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Expropriação do parto

Assisti não mais de 3 minutos da fala de um obstetra do centro do país com o tema “Você quer estar certa ou obter resultados?“. Logo me dei conta de que estava diante da mesma retórica de risco que escuto há 40 anos e que – ao se analisar em profundidade – serve como substrato ideológico para a submissão das mulheres ao controle médico no momento apical de sua feminilidade: o parto. Em suas palavras encontrei o mesmo discurso da “mulher bomba relógio” que justificaria a perda total de autonomia e que colocaria o médico como o único sujeito capaz de tomar atitudes em seu nome. O resumo de sua fala poderia ser “Você quer ser livre ou continuar vivo?”. Ou ainda “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Só vais te manter viva se for por mim“.

Para este médico reduzir-se a uma fiel e subserviente paciente, curvada diante de seu saber absoluto, é a única maneira de sobreviver à terrível jornada da gravidez e do parto. Sua voz parece surgir das catacumbas, colocando para o exterior um paradigma mumificado e bolorento. Entretanto, não há mais espaço no mundo contemporâneo para acorrentar as mulheres a um paradigma que as coloca como coadjuvantes no nascimento dos próprios filhos!!! Não há mais lugar para uma visão iatrocêntrica, focada no profissional, sem que a mulher possa escolher como e onde vai parir. Não se justifica mais a falta de conexão com as evidências científicas que mostram o parto domiciliar como tão seguro quanto o hospitalar no que tange mortalidade materna e neonatal, e com inúmeras vantagens acessórias.

O que resta de verdade após escutar essas mensagens de anacronismo e preconceito é que vozes carcomidas pelo tempo e visões antiquadas sobre a mulher e o feminino não devem se manter como hegemônicas; é preciso que a voz dos profissionais humanizados se faça ouvir cada vez mais na Academia e que sejam estes novos modelos os principais canais a informar as pacientes. Chega de ouvir médicos falando sem embasamento científico e sem qualquer conhecimento de causa.

Quando a proposta se resume a “Você quer estar certa ou ter resultados” na verdade estamos diante de outra demanda: o desejo de que se abra mão de toda a autonomia e que se sucumba à ordem hierárquica perversa de expropriação do parto.

Que a onda verde atinja esses médicos para que a liberdade deixe de ser slogan e vire prática cotidiana.

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Pensamento Arriscado

ligadura

Um pensamento arriscado que me ocorreu:

Eu acho que se uma mulher deseja fazer uma laqueadura para evitar uma gravidez futura seu marido deveria ter ciência disso. Portanto, sua assinatura não deveria ser uma “autorização”, mas uma prova de que sabe da decisão de sua esposa no que se refere ao futuro reprodutivo de ambos. Se uma mulher casada não pode vender um imóvel sem a assinatura do marido, porque isso afeta a vida financeira de ambos, porque deveria ser diferente com a… decisão de ter filhos?

Ah… e antes que achem isso machista, penso exatamente o mesmo em relação às vasectomias. Um homem casado não pode se esterilizar sem que sua mulher SAIBA – não confundir essa atitude com “autorizar”.

Aceito contraditórios. Se eu estiver errado me digam a razão.No debate sobre esterilização – aqui entendida como uma ação realizada de forma autônoma por um sujeito para impedir a reprodução – eu retirei alguns pontos que acredito resumirem as posições apresentadas.

Aqui está o que eu percebi:

1 – Ninguém questiona o direito inalienável do sujeito fazer alterações na sua capacidade reprodutiva livre de preconceitos, coerções ou constrangimentos. Autonomia total sobre o corpo. Ninguém tem o direito de determinar o que será feito no corpo de outro adulto.

2 – Algumas pessoas acham que essa ação é pessoal e não pressupõe aquiescência do parceiro. Não seria necessário ao parceiro assinar nenhuma autorização. Entretanto, pela legislação corrente no SUS funciona ainda assim, para homens e mulheres, sendo exigida autorização compulsória por parte do cônjuge.

3 – Um outro grupo acha que a justiça não tem nada a ver com isso. Nenhum documento e nenhuma comunicação compulsória seriam necessários. Isso é da vida íntima do casal e o Estado não pode – ou não deve – se interpor numa relação íntima, que só pode ser resolvida pelos sujeitos envolvidos.

4 – Outro grupo acha que, assim como uma compra de imóvel afeta a ambos, pela comunhão de bens que rege o matrimônio, seria justo que houvesse a comprovação da notificação quando uma cirurgia fosse realizada. Isto é: você pode fazer o que quiser com seu corpo, mas se isso afetar expectativas do seu companheiro(a) será obrigado a notificar (a posteriori) para evitar danos a ele(a).

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Corpo Fechado

terra seca

Sou a favor do pleno protagonismo – em especial das mulheres – e isso inclui aceitar escolhas que me parecem tolas ou inadequadas, mesmo sabendo que minha ideia pessoal sobre essas determinações de nada interessa a quem se responsabiliza por elas. Sem essa possibilidade de decidir nunca haverá liberdade plena. Por outro lado, e com as mesmas justificativas, reconheço para os médicos a “objeção de consciência“. Uma mulher pode se esterilizar aos 25 anos, mas não pode obrigar um profissional a produzir um dano físico em seu corpo. Isso significa que o pleno protagonismo feminino não implica no completo desempoderamento do profissional.

Mas nem sempre vemos os profissionais de saúde respeitando as decisões soberanas das mulheres sobre seus corpos. Em verdade, o que norteia a postura dos profissionais da assistência é a bússola do patriarcado. Sua visão a respeito delas é sempre colocada sobre o pano de fundo da defectividade essencial e do corpo servil que possuem. Nunca uma mulher pode tomar decisões sobre si mesma sem que estas sejam controladas pelo ordenamento falocrático. Mas, tão entranhada está tal configuração nas relações sociais que sequer é percebida pelos médicos, que escamoteiam seu machismo com um discurso cientificista ou higienista. “Acredite em nós, é pelo seu próprio bem“.

Para ser franco, eu defendo até cesarianas banalizadas. Não acredito que vamos oferecer maturidade tratando eternamente as mulheres como crianças. Escolham a cesariana e depois percebam o erro que cometeram; proibi-las de fazer más escolhas não as tornará maduras ou adultas.

Quanto ao consentimento do parceiro isso me parece uma “excrescência cultural que apenas permanece pela inércia dos preconceitos”, a qual precisa ser abolida. O desejo reprodutivo precisa ser investigado antes da formação da parceria. Se a mulher (ou o homem) não deseja filhos, não case com ela (ele). Não faz sentido um homem (ou mulher) deliberar sobre ou corpo de sua (seu) parceira(o).

Concluindo, uma mulher que deseja exterminar sua capacidade reprodutiva precisa ter garantido esse direito, por mais que isso nos cause dor. Se a um homem é permitido emascular-se para se tornar mulher, por que seriam as mulheres impedidas de tornarem-se estéreis, para dar conta de seus desejos e limites subjetivos?

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Autonomia

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Os alunos do quarto ano da faculdade de medicina se aglomeravam ao redor da professora em uma de nossas primeiras incursões dentro da Santa Casa, campo de prática da Medicina Interna.

Naquele dia estávamos debatendo a respeito de algo que praticamente não tínhamos conhecimento algum: pacientes. Para nós as doenças e os males eram entidades abstratas, retiradas de páginas de livros, com nome de velhos professores ingleses e franceses, ou derivadas do latim. A conexão dessas descrições frias com os doentes ainda era para nós difícil de estabelecer.

A enfermaria era de clínica e o paciente uma criança. Era portadora de uma síndrome metabólica genética e estava acompanhada da mãe. A professora era uma médica contratada muito jovem, mal passando dos 30 anos. Tinha a curiosidade e a energia dos jovens médicos, mesclada com a inexperiência em tratar com almas complexas, que dificilmente se enquadram plenamente em modelos nosológicos preestabelecidos. Enquanto ela nos explicava as características da enfermidade que se abatia sobre a criança pude observar, ao longe, a mãe que trazia ao colo sua pequena filha.

Era pobre, mais do que simples, mas sua face tensa perdia um pouco de sua dureza sofrida a cada vez que sussurrava algo para a filha. Talvez por ser eu o único na sala além da pobre senhora que já havia passado pela experiência do nascimento de um filho – incluindo aí a professora – fui quem mais se tocou pela cena colateral, aquela que corria paralelamente à semiologia, aos exames e aos prognósticos sombrios. Trazer um filho doente nos braços é uma das mais angustiantes experiências humanas. A dor do ser que carregamos no colo dói mais que qualquer ferida que decerto temos em nosso próprio corpo.

Terminada a explicação sobre os detalhes do caso e nos aproximamos da mãe e seu filho. A professora apresentou-se e a todos nós. Explicou que éramos alunos de medicina e queríamos examinar sua filha. Ela aquiesceu com um olhar triste e a colocou na cama de lençóis simples sobre o colchão de napa azul.

Não tenho nenhuma lembrança da criança e sequer recordo qualquer detalhe da doença que ela sofria, nem mesmo o nome da enfermidade genética que a acometia. Minha atenção foi automaticamente voltada para a mãe e sua carga de dores. A paternidade havia me tornado, ainda menino, especialmente atento para os dramas que acometem aqueles que têm alguém sob seus cuidados.

– Essa é minha segunda filha, disse ela, com um sotaque carregado da colônia italiana. Minha filha mais velha tem essa mesma doença. Ela também se trata, mas agora está bem.

Seus olhos miravam o chão. Havia culpa em suas palavras, o mais sórdido e sorrateiro dos sentimentos. Mesmo sem saber as nuances e detalhes do metabolismo alterado ela sabia que suas filhas sofriam de algo que seus genes haviam lhes transmitido. A culpa era uma cicatriz a lhe encobrir o rosto com um queloide de dor.

Terminado o exame perguntamos a ela quais as explicações que haviam sido dadas pela equipe médica. Ela nos informou sobre a espera por um determinado exame e que desejava poder voltar para sua casa no interior para continuar sua vida e cuidar da outra filha. Silenciosamente fechava as roupinhas simples e amarrotadas da filha enquanto a professora se despedia.

– Cuide-se, disse a inexperiente professora. Espero que você não pense em ter mais filhos, pois as chances de ter outro com essa doença são grandes.

Olhei para a professora e tive uma sensação incômoda, algo inominado, um sentimento que não poderia entender naquela época da juventude. Para um aprendiz as palavras da professora faziam pleno sentido. Afinal, por que ter um filho cheio de problemas se é possível evitá-lo? Fazia sentido, sim. Todavia, isso não evitou a inquietude que senti pelo “conselho” da professora, principalmente pelo que se seguiu logo após.

– Doutora, disse a mulher, com a voz embargada e visivelmente emocionada. Fico muito agradecida pelo tratamento que recebo aqui. Não me importo que minhas filhas sejam examinadas pelos alunos. Em verdade eu gosto de saber que tantos se preocupam em ajudá-las. Os médicos são atenciosos e cuidadosos. Nossa vida não é fácil com duas filhas que precisam tratamento. Só eu sei o quanto é difícil sair do interior, deixar o marido e alugar um quarto perto do hospital só para acompanhá-las.

A cada descrição da dureza de uma vida sofrida de mãe meu coração se apequenava. Meu filho tinha um ano, se tanto, e nada lhe faltava, apesar de termos uma vida muito simples. Mas o esforço que ela devotava no cuidado de suas filhas deixava minhas angústias de recém pai diminutas e desprezíveis. Ela continuou seu desabafo.

– Sei do sofrimento que essa doença vai provocar nelas e, por extensão, em todos nós que as cuidamos. Muito ainda vamos enfrentar, mas venceremos, com a ajuda de Deus e o auxílio dos médicos, mas…

Olhou mais uma vez para a médica, abotoou o último botão do casaquinho cor de rosa de sua filha e disse:

– … da minha vida cuido eu. Só eu sei o peso que carrego. Terei os filhos que quiser, ou os que Deus mandar, e não cabe à senhora dizer como vou conduzir minha vida. Muito obrigado.

Pegou sua filha no colo e cruzou a sala sem olhar para trás.

Naquele dia percebi que quando nasce uma criança sua alma se acopla a um corpo biológico, que lhe dá sentido através dos significados múltiplos que a vivência na linguagem nos proporciona. Somos muito mais do que simples unidades físico-químicas. Somos seres animados, dotados de “anima”, algo que nos oferece uma mirada especial sobre o mistério da vida.

Um médico deve estar pronto a auxiliar com toda sua energia e conhecimento. Deve ser um “observador atento e isento de preconceitos”, como diria o pai da homeopatia, Hahnemann. Entretanto, ao médico não cabe julgar os valores e crenças de quem trata. Sua ação deve ser humilde e silenciosa, invisível. Uma “transparência de carne e sílica”, como brincava Max. Se é impossível abster-se de sentir – e até sofrer pelo que nosso paciente diz – é fundamental que nossa ação não imponha aos outros valores que somente a nós fazem sentido.

A mulher simples mostrou para o jovem estudante que no espaço que separa o paciente do médico flui uma energia que precisa ser respeitada, sem cair na tentação fácil de preencher esse espaço com arrogância ou prepotência.

Mesmo quando a intenção é ajudar.

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Partos e Barbas

“Se o parto ocorresse nos homens ninguém ousaria questionar a decisão sobre onde ele ocorreria. Por outro lado, se a barba crescesse nas mulheres, ela seria tratada como um crescimento anômalo e perigoso de pelos faciais, que demandaria tratamento e intervenção médica.”

A análise do parto – e seus riscos – como um fenômeno meramente biológico, que ocorre sobre corpos reais, sem linguagem e sem alma, é o que mais me espanta nos debates sobre local de parto. A interface que se cria entre questões de gênero e poderes corporativos fazem desse tema um prato cheio para as discussões contemporâneas sobre liberdade e autonomia para as mulheres. O crescimento dessa modalidade, na Europa, nos Estados Unidos e mesmo no Brasil, vem na esteira de questionamentos cada vez mais intensos sobre a interferência do biopoder sobre as decisões soberanas de mulheres sobre seus corpos e seus destinos. Esta tendência crescerá de forma muito intensa nos próximos anos, pois que não há como retroceder quando se trata de liberdades conquistadas.

Cada vez que eu vejo colegas publicando trabalhos enviesados sobre local de parto, negando-se a olhar para trabalhos PROSPECTIVOS de partos PLANEJADOS, embasando POLÍTICAS de saúde – como na Holanda ou Inglaterra, que inserem o parto domiciliar como alternativa válida e recomendável – eu percebo que “risco” e “segurança” são palavras usadas por estes debatedores para encobrir os verdadeiros valores ameaçados: Poder e Controle.

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Parto “autoral”

A respeito do debate sobre “Parto Autoral” surgido recentemente. Ao me ver este termo é uma tentativa de oferecer uma nova roupagem ao termo “protagonismo”, nosso velho conhecido. A “autoria” do parto é um aspecto de um conceito mais amplo de humanização do nascimento. Parto autoral não avança para além do sentido já debatido da garantia do protagonismo à mulher, algo que enfatizamos desde que o debate sobre uma “nova forma de nascer” começou a ganhar corpo no Brasil e no mundo. Por esta perspectiva a “autoria” é o eixo central a partir do qual os outros elementos da humanização vão se estabelecer. Isto é: sem plena “autoria” nunca teremos humanização, apenas ações parciais que não atingem o cerne da questão do parto: os direitos das mulheres sobre seus corpos. Ou, como diria Max, “sem o protagonismo só resta a sofisticação de tutela“.

protagonismo

Por outro lado, aprofundando-se no debate sobre o protagonismo, um parto pode ser “autoral” e NÃO SER humanizado, desde que para isso não se obedeçam os outros pilares que sustentam esse conceito, a saber: a visão interdisciplinar do evento (retirando dele as amarras de procedimento médico) e as evidências científicas (sem as quais somos presa fácil das mitologias, via de regra misóginas e potencialmente perigosas). Como exemplo podemos citar uma mulher situada no extremo do espectro do protagonismo: uma gestante diabética e hipertensa que resolve de forma autônoma ter seu filho em casa sem o auxílio de qualquer profissional ou tecnologia. É autoral, mas é uma decisão que não tem interdisciplinaridade ou evidências científicas que a sustentem. O mesmo pode ser dito das cesarianas sob demanda: são autorais, mas agridem as evidências científicas no que diz respeito à segurança para mães e bebês.

Por esta razão eu acho que vale a pena esclarecer esses termos novos que surgem no cenário da humanização do nascimento para que não causem confusão.

Resumindo: a Humanização contempla a autoria, pois ela é a parte central do modelo que preconizamos. Por outro lado, a autoria não necessariamente se abriga sob a proteção da humanização. Uma decisão “autoral” não precisa ser humanizada.

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Legalidade e Justiça

Legal

Não existe uma justiça essencial e natural; ela é uma construção humana, dinâmica e constituída pelo tensionamento das forças políticas. O que é legal e aparentemente justo hoje pode não o ser amanhã. O que é ilegal também. As forças conservadoras patriarcais reagem às mudanças que observamos na realidade do parto, e respondem com a mesma intensidade com que se sentem pressionados ou ameaçados. O rechaço ao direito de fazer escolhas informadas – entre elas o local de parto – desnuda o desconforto da corporação com qualquer discurso ou ação por parte das mulheres que desafie uma onipotência duramente conquistada. Somente a pressão das mulheres pelos seus direitos e por sua autonomia poderá fazer a mudança na forma como a sociedade julga estas ações.

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A Real Necessidade

Estender mao

A visão objetual do paciente, a persistente consideração de cada pessoa com objeto da ação da medicina – e não como sujeitos competentes para realizar escolhas informadas – são a REAL necessidade de humanizar o nascimento.Não, isso seria incompleto; uma transformação da forma, mas mantendo intacta a essência. Sem considerar cada mulher como legítima condutora do processo teremos apenas uma parcial mudança, insuficiente para a verdadeira revolução que pretendemos. Humanizar o nascimento é garantir o protagonismo à mulher.

Ainda haverá muito tempo até que os profissionais da saúde entendam o que a “humanização do nascimento” tem a dizer. Ainda há confusão e ranger de dentes, porque alguns recusam-se a compreender os aspectos ÉTICOS relacionados com esta atitude, e se mantém fixados aos aspectos técnicos da atenção. Fazer uma cesariana com uma mulher com duas cesarianas prévias e um bebê pélvico (sentado) pode ser uma indicação compreensível. Todavia, o que é inadmissível é ameaçá-la, constrangê-la, amedrontá-la e considerá-la um objeto “inanimado”, sem vontade e sem autonomia. A humanização vem colocar a MULHER no centro dessas decisões, oferecendo aos profissionais que a auxiliam a honrosa posição de consultores e orientadores.

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A Princesa e as Escolhas

A princesa e seu cavalheiro

Então, a decisão para o galante cavalheiro foi pronunciada com severidade:

“Podes escolher entre estas opções, nobre senhor. Poderás ter a mais bela mulher de dia, para mostrar nas festas, para os visitantes, para os assuntos oficiais e para a corte. Por outro lado, terás uma mulher horrenda em tua cama, pegajosa e malevolente, por quem terás repulsa.

A outra opção também te será complexa: Poderás ter uma mulher horrenda e asquerosa durante o dia, que te envergonhará diante do reino inteiro, comportando-se como uma ogra nas festas, nas recepções e nos encontros com os signatários de outros reinos. Em compensação terás uma mulher linda, graciosa, meiga, sensual e carinhosa a compartilhar contigo os lençóis. Ela afagará teu cabelo, te dará conforto após as batalhas e pronunciará palavras de apoio diante de tuas angústias.

Agora tu tens o poder de escolher qual das duas faces desta maldição preferes: a mulher linda à luz do dia e perante os olhos de teus súditos, mas horrorosa quando o sol desaparece nas montanhas; ou aquela feia na luminosidade das horas mas delicada e desejável quando o véu da noite cobre a todos nós com seu breu.”

O nobre cavaleiro olhou para um ponto fixo no horizonte e depois de poucos instantes de reflexão respondeu:

A mim não cabe decidir sobre a vida de outrem. Se ela será feia ou bonita, desejável ou repugnante é uma decisão que só pode estar nas suas próprias mãos de princesa. A mim cabe apenas o direito de querê-la ou não. Não posso modificá-la diante do meu desejo, minhas ideias e minhas escolhas.

Respirou profundamente, olhou para aqueles que lhe dirigiram a palavra e completou: “Deixem que ela decida como a maldição se fará. Prefiro viver ao lado de uma princesa que seja capaz de decidir sobre sua própria vida.

E quando lhe foi oferecida a oportunidade de escolher como desejava ser perante seu amante o feitiço que nela habitava sumiu. Sim, de forma instantânea ele se foi, pois esta era a chave que a libertaria: o direito restituído de escolher o próprio destino e ser protagonista da própria vida. Liberta das amarras milenares do poder obliterante de uma cultura machista ela agora podia escolher seu caminho, fazer o que bem desejasse, dizer o que lhe viesse à mente, abrir seus lábios e beijar a quem seu desejo apontasse e amar aquele que seu coração abraçasse. Assim, solta, pôde finalmente seguir seu desígnio humano de cumprir com os mais altos fins de sua existência.

Fechando o livro, o velho olhou para os olhos do seu netinho e completou: “E assim ela viveu, feliz para sempre, mas não tenho sequer a certeza de que tenha se casado com o príncipe que a libertou. É possível, claro, mas é igualmente razoável que tenha até ficado só. E digo isso por uma única razão: o que aconteceu depois de cair o feitiço só ocorreu porque ela assim escolheu”.

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