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Julgamentos

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Os julgamentos feitos sobre mulheres que pedem auxílio farmacológico para o alívio de suas dores em nada ajudam esta mulher – ou  a humanização do parto – mas fazem parte do processo de amadurecimento de um movimento social. Tais críticas surgem da necessidade de estabelecer valores sólidos através da radicalização.  Abandonar, ou simplesmente questionar, tais pontos é tratado como um sinal de fraqueza. Só o tempo permite suavizar estas posturas e oferecer um melhor entendimento. Abandonar radicalismos é demonstração de fortalecimento de uma ideia. Os dogmas nada mais são do que muletas ideológicas.

O parto é uma construção subjetiva e que se inicia na primeira infância.  É ali que são firmados seus alicerces, numa época onde ainda não há o trânsito das palavras. Portanto, os medos, as tensões e as percepções dolorosas no processo de parir estarão subjugados a estas estruturas psíquicas muito precoces.

Quando eu imaginei qual seria a definição mais completa e sucinta para o nascente movimento de humanização eu desenhei na minha frente um triângulo em que nos vértices de baixo se encontravam a “visão interdisciplinar” e a “medicina baseada em evidências“. Estes são os elementos formais e técnicos desta filosofia. Entretanto no vértice de cima eu coloquei o “Protagonismo garantido à mulher” como o elemento estruturante e fundamental, sem o qual nenhum dos outros se sustenta. Garantir o comando à mulher é o vértice ÉTICO do movimento de humanização, o qual jamais podemos abrir mão, sob pena de desfigurar completamente o valor libertário essencial desta proposta.

Julgar quem solicita um recurso de alívio para o furacão físico e psíquico de um nascimento, seja pela analgesia ou mesmo por uma cesariana, é um ato que contraria toda a filosofia da humanização do nascimento, a qual preconiza que o parto é um evento único e subjetivo no qual somente quem sofre sua dor e seu gozo pode entendê-lo por completo.

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Judiciário

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“Enquanto o judiciário continuar com seus mitos e preconceitos contra o parto normal, agindo embasado na mitologia da transcendência tecnológica, acreditando na “cesariana salvadora”, aceitando qualquer intervenção como “natural” e necessária, e todo respeito à fisiologia como “risco”, será difícil seduzir os médicos a adotarem uma postura mais serena e embasada em evidências. Sem uma modernização do pensamento jurídico será muito mais lento qualquer progresso na atenção ao parto. Por isso mesmo os “Cursos de Violência Obstétrica” para a área jurídica são tão importantes.”

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A Cesariana da Celebridade

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Mais um pouquinho sobre as críticas à cesariana da cantora Sandy…

Bem… Muitas ativistas exageram mesmo, mas isso é normal quando se luta por ideias. Eu já sofri na carne o ataque de algumas pessoas por ter uma postura mais aberta nas questões feministas, mas entendo que seja normal o exagero diante da barbárie da condição da mulher. Como diria John Lennon, “A mulher é o negro do mundo”. Como não perder o rumo diante de tanta energia para a mudança? A injustiça, mesmo condenável, tem um sentido, que é a transformação social. Mas essa energia precisa ser domada e controlada, para que não sirva de armamento contra pessoas que fazem suas escolhas, certas ou não.

Mas a proposta de não atacar as escolhas das “celebridades” me parece adequada. Acusar as mulheres que fazem cesarianas é continuar a agredir a vítima, e isso não podemos admitir.

A escolha pela cesariana é triste, mas é uma escolha como tantas outras que fazemos na vida. Mulheres que “escolhem” cesarianas sofrem do que eu chamei anteriormente de “violência ideológica”. O mesmo tipo de violência silenciosa que fazia as chinesas esmagarem seus pés para deixá-los pequeninos e delicados. O mesmo tipo de agressão ideológica que faz mulheres escolherem cesarianas por acreditarem que elas são “limpas, civilizadas, indolores e seguras”. Também se expressa na pressão que as meninas sofrem para ter um corpo magro e perfeito, até que a anorexia as conquiste. É também aquela usada contra mulheres que optam pelo parto normal. De longe parece mesmo que estas mulheres fizeram escolhas: malhar, comer pouco, esmagar seus pés ou abrir o ventre para extirpar um bebê, mas quão livres terão sido elas? Que tipo de pressão foi exercida para que elas tomassem estas decisões? Que carga tiveram elas que suportar – psicológica, emocional, física – para optar por um caminho com a qual não concordamos? Afinal, quem atira esta pedra?

É o que penso: que tipo de forças houve em cada caso de cesariana a ponto de fazer uma mulher esquecer sua escolha anterior pelo parto normal e refugiar-se na cirurgia? Culpá-la por ter sucumbido a estas pressões não é justo. Precisamos cultivar uma postura compreensiva, onde o parto será exposto como uma forma segura, tranquila e bonita de parir, mas jamais um modelo imposto por um grupo fechado em sua ideologia. Para isso já temos os cesaristas…

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Ativismo e Julgamentos

cabo de guerra

É impossível exercer ativismo sem parecer estar julgando. Quando comecei a falar sobre partos humanizados, partos em paz, partos com prazer, amamentação por livre demanda e autonomia para as gestantes fazerem escolhas informadas muitas mulheres se sentiam atingidas pela força das minhas palavras. Qualquer elogio à uma mulher que havia parido livremente parecia ser uma ofensa àquelas que haviam optado pela cesariana, ou mesmo que haviam realizado uma com indicações dúbias. Falar da alegria e da suavidade de parir parecia – apesar do paradoxo – algo rude e insensível.

Não culpo as mulheres que se sentiram atingidas por estas descrições de parto. Escutar tais relatos parece ofensivo; é como relatar a nossa felicidade diante de alguém que sofre. Entretanto, se é importante manter a chama de paixão sobre estes temas, pois que eles nos falam de nossa vinculação mais profunda e perene com a vida, há também que se cuidar dos interlocutores, os quais podem se ferir com as nossas palavras, mesmo quando repletas de esperança e otimismo.

Aprendi errando, sem dúvida. Entretanto, entender a visão diferente que as mulheres podem ter do próprio corpo e seus partos é fundamental, assim como compreender os diferentes estágios de percepção que temos diante de um determinado problema. Algumas pessoas podem discordar à primeira vista dos pressupostos da humanização do nascimento, ou do combate ao consumismo infantil, da alimentação saudável e tantas outras questões, mas podem mudar sua ideia de acordo com o amadurecimento de suas concepções. Propostas como estas, que atingem valores muito profundos de uma cultura, não podem ser impostas; precisam ser cozidas em fogo lento, vagarosamente, com a chama das evidências. Por isso é que elas precisam ser necessariamente vagarosas, para que possam ser efetivamente assimiladas.

Nunca abandone teus sonhos, tuas lutas e tua dedicação a estas causas, e continue com esta postura de acolher a todas que porventura quiserem aprender com tua experiência. Auxiliar sem julgar, oferecendo a mão a quem desejar, é o centro de qualquer proposta de sociedade digna e justa, que entende e estimula a diversidade.

Qualquer postura radical e que não respeita a visão discordante do outro tende a produzir uma atitude defensiva dos oponentes. O que me parece mais sensato é cultivar a paciência e aguardar o amadurecimento, mesmo que demorado. Aliás, é assim que educamos crianças: com paciência, amor, carinho e a inevitável paixão, que deve permear todas as relações humanas.

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Mãe boa, boa mãe

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A nova edição do BBB terá uma “stripper” que também é mãe de um bebê de 1 ano de idade. Quando foi divulgado que ela ficaria “confinada” na Casa alguns ativistas da amamentação questionaram se ela poderia ser considerada uma “mãe boa” deixando seu bebê longe da sua presença e também sonegando-lhe a possibilidade de ser amamentado. Quanto a estas questões, tenho algumas ponderações.

Brincadeiras a parte, concordo que uma pessoa pode ser avaliada de diversas formas, de acordo com o aspecto que queremos ressaltar. Entretanto, escolher um critério apenas para qualificá-la é injusto e certamente cruel. Eu tive a melhor mãe do mundo mas ela não amamentou nenhum dos seus filhos. Naquela época isso era “feio”, inferior e anticientífico. O correto, o que era estimulado, o que era propagado… era a alimentação por fórmula. Eu e meus irmãos fomos alimentados artificialmente. Minha mãe foi vítima do seu tempo, dos valores que a cercavam e das ideias que naquela época circulavam.

Freud usava regularmente cocaína para se distrair; John Lennon marijuana. Jung transou com pacientes histéricas. Nietzsche era maníaco e neurótico. Sócrates se opunha à democracia. Oscar Wilde, tinha uma vida sexual dupla. Ferdinand Celine era simpático ao nacional socialismo, Heidegger igualmente. Seriam todos degenerados, patifes, perversos? Ou apenas seres humanos com virtudes, defeitos e genialidades inquestionáveis?

Os valores são dos homens e mulheres; os defeitos são de seu tempo.

Julgar “não amamentadoras” é muito mais ruim para o movimento da amamentação do que para aquelas que por alguma razão (escolha ou impossibilidade) não puderam dar seu leite aos filhos. Precisamos trazer para o movimento da amamentação o mesmo debate que propomos para a humanização do nascimento: a “AGENDA POSITIVA”.

Reconheço a importância dos esforços pela amamentação que estão ocorrendo no Brasil, a força das ONGs de proteção ao aleitamento livre, público e irrestrito, a importância de levar adiante as queixas de constrangimentos às mulheres que amamentam e a premência de ESCUTAR as mulheres, para que as suas vozes sejam levadas em consideração e não caiam no vazio. Chega de machismo disfarçado de “decência”; somos contra a moral dúbia que sonega amamentação livre e permite a pornografia desenfreada em todos os meios de comunicação. Naturalizar o corpo não é o mesmo que comercializá-lo livremente para o lucro dos que vivem do escândalo e da futilidade.

Por outro lado, não podemos perder tempo apontando dedos, mostrando o “lado negro da força”. Raio Laser e muita luz para todos!! Precisamos ressaltar a impor\tância da amamentação, e não os malefícios do desmame. Precisamos elevar a mãe que amamenta a um patamar superior na sociedade, mas não podemos perder tempo desmerecendo aquelas que assim não puderam proceder.

Precisamos caminhar em direção à luz, e deixar as trevas de lado.

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Cesariana “Humanizada”

O problema de expressões como “cesariana humanizada” ocorre porque existe um conceito no mundo da humanização do nascimento de que tal procedimento cirúrgico não pode ser chamado de “humanizado”, pois lhe falta um elemento essencial na humanização: o protagonismo. Sem o resgate do protagonismo nunca haverá verdadeira humanização. Portanto uma cesariana pode ser “humana”, gentil, digna e respeitosa, mas jamais “humanizada”, pois carece do elemento mais fundamental para contemplar essa definição. Não existe “apendicectomia humanizada”, “histerectomia humanizada”, ou qualquer cirurgia que mereça esse epíteto, pois o protagonismo será sempre do médico, e jamais da paciente. Numa cesariana a mesma coisa. Cesariana é cirurgia obstétrica, não é parto; portanto é um procedimento técnico, regido por protocolos médicos, e nesse contexto as mulheres são necessariamente passivas. O parto, pelo contrário, é ativo. É algo que a mulher faz, e não ao qual é submetida. Somente aí poderão aparecer os elementos constitutivos e definidores da humanização: o protagonismo, a visão integrativa – que inclui os aspectos biológicos, psíquicos, socais, emocionais e espirituais – e a firme vinculação com a medicina baseada em evidências.

Hoje em dia eu acredito que o ativismo só tem sentido quando está focado no bem estar subjetivo daqueles que procuram assistência. Até a biblioteca Cochrane se vacinou contra esse tipo de essencialismo obliterante e homogeneizante ao difundir a Medicina Baseada em Evidências. Creio também que nossas convicções, por mais adequadas e humanistas que sejam, não podem solapar a individualidade. Sou um defensor da liberdade, e acredito mesmo que o individualismo – mesmo com sua tendência egocêntrica – é o único anteparo que temos à barbárie. Com a ideia onipresente de que cada mulher é diferente da outra fica impossível dizer “eu jamais faria isso“. No que concerne a um evento tão complexo como o parto, é injusto condenar mulheres que optam por uma cesariana “sem andar 100 km calçando seus mocassins“, assim como não é adequado julgar um médico que, por alguma razão bem específica realizou uma cesariana a pedido, sem indicações clínicas evidentes. Se isso não nos autoriza a realizar cesarianas à rodo, pelo menos nos mostra que existem exceções, e que algumas vezes elas podem ser justificadas.

A multiplicidade das circunstâncias e a infinidade incontável de histórias constitutivas do sujeito fazem do parto um evento absolutamente único, vinculado às formas mais primitivas de organização psíquica. O nascimento conjuga no mesmo evento morte, vida e sexualidade, no dizer de Holly Richards. Como imaginar, então, que sua manifestação não seja repleta de dilemas únicos e de profunda complexidade? Portanto, a partir do momento em que aceitamos a visão complexa e subjetiva do fenômeno humano, expresso no nascimento, as posturas “fechadas” como “eu sempre” ou “eu nunca” acabam se tornando slogans do passado, anacrônicos, que apenas nos lembram dos ímpetos da juventude, mas que necessitam da  sabedoria que vem com o amadurecimento.

Mesmo que não compactuemos com a barbárie das cesarianas desmedidas, isso não pode significar abandonar as pessoas em função de suas escolhas. Podemos condenar as cesarianas sem indicação clínica, mas não as pessoas que, movidas por traumas, sofrimentos passados ou até desinformação, fazem escolhas que nos parecem inadequadas. Nosso compromisso é em primeiro lugar com aqueles que precisam de nossa ajuda, e em segundo lugar com nossos ideais. Todavia, isso não significa abrir mão da radicalidade de nossas propostas, que se direcionam ao bem estar, à segurança, à liberdade e à autonomia de nossos pacientes. Nada disso; tal posicionamento reforça a ideia de que não nos cabe julgar as motivações recônditas que determinam as escolhas que nossos pacientes fazem. Quando defendemos o arrefecimento das posturas radicais, não o fazemos pela desistência aos ideais. Pelo contrário: é para que os mesmos sonhos não se dissolvam no calor da arrogância ou na insensatez dos extremismos. Todas as ideias renovadoras na humanidade precisam ser bafejadas pela visão humanista, que coloca o Homem como centro de nossas ações. Nossa luta por partos humanizados só pode ter sentido se nos lembrarmos constantemente de que as ideias de nada valem sem as pessoas.    

E só pode ser para elas, em sua característica única, a nossa atenção.

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