústia no qual toda as crianças mergulham pela própria estrutura psíquica que as compõe.

As crianças apenas suportam a infância porque enxergam na figura dos adultos – em especial dos pais – uma promessa de sobrevivência e redenção. “Se meus pais sobreviveram a estas explosões incessantes de emoções e o torvelinho de paixões conflitantes eu também poderei superá-las”. Faltam às criancas amortecedores afetivos para protegê-las das emoções intensas do processo de amadurecimento. Por isso, crescer significa perder a alegria fulgurante que só existe nos infantes, em troca de não sucumbir à tristeza massacrante que elas são obrigadas a sentir.

Marguerite Deschamps, “Après la Tempête”, (Depois da Tempestade), Ed. Daguerre, pág. 135

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Aos velhos

Meu conselho aos idosos:

Você está ficando velho como qualquer mortal; aceite numa boa. Não procure fingir, todo mundo está notando (até aqueles que dizem “mentira que já tens tudo isso!!”) Velhos são sobreviventes, portanto vencedores. Lembre que no longo prazo todos estaremos mortos e o importante da vida é viver o que há para ser vivido – seja bom ou não. Não estamos aqui pela felicidade, mas pela experiência. Sinta todos os sabores, aproveite todas as dores e não deixe escapar sequer as frustrações.

Faça dessa jornada a aventura que você merece viver. Em pouco tempo seu fulgurante vigor – que por tanto tempo lhe pareceu interminável – terá desaparecido. Um pouquinho mais e você será um nome numa lápide. Faça do tempo que lhe resta o melhor para todos à sua volta; esta é a melhor forma de imortalidade.

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Felicidade

A alegria explícita em um mundo que exalta a depressão é vista como uma forma de subversão ao modelo social. Ser feliz agride frontalmente um sistema baseado no consumo, porque é evidente que as pessoas felizes não tem buracos a preencher com coisas compradas. Toda a propaganda procura lhe tornar infeliz, mostrando o quanto a falta de objetos lhe diminui e oprime. Com isso poluímos a existência com bugigangas, penduricalhos, tralhas pesadas que carregamos com pesar e esforço. A felicidade, entendida como a disciplina dos desejos e a valorização dos afetos, é a forma mais efetiva de libertação espiritual, muito mais do que qualquer religião ou fortuna.

Agnes Edwiges Stanton, “A River for every Bridge”, Ed. Sampaoli, pag. 135

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Felicidade

No livro “The Village Effect” Susan Pinker nos fala sobre a importância dos relacionamentos para a saúde, a longevidade e a felicidade, e neste livro ela operacionaliza a questão dos afetos, mostrando que os relacionamentos – quando garantidos pela “vila” – podem oferecer às pessoas a possibilidade de uma vida produtiva e feliz. Porém, não é mais segredo para ninguém que pessoas felizes não são boas consumidoras; portanto, a felicidade e a plenitude não interessam ao sistema. Fácil entender: quem é pleno não buscará no consumo algo que lhe falta. Em verdade, ser explicitamente feliz em uma sociedade doente é a mais sofisticada forma de mobilização revolucionária.a.

Enquanto isso, a biomedicina contemporânea tecnocrática, ligada ao capitalismo e o neoliberalismo, desconsidera o quanto o estilo de vida pode modificar os padrões de saúde e bem-estar. Estudos existem por toda a parte para confirmar que a felicidade é algo que se produz de dentro para fora, mas continuamos acreditando que a solução das mazelas físicas e psíquicas dos sujeitos sociais se dá somente pela adição de drogas e intervenções cirúrgicas, cujos efeitos em médio e longo prazos são muitas vezes desconhecidos – ou reconhecidamente danosos.

Em verdade, a vida ocidental contemporânea vai na direção oposta das descobertas dos estudos sobre a felicidade e o bem-estar, desmerecendo o poder da solidariedade em nome de aquisições materiais fugazes e descartáveis. Desta forma, até que a sociedade acorde da sedação/sedução materialista da sociedade de consumo ainda teremos muita “miséria emocional glamurosa“, o culto ao dinheiro e a drogadição (legal e ilegal) como estímulos sociais para suportar uma vida de crescente infelicidade.

“Somos tão pobres que ao invés de criarmos riqueza criamos bilionários”, enquanto deixamos que as coisas sejam mais importantes que as amizades e o convívio.

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Lembranças

A Igreja do Cebrero, no município de Pedrafita, província de Lugo na Galícia

As pacientes costumavam me contar do seu passado assim: “Bahhh, naquela época eu andava muito louca”, ou diziam “Só agora estou conseguindo sair de um período muito triste”. Entretanto, também falavam coisas do tipo “sim, aquele foi o período mais feliz da minha vida, mas eu não tinha consciência disso”.

A análise que faziam era sempre pretérita, como se a felicidade ou alegria só pudessem ser analisadas na distância garantida pelo tempo. Hoje eu penso que o futebol “das onze à meia noite” com meu filho e seus amigos eram momentos de esfuziante alegria, assim como os almoços de domingo quando meus pais eram vivos, com filhos e netos pequenos a colorir os espaço da casa deles.

Mas, quando essas coisas aconteciam, a vida real e concreta obliterava a precisa avaliação do esplendor de cada um desses momentos. O mundo que passa diante dos nossos olhos nos dificulta avaliar a real dimensão dos acontecimentos. É como postar-se diante de uma montanha que de tão alta nos impede avistar seu cume, e só quando nos afastamos é que podemos ver seu verdadeiro tamanho. Quando fiz o Caminho de Santiago com minha filha e minha sobrinha tive breves “flashes” em que eu conseguia sentir o êxtase daquela aventura, tentando apreender o gozo feliz do futuro antes que ele se tornasse memória.

Quisera guardar para sempre a emoção das crianças que tiram de cada momento a total emoção que lhe cabe. Queria voltar o tempo, sentar à mesa na casa da minha mãe e perguntar ao meu pai da vida e do mundo. Queria jogar bola com a garotada e sentir o prazer dos gols e das vitórias. Queria de novo caminhar livre pela Meseta contando os passos para chegar no Cebrero e depois em Santiago. Agora, só me resta viver cada um desses momentos na lembrança.

Mas sei que a vida é sopro e que os dias tristes e frios que se aproximam poderão se aquecer nas memórias felizes e assim afastar a inevitável tristeza destes tempos vindouros de sombra e despedida.

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Casamento

Na verdade eu acho que ainda é arriscado colocar “amor” e “casamento” na mesma frase quando estamos olhando para figuras da história. Essas instituições milenares não podem ser analisadas pelo prisma do “amor”, e por isso acredito ser justo colocar esta palavra entre aspas quando ela é analisada na perspectiva do tempo. Relações amorosas a unir as pessoas são um acontecimento recentíssimo na história da humanidade, algo de poucas gerações apenas.

Aliás, o casamento enquanto estrutura social sempre foi bastante estável, mas o grande responsável pela sua destruição foi o próprio amor. Enquanto o amor era dedicado a outras coisas – filhos, por exemplo – o casamento enquanto instituição estava a salvo. Foi sua entrada na equação dos encontros sociais o deflagrador da sua ruína, o desmanche do sólido castelo construído desde o início do patriarcado.

O amor e suas consequências significam a destruição dos casamentos. Se estabilidade social fosse um objetivo a buscar ele deveria ter se mantido na forma protocolar e insípida como foi 99% do tempo em que vivemos na terra.

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Tristeza

Quem acredita nessas ideias deve pensar que ninguém se suicida em Paris ou São Petersburgo. Talvez ache que estar deprimido numa favela ou trancado num quarto em Dubai faz alguma diferença (desde que tenha as necessidades básicas supridas). Não romantizem a pobreza, mas também não idealizem a riqueza, acreditando que a posse de bugigangas possa livrar alguém de tormentos e sofrimentos psíquicos.

Quem já sofreu desse mal, ou já teve alguém ao lado sofrendo de depressão, pôde perceber que a sedução das alegrias externas não os afeta. Quem diz que curaria sua depressão com uma visita ao shopping, uma viagem à Europa ou uma casa melhor não está deprimido; está apenas sofrendo de capitalismo.

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Dinheiro e Felicidade

Dinheiro realmente não compra felicidade, mas via de regra precisa ter muito dinheiro para perceber isso. Que o digam os ricos que se suicidam e destroem a sua vida tão logo se enchem de dinheiro. Gosto da frase que diz “Ele era tão miserável que não possuía nada além de dinheiro”. Freud deixava claro que a felicidade é a realização de um desejo infantil e para as crianças o dinheiro não existe. Portanto, não há como ser feliz acumulando-o, pois que eles nada significam para elas. Todas as queixas se baseiam em uma série de frustrações que ocorrem pela falta de condições econômicas, sem reconhecer que, uma vez que estas sejam eliminadas, outras chegam para ocupar seu lugar.

As necessidades são limitadas, enquanto os desejos são infinitos. Por necessidades entendemos aquilo que nos mantém vivos e funcionais: comer, beber, dormir, ter abrigo, receber afeto. Comprar um carro, uma casa maior ou roupas melhores não são necessidades, mas desejos, e estes são como as múltiplas cabeças da Hidra de Lerna da mitologia grega; para cada cabeça destruída com o consumo, outras duas aparecem em seu lugar.

Por outro lado, afirmar que o dinheiro não traz a felicidade não significa uma elegia à pobreza. Pelo contrário, apenas deixa claro que todo aquele que procura dinheiro com o claro objetivo de se tornar feliz estará trilhando uma rota de inequívoca frustração.

Aliás, na percepção de Freud, o nome que damos a realização de uma fantasia é “pesadelo”. Todavia, a abundância e a satisfação dos desejos não deve ser considerado algo maligno ou perverso em si, e nem deve ser tratado como tal, porém é extremamente perigoso acreditar que o acesso aos bens de gozo material pode produzir em alguém a almejada felicidade.

Talvez o mais sábio seja mesmo ser feliz com tudo o que a vida oferece gratuitamente.

(Pervert’s Guide to Cinema, Slavoj Zizek fala sobre Vertigo – “Um Corpo que Cai”)

https://youtu.be/8Deq_fKWQ7w

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Faturas

As vezes penso que as alegrias que a vida oferece nada mais são do que adiantamentos da Deusa Álea – a divindade das incertezas – com a garantia de uma futura cobrança, em um jogo de soma zero onde para cada felicidade momentânea conquistada surgiria no futuro uma fatura a pagar com juros de tristeza, dor e decepção.

Por isso a culpa; por isto nenhum gozo é livre. Um freio que se puxa diante do sorriso dos miúdos, do convívio, no compartilhar, na imensa fortuna de assistir uma criança abrindo os olhos ao mundo, enquanto você, ali ao lado, assiste os milagres brotando diante dos seus olhos incrédulos.

E depois o medo e a tristeza de lembrar que a conta tem de fechar, que esta dívida precisa ser paga, zerada, e que é preciso a dor, a miséria e a penitência caso queira sorver da vida o que ela pode lhe dar.

A culpa pelo prazer é dos maiores fardos. Livrar -se desse peso é uma tarefa estupenda, cujo esforço por vezes ocupa uma vida inteira.

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