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Uma mentira bem contada

A prisão do jovem estudante Mahmoud Khalil, da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, é um exemplo clássico dos limites do liberalismo. Neste sistema, teoricamente, as pessoas são livres para escolher candidatos entre os partidos existentes, votando em representantes de acordo com seus valores e sua consciência. Além disso, exalta-se a ideia de que a liberdade de manifestação, expressão e organização política é um dos pilares que sustenta a democracia. Nos Estados Unidos você chama um policial de “filho da p*ta” olhando direto nos olhos dele, e se ele reclamar ainda poderá dizer: First ammendment, my dear. Free speech!!” (Primeira emenda, meu caro. Liberdade de expressão!!). Experimente fazer isso no Brasil sendo pobre. A plena liberdade, enquanto valor supremo, sempre foi um orgulho do povo americano, exaltado na literatura e no cinema. Em quantos filmes já ouvimos esta frase e suas variações quando alguém defende o direito de falar sua verdade: “Estamos em um país livre, amigo, não na Alemanha nazista”?

Entretanto, essa liberdade funciona muito bem quando não atinge a estrutura de sustentação, os pilares centrais da sociedade americana: o capitalismo, o imperialismo e a ditadura da burguesia. Para muitos, estes valores e esta perspectiva representam os “reais valores americanos”, que levam ao “modo americano de vida” (American way of life) e, portanto, não podem ser ameaçados. Desta forma, a liberdade de expressão é válida até para permitir marchas nazistas porque estas não ameaçam valores máximos (core values) da sociedade americana, mas se torna problemática quando uma crescente revolta popular com o patrocínio do governo americano ao genocídio em Gaza ameaça os poderes do Império.

Meu pai sempre me dizia que é fácil ser honesto quando não se tem competência suficiente para ser testado pela corrupção. Também é fácil ser simpático quando todos concordam com você. Assim como o teste da honestidade é dizer “não” ao roubo quando ele está ao seu alcance, o teste da liberdade de expressão é aceitar quando alguém fala aquilo que você discorda, não gosta ou diz algo que lhe ofende. A prisão de um jovem que protesta contra a matança de crianças na Palestina é o teste da importância que a primeira emenda realmente tem, e a mais rica nação do mundo parece ter falhado nessa prova.

As democracias ocidentais são governos de força, mesmo quando se vestem com as roupas da democracia. O poder econômico brutal, assim como o controle da mídia, produzem a manufatura de consensos, obrigando grandes massas a pensar de maneira uniforme sobre a organização política do país e suas atitudes com respeito à soberania de outras nações. A frase originalmente cunhada por Walter Lippmann em 1922, e o livro escrito por Edward Herman e Noam Chomsky, “Manufacturing Consent“, já nos alertavam da forma como a mídia se comporta como enorme máquina de propaganda dos interesses da burguesia.

Entretanto, a Internet veio mudar esse jogo e o acesso à informação se pulverizou. Apesar de estar “nichado”, dentro de bolhas de informação, ainda assim é um avanço na democratização da imprensa. Esse fenômeno levou à multiplicação de vozes dentro dos Estados Unidos contra o apoio irrestrito do seu governo aos massacres em Gaza. Gigantescas manifestações foram organizadas em grandes cidades, levando milhares de pessoas às ruas em nome do fim do holocausto palestino. Por esta razão o “deep state” entrou em alerta, e pessoas já estão sendo presas por crime de pensamento, por se organizarem, por protestarem e por se posicionarem contra o lobby sionista, que suga recursos do governo e estimula a morte de, até agora, mais de 50 mil pessoas na Palestina, 70% delas mulheres e crianças.

A prisão de Mahmoud Khalil (um estudante palestino que vive legalmente no território americano), e os esforços do governo americano de expulsá-lo do país por se rebelar contra um massacre, são a evidência que a liberdade de expressão irrestrita nos Estados Unidos sempre foi uma farsa. Quando confrontada com seu limite – o imperialismo, os poderes da burguesia e o complexo militar – mostrou-se frágil, fraca e incapaz de manter a firmeza da primeira emenda. Ruiu como um ídolo com pés de barro, que não suportou o peso do teste ao qual foi submetida. O governo de Trump nos faz o grande favor de desnudar a falsa democracia que sempre foi vendida pela burguesia que o controla. Precisamos agradecer o que ele está fazendo ao mundo, ao expor de forma inequívoca que a democracia liberal é uma mentira bem contada, que seduziu milhões durante décadas, mas que agora afunda de forma inexorável, aos olhos do mundo.

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Desculpas

Eu acho lamentável Chris Rock se desculpar pela piada contada no Oscar, mas acho que ele na verdade está cagando para isso. Um comediante não age dessa maneira. Isso é uma traição ao seu ofício. Essa declaração dada no dia seguinte à premiação é pró-forma, para evitar o brutal cancelamento que pode se seguir. Foi provavelmente escrita pelo advogado dele com o conselho: “faça isso para não se incomodar, olha só o que fizeram com o Dave Chapelle”. A sociedade americana é doente, mas vejo essa doença identitária e moralista migrando para cá. O Chris Rock, do ponto de vista da lei, não cometeu nenhum crime. Não há nenhuma proibição de contar piadas (thanks God!!) nem que ela fosse ofensiva. Nos Estados Unidos (e confesso admirar este detalhe da cultura americana) não há crime nem mesmo se você de mandar um policial à merda. Free speech, a primeira emenda, é para eles algo de caráter sagrado. Já no Brasil autoritário você pode dizer apenas o que os outros deixam você dizer, sejam eles o Estado ou sejam os flocos de neve.

Todavia, esse autoritarismo que controla o discurso para proteger minorias, apesar de entranhado em nossa cultura, tem efeito ZERO no combate que se propõe, basta ver os feminicídios e crimes contra gays, trans e contra a população negra que ocorrem diuturnamente no nosso país. Racismo, sexismo, machismo são elementos da cultura e não podem ser controlados pela justiça ou pelas leis. Continuamos achando que atacar a liberdade de expressão, cerceando a livre manifestação, poderia trazer benefícios para a sociedade. Nossa experiência mostra que isso é um absurdo, um erro, até porque, para cada Chris Rock brazuca maledicente que botamos na cadeia por dizer “o que não devia” (para o delírio dos identitários) carregamos mais 50 ou 100 pobres e negros que falaram de forma ríspida com um policial, uma autoridade, ou foram mortos pela nossa polícia racista e classista defensora do patrimônio.

Torcer pelo proibicionismo, pela censura e na defesa dos “sentimentos feridos” é um tiro no pé, um remédio que mata o sujeito antes de atingir a lombriga.

PS: Foi descoberto algumas horas depois que eu escrevi este texto que o pedido de desculpas do Chris Rock era FALSO. “Faith in humanity restored!!!” Um comediante JAMAIS deveria pedir desculpas por uma piada – desde que seja uma piada mesmo (como foi nesse caso) e não uma desculpa para agredir.

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Liberdade e Fascismo


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Uma proposta de debate:

Fato: ativista pró-Bolsonaro, vestido a caráter (camiseta Bolsominion) participa de um debate na UFMG e nas poucas frases que diz exalta o que chama de “nosso candidato”. Imediatamente a plateia reage ao orador e o expulsa do ambiente, primeiro com gritos e depois com imposição física. Ele não conseguiu expor suas ideias. Os gritos foram “Fascistas não passarão!!”. O vídeo que recebi tem um título mais ou menos assim: “Bolsominion tenta falar em evento na UFMG e se dá mal”.

Como eu sou um fanático da liberdade de expressão esse tipo de atitude sempre me faz muito mal, mais ainda quando vi o vídeo pela segunda vez e me certifiquei que o objetivo do pretenso palestrante NÃO ERA falar, mas ser expulso. Com essa expulsão ele conseguiu que sua imagem fosse disseminada pelas redes sociais e – mais importante – ser visto como vítima da intolerância (das esquerdas).

Em outras palavras, um fascista montou uma armadilha que todos caíram. Pior, saiu como herói da liberdade de expressão que foi silenciado a murros e gritos por um grupo de intolerantes. Era TUDO que ele e seu grupo desejavam.

Claro que foi uma provocação, mas por que temos que continuar caindo nessas armadilhas?

No mesmo dia recebo e publico no Facebook o vídeo de um dos (meus) heróis contemporâneos, o Snowden, que vai na direção oposta. Ele fala que o combate às mentiras na Internet (fake news) não pode ser feito através da censura ou qualquer ato proibitivo, mas através de MAIS abertura e mais debate. Esconder as posições fascistas FORTALECE O FASCISMO e censurar bolsominions os deixa mais coesos e firmes. O que pareceu aos olhos desavisados da esquerda como uma vitória dos democratas presentes contra um elemento fascista foi – ao meu ver – uma derrota da livre expressão e da própria democracia.

Afinal, o que devemos temer nesse discurso? Porque haveríamos de ter medo de um discurso grotesco e reacionário? Por que não permitimos que eles exponham toda a sua violência e radicalismo para assim serem mais facilmente combatidos?

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Primeira Emenda

Liberdade e escravidao

Percebo com pesar que no meio onde vivo apenas duas pessoas consideram o “First Amendment” uma peça civilizatória altamente correta e sofisticada: eu e o meu pai. Creio que esta coincidência se dá pelo fato de termos sido queimados em fogueiras vizinhas em um passado não muito distante por dizermos coisas que desagradaram certos poderosos. Apesar do tempo ter confirmado a correção de nossas afirmações a Verdade ainda é uma prova insuficiente para arrefecer as chamas inclementes.

Aqui, na parte de baixo do planeta, defender o direito sagrado que um idiota tem de dizer o que pensa significa o mesmo que associar-se à sua idiotia. Para a maioria das pessoas Charlie Hebdo devia ser calado porque – para elas – esculachar uma religião é errado; para mim não se pode calar a crítica e muito menos cercear a liberdade de expressão, mesmo que o preço seja alto e custoso. Defender Charlie NÃO é o mesmo que defender a islamofobia, mas significa a defesa da livre manifestação crítica, e o respeito ao direito de se expressar, mesmo de forma jocosa, sobre qualquer questão.

Talvez as minhas queimaduras tenham me proporcionado uma visão radical e mais firme sobre a importância fundamental da liberdade como propulsora da cultura, mas a verdade é que ainda não encontrei argumentos suficientemente fortes para me demover da opinião de que nenhum governo ou instância social pode proibir a livre manifestação de pensamentos, por piores que eles possam parecer. Prefiro o pagamento de qualquer preço, mas não posso aceitar que uma sociedade tenha possibilidade de evoluir amarrada por dogmatismos de qualquer natureza.

Mas, por aqui, só me cabe a resignação e o reconhecimento de que minha visão é francamente minoritária. As condenações que vejo às idiotias não tem o tom democrático que eu admiro. Eu acho que não se evolui nas ideias impedindo os outros de se manifestarem. O que devemos fazer é produzir um posicionamento FORTE e INTENSO contra posturas misóginas, racistas ou sexistas, mas não impedir a manifestação do contraditório, seja ele qual for. Não esqueça que o debate sobre o heliocentrismo já levou pessoas que o defendiam à fogueira apenas por pensarem de forma diversa do modelo hegemônico.

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