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Escândalos

Muita gente está sendo perseguida e chantageada devido a vazamentos de vídeos íntimos. Qualquer um munido de um celular e uma deficiência de caráter pode transformar momentos privados em formas de chantagem e/ou promoção. Agora é a vez de Glenn Greenwald, advogado e jornalista politico americano, judeu anti-sionista e autor da peça acusatória jornalística que veio a se chamar “Vaza Jato”. Esta semana noticiou-se que ele teve sua privacidade exposta por meio de um vídeo que circula no submundo da Internet. No meu entender, nada pode haver de muito chocante sobre a expressão sexual desses personagens; afinal, são todos são maiores de idade, portanto, adultos. Bem sabemos o quanto carregamos de fantasias, as quais guardamos num cantinho escondido da nossa gaveta de desejos; publicá-las, apenas mostra que somos inexoravelmente humanos. Entretanto, não me agrada ver estes personagens expostos a constrangimentos, e ainda me revolta saber que possam ser calados ou pressionados por isso.

Minha esperança é que chegará um tempo em que haverá uma total saturação com esse tipo de “escândalo de intimidade”. A partir de então, esse tipo de ameaça não poderá gerar mais nenhum tipo de pressão e nenhum constrangimento. O público, farto desse sensacionalismo tosco e vazio, vai simplesmente ignorar fotos, vídeos e circunstâncias pessoais de artistas, políticos, ativistas e jornalistas. O respeito à privacidade surgirá pela ineficiência das artimanhas para devassá-la. Glenn, a propósito desse fato, deixou bem claro que “não se envergonha” do que fez, o que me parece justo e maduro.

Por fim, mostrar a vida sexual das pessoas prova o quê? Que se divertem? Que fazem sexo? Que suas fantasias são múltiplas, variadas, pessoais e por vezes estranhas? Muitas dessas exposições – e as críticas sobre elas – parecem, acima de tudo, pura projeção: “vejam, não sou eu o pervertido; são eles”. Ora, faz parte da alma humana mergulhar nesses comportamentos; nada mais infantil do que a sexualidade humana, nada mais poderoso do que perder-se em fantasias. Como bem dizia o mestre Nelson Rodrigues: “Se cada um soubesse o que o outro faz entre quatro paredes, ninguém se cumprimentava”, e como quero saudar a todos que ajudam na construção de um novo mundo, prefiro não saber das intimidades de ninguém. Aliás, também é dele a frase “Por trás de todo paladino da moral vive um canalha”, o que deve descrever perfeitamente aqueles que agora apontam o dedo para Glenn.

De resto, espero que Glenn não se deixe abater por este tipo de violência. Sim, porque mesmo que não haja nada de vexatório nas imagens, esta exposição nada mais é do que uma violação de seu sagrado direito à privacidade de seus atos. Glenn Greenwald tem demonstrado uma coragem inquebrantável ao atacar não apenas a direita mais histérica, mas também os setores da esquerda liberal que ainda acreditam na “censura do bem”, guiados pela crença ingênua de que as sociedades podem progredir sem que haja liberdade irrestrita de opinião e manifestação.

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Imprensa

Eu costumava escutar rádio pela manhã, ao dirigir para o consultório. Sempre ligava num programa de informação e entrevistas de uma estação filiada à Globo da minha cidade. Em uma dessas manhãs, próximo do impeachment da presidente Dilma, o programa matutino entrevistou o então promotor do MP Federal Deltan Dalanhol, que naquele momento desfrutava a condição de celebridade, e estava no auge da fama. Acumulava palestras e viagens, inclusive nos mais importantes “talk shows” da TV brasileira. Logo após a entrevista, que descrevia com entusiasmo mais uma das operações midiáticas da Lava Jato, o âncora da estação de rádio fez uma declaração apaixonada para o “garoto de bochechas rosadas”, deixando clara sua admiração pelo “grande brasileiro” que estava acabando com a corrupção e os corruptos, colocando a impunidade dos poderosos em nocaute. Nada poderia ser mais explícito do que a admiração daquele jornalista ao justiceiro da Lava Jato.

No horário do almoço, no intervalo das consultas, eu escutava o programa mais longevo do rádio do meu estado: o Sala de Redação, uma resenha de futebol, cotidiano e costumes que ocorre todos os dias de semana a partir das 13h há mais de 40 anos. No dia em que o ex-juiz Sérgio Moro assumiu o Ministério da Justiça o debate (sobre futebol) foi interrompido para transmitir seu discurso de posse. Quando ele terminou sua “elegia ao punitivismo”, o programa foi retomado com aplausos e elogios rasgados ao ex-juiz por parte de toda a bancada, tratando-o como um herói nacional, um ícone da justiça, que estava diante da chance de colocar seu nome na galeria de grandes personagens históricas da República. “Ele é a nossa grande esperança”, disseram alguns. Por “nossa” eles, por certo, falava em nome da classe média ressentida, aquela franja da população que sempre foi o suporte para o bolsonarismo.

Lembro com detalhes dessas datas porque estes foram os últimos programas de notícias e opinião que escutei no rádio. Deixei de ouvi-los ao notar que a imprensa estava totalmente cooptada, agindo em sintonia para dar apoio a um governo de absurdos, capturada pela propaganda anti-esquerda, anti-Lula e em ataque constante ao PT, que fechou os olhos durante vários anos para o despreparo de Bolsonaro, sua incompetência e sua desonestidade, assim como para os abusos evidentes do Ministério Público Federal e do juiz Sérgio Moro. A mesma imprensa que fez livros exaltando o juiz Moro e a Operação Lava-Jato e que jamais empreendeu uma mea-culpa, jamais se desculpou das mentiras e dos “canos de esgoto“, e que nunca realizou a necessária autocrítica sobre o desastre de sua cobertura jornalística, das jornadas de junho até a prisão de Lula.

Quando na noite de domingo de 9 de junho de 2019 foram divulgadas as provas do “hacker de Araraquara” – Walter Delgatti – inicialmente pelo Intercept na figura do seu antigo representante, o jornalista americano Glenn Greenwald, o Brasil parou. Daquele momento em diante os caçadores se tornaram caça, e o mundo de fantasias criado para elevar à condição de heróis nacionais um juiz parcial e procuradores alucinados do Ministério Público começou a se desmanchar como um castelo de areia com a chegada da maré alta. Essa foi a primeira etapa de um longo processo de desconstrução, e que agora joga os personagens Moro e Dalanhol no fundo do poço. Pessoalmente, senti alívio ao constatar que estivera certo o tempo todo, e que não errei ao abandonar a audiência das empresas do jornalismo corporativo que deram o suporte para os golpes em sucessão que se abateram sobre nosso país, jogando na lama sua credibilidade. Não sinto falta alguma da manipulação a que todos somos submetidos cotidianamente pelo jornalismo burguês e hoje posso dizer que perdi a confiança em qualquer empresa jornalística cujos compromissos com quem a financia impede a emergência da verdade. Jornalismo só existe se for livre; sem isso temos apenas propaganda e jogo de interesses travestidos de notícia.

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Iluminismo, onde andas?

Pessoal da humanização do nascimento que festeja censura do Estado sobre a livre manifestação de ideias ainda não percebeu que a censura quase sempre atinge os grupos marginalizados e quase nunca os poderosos. Para cada Monark atingido existem 10 parteiras urbanas que serão massacradas por censura ou impedidos de manifestar sua opinião sobre temas controversos. Quem pode garantir que, diante do poder de cercear “más ideias”, não seremos as próximas vítimas? Quem define o que é uma “ideia perigosa”? O congresso? Este STF? Ficaremos na mão deles de novo?

Glenn Greenwald – judeu e homossexual, pertencente a dois grupos historicamente vilipendiados – deixa clara nesta entrevista à Carta Capital a importância da livre expressão das ideias como uma conquista iluminista – e não um modernismo americano. Abrir mão dela, mesmo que eivado das melhores intenções, é oferecer ao Estado o direito e o poder de controlar o que é debatido em uma sociedade. A isto se chama censura, um medievalismo. Foi o próprio nazismo quem determinou censura sobre pensamentos divergentes tão logo chegou ao poder.

Mais ainda, Glenn explica que esses movimentos que obstruem a livre expressão, mesmo quando bem intencionados, são inúteis e contraproducentes. Tanto ele quanto Chomsky lutaram contra a transformação de homofobia e do racismo em crimes exatamente por ser esta uma medida inócua, sem efeito e sem benefício para as comunidades a quem desejava proteger. Estas leis no Brasil não deixaram o país menos homofóbico e menos racista, apenas mais falso e dissimulado.

Por mais duro que possa parecer, a liberdade ainda é o caminho mais seguro. Oferecer o poder de controlar a narrativa a sujeitos como Alexandre de Morais – um nazista típico – para combater ideias ruins é um erro que poderemos pagar muito caro. Aceitar o direito de organização pode ser algo difícil de engolir, mas ainda É o mais justo e mais correto.

Nesta entrevista de Glenn Greenwald à Carta Capital eu não gostei da atitude da entrevistadora, que parece achar válido que empresários usem o poder do Capital para calar a boca de quem faz perguntas incômodas e traz convidados que atrapalham seus negócios, mas de resto Glenn deixou bem clara sua posição.

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Cartinhas

Sem nenhuma surpresa a resposta de Alexandria Ocasio-Cortez às críticas que recebeu sobre sua performance na festa de milionários da qual participou (usando o vestido “Tax the Rich”) cumpriu o padrão identitário conhecido. Referiu-se aos críticos como “machistas e racistas que não suportam ver mulheres negras em posição de destaque”.

Ora, não há dúvida que o racismo e o machismo são problemas reais e urgentes em países que adotaram a escravidão como sistema durante séculos e que ainda mantém suas sociedades conectadas ao modelo patriarcal. Da mesma forma, é fácil perceber que o antissemitismo permanece na cultura ocidental como discurso segregacionista, tanto quanto a homofobia multiplica vítimas no mundo todo.

Entretanto, usar essas feridas sociais para blindar qualquer crítica aos membros desses grupos traz como consequência o desgaste da retórica, prejudicando aquelas pessoas que realmente sofrem discriminação e até morrem por estas práticas. Durante 70 anos as práticas genocidas de Israel foram respondidas pelos apoiadores dessa colônia com o “holocaust card” (vejam o discurso de Norman Finkelstein sobre essa prática). Hoje em dia, questionar as ações de representantes do mundo gay – como dizer que uma cantora trans desafina – é tratado como crime. Criticar um político negro, como Holiday, passa a ser racismo. Reclamar da ação de algumas mulheres, mesmo de esquerda, torna-se um ato “machista”, e assim por diante.

O resultado dessa prática é que hoje ninguém mais presta atenção numa acusação de antissemitismo porque esse termo foi usado durante tantos anos para acobertar os massacres palestinos que os verdadeiros antissemitas se sentem protegidos. O mau uso do termo – abusivo e oportunista – o transformou em palavra vazia. Gasto, inútil, sem poder algum. Quando você chama um garoto de 18 anos que fez duas partidas de futebol de qualidade de “craque” que palavra precisaria usar para se referir a Pelé, Zico, Sócrates ou Messi?

O mesmo acontece com a “defesa” encontrada por AOC para rechaçar seus críticos: partir para o contra-ataque puxando as cartinhas fáceis que rotulam os adversários de “racistas” e “machistas”. Só faltou o “You shall not pass!!!”, ou “Não passarão!!”.

A resposta de Glenn Greenwald a esta réplica de AOC foi brilhante. Ele, um judeu gay e de centro-esquerda, não deixou barato e afirmou que o uso dessas expressões e acusações aos críticos da sua atuação de forma oportunista prejudica as milhares de mulheres e negras do mundo inteiro que sofrem reais e inequívocos ataques por seu gênero e cor. Gastar estas acusações para se livrar de críticas justas à sua atuação política é uma ação criminosa, e as vítimas são as próprias mulheres negras que ela deveria defender.

PS: Já fui chamado de “machista” várias vezes por críticas que eu fiz a algumas mulheres. Não discuto a validade destas acusações, mas se você chama a mim e a um espancador de mulheres com a mesma palavra, algo está errado. E esse erro, que produz o desgaste da palavra, só beneficia os brutos e agressores. https://youtu.be/ZMQMPhnvb4g

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As desculpas dos reaças

Entrei no Facebook de alguns amigos ultra reaças e a tônica das manifestações é essa:

Sim, o Moro desrespeitou a lei, foi pego pelos ‘arapongas’, mas queriam o quê? Que ele fosse santinho? Que agisse dento do ‘livrinho’? Que deixasse a quadrilha do PT se livrar dessa?

No fundo sempre tiveram desprezo pela democracia, pelas leis e pelo Estado Democrático e Direito. Eles assumem publicamente que a postura de juiz não é adequada pra tigrada do Brasil. Aqui tem que meter o pé na porta e mandar o código de processo penal às favas. Eles admiram um Zorro, um Batman, um justiceiro acima das leis; ou um Torquemada. Alguém que não precise do devido processo, do contraditório e – acima de tudo – de provas que ameacem suas convicções e sua visão particular de moral.

A condenação de Lula é exatamente isso: “Que se lixem as provas. Não aceitamos esse nordestino nos governando. Não queremos equidade, justiça social e pretinhos no aeroporto – que mais parecem rodoviárias. Queremos nosso país de volta!!!

Moro é o espelho de uma classe média imoral e corrupta, ignorante e autoitária. Aliás, nada distante do presidente bestial que temos.

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