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Tempo

Esta é uma verdade cristalina. Nas cinco gerações que tive contato, desde os meus avós até os meus netos, o envolvimento dos pais (homens) na gestação, parto, educação, tarefas, aconselhamento etc. é muito maior agora do que já foi outrora. Meu pai jamais pensou em auxiliar no parto dos filhos, nunca conferia boletins da escola e tinha um contato conosco muito mais restrito. Sua função era de provedor e, na velhice, conselheiro. Eu já fui um pai um pouco mais presente, mas com um papel muito menor do que meu filho e meu genro desempenham na vida dos meus netos. Por certo que falo de um recorte de classe média mas, guardadas as proporções, não há porque essa novidade não se expressar também nas classes baixas e altas. Esse é um fenômeno muito novo na cultura, mas uma tendência sem volta.

Meu pai costumava achar engraçado quando eu falava que os casais iam juntos à consulta de pré-Natal. Para ele isso era uma novidade chocante. “O que um homem tem a ver com essas coisas?”. dizia. Para ele a presença do pai nas consultas e no parto só poderia atrapalhar. Ele me contou que só se preocupava que o seu carro (um DKW) tivesse gasolina suficiente para ir ao hospital quando chegassem as dores. O cuidado com os filhos não era uma tarefa dos homens; eles não poderiam deixar de lado a missão de construir e controlar a civilização para cuidar, alimentar e educar de gente miúda. Já os homens de hoje são muito mais presentes e participativos nas tarefas domésticas e no cuidado de crianças, mesmo as muito pequenas. Fui testemunha disso nas histórias contadas dos pacientes mas também com o que vivenciei na minha casa, comparando com o que testemunhei nas gerações passadas. Por certo que o envolvimento masculino de hoje não é o ideal – até porque jamais será o suficiente, como bem o sabemos – mas não se pode comparar o nível de atuação dos pais atuais ao lado dos filhos com o papel da paternagem que vi a partir dos anos 60.

A realidade contemporânea que hoje temos, quando pela primeira vez vemos os pais (homens) sendo uma fonte de afeto (e não apenas recursos e limites) para seus filhos, é uma novidade no mundo ocidental e, na minha modesta opinião, eles estão se saindo muito bem nesta nova tarefa, mesmo sabendo da dificuldade que a nova distribuição de funções imprime na dinâmica social. Isso se expressa inclusive no número cada vez maior de filhos que optam em morar com o pai depois de uma separação, algo que não existia na minha infância. De qualquer forma é um período de grande aprendizado para os novos pais, e de grandes transformações para o nosso conceito de paternidade.

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Parentalidade

A maternidade perfeita e a paternidade idealizada são fontes inesgotáveis de frustração. Durante 30 anos vi mulheres que se achavam as “Rainhas do Ninho” chorando copiosamente pela quebra de expectativas ilusórias com o nascimento de uma criança.

Também os pais sofriam pela incapacidade de lidar com todas as surpresas e crises inesperadas surgidas no puerpério e com as expectativas colocadas sobre eles por um mundo que já não aceita sua distância de tarefas que só recentemente estão assumindo.

Dar suporte a estes personagens – pais e mães – é garantir a eles apoio nessa tarefa complexa da parentalidade, mas também aos bebês, lhes oferecendo uma perspectiva de crescimento mais harmoniosa.

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Não existência

Para uma criança, ser ignorada por sua mãe é a maior violência possível. Em seu mundo pequeno, onde o amor da mãe é a luz que lhe garante a vida, esse silêncio pode ser destruidor. Eu lembro do castigo mas grave usado em uma tribo africana que se resumia a ignorar peremptoriamente o condenado. Ninguém podia se referir a ele ou mesmo reconhecer sua existência. Segundo os pesquisadores nenhum condenado aguentava mais de 6 meses. Todos definhavam e morriam.

Acho que é exatamente que isso ocorre com as crianças quando são ignoradas por suas mães. Algumas não se matam apenas porque não saberiam como fazer

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A Criação das Avós

Existem muitas teorias para explicar a existência da menopausa. Afinal, essa é uma dúvida válida: por que poderiam os homens manter sua capacidade reprodutiva até o fim da vida enquanto as mulheres a teriam até meados da sexta década? Por que oferecer aos homens uma possibilidade maior de disseminar seus genes do que às mulheres? Por que algo tão caro à vida como a reprodução é abruptamente interrompido nas fêmeas humanas – mas não nos machos?

A melhor resposta que eu conheço se chama “fator avó”, que conheci pela primeira vez no livro “Birth” da paleoantropóloga americana Wenda Trevathan. Esse processo de “produção de avós” supõe que as mulheres entram na menopausa para, liberadas do peso das próprias gestações e maternagens, poderem se dedicar à sobrevivência dos seus netos e, assim, da própria comunidade onde estão inseridas. Como esse cuidado era uma tarefa quase exclusiva das mulheres, interromper sua capacidade reprodutiva facilitaria esta nova função social, deixando-as livres dos cuidados com seus próprios filhos para dedicarem-se à geração seguinte.

(revi)Vendo a ação das avós nos cuidados intensivo junto aos netos – e de forma muito próxima – pude perceber com clareza como esta tarefa é complexa, estafante e só pode ser realizada com uma quantidade enorme de habilidades e capacidades adquiridas por aprendizado não formal, que as mulheres aprendem no transcurso de suas vidas e pelas suas próprias experiências prévias como mães, tias, irmãs e filhas. A quantidade de informações, ideias, saberes e conhecimentos de várias áreas (puericultura, amamentação, nutrição, psicologia, suporte emocional, etc.) é vasto e impressionante, e não poderia ser diferente, já que se debruça sobre habilidades que garantem sobrevivência de seres tão frágeis quanto os recém-nascidos.

Testemunhando a riqueza dessa relação avó-bebê é possível, com um pouco de imaginação, entender que a presença de uma avó ajudando no cuidado dos netos pode significar a diferença entre a vida e a morte em contextos de miséria, guerra, fome aguda, desastres naturais, etc. Se o surgimento da menopausa realmente ocorreu para a criação de avós, essa passagem na história pessoal das mulheres precisa ser valorizada, ritualizada e homenageada, pois é uma das estratégias mais eficientes de sobrevivência produzida pela cultura humana.

Às vovós todo o meu respeito e minha reverência. Quem ainda tem a bênção de ter avós ao seu lado, pense nelas com carinho e reconheça o quanto foram – e são – fundamentais na sua vida.

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Sobre mandatos coletivos

A detentora desse mandato aparentemente deu um gigantesco tiro no pé. Anotem. Esta atitude pode pavimentar o caminho para a extinção dessa modalidade. Afinal, quem pode aceitar “puxar votos” para uma candidatura coletiva correndo o risco de ser expulsa posteriormente por uma canetada causada por discordâncias de ênfase? Quem se arriscaria a colocar sua representatividade fora por meras antipatias ou brigas intestinas?

Um mandato coletivo tem outra dinâmica, outra ideia, outra proposta. A pessoa defenestrada pelo “Mandata” era co-deputada, e não assessora!!! Essa é a imagem vendida para todos na eleição. Nunca foi dito que aquela que encabeçava a candidatura era a deputada e as outras suas auxiliares, mas que se tratava de um MANDATO COLETIVO!!! Por isso é que muitas pessoas votaram nessa candidatura: para dar poder à cada uma das participantes e às suas propostas – assim como para as outras.

Esse é o ponto central, o que que me fez pensar ainda mais sobre o tema: o cancelamento de uma co-deputada cancela ao mesmo tempo um número enorme de MÃES que se viam representadas pelo seu discurso e pela sua luta contra a violência obstétrica. Quem vai solucionar essa falta e esse buraco representativo?

Repito a pergunta: quem vai aceitar, a partir de agora, a posição de mero “puxador de votos” de uma candidatura pela qual não terá NENHUMA ingerência e de onde poderá ser demitida sumariamente pela detentora do cargo, sem precisar dar qualquer explicação? Quem votará em uma co-deputada que defende suas ideias ou sua identidade sabendo que o seu voto pode ser jogado no lixo por uma canetada autoritária?

Por outro lado, é saudável ver um projeto autoritário ser exposto publicamente.

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Monogamia

Eu sou do tempo em que virgindade era um valor social. Caiu estrondosamente sem deixar vestígios. Por isso mesmo acredito nessa dinâmica e na ação do tempo sobre mitos e tabus. A monogamia é um passo mais longo e talvez sua queda leve mais tempo. Quem viver verá…

Entretanto, restará ainda o cuidado com as crianças, que demanda esforço conjunto. Eu vivi desde a minha infância a descoberta da paternidade e dos cuidados paternos. Escrevi sobre isso e desagradei algumas pessoas, mas é fato que os homens dessa geração são muito mais próximos dos seus filhos do que todas as gerações anteriores. Quando comparo os cuidados parentais do meu filho com aqueles oferecidos pelo meu pai e avô (e até por mim mesmo) existe um fosso gigantesco de proximidade, cumplicidade e cuidado direto com os filhos.

Assim, houve uma explosão do papel social masculino com os cuidados de bebês e crianças e um decréscimo inegável na importância da maternidade da vida das mulheres, a ponto de haver grupos que a rejeitam por completo. O que era o destino inexorável de todas elas passou a ser apenas uma de tantas vertentes de realização em suas vidas. Para os homens uma descoberta, para as mulheres uma libertação.

Se houve mudanças substantivas no terreno da “posse sobre corpos alheios”, e o questionamento contemporâneo sobre as relações “fechadas”, eu ainda fico reticente com os casamentos abertos onde há filhos para criar. “Abrir” para deixar mulheres (mais uma vez) desamparadas não me parece justo. Precisaremos criar uma nova instituição para isso, caso contrário os casamentos de coabitação e monogâmicos continuarão prevalecendo.

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Luz

“Minha mãe foi um Flamboyant, sua árvore preferida. Uma planta frondosa e gentil, cuja copa robusta e larga sempre ofereceu sombra e proteção aos seus. Teve uma vida nobre e digna e cumpriu sua missão com coragem e dedicação.”

Provavelmente tudo o que sei passou pelo filtro da minha mãe. Nada mais natural que uma mãe seja a tradutora mestra dos significados do mundo para seus filhos. Minhas recordações mais antigas se referem a ela explicando coisas simples e banais do dia-a-dia, como o rótulo de um produto na mesa ou o que estava escrito em um outdoor na rua.

Minha mãe foi um produto do seu tempo, mas também pareceu ter passado incólume por uma revolução cujos significados e consequências estamos longe de desvendar por completo. Ela era uma mulher muito feminina, delicada, bela, recatada e do lar e tinha uma profunda devoção à família e ao seu companheiro. Desde o momento em que se casou assumiu o cuidado de sua casa e a tarefa de zelar pelos seus filhos, como faziam as mulheres atingidas pela maternidade nos anos 60.

Hoje é fácil notar o estranhamento que causa uma mulher se definir como “recatada e do lar”. Em uma sociedade que cultua o individualismo o cuidado do lar significa o cuidado com o “outro”, portanto o “descuido” de si mesma. O recato, inserido em uma cultura de exaltação do sujeito, coloca o pudor como defeito grave, a timidez como doença e a simplicidade como anomalia, dignas de serem extirpadas por terapias ou drogas. Entretanto, havia algo na personalidade da minha mãe que me permitiu questionar valores desta cultura muito tempo depois de ter abandonado o calor reconfortante de suas asas. Minha mãe era uma “cuidadora”, na melhor acepção da palavra. Sua missão era cuidar de seus filhos e de seu marido, oferecendo a estes a melhor possibilidade de alçar voos mais grandiosos. Para ela nunca exigiu holofotes ou ribaltas; satisfazia-se com o brilho que conseguia vislumbrar naqueles a quem se dedicou.

Essa perspectiva de mundo foi muito importante para que eu pudesse entender algumas posições subjetivas que não são facilmente compreendidas em um mundo histérico e individualista. Muito cedo entendi que a função de um obstetra não deveria ser a de assumir o protagonismo dos nascimento. “Um obstetra não é aquele que brilha, mas o que reflete a luz que emana do nascimento“, já dizia meu amigo Max, com rara sabedoria. Não caberia a ele “fazer partos”, mas meramente estar ao lado, ajudar, auxiliar e cuidar – “ob stare“. Da mesma forma, não deveria ser esta a função das doulas, cuja ação reconfortante não permitiria brilhos, mas onde a doce presença infundiria confiança e tranquilidade.

Na homeopatia, ramo centenário da medicina, herdeiro das visões hipocráticas e vitalistas da arte de curar, o médico se situa na posição humilde de tradutor dos sintomas para sua posterior interpretação medicamentosa, mas sempre sabendo que a cura só se processa através do sujeito, sem o qual qualquer terapia é inútil e enganosa. Até mesmo a psicanálise – e seus silêncios – sugere a importância primordial de fugir da sedução inebriante da interpretação sagaz, relegando-se a uma condutora silenciosa da alma – um Caronte a levar à luz todo aquele que se aventura a encarar seu próprio inferno.

O exercício mais profundamente desgastante e tormentoso de qualquer sujeito é a supressão de seu Eu, já nos diziam as tradições milenares. Com minha mãe pude ver o sentido divino de diminuir sua luz para que ela não ofuscasse a dos demais. Com ela pude entender a importância de ser simples e reconhecer a grandeza de viver para exaltar a quem admiramos. Viver para os outros, para fazê-los felizes, também é um ato de grandeza e amor. Este foi o exemplo máximo que recebi de minha mãe. Siga em paz e obrigado….

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Mães

“Enquanto as Mães da Praça de Maio são um exemplo de cidadania e luta por justiça, nossas Mães da Praça do Rosário são um exemplo de intolerância e atraso. Que diferença.”

Ao ver as mães reacionárias fazendo passeata na frente do Rosário, escola da elite branca de Porto Alegre por que não me surpreendo?? “Mais cristianismo e menos doutrinação” dizia um dos cartazes. É essa elite branca alienada que merece ser varrida pela história.

“Marista sim, marxista não”. Tem como esse pessoal ser mais ridículo???

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