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Maria

Não há dúvida que a rejeição a Maria do Rosário é porque ela defende direitos humanos. Todos os defeitos que possam porventura ser mencionados sobre sua atuação parlamentar sucumbem diante deste fato: as pessoas não aceitam quem defenda simples direitos básicos das pessoas comuns, como não ser torturado, não ser perseguido por suas ideias, ter tratamento digno na prisão, não ser preso sem uma clara justificativa, direito à ampla defesa, etc. Todavia, para o cidadão médio, contaminado pela propaganda odiosa da direita fascista, isso nada mais é do que “defender bandido”. Mas, e porque mesmo os bandidos não poderiam ser defendidos?

Ao Estado não cabe combater criminosos, mas o crime. A justiça não deve combater o malfeitor, mas suas ações ilegais, pois a ninguém é lícito julgar as razões pelas quais alguém comete delitos; ao judiciário cabe analisar os fatos, não os sujeitos. Esse é um fundamento basilar do direito. Não se pode usar da justiça para atacar indivíduos, a não ser que tenham cometidos atos ilegais e criminosos.

Por mais que os punitivistas tenham dificuldade em aceitar, todo bandido compartilha conosco algo fundamental: a condição humana. Em verdade, quando analisados de perto, os “bandidos” são incomodamente semelhantes a nós, com a diferença que tiveram obstáculos em suas vidas que nós nunca tivemos. Julgar a criminalidade sob um prisma moralista é a marca registrada do fascismo, mas somos parecidos demais para que se possa usar classificações como “bandidos” e “cidadãos de bem”. A experiência recente mostrou que alguns dos crimes mais horrendos realizados no Brasil no período Temer/Bolsonaro vieram daqueles a quem se outorgava o título de “cidadãos de bem”.

Assim, aqueles que defendem os direitos humanos inerentes à esta condição, não estão defendendo ou estimulando o crime, mas resguardando as camadas pobres e desassistidas da sociedade da vingança brutal daqueles que, para defender o modelo concentrador de renda e a propriedade privada, agem de forma vingativa e cruel contra todos que que rebelam e entram na senda do crime. Maria do Rosário escolheu a tarefa mais difícil e mais ingrata. Defender estes direitos essenciais em um país no qual um antigo presidente se jactava em dizer “minha especialidade é matar”, é tarefa para poucos. Precisa coragem e integridade para se manter firme em seus princípios quando o entorno lhe empurra na direção do fascismo mais abjeto e desumano.

Tenho muitas discordâncias com Maria do Rosário em outros pontos. Sendo comunista, é fácil entender o quanto a democracia liberal e o identitarismo estão corroendo as esquerdas no mundo inteiro. Não acredito que essa esquerda possa oferecer um grande diferencial em longo prazo ao abandonar a luta anticapitalista e apostar na divisão planejada da classe operária em identidades digladiantes. Por isso, no primeiro turno, voto em Cesar Augusto Ferreira, candidato do PCO à prefeitura de Porto Alegre. Entretanto, bem sei que as pessoas rejeitam em Maria do Rosário exatamente aquilo que ela tem de mais virtuoso: a luta pela dignidade humana, de qualquer cidadão, inobstante os erros que tenha cometido. No segundo turno, voto com ela.

Por isso, espero que ela vença os candidatos do atraso e seja uma ótima prefeita.

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Espíritos da Luz

O espiritismo versão tupiniquim costuma disseminar uma perspectiva de “classes espirituais”, que muito se assemelha as castas indianas, com seus limites rígidos, hierarquias e diferenças morais. Cresci ouvindo as expressões “espíritos de luz”, “espíritos do bem”, “espíritos zombeteiros” (meu caso), “espíritos do mal”, “espíritos inferiores”, “espíritos das trevas”, “espíritos do Umbral”, etc., sem jamais entender exatamente como se configuraria esta estratificação espiritual.

Sabe por que os espiritualistas descrevem o mundo espiritual como sendo constituído por classes distintas – que vão das angelicais às trevosas – colocando um fosso gigantesco entra os “espíritos de luz” e os pobres coitados “espíritos do mal”? Porque na verdade é dessa forma que se estrutura ESSE mundo terreno. Para todos que olham para o mundo através de uma ótica moralista, existem diferenças de elevação espiritual entre os sujeitos deste mundo, fazendo-os pertencerem a classes distintas, as quais carregam como um rótulo. Infelizmente, não se dão conta que o que é percebido a olho desarmado é tão somente a face externa do caráter de qualquer um; a máscara cotidiana que usamos para viver em sociedade.

Nada que aparece à luz do dia é verdadeiro, mas um simulacro do verdadeiro eu que nos constitui. Desta forma criamos a fantasia de um mundo espiritual estratificado, cheio de lugares remotos, de “pouca densidade”, de luz esfuziante e alegria contagiante, em contraponto aos lugares tenebrosos, escuros e densos das “regiões umbralinas“. Esta poderia ser a exata descrição da nossa sociedade; enquanto algumas regiões são repletas de criminalidade, outras nos oferecem a sensação plena de paz e segurança.
A questão é que nossas diferenças muito pouco se relacionam a questões morais, e estão embasadas na arquitetura social, a qual se relaciona com o modelo capitalista e seu sistema de classes. As diferenças contextuais e econômicas explicam de maneira muito mais simples a diversidade entre os sujeitos.

Desta forma, como no mundo espiritual seria difícil imaginar uma sociedade capitalista, a necessidade de manter a divisão artificial em classes se impõe através do artifício da hierarquia moral. Duvido muito que este seja o modelo mais próximo da realidade. Apagados os condicionantes sociais da Terra – família, pobreza, contextos, dificuldades, oportunidades, etc – o que sobra são espíritos muito semelhantes, e não haveria razão alguma para que não estivessem próximos, compartilhando o mesmo céu – ou inferno.

Parto da ideia de que, se houver algum mundo espiritual, ele deverá ser muito parecido com este aqui. Afinal, seríamos tão somente a imagem imperfeita do mundo dos espíritos, nada mais justo que estes planos fossem semelhantes. Desta forma, eu me permito expandir a pergunta: quem entre nós seria considerado um “espírito de luz”?

Madre Teresa? Papa Francisco? Dona Manuela, que criou 7 filhos sozinha? Seu Francisco, bombeiro herói que salvou uma família inteira de um incêndio? Padres? Espíritas? Chico Xavier? Médicos devotados, enfermeiras carinhosas, pessoas sem “maldade” no coração? Pobres e oprimidos? Mártires cristãos? Vou além: o que é um “cidadão de bem”? Seria Jesus considerado um cidadão de bem no seu tempo? Seria São Francisco igualmente um cidadão exemplar? Mandela? Martin Luther King? Bem sabemos como os nossos “cidadãos de bem” contemporâneos têm seus armários lotados de esqueletos. Seria possível existir um critério objetivo para classificar a moral das pessoas? Quantas santidades, por nós consideradas ilibadas, não escondem máculas morais terríveis, muitas das quais jamais saberemos? Quantos criminosos não tiveram – até ao cometer seus crimes – a mais pura das intenções, desejando apenas ajudar, mas de uma forma equivocada e incorreta – que só depois descobrimos?

Quando eu vejo personalidades espíritas falando das “hordas do mal” parece que estou vendo as antigas pregações anticomunistas da minha juventude. Pior, essa perspectiva sempre nos coloca do lado dos espíritos do bem, ou dos “cidadãos de bem”, e jamais do lado daqueles a quem consideramos “do mal”.

No fundo eu acredito mesmo no que o amigo Max sempre me dizia: “Se um viajante interplanetário chegasse à Terra ficaria muito mais impressionado com nossas semelhanças do que com nossas diferenças”. A distância entre o gênio e o tolo é muito mais circunstancial do que das essências. No mundo espiritual não pode ser muito distinto: as pessoas serão muito semelhantes entre si enquanto suas diferenças se diluem na gritante similitude de virtudes e defeitos que nos unem.

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Visita Íntima

Acho curiosas as justificativas de quem defende tratamento violento, agressões, privações, mortes e tortura para internos do sistema prisional. A lógica é sempre a mesma:

“Alguma coisa fizeram”,
“Se tivesse ido a igreja ao invés de assaltar…”,
“Não quer dormir na masmorra, comporte-se”,
“Tratamento humano? E a vítima teve?”,
“Direitos humanos para humanos direitos”,
“Bandido bom é bandido morto”,
“Leva pra casa”, etc…

Também é engraçado ver os defensores dos direitos humanos sendo acusados de “comunistas” e “defensores de bandidos”, quando na realidade estes avanços civilizatórios são conquistas liberais, na justa iniciativa de proteger o cidadão comum do poder imenso do Estado. Sem estas medidas, os Estados teriam poder ilimitado de destruir aqueles que se opõem aos seus interesses.

Os direitos humanos são assim chamados porque se referem à dignidade humana. Isto é: inobstante o delito que tenha sido realizado o Estado não pode agir abaixo da linha da dignidade inata que qualquer cidadão tem por pertencer a está espécie.

“Ahhh, mas o sujeito cometeu um crime bárbaro (estuprou, matou, cometeu genocídio) por quê deveria ser tratado com candura?”

Por uma razão simples: a ação do Estado precisa ser pedagógica. Da mesma forma, uma criança que chuta um adulto não pode receber outro chute como punição. E não é porque a criança é inimputável, mas por ser indigno do ser humano cometer coletivamente um erro que um sujeito solitariamente cometeu. Além disso, não se trata de absolver e sequer perdoar, nem mesmo tratar com carinho e doçura (o que seria bom e produziria benefícios para todos) mas garantir a mínima dignidade que qualquer ser humano merece.

Mais do que isso, e acima de tudo, as medidas violentas contra apenados do sistema fechado são inúteis, ineficazes, indignas e contraproducentes, além de servirem apenas como vingança cruel e estimular sentimentos baixos no povaréu, o mesmo grupo de linchadores que assistia bruxas e punguistas queimando nas fogueiras na idade média.

Penas de morte, prisões perpétuas, tortura, condições sub-humanas de presídios e privação da sexualidade tem o efeito OPOSTO ao que se espera. Ninguém deixa de cometer uma barbárie com medo da pena de morte. Se isso fosse verdade, a pena de morte que existe entre facções do crime organizado faria as chacinas desaparecerem, e o que vemos é o oposto, um ciclo infindável de mortes e vinganças.

É cientificamente comprovado que o distensionamento da sexualidade nos presídios diminui a violência interna e os estupros. Portanto, pedir a extinção desse DIREITO só pode partir de quem se compraz com motins, carnificina, assassinatos, estupros e violência disseminada.

Isto é…. cidadãos de bem.

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Corretivos

Eu sei que é piada. Sei que “psicólogos” poderia ser colocado entre aspas. Não quero ser o “problematizador das piadas”. Sei também que entre as pessoas da minha idade é raro ver alguém que não tenha sido submetido a surras ou ao menos umas palmadas, em especial os meninos, já que a cultura dizia que “não se bate em meninas“. (Até nesse aspecto é interessante combater o patriarcado: nesse modelo são os meninos as principais vítimas das sevícias parentais).

Entretanto, não acho mais aceitável a glamorização do espancamento de crianças com a desculpa de que isso produz bons cidadãos, com adequada “castração” e “leais respeitadores das leis”.

O que me deixa abismado é ver a enorme aceitação desse tipo de “pedagogia da violência” entre as pessoas da minha geração. No fórum onde essa imagem foi apresentada a aceitação foi quase unânime. A exceção foi de algumas poucas mulheres que disseram “não apanhei, mas meus irmãos, muito“, e eu.

Crianças que passaram por estas torturas cresceram traumatizados, marcados pela dor, inseguros, raivosos e carregando uma ferida profunda e inconsciente, até porque a fonte de seus males inconfessos é a mesma dos seus amores mais profundos e primitivos, produzindo uma insuportável dicotomia em suas almas.

Crianças que foram surradas por seus pais não são adultos saudáveis; são sobreviventes da dor, cheios de cicatrizes que são obrigados a carregar por toda sua vida. Não há nenhuma razão para se romantizar espancamento infantil, e não é verdade que estes recursos produziram “cidadãos de bem”; sua única função foi criar uma geração de ressentidos que acreditam na violência como solução dos problemas.

Muitas dessas crianças hoje fazem o sinal da arminha ou carregam cruzes flamejantes.

Hoje tenho filhos adultos e netos. E se querem saber, dei palmadas nos meus filhos, mas aprendi que bater em crianças é sinal de fracasso, não ensina nada além de medo, e não produz cidadãos saudáveis e produtivos. Não condeno quem bateu, até porque eu também apanhei; condeno a ideologia da violência banalizada contra os pequenos, como se fosse algo inócuo ou parte do desenvolvimento normal das crianças.

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Primeira pedra

Existem seres humanos que merecem perdão; outros não. Quanto a isso não há dúvidas. A listagem de pessoas (e não seus crimes) imperdoáveis não é muito difícil de achar. Todos os sujeitos que cometeram crimes que estão distantes da nossa realidade são imperdoáveis. Furar fila, não declarar imposto corretamente, matar um ladrão (bandido bom é…) não são crimes, quanto mais imperdoáveis, porque qualquer um de nós pode ter tais atitudes.

E não precisa ser um gênio para entender isso. As tradições religiosas estão cheias de exemplos de que o perdão precisa ser seletivo. Não há porque perdoar todos de forma igual como se todos fôssemos iguais aos olhos de Deus. Se isso fosse verdade Ele não criaria pessoas cheias de virtudes (nós) e outros animalizados e perversos, afogados em seus defeitos (os outros).

Foi exatamente o que Jesus disse quando atirou aquela pedra na puta que – evidentemente – não merecia perdão. Peraí que eu vou achar o versículo certinho e vou postar aqui em baixo.

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Achei a parte que fala aqui na Bíblia mas essa que eu tenho é dos Gideões e deve ser uma versão muito recente porque (olha só que absurdo) está escrito que ele NÃO atirou a pedra, o que é um óbvio erro pois Jesus não era bobo nem nada e jamais permitiria que um crime nojento como esse (eu jamais seria uma prostituta!!!) passasse em branco. Eu tenho nojo das traduções mais novas da Bíblia que trocam arbitrariamente as passagens apenas para apoiar petralhas e defensores de direitos humanos (leia-se bandidos).

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Quer saber? Que se lixe a Bíblia. Estou olhando aqui outros posts de Jesus e acho que esse cara fumava um. “Ame ao próximo como a ti mesmo“, ah…. vá se ferrar!! Amar estuprador, assassino, ladrão???? Tá cheirado barbudo???? “Teus inimigos são teus verdadeiros amigos“: bebeu gasolina??? E só piora, agora vi essa aqui: “Pai, perdoai-lhes, pois não sabem o que fazem“. Sério que o pessoal não sabe? Um bando de ladrão vagabundo e não sabem o que estão fazendo?

Te larguei pras cobra, Bíblia…

(according to “irony act” of march 2017 this post follows the fundamental principles of post-truth and explicit irony, therefore is under the protection of that presidential bill)

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Mundo prisional

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Palavras de um colega médico que trabalhou durante muitos anos na maior penitenciária do meu estado…

“Depois de trabalhar durante anos no mundo prisional eu descobri que nós trancafiamos as vítimas, para que sua presença não deixe constrangidos os algozes, também conhecidos como “pessoas de bem”. Quanto mais eu falo com esses meninos mais me convenço de que são sobreviventes de um mundo que, ao mesmo tempo que os explora, guarda repulsa e nojo por eles.”

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