Mãe

Hoje meus pais completariam 67 anos de casados. Como houve mudança recente das leis de divórcio no plano espiritual, não tenho certeza se continuam juntos, mas pelas palavras do meu pai acredito que sim. Dizia ele que pretendia casar de novo com minha mãe nas próximas 20 encarnações – só depois daria “um tempo”. Foi uma relação que durou quase 70 anos, desde o namoro até a morte de ambos. Como sempre, eu acho que essas relações duradouras seguem um padrão bem característico, quando voluntárias, por certo. É necessário que ambos tenham um específico fetiche, talvez mesmo um tipo de fragilidade, algo que os faz procurar no outro sua completude, mesmo quando o mais fácil seria seguirem sozinhos. Essa característica podia ser encontrada em ambos, e por isso ficaram tanto tempo juntos. Aliás, além dessa relação com o amor romântico, minha mãe sempre teve outra característica muito curiosa: ela era apaixonadamente francofílica; desde jovem cultivava um amor desmedido pela França, sua língua, sua história e sua cultura, tudo isso misturado com uma xenofilia ingênua.

A francofilia veio da infância, vivida nos anos 30 em uma cidade provinciana como Porto Alegre. Na época assistíamos à decadência elegante da cultura francesa, que hoje não passa de um arremedo da importância que outrora teve no cenário das artes e das letras do mundo ocidental. Minha mãe era vidrada na França, em Paris, no encanto e na sofisticação da “cidade luz”. Além disso, ela adorava o idioma, que aprendeu a falar estudando sozinha em casa. Tenho guardados até hoje seus livros rabiscados em francês, o “Petit Robert” e seus cartõezinhos de cartolina rabiscados com frases escritas na língua de Victor Hugo e Émile Zola.

A sua xenofilia (amor pelo que é estrangeiro) era um traço curioso. Ela ficava espantada com o desenvolvimento tecnológico dos países da centralidade do capitalismo, e resumia esse aparente sucesso em uma palavra que usava constantemente: “pujança”. Dizia ela: “Os europeus fazem essas maravilhas devido à pujança do seu povo”, mas não adiantava muito que um comunista como eu explicasse a ela a origem criminosa da riqueza dos colonizadores europeus. Para os americanos a mesma admiração. Quando passava pela praia do Lami, às margens do Guaíba, em Porto Alegre, exclamava: “Imagine isso aqui nas mãos dos americanos. Tudo limpinho, tudo cheiroso, resorts, praias limpas, restaurantes”. Mal sabia ela que os americanos gerenciam, mas quem paga a conta de toda essa modernidade somos nós.

Apesar dessa paixão pelo estrangeiro, ela não era uma pessoa que desprezava o Brasil e os brasileiros. Tinha paixão pela natureza do nosso país e nossa miscigenação, e concordava ser nosso destino criar uma grande nação abaixo do Equador. Na grande expansão japonesa dos anos 80, quando o país viveu um furor desenvolvimentista e tecnológico, ela me dizia: “Calma, calma. O Japão é um país maravilhoso, mas o futuro não está lá. O país que vai liderar o mundo no século XXI é a China. Tem muita gente – e também muita pujança”. A China, na época, tinha um PIB menor que o do Brasil, e 80% da sua população ainda vivia no campo, mas minha mãe sacou com precisão que um país gigante e com uma economia centralizada com o tempo se tornaria uma nação de inclusão e progresso.

Tenho certeza que eles estão festejando hoje os 67 anos de união, e felizes por terem aproveitado a estadia terrena para oferecer bons exemplos a todos que com eles conviveram.

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Envelhecer

Já passava das 11 horas da manhã e ainda precisava comprar algumas mercadorias para preparar o almoço. Quando entrei no supermercado a procura dos itens, logo na entrada me deparei com uma moça em um pequeno quiosque ajeitando gelo numa espécie de balde. Perguntei o que ela estava oferecendo e ela disse que eram drinks de vários tipos: um de maçã verde, outro de limão e um avermelhado à base de guaraná chamado “Balada”. Respondi a ela que podia me servir o último, “já que tenho cara de quem frequenta baladas todo fim de semana“. Ela sorriu de forma jovial, serviu a bebida e eu continuei a minha saga pelo mercado.

Foram necessários apenas alguns passos para descobrir o que havia acontecido. Um pouco espantado e surpreso, mas, ao mesmo tempo, experimentando uma espécie de súbita lucidez, percebi que a piadinha que eu havia acabado de dizer à moça do quiosque não foi dita por mim. Apesar de ter saído dos meus lábios, não fui eu quem a falou.

Foi meu pai. Por instantes me dei conta que essa era uma das suas tiradas prediletas, um dos seus chistes mais comuns; uma espécie de humor britânico misturado com as piadas autodepreciativas típicas da cultura judaica. Apesar de ser uma pessoa séria e sisuda, ele era um sujeito otimista e bem-humorado, mas de um humor de poucas gargalhadas; mais ironia e menos deboche. Ele passou a última parte da sua vida descrevendo de forma divertida dos percalços da velhice, os desafios da “melhor idade”, a desconsideração da cultura com os idosos, o etarismo e, porque não, o desinteresse das mulheres pelos velhos, a quem consideravam seres  assexuados.

“Já era madrugada quando a porta do elevador se abriu e a moça entrou. Ela apenas sorriu para mim; claro, sentiu-se segura ao lado de um velhinho”, dizia ele sorrindo. Todavia, eu entendia o que havia por trás do seu gracejo. Ele fazia piada com a dor de envelhecer e com a frustração de “manter o desejo quando não mais o despertava”, como ele mesmo dizia. Talvez preferisse que ela tivesse medo; afinal tratava-se de um homem que poderia, talvez, “avançar”. Mas não… ele era considerado, aos olhos dela, totalmente inofensivo. “É diferente ser inofensivo por não querer – o que seria uma escolha – do que por não poder – que é apenas uma limitação”, dizia ele.

Depois dessa reflexão nos corredores do supermercado, muitas das minhas atitudes passaram a fazer sentido. Por mais que lutemos contra a matriz que nos constitui, somos inexoravelmente ligados a ela. Meu pai era antissocial, avesso às festas, introspectivo e sério. Durante minha juventude tentei ser diferente disso, me envolver com mais pessoas, ter amigos, mas ao amadurecer fui percebendo o quanto meu temperamento se aproxima do seu. Por mais que isso possa me incomodar, minha velhice será mesmo muito semelhante à dele, cada vez mais encolhido, menos visível, mais caseiro, mais silencioso… e mais insignificante.

Talvez, como ele, eu morra rodeado de não mais do que três ou quatro pessoas. Ele também dizia, e eu agora confirmo, que “envelhecer é preparar-se para as mortes”. Sim, assim mesmo no plural: são as perdas inevitáveis, as quais somos obrigados a experimentar no percurso da vida: a perda da juventude, da beleza, da atração e das memórias. Depois se vão os avós, pais, amigos, irmãos, parceiros de vida. E no fim, o nosso próprio invólucro de carne sucumbe à degenerescência, mas antes dele perdemos a relevância e a importância para aqueles que um dia nos admiraram. Nossas teses ficam antigas, solapadas pelo novo e pelo moderno. Nossa visão de mundo sucumbe aos acontecimentos e nossos vaticínios se perdem nas encruzilhadas do tempo. É preciso estar preparado para o tanto que se vai, continuamente.

Quando eu tinha por volta de 7 anos os amigos fizeram uma festa na vizinhança, com fogueira, comes e bebês, jogos, brincadeira e cantoria. No meio da festa, o vizinho, um amante da ópera, cantou uma ária; logo depois, outro vizinho tocou acordeon e cantamos todos juntos cantigas italianas. Enquanto isso as crianças faziam corrida de saco, cabo de guerra e se empanturravam de docinhos. Foi tão divertido que 60 anos de distância não apagaram da minha memória. No meio da festa meu pai chegou. Sentou-se em um banquinho e ficou sorrindo acompanhando a farra. Ao fim da festa, quando estávamos retirando os materiais e arrumando a bagunça, eu perguntei, ainda extasiado pela folia, se ele não havia achado aquela festa a melhor coisa da vida. Ele sorriu e sua sinceridade me impressiona até hoje:

“Não. Eu não gosto de festas. Acho bonito ver as pessoas se divertindo, mas isso não me afeta”.

Olhei para o meu pai com horror, uma estranheza como se ele tivesse segurando um sorvete de pistacho na mão e dizendo não gostar. Como assim não gosta do melhor da vida? Como não gostar da alegria sem freios, das piadas, da cantoria e das brincadeiras? Como poderia alguém não se afetar pelas músicas, o colorido, as empadinhas, a algazarra, o alarido dos fogos de artifício e as risadas de quem se passou na bebida?

Hoje eu sei. Percebo em mim a mesma marca, o mesmo feitio de personalidade, avesso aos arroubos de alegria desmesurada. O mesmo gosto pelo isolamento, o silêncio e a reflexão mais elaborada. As conversas com pouca gente, a profundidade dos argumentos, as piadas sutis. Poderia ser uma maldição, mas eu considero uma homenagem. Se tirei do meu pai algumas poucas virtudes, por que deixaria de receber também algumas de suas características menos atraentes? A genética, agora o sei, vem num pacote fechado…

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Bergamotas

Prefiro a primavera, mas não esperem de mim preconceito com qualquer outra prima. Preferência, isso vocês verão. Estou errado outono caminho certo? Entre o calor insuportável do Carnaval e o inferno gelado que segue a estação dos ventos, ainda escolho a época das bergamoteiras recheadas com seu amarelo cítrico e seu sabor de lagarteio…

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Lado

Diga aí: você apoiaria os “terroristas” da França que lutaram contra os invasores nazistas em Paris na Segunda Guerra Mundial? Apoiaria os “terroristas” da Argélia na expulsão dos colonos franceses, que fizeram da Argélia um grande bordel no Magrebe? Apoiaria os “terroristas” coreanos que expulsaram os japoneses do seu país, cuja invasão brutal impedia até o uso da língua coreana e os sobrenomes do seu povo? Estaria ao lado dos vietcongues que libertaram o Vietnã de séculos de dominação estrangeira? Se você não consegue perceber de que lado está na história, então assistiu Star Wars errado o tempo todo, e deveria ter torcido pela Estrela da Morte.

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Descobrir(se)

Faz parte do processo de amadurecimento entender porque escolhemos uma pessoa para nos acompanhar na aventura da vida em detrimento de todas as possíveis alternativas. A imantação que nosso objeto de amor carrega nos captura e transforma, conduz e limita, e o mistério dessa conexão faz parte do encanto que estrutura a paixão. Não acredito em predestinações, mas sempre me encantei com os encontros guiados pelo desejo. Nem sempre esta é a melhor das descobertas, mas é um encontro com a verdade pessoal de cada um e é bom quando ela consegue chegar antes do Alzheimer consumir o entendimento.

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Terroristas

Qualquer um que tenha lido não mais do que cinco minutos sobre a história do Nakba, sobre o Hamas e a respeito da luta de 76 anos pela libertação da Palestina não repetiria o que sionistas vomitam nas postagens pró-Israel É necessário compreender apenas que aqueles que lutaram pela libertação de Paris para tirar seu país das mãos dos nazistas, os que enfrentaram os ingleses para a independência americana, os que se rebelaram contra Portugal para conquistar a independência de Moçambique e Angola e os que expulsaram os franceses do norte da África para dar fim à opressão francesa na Argélia também foram chamados de “terroristas”, apenas porque as nações opressoras se arrogam o direito de colocar esse rótulo em quem luta contra a sua dominação.

Terrorista mesmo é Israel, até porque a própria criação desse enclave europeu e branco no território da Ásia Ocidental só foi possível a partir de atos de brutal terrorismo. O atual massacre covarde em Gaza não é o primeiro patrocinado pelos sionistas na Palestina e não será o último. Foi precedido por muitas tragédias conduzidas pelos monstros que controlam Israel, como o massacre de Deir Yaseen. Houve também massacres em Haifa em 1947 (nesta época foram mais de 20), e tantos outros, como a emblemática explosão do Hotel King David.

A explosão desse hotel foi um ataque ocorrido na cidade de Jerusalém em 22 de julho de 1946, durante o Mandato Britânico da Palestina, tendo como perpetradores os membros de uma organização armada sionista que lutava pela criação de um Estado racista e etnocrático, apenas para judeus, que viria a se chamar “Israel”. A milícia terrorista envolvida era denominada Irgun (diminutivo de Irgun Zvai Leumi, Organização Militar Nacional). O hotel servia de residência dos familiares de funcionários do governo britânico na Palestina e o ataque foi organizado por Menachem Begin, que seria mais tarde primeiro-ministro de Israel por dois mandatos. O ataque ao Hotel Rei Davi resultou na morte de 91 pessoas (28 britânicos, 41 árabes, 17 judeus e 5 outros mortos) e ferimentos graves em outras 45 pessoas. Aliás, também estavam lá os terroristas David Ben-Gurion, Menachem Begin e Yitzhak Shamir, que dirigiam, respectivamente, os grupos terroristas Haganah, o Irgun e o Bando Stern. Alguns anos depois, todos seriam primeiros-ministros de Israel, sem que qualquer um deles tenha jamais sido punido pelos atos hediondos e os crimes contra a humanidade por eles cometidos. Já pensou o que diríamos se o nosso presidente fosse um terrorista que um dia planejou a explosão de uma adutora para forçar o aumento dos salários de militares? Bem, não deveria ser nenhuma surpresa para nós…

Chega a ser estúpida qualquer afirmação de que a resistência armada de um povo, que vivia naquela região há milhares de anos, possa ser chamada de terrorista, enquanto os invasores da Europa sejam todos eles considerados como tendo um direito natural àquela terra. O Hamas nada mais é do que um grupo de bravos guerreiros que tentam há 7 décadas o reconhecimento de sua nação, combatendo o imperialismo e se defendendo dos massacres, as mortes, os sequestros de crianças, as torturas, os assassinatos e os abusos sexuais contra seu povo. Antes de chamar os palestinos de “terroristas” pense primeiro o que você faria se o seu pai fosse morto, sua irmã abusada, sua mãe morresse por falta de remédios e seus primos e tios estivessem em uma masmorra sionista pelo simples crime de serem palestinos. E se você acha exagero, aqui estão em ordem cronológica os principais massacres cometidos contra a população cristã e muçulmana da Palestina.

PALESTINA LIVRE!!!!

1. Haifa – Massacre – 6/3/1937, 6/7/1938, 25/7/1938, 26/7/1938, 27/3/1939, 19/6/1939, 20/6/1948
2. Jerusalém – Massacre -1/10/1937, 13/7/1938, 15/7/1938, 26/8/1938, 7/1/1948
3. Balad Al-Shaykh – Massacre – 12/6/1939
4. Al Abbasiyah – Massacre – 13/12/1947
5. Al-Khasas – Massacre – 18/12/1947
6. Jerusalem – Massacre – 29/12/1947
7. Jerusalem – Massacre – 30/12/1947
8. Balad Al-Shaykh – Massacre – 31/12/1947
9. Al-Sheikh Break – Massacre – 31/12/1947
10. Jaffa – Massacre – 4/1/1948
11. Al-Saraya – Massacre – 4/1/1948
12. Semiramis – Massacre – 5/1/1948
13. Lydda – Massacre 1948
14. Al-Saraya Al-Arabeya – Massacre – 8/1/1948
15. Ramla – Massacre – 15/1/1948
16. Yazur – Massacre – 22/1/1948
17. Haifa – Massacre – 28/12/1948
18. Tabra Tulkarem – Massacre – 10/2/1948
19. Sa’sa’ – Massacre – 14/2/1948
20. Jerusalem – Massacre – 20/2/1948
21. Haifa Masacre – 20/2/1948
22. Saliha – Massacre 1948
23. Al-Husayniyya – Massacre – 13/3/1948
24. Abu Kabir – Massacre – 31/3/1948
25. Cairo Train – Massacre, Haifa – 31/3/1948
26. Ramla – Massacre – 1/3/1948
27. Deir Yassin – Massacre – 9/4/1948
28. Qalunya – Massacre – 14/4/1948
29. Nasir al-Din – Massacre – 13/4/1948
30. Tiberias – Massacre – 19/4/1948
31. Haifa – Massacre – 22/4/1948
32. Ayn al-Zaytoun – Massacre – 4/5/1948
33. Safed – Massacre – 13/5/1948
34. Abu Shusha – Massacre – 14/5/1948
35. Beit Daras – Massacre – 21/5/1948
36. Al-Tantura – Massacre – 22/5/1948
37. Abu Shudha – Massacre 1948
38. Al-Dawayime – Massacre 1948
39. Khan Yunis – Massacre 1955
40. Jerusalem – Massacre 1967
41. Sabra and Shatila – Massacre 1982
42. Al-Aqsa – Massacre 1990
43. Ibrahimi Mosque – Massacre 1994
44. Jenin Refugee Camp April 2002
45. Gaza – Massacre 2008-09
46. Gaza – Massacre 2012
47. Gaza – Massacre 2014
48. Gaza – Massacre 2018-19 & 2021
49. Gaza Genocide 2023 em andamento

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O dilema dos pais

Escutei de um professor, num passado distante, a ideia de que, para produzir um filósofo, era necessário retirá-lo ainda criança, do conforto do afeto mais poderoso: a presença de um pai amoroso. Se entendemos que a filosofia surge do reconhecimento da falta e da noção da precariedade da existência humana, só será possível produzir boa filosofia quando o sujeito é jogado no vazio, obrigando-o a procurar sentido sem o amparo de um pai. A história nos demonstra que a perda precoce dessa figura foi um marco na história pessoal de grandes nomes desse ramo do conhecimento.

Todavia, quando perguntam aos pais o que pretendem que seus filhos sejam no futuro, muitos (até eu) respondem “espero que sejam felizes”, oferecendo a eles o que podem para terem segurança em seus anos mais frágeis e alegria como consequência. Ou seja, sonegam aos filhos o elemento essencial para a boa filosofia: o vazio, o “pathos”, o poço escuro do desamparo.

Esse é o dilema: ao tempo em que damos proteção e amor aos filhos, tentando garantir a eles uma estrutura emocional centrada no afeto, precisamos jogá-los na noite do mundo, no desamparo, na solidão e na frustração, para que seus músculos emocionais sejam fortalecidos e seus olhos da alma se adaptem ao escuro da vida. Transitar pela paternidade é caminhar sobre a fina lâmina da dúvida e da angústia, sem a certeza de ter feito o melhor para os filhos

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Gozo punitivo

Não consigo entender o que a esquerda pequeno burguesa tanto teme com a liberdade de expressão. Questionar o punitivismo aplicado a elementos da extrema-direita não é uma contradição, desde que esta postura esteja alicerçada em princípios bem claros. Por que deixaríamos de defender a Carla Zambelli ou Monark – e, porque não, o próprio Bolsonaro – se eles estiverem corretos em suas propostas? Aliás, é muito comum concordar com alguns pontos de vista da direita quando eles se contrapõem às posturas inadequadas da esquerda liberal – em especial quando criticam os identitários. Por que deveríamos privilegiar a mentira e o engano apenas para nos colocar em antagonismo com nossos adversários?

Eu, por exemplo, sou comunista. Defendo a superação do capitalismo e o surgimento de um modelo que estruture a sociedade numa perspectiva igualitária e fraterna. Entretanto, apesar da minha distância intergalática dos fascistas, defendi o veto do Bolsonaro a um projeto de lei surgido em seu governo que determinava que médicos e enfermeiras deveriam comunicar compulsoriamente, à polícia, casos de violência doméstica. Mesmo sendo do agrado de personalidades ligadas ao identitarismo, a proposta era absurda, pois violava segredo profissional e faria mulheres evitarem serviços de saúde com medo de colocarem a própria vida em risco. A proposta era populista e demagógica, tornando os médicos policiais e espiões da polícia dentro dos centros de saúde. Com isso, as mulheres se sentiriam inseguras de contar algum tipo de violência em suas casas com medo que isso acarretasse a intervenção da polícia, colocando em risco sua casa, sua família e seus filhos. O veto do ex-presidente Bolsonaro – mesmo por razões diferentes das minhas, até porque ele é um sujeito que aceita punições medievais – foi apoiado por boa parte da esquerda (e até de feministas), e não há incoerência alguma nessa posição. 

Por acaso passei a ser bolsonarista por concordar com o veto do ex-presidente? Ora, às vezes concordamos com nossos adversários por razões distintas e até opostas; o importante é manter a coerência e a linha doutrinária que adotamos. No caso da esquerda raiz e revolucionária, não podemos ceder à tentação do punitivismo, da judicialização ou de qualquer reforço dos poderes e valores burgueses. Sair processando, prendendo e cassando adversários, apoiando o ativismo judicial, não é a postura dos socialistas, pois entendemos que as punições de hoje impostas aos nossos inimigos, fatalmente amanhã recairão sobre nós. 

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Supremacismo

Toda vez que alguém vem me dizer que o identitarismo é algo bom, que alguém precisa “proteger mulheres, gays, negros, trans, etc”, que ele nasceu para dar voz às populações oprimidas e historicamente perseguidas e que seu objetivo é a equidade e a justiça social eu lembro que esta é a exata definição dada pelos supremacistas sionistas, ao explicar porque a violência destrutiva desproporcional no ataque aos palestinos é justa. Também os sionistas aparentemente tinham um objetivo nobre; após séculos de perseguições, expurgos e pogroms, era justo que desejassem um lugar seguro para si. O problema é que, para esta tarefa, era necessário roubar a terra onde há séculos vivia outra população, e aqueles que se opusessem a este plano. Por esta razão, ainda hoje matam de forma genocidária seus inimigos e depois exigem que seus crimes sejam vistos de forma condescendente por nós. Afinal, “depois de tudo que nos aconteceu”.

O sionismo que massacra crianças na Palestina surge exatamente desse pensamento exclusivista e supremacista. Essa perspectiva é o embrião de inúmeras tragédias como o nazismo, a KKK (Ku Kux Klan) e o sionismo, que nada mais são que o resultado direto de uma visão de mundo onde um grupo – ou uma identidade – exige ter mais direitos do que os outros grupos, seja porque são o “povo escolhido”, por ser este seu “destino manifesto” ou pelo seu sofrimento no passado. Assim floresce entre estes grupos a ideia de que as leis e regras que são aplicadas aos outros não são aplicadas a eles, por serem diferentes, especiais ou superiores, de acordo com sua própria análise. Entretanto, uma das mais importantes conquistas civilizatórias da humanidade foi a compreensão de sermos todos iguais. Assim, a lei e os juízes devem tratar a todos igualmente, independentemente da sua raçagêneroidentidade de gêneroorientação sexualnacionalidadecor da peleetniareligiãodeficiência ou outras características, sem qualquer tipo de privilégio, discriminação ou preconceito. A ideia de grupos ou identidades especiais – inferiores ou superiores – é ilegal e incompatível com os princípios de liberdade e de equidade.

A luta contra os preconceitos só pode ocorrer no lento processo de maturação das sociedades. Uma sociedade igualitária não vai se tornar hegemônica pedindo “mais amor”, criando “diversidade de aparências” ou judicializando preconceitos, mas exterminando a origem dessas distinções. Estas, como bem o sabemos, estão centradas nas iniquidades econômicas brutais construídas pelo processo civilizatório e consolidadas pela sociedade de classes. O combate aos preconceitos todos – raça, gênero, identidade e orientação sexual – é uma necessidade urgente, mas estas chagas planetárias somente serão desmontadas quando nossa sociedade tiver equilíbrio econômico, por meio da distribuição justa das riquezas produzidas. Enquanto tivermos sociedades divididas em classes, onde o trabalho vale menos do que a concentração de capital, nada será modificado. Para mudar esta realidade precisamos menos “amor” e mais luta de classes.

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Israel em frangalhos

O exército covarde de Israel não é bem-vindo em nenhum lugar segundo o jornal Times of Israel. A Nova Zelândia exige que os israelenses divulguem os detalhes do serviço no exército como condição para entrada. Os israelenses que solicitam um visto de turista estão a ser questionados sobre as datas do seu serviço, a localização das suas bases e se “estiveram envolvidos em crimes de guerra”. Austrália recusa vistos para soldados da IDF devido às acusações de genocídio. Há poucas semanas o Brasil procurava um soldado da IDF devido ao genocídio em Gaza e a morte de uma menina com mais de 300 tiros. Estão caçando os genocidas de Israel como caçaram os nazistas depois da II Guerra Mundial.

O genocídio de Israel não compensa. A economia está em colapso e a propaganda não consegue esconder a verdade. A “Nação Startup”, o sector de alta tecnologia de Israel – que já contribuiu com 20% do PIB e mais de 50% das exportações – está em queda livre e vertiginosa. O investimento estrangeiro caiu 60%, a Intel interrompeu um projeto de 25 mil milhões de dólares devido à guerra em Gaza. As exportações, de 71 mil milhões de dólares em 2022, caíram para menos de 50 mil milhões de dólares em 2024, devido a um declínio acentuado na confiança global. (Al-Monitor)
Dezenas de milhares de profissionais de tecnologia estão saindo, empresas lutando para sobreviver.

A reputação global de Israel está em frangalhos – a Turquia proibiu exportações críticas e a China está atrasando deliberadamente o envio de componentes essenciais em solidariedade com a Palestina. O resultado? Caos na cadeia de abastecimento, cancelamentos de projetos e isolamento crescente. Os militares israelenses impuseram novas restrições à cobertura midiática dos soldados em serviço de combate ativo devido à crescente preocupação com o risco de ação legal contra reservistas que viajam para o estrangeiro devido a alegações de envolvimento em crimes de guerra em Gaza. A imagem em Israel se deteriorou de uma maneira irrecuperável. Ninguém quer se associar com um país que promove genocídio e limpeza étnica. O que ainda sustenta Israel é o apoio dos Estados Unidos, mas até onde o contribuinte americano vai suportar a enorme carga de recursos enviados para uma guerra moralmente condenável? Não há mentira que resista para sempre: os crimes da ocupação e do apartheid sionista mais cedo ou mais tarde estarão nas mentes de todos.

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