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Memórias do Homem de Vidro – 15

Febre

— Nem sou eu que o digo — falou Maximilian com o dedo em riste. — Está nos melhores compêndios atualizados de pediatria. E da pediatria mais alopática e conservadora possível: não existe justificativa para baixar a febre de uma criança durante um episódio de hipertermia, salvo situações bem específicas e raras. Digo que a febre deve ficar alta mesmo, porque ela tem evidentes efeitos terapêuticos.

— Você está sendo mais uma vez exagerado, Max.

Nadine cruzou os braços e fechou o cenho. Não acreditava nas condutas exage­radamente conservacionistas que Max frequentemente utilizava. Para ela, o uso das evidências científicas era correto, mas até um determinado limite.

— Exagerado? Não creio — continuou meu amigo. — Exagero seria não entender as limitações de uma mãe e condená-la por usar drogas em seu filho. Nisso cer­tamente estaremos de acordo. Nossa cultura é muito sedutora no uso de medica­mentos, e não usá-los depende de uma postura muito corajosa e determinada, que só se sustenta com informação e atualização constantes. A febre (mas pode­ríamos falar da diarreia, dos vômitos, da tosse, das dermatites, etc.) é um dos mais fabulosos mecanismos de defesa elaborados pelo nosso organismo. O Ric, aqui presente, deve lembrar quando juntos tivemos uma aula sobre febre, em um curso de medicina social. Quando confrontados com as características essenciais da febre, pensamos: “A febre é tudo o que um antibiótico gostaria de ser”. Ficamos ambos apaixonados pelos mecanismos fisiológicos de adaptação produzidos pelo processo febril, e ao mesmo tempo chocados com o que a biomedicina mercanti­lista nos fez acreditar, apenas para nos vender remédios a rodo. A febre é um dos mais belos exemplos dos equívocos produzidos pela incompreensão dos proces­sos adaptativos de que a espécie humana é capaz. Hahnemann, pai da homeopa­tia, cunhou uma frase que, pela radicalidade e significação, nunca mais saiu da minha cabeça: “A doença é a outra face da saúde”. Eu costumo sempre dizer que “a doença é o estado alterado do bem estar”. Ficamos “doentes”, alterados, para preservar nossa “saúde”, equilíbrio.

Nadine espichou o olho para mim, em uma atitude conhecida. Queria ver minha reação às palavras de Max, cuja euforia e paixão pareciam transbordar em cada palavra que pronunciava. Este, sem se deixar interromper pela nossa troca de olhares, continuou seu discurso, mantendo seu olhar fixado em Nadine.

— A hipertermia é uma máquina fantástica de modificações orgânicas. A febre aumenta a velocidade dos macrófagos, que são as células de defesa da linhagem branca, aumenta a diapedese, ou seja, a capacidade dos glóbulos brancos de romper a parede dos vasos e atacar os microrganismos na intimidade dos tecidos. Além disso, aumenta a capacidade fagocitária dos leucócitos, que é a habilidade de “comer” bactérias e vírus. Aumenta o metabolismo intensamente para cada grau acima de 37, incrementando a capacidade de defesa pela mobilização do organismo. A febre nos “põe para baixo” produzindo fadiga, cansaço e debilidade, o que é um fenômeno adaptativo dos mais sábios, porque nesses momentos o indivíduo necessita de repouso e resguardo. Se a febre não produzisse isso, quem se protegeria? A temperatura corporal elevada também é importante na destruição de bactérias e vírus e, além disso, sinaliza aos outros animais humanos a pre­sença de uma doença infecto-contagiosa, o que nos auxilia a preservar os que ainda estão sãos. Qual grávida não recebe orientações, pelo menos no início da gravidez, de não segurar no colo uma criança febril?

— Muito mais há a falar sobre as maravilhas da febre, mas seria enfadonho, ta­manhas são as suas vantagens para o processo de recuperação da homeostase. Atentem, meus colegas, apenas para esta observação: quanto maior a febre, maior a capacidade de adaptação presente e maior a energia do indivíduo. É por essa razão que principalmente crianças pequenas fazem febres altas, e o uso da expressão “fazem” é proposital, porque somos ativos em relação a ela, porque a sua energia vital é muito forte e poderosa.

A tudo eu ouvia em silêncio. Maximilian dominava a todos com sua emoção e seu conhecimento. Era todo paixão e veemência. Nadine, mesmo quando discordava, pedia para que Max lhe desse a sua opinião, porque ninguém escutava Max sem se contaminar pelo seu entusiasmo. Quando falava, agitava os braços, fazia mími­cas, representava, modificava a voz para se adaptar ao personagem que imitava. Eu sempre fui seu fã número um. Pensava que Max era uma daquelas pessoas absolutamente indispensáveis em qualquer ramo do conhecimento, porque unia em um só indivíduo a paixão, o saber e o conhecimento apurado. Tinha energia para combater um sistema em que não acreditava, mas ao mesmo tempo era pró­digo em apresentar as comprovações científicas do que afirmava. Acreditava no conhecimento como elemento de libertação e tinha a medicina como meio de levar consolo diante das agruras de uma vida breve e sofrida, sem com isso considerar-se um emissário divino infenso aos erros e dúvidas. Resolvi romper meu silêncio e ilustrar a descrição que Max nos oferecia.

— Eu tenho uma história interessante sobre febres, e acredito que você gostará dela, Max. Acho que você, Nadine, deverá ter um pouco de paciência. Sei que não é o modelo com o qual você lida, mas escute com atenção, pois talvez isso possa ajudá-la a compreender melhor a minha forma de pensar o adoecimento. É uma breve história sobre as febres e seus significados ocultos.

*   *   *

Há alguns anos, eu morava ao lado da casa em que vivia um casal de russos: Baba, “mamãe”, e Deda, “papai”. Gostavam de ser chamados pelos seus apelidos familiares em russo, até mesmo pelos vizinhos. Ambos fugiram de Stalin, che­gando ao nosso país com seus filhos pequenos após o término da segunda guerra, em 1949. Perderam muitos parentes vitimados pela fome e pelo frio, re­sultado da própria guerra na Rússia. Durante a fuga, seu segundo filho, de pouco mais de dois anos, pereceu de pneumonia durante uma evasão. Ambos tiveram uma vida sofrida e cheia de percalços, mas encontraram no Brasil um lugar tran­quilo em que puderam criar seus três filhos. Deda era um veterinário de renome em seu país, e acabou se tornando um dos introdutores das técnicas de insemina­ção artificial de gado no Brasil.

Pois no meio de uma madrugada sou chamado por Baba para atender seu “Peter” — Deda. Disse-me que ele estava estranho, parado, com o rosto vermelho e “de­primido”. Ele já estava com mais de 80 anos, mas era um homem forte e vigoroso. Lá chegando encontrei Deda deitado na cama. Apresentava o rosto avermelhado e tinha a respiração alterada. Perguntei-lhe o que havia ocorrido e ele respondeu “Nada. Apenas estou com um pouco de falta de ar e me sentindo fraco”.

— Ten tosse? Vômito? Dor de barriga? — indaguei enquanto avaliava seu pulso

A essas perguntas me respondeu negativamente. Baba, por trás dele, fez um mu­xoxo. Olhou-me firmemente, preocupando-se em que o marido não percebesse seus sinais para mim. Fazia “não” com as mãos e apontava para o marido, fe­chando o punho contra o peito, como se estivesse a bombear algo. Entendi que ela estava me dizendo que a emergência do quadro em seu esposo tinha origens emocionais. Verifiquei a temperatura: 40 ºC. Febre alta, que em homeopatia consideramos os episódios febris acima de 39,5 ºC. Como pode um homem de 80 anos produzir tamanha temperatura? Lembrei-me das aulas do curso de homeopatia: “Fique calmo. Este homem está mobilizado”. Ele estava usando toda sua capacidade curativa para buscar a nor­malização do organismo. Era importante respeitar a forma específica como um indivíduo escolhe seu caminho.Pedi que sentasse para que eu escutasse seu coração e pulmões. O coração es­tava acelerado, mas isso era obra da febre. Nada mais de importante ou significa­tivo na ausculta cardíaca. Os pulmões: consolidação em base de pulmão esquerdo. Crepitações finas. Diag­nóstico: pneumonia em base pulmonar esquerda. Temperatura, ausculta pulmonar positiva. Nada mais havia a diagnosticar. Uma pneumonia clássica.

— O que tenho, Ricardino? — perguntou Deda com o seu indefectível sotaque russo.

E agora? Digo o que ele tem de supetão? Peço que vá a um hospital para exa­mes, submetendo-o às rotinas escravizantes e coisificantes das emergências hos­pitalares? Se eu lhe disser o diagnóstico, não vou assustá-lo mais ainda? Por ou­tro lado, posso omitir a verdade?

— Deda — perguntei eu. — Tenho mais algumas perguntas a lhe fazer. São im­portantes para que eu possa entender o que o levou a desenvolver esse quadro febril. Por que o senhor ficou assim? O que aconteceu?

Ele pareceu momentaneamente desconcertado. Não sabia o que dizer. Fez um cara de desentendido, mas foi interrompido por Baba.

— Deda, meu amor. Fale para o Ricardo. Conte do álbum de fotografias.

Seu rosto então se modificou. Ele agora estava sério, taciturno, e as sobrancelhas curvaram-se para baixo. Não era mais possível dissimular os conteúdos afetivos escondidos por detrás do sintoma.

— Fale Deda — insistiu Baba. — Conte ao doutor porque você ficou assim.

Ele começou então a explicar o porquê do seu estado.

— Eu estava limpando a biblioteca, Ricardino. Estava retirando a poeira de antigos livros de veterinária quando encontrei um velho álbum de fotografias da família. Ali estavam as fotos antigas dos meus tios, pais, irmãos e sobrinhos.

Começou a chorar. Posso imaginar o que a visualização de familiares que ficaram perdidos em um passado tão remoto, separados por guerras e oceanos, poderia produzir em um velho sobrevivente de tantas atrocidades.

— Continue Deda — disse eu.

— Pois, enquanto eu folheava as páginas do álbum, olhei para o relógio da biblio­teca que mostrava ser hoje o dia 30. Pois foi exatamente em um dia 30 que o meu genro morreu em um estúpido acidente de automóvel. Ricardino, todas as pes­soas do álbum estavam mortas, até o meu genro, que morreu ainda muito jovem.

Agora estava chorando copiosamente, abraçado pela sua companheira de lutas, alegrias e tristezas.

— E qual foi seu sentimento, Deda? O que você pensou vendo as pessoas que um dia amou naquele álbum, todas já tendo passado para a outra vida? O que sentiu?

Ele parou um pouco para pensar, mas depois me olhou no fundo dos olhos e disse:

— Medo, Ricardino. Muito medo. Muito medo, medo, medo.

Abraçou-se a Baba e continuou a chorar como criança. Esta me lançou um gesto de interrupção, dizendo que ele estava no seu limite. Deda era um homem senti­mental, marcado pelas dores, traumatizado pelas tragédias. Olhou as imagens de morte e saudade estampadas no velho álbum e reconheceu que sua hora um dia chegaria. Pensou na própria morte e no fato de, talvez, deixar Baba sozinha, que por décadas o amparou e auxiliou. Temeu a morte porque percebeu que, por mais que a houvesse enganado nas fugas, no frio, na fome e no próprio pelotão de fu­zilamento que um dia enfrentara, fatalmente ela ainda seria a vencedora. Dela não há escapatória, e as fotos antigas e amareladas de familiares que já se foram es­tavam a lhe mostrar a infalibilidade de seus desígnios. Era a peça que faltava ao interrogatório: a causalidade. A causa emocional pro­funda estava escondida. Poderíamos ter encerrado o encontro médico nas triviali­dades do diagnóstico somático, mas preferimos, tal qual escafandristas, perscrutar as profundezas escuras das motivações inconscientes. Nada mais complexo, po­rém nada mais revelador. O medo de atingir tais profundidades é que nos faz ad­mitir uma medicina tão superficial como a que lidamos na contemporaneidade. A questão é que, de forma espelhar, adentrar a intimidade de um paciente nos faz enfrentar nossas próprias falibilidades e limitações. Quem quer bancar o mergu­lhador de inconsciências em um mundo de rasas e ilusórias aparências?

Nossa medicina faz tal qual a história do homem que perdeu sua chave. Procu­rando insistentemente por ela, acaba esbarrando em um amigo, que se oferece para ajudá-lo. Passada mais uma hora de procura inútil, o desesperançado amigo lhe pergunta: “Tem certeza de que perdeu a chave aqui, embaixo do poste de luz?”. O dono da chave então responde: “Não, eu não perdi minha chave aqui! Perdi lá embaixo na rua, mas lá está tão escuro que resolvi procurar cá em cima, onde está mais claro”.

Fazemos com os sintomas emocionais e psicológicos dos nossos pacientes o mesmo que o protagonista da historieta faz com o breu que esconde sua chave. Fugimos da escuridão das incertezas e das dores profundamente escondidas, porque elas nos amedrontam e afugentam. Preferimos a claridade ilusória de exames laboratoriais e sinais clínicos manifestos aos sentidos. Mesmo sabendo da importância dessas características somáticas na elucidação dos mistérios di­agnósticos, é certo que elas representam apenas a ponta do iceberg que constitui o sofrimento construído pelos pacientes. A humildade de encarar um universo re­côndito dentro de cada ser que sofre é a principal ferramenta para se encontrar uma forma mais completa e abrangente de auxílio. Somente munindo-se da cora­gem fundamental para encarar a escuridão dos nossos sentimentos é que pode­remos, também, ajudar a quem nos solicita assistência e conforto.

Estava feito o diagnóstico, e o tema essencial do quadro era o medo. Crise de medo, febre alta, pele quente e seca, consolidação pulmonar em base esquerda, sede, aparecimento abrupto da sintomatologia. Um remédio brotava, dentre muitos que eram sugeridos: Aconitum napellus. Falei com Baba e perguntei se devia lhe dizer exatamente o que tinha. Ela res­pondeu que, se fosse possível, seria preferível omitir a expressão “pneumonia”, para não deixá-lo ainda mais atemorizado. Concordei com a ideia, mas expliquei que lhe diria exatamente o que tinha, procurando não amedrontá-lo mais ainda com essa palavra.

— Deda — disse eu de forma pausada. — Há uma infecção na base do seu pul­mão esquerdo. Você está com febre alta, mas não há justificativa para diminuí-la. Ela está cumprindo uma função importante no seu sistema de adaptação e defesa. Prefiro que ela se mantenha como está, ok? Estou lhe receitando um medica­mento homeopático que o senhor vai tomar de duas em duas horas. A febre ainda vai continuar mais um pouco, mas quero que o senhor comece agora a medica­ção, por isso eu lhe deixo os glóbulos que trouxe na minha botica. Combinado?

Ele concordou. Mexeu com a cabeça afirmativamente sem dizer palavra alguma. Ainda estava afetado pelas emoções. Baba passava a mão em sua alva cabeça, e lhe dizia palavras carinhosas em russo. Levantei-me e, quando estava para sair, ele ainda me disse:

Ricardino, eu vou ficar bom dessa pneumonia, não é?

Tive que rir. Não adiantaram os meus truques. O velho veterinário não ia se deixar enganar dessa forma. Era idoso, mas estava longe de ser bobo.

— Não, Deda — disse eu sem conter o sorriso. — Não é dessa vez que vão levá-lo.

Voltei à sua casa naquela mesma manhã. Encontrei Deda ainda abatido, mas sentado na mesa da cozinha e tomando café. Escutei seu pulmão e parecia estar a mesma coisa, mas o ânimo havia voltado parcialmente e a febre não havia mais se manifestado.

— Como está? — perguntei.

— Muito melhor — disse ele sorrindo.

No outro dia, o pulmão estava limpo, pouco mais de 24 horas depois. Nem um sinal de secreção ou ruídos estranhos. A febre acabara, porque já havia cumprido seu destino, pensei eu. Mesmo estando ainda fraco, estava lúcido, ativo, alegre e sem sintomas preocupantes. Ok, Deda, pensei eu. Você a enganou mais uma vez. Baba me lançou um sorriso de gratidão e Deda me deu um abraço à moda russa, com bastante força e fortes batidas nas costas.

*   *   *

Nadine manteve-se séria durante a minha breve história, mas percebi que, mesmo com algumas discordâncias, ela acreditava na possibilidade de que o psiquismo dos pacientes tivesse influência decisiva no aparecimento de sintomatologia, mesmo que complexa e de difícil interpretação. Nadine aos poucos começava a lidar com a questão da “psicossomática”, termo que Max deplorava — porque divi­dia “psique” e “soma”, que para ele eram indissociáveis — mas que para mim so­ava como o reconhecimento da mútua influência entre os aspectos psicológicos e fisiológicos manifestos pela energia vital em um determinado indivíduo.

Max acompanhou a história de longe, até porque já a conhecia, mas me lançou um sorriso assim que ela terminou.

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Ciência

Como já dizia Albert Einstein, “nem tudo que conta se conta e nem tudo que se conta, conta”. Portanto, nem todas as coisas passam a ser valiosas apenas a partir do momento em que podem ser contabilizadas, mensuradas e aquilatadas. O amor, a saudade, os afetos, as tristezas são bons exemplos de emoções que não cabem nas perspectivas experimentais. Entretanto, sem surpresa recebi nos últimos dias a notícia de que uma pesquisadora (cuja fama foi catapultada durante a pandemia de Covid) escreveu um livro denunciando “pseudociências”, entre as quais estavam incluídas duas vertentes de saberes que conheço de perto: a psicanálise e a homeopatia.

Escuto esse tipo de visão positivista sobre o conhecimento científico há mais de 30 anos e acho cansativo contra-argumentar; na maioria das vezes os acusadores agem como cruzados furiosos, montados em seus conceitos rígidos sobre ciência experimental e não aceitam escutar o idioma confuso e sem respostas exatas da linguagem do simbólico e do subjetivo. É simples entender que a ninguém parece viável analisar uma neurose “in vitro”, ou entender uma fobia despregada da história de quem a produziu; também não há como entender as diáteses homeopáticas fora dos conceitos de unicidade e suscetibilidade. Portanto, os limites da pesquisa experimental não são complexos para entender, e a ideia de analisar a realidade apenas pela metodologia que existe – desprezando aquilo que ainda não entendemos – se mostra sempre como uma forma muito arrogante de decodificá-la. No fundo esta propensão a “achar feio o que não é espelho” esconde o medo do novo, do não sabido e o pânico de relativizar o conhecimento que julgam ter conquistado. É mais fácil limitar o universo ao nosso entorno próximo do que admitir que somos apenas poeira de algo infinitamente maior.

Sempre é bom ter a mente aberta para entender as questões da saúde e da doença de forma complexa e criativa. Para algumas práticas – como a psicanálise e a homeopatia, entre outras – imaginar que é possível analisar a efetividade de uma terapêutica sem levar em conta a subjetividade e a suscetibilidade individual é desmerecer o fato de que somos seres de linguagem e vivemos envoltos em um campo simbólico que diante dos mesmos “inputs” estabelece “outputs” muito mais sofisticados e diversos.

Para além desse debate não conheço nenhum analista que tenha o real interesse de chamar psicanálise de “ciência”; a castração envolvida no processo de análise bloqueia em parte o pedantismo de enxergar-se de forma superlativa. Todavia, fica muito claro que o cientificismo contemporâneo trata tudo que não considera ciência (pelos seus critérios) como conhecimento menor. Para alguns pensadores da homeopatia, ela ainda se reivindica como ciência (por suas históricas conexões com a medicina institucional), mas não vejo muito sentido em tratá-la assim. Para mim ela se aproxima muito mais da psicanálise e suas investigações de caráter pessoal e único, por sua vinculação inexorável com a subjetividade e pelas manifestações raras, estranhas e peculiares do processo mórbido no sujeito.

Para finalizar vamos esclarecer algo que me parece importante: a autora dessa publicação foi tratada como sumidade da área médica (apesar de ser bióloga) durante o período da pandemia. Essa notoriedade foi resultado dos ataques que fez às teses bolsonaristas relacionadas à emergência da pandemia da Covid. Dissipada a nuvem que nos obliterava a percepção mais clara dos personagens da crise de saúde, hoje já é possível perceber que se trata de uma fundamentalista que está surfando na fama para levar adiante seu ideário. É também importante ressaltar que ela é consultora de uma gigante multinacional de drogas, a Janssen-Cilag, conforme consta em seu currículo. Isso deixa claro o quanto existe de interesses econômicos muito fortes por trás dessa personagem. Para além disso, trata-se de um clichê muito conhecido na área médica: o “cientista soldado da Verdade que combate a pseudociência”. Na realidade são tão somente clérigos de uma religião positivista, carentes da mais essencial virtude de um cientista: a imaginação criativa. No fundo temem descobrir a imensidão do que desconhecem, e como todos os religiosos, mais do que exaltar sua crença, sentem que é preciso destruir tudo que a questiona e desafia.

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Misoneísmo

Existe um preconceito que, apesar de ser bastante prevalente, muitas vezes é escamoteado no discurso cotidiano. Ele se refere às pessoas que produzem uma rejeição ao novo, às novas propostas, ideias, conceitos e perspectivas. A isto chama-se “misoneísmo”, palavra de raiz grega que provém de “mysos” (aversão) e “neos” (novo). Pode ser chamado também de “neofobia”.

Ultimamente eu tenho testemunhado muitas manifestações desta natureza, mas me espanta sempre quando elas surgem de pessoas que se consideram progressistas. Uma das características desse preconceito na área da medicina é a crítica violenta – e até persecutória – contra formas alternativas de pensar e agir com relação a diagnósticos e tratamentos. Estas pessoas – na maioria das vezes integrantes da Academia – gastam um tempo enorme no ataque às medicinas complementares ou mesmo de algumas novidades nos tratamentos de doenças crônicas. Mais do que alertar para a falta de provas consistentes de sua eficácia (quando elas são frágeis ou inexistentes), travestem-se de cruzados da “medicina certa” a atacar os “inimigos” que usam métodos heterodoxos para a cura de seus pacientes.

É curioso este tipo de manifestação porque todos os conhecimentos que hoje consideramos verdades inquestionáveis já foram, em seu tempo de aparição, considerados heresias. Muitos homens de gênio já foram acusados pelos mais variados tribunais, ou condenados à morte por várias formas, apenas por mostrar seu pensamento, o qual diferia da ortodoxia hegemônica de seu tempo. Basta lembrar de Galileu (i pur si muove), de Freud e os ataques que sofreu da Ordem Médica, de Darwin e sua vida reclusa pela violência eclesiástica, entre tantos outros pioneiros para entender que os desafios de enfrentar uma “verdade estabelecida” são tão complexos e sacrificiais quanto absolutamente necessários para o progresso das ideias.

Também é útil lembrar dos inúmeros profissionais da humanização do nascimento no mundo inteiro que lutaram pelos direitos das gestantes e por práticas simples – que hoje são corriqueiras – como a abolição das episiotomias de rotina, presença do pai e/ou do acompanhante, trabalho das doulas, contato pele a pele, amamentação na hora dourada, parto de cócoras, parto domiciliar etc., ações que há poucos anos eram consideradas anátemas e atitudes criminosas, levando muitos destes profissionais ao ostracismo e aos tribunais.

Causa espanto que tal sanha “oficialista” ocorra entre profissionais da saúde que se consideram “humanizados”, os quais se empenham na destruição de linhas de pensamento, filosofias e estratégias de tratamento que são diversas da forma com a qual se associam. Os ataques são inclusive de ordem moral, tentando reforçar a suposta imoralidade dos criadores de uma determinada terapêutica, usando o conhecido “linchamento de reputação”, “ad hominem” e “cancelamentos” de sujeitos “não alinhados”, o que é uma verdadeiro absurdo. Seria como descobrir que Fleming teve uma amante (só um exemplo, nem sei se Fleming um dia foi casado) e abandonou os filhos e, por isso, seria necessário “cancelar” o uso da penicilina.

Lembro bem de uma aula no meu curso de preparação de oficiais, logo após o fim da ditadura, quando um oficial veio nos dar uma “aula” sobre comunismo. Suas palavras iniciais foram “Marx foi um homem muito inteligente, não há como negar, mas foi um péssimo pai de família”. A ideia – que o bolsonarismo elevou à máxima potência – é fazer as versões fantasiosas da moralidade eclipsarem o trabalho, o brilho e a luta de um adversário no campo ideológico.

De certo temos que a necessidade premente de desmerecer as propostas alternativas no campo da saúde demonstram a imensa fragilidade que algumas pessoas têm nas suas crenças sobre a superioridade do modelo hegemônico da medicina intervencionista, medicamentosa, exógena e bioquímica. Sua visão sobre a teleologia da medicina – o sujeito à mercê dos tratamentos médicos e a intervenção drogal e cirúrgica como ferramentas por excelência de cura – não pode ser questionada, e os contraditórios a ela precisam ser violentamente atacados.

Guardadas as proporções, é o mesmo movimento das pessoas que atacam as “formas alternativas de expressão sexual”. Não basta apenas exercer sua sexualidade da forma como deseja; é preciso atacar a ideia de que a sexualidade tem uma gama infinita de manifestações, gozos e prazeres diferentes do padrão social. É preciso destruir as outras formas de encontro como “ameaças” à sexualidade “correta”. Na verdade, esse ataque na maioria das vezes é a tentativa desesperada de destruir as dúvidas que o sujeito nutre sobre sua própria sexualidade, frágil, insegura e cambaleante.

“Segundo o Ministério da Saúde do Brasil as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) são recursos terapêuticos que buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade.” Destaco aqui a ênfase no “vínculo terapêutico” e na visão “integrativa” do sujeito, corpo e alma. Esse é o espírito da maioria dessas modalidades que, afastando-se do rigor cartesiano, escapam da concepção de máquina para buscar o tratamento do organismo complexo que adoece.

Nunca tive dúvida alguma que o progresso da medicina só poderia ocorrer através das visões que se distanciassem da “humani corporis fábrica” vesaliana para uma visão do adoecimento que compreenda o ser humano como uma unidade reagente bio, psico, social e espiritual. Portanto, as terapias que buscam esta perspectiva integrativa deveriam ser estimuladas, jamais atacadas, pois é delas que poderá surgir uma nova forma de pensar medicina.

Ainda segundo o Ministério da Saúde, o número de municípios que ofertaram atendimentos individuais em PICS (práticas integrativas e complementares) é de 3.024, estando presente em 100% das capitais. Já houve 2 milhões de atendimentos em UBS, sendo 1 milhão em medicina tradicional chinesa, 85 mil em fitoterapia, 13 mil em homeopatia e 926 mil em outras formas de atenção que ainda não haviam sido catalogadas. A atenção Básica teve 78%. desses atendimentos, mas 18% ocorreram em casos de média complexidade e 4% naqueles de alta complexidade.

Andreas Vesalius

Para concluir, eu creio que atacar as novidades na área da medicina de forma violenta, acusatória e irracional desnuda muito mais os medos e temores de quem faz tais ataques do que as propensas fragilidades dos tratamentos alvos de críticas. Não se faz ciência com o fígado. O verdadeiro cientista é respeitoso com as visões discordantes e está sempre aberto para o que é novo. As certezas, sejam positivas ou negativas, são elementos necessários nas religiões, jamais no espírito científico, o qual se nutre essencialmente da dúvida. Manter o espírito aberto e a cabeça arejada nos oferece uma janela maravilhosa para o descobrimento, a surpresa e a esperança das novidades.

(Capa de “De Humanis Corporis Fabrica” do médico belga Andreas Vesalius, publicado em 1543, considerado um dos livros científicos mais influentes da história da humanidade, em especial pelas suas ilustrações, xilogravuras de altíssima qualidade. Aliás, Andreas Vesalius também foi duramente perseguido por ousar desafiar as ideias correntes e oferecer uma nova forma de abordagem da medicina à humanidade. Ele foi condenado à morte pela Inquisição sob a alegação de que tinha dissecado corpos humanos. Para escapar à fogueira, sua pena foi substituída por uma peregrinação à Jerusalém. Na viagem de volta, adoeceu e morreu na ilha de Zante (ou Zacyn) na então República de Veneza, na costa da Grécia).

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Tesouro

“As comprovações científicas esbarram na questão da subjetividade. Quando se pensa em terapia do sujeito as comprovações de larga escala perdem o sentido. Este, aliás, é o elo que conecta a homeopatia e a psicanálise, duas formas de entender o sofrimento humano de forma endógena, partindo de desacertos da energia vital para aquela e do inconsciente para esta.

A evidência das conexões entre nós psíquicos e sintomas orgânicos – sejam eles grosseiros ou sutis – são fatos cristalinos para quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir. As ligações de causas aparecem nas palavras, nos silêncios entre elas e nas derivações orgânicas superpostas. Como diria Freud, “o que o paciente traz como sintoma é seu verdadeiro tesouro”, e isso deveria nos levar a uma escuta tão respeitosa quanto a que temos diante do sagrado.

A descoberta do significado dos sintomas inscrito na subjetividade do paciente é uma revelação grandiosa, como um portal de entendimento cósmico do destino da natureza.”

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Justicia Adhatoda para Corona virus

O uso homeopático de Justicia Adhatoda não se contrapõe aos cuidados de ISOLAMENTO que estão sendo utilizados em todo o mundo.

Trata-se de um medicamento complementar para ser usado nos quadros gripais leves, sem falta de ar, sem febre alta e sem fadiga extrema – os quais devem ser encaminhados para o hospital. Informe-se com um homeopata de sua região.

Também conhecida como Vasaka, é uma planta de origem asiática cujo nome oficial é Justicia Adhatoda, mas também é comumente conhecidos como “noz Vasaka” ou “Malabar”. É um arbusto perene e altamente ramificado (1,0 a 2,5 mm de altura), com cheiro desagradável e sabor amargo. Possui ramos ascendentes opostos com flores brancas, rosa ou roxas. É uma planta medicinal altamente valiosa usada para tratar resfriado, tosse, asma e tuberculose (Sharma et al., 1992). Sua principal ação é expectorante e antiespasmódico (broncodilatador) (Karthikeyan et al., 2009).

Além disso, a importância da planta Vasaka no tratamento de distúrbios respiratórios pode ser entendida a partir do antigo ditado indiano: “Nenhum homem que sofre de tuberculose precisa de desespero enquanto a planta Justicia adhatoda existir” (Dymock et al., 1893).

Assim, o uso frequente de J. adhatoda resultou na sua inclusão no manual da OMS “O uso da medicina tradicional na atenção primária à saúde”, destinado aos profissionais de saúde do sudeste da Ásia (OMS, 1990). Os principais alcalóides da planta, vasicina e vasicinona, são biologicamente ativos e são a área em discussão de muitos compostos químicos e estudos farmacológicos.

Maiores informações aqui.

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Corona vírus e Homeopatia

As prescrições homeopáticas que estão surgindo nas mídias sociais para uso no quadro gripal causado pelo corona virus são nitidamente genéricas – para sintomas virais comuns – e não devem ser usadas para “prevenção”. Regra básica da homeopatia: se estiver assintomático não use nada. Além disso, evite as drogas, mesmo as aparentemente inocentes. Algumas drogas, como os anti inflamatórios, são prejudiciais em casos de infecção por corona virus. Seja moderado e procure ajuda se sentir que as coisas estão fugindo do controle.

Sempre é justo e correto individualizar os casos de qualquer doença, em especial as agudas. Nossas doenças são construções subjetivas e demandam uma observação cuidadosa com a forma como são construídas. Entretanto, a exemplo do que já foi observado em outras epidemias (inclusive a “espanhola”), é importante caracterizar o “genus epidemicus”, ou seja, a forma como a epidemia se comporta na maioria dos casos. Para isso será necessário observar centenas (ou milhares) de casos para se perceber a maneira específica como esse patógeno interage com o organismo humano e quais as reações fisiopatológicas mais comuns nos doentes. Algumas observações boas já foram produzidas, e elas poderão ser muito úteis para a seleção do(s) remédio(s) homeopático(s) mais adequado(s).

Muito importante lembrar que o medicamento homeopático não trata doenças, mas produz reações orgânicas no sujeito doente no sentido da cura, oportunizando uma cura pelos processos fisiológicos (e não artificiais) de reação. Entretanto, nenhuma homeopatia – e nenhum outro medicamento!!! – substitui as medidas fundamentais para a erradicação das pandemias:

* Lavar as mãos
* Proteger-se e proteger os mais frágeis
* Isolamento
* Medidas gerais de cuidado e conforto (hidratação, descanso, sono, alimentação, etc)
* Se sintomático (tosse, febre, espirros, mal estar, fraqueza, etc.), não se aproximar de outros sujeitos, em especial velhos, crianças e imunodeprimidos.
* Não comparecer a reuniões, em especial aquelas que desejam o extermínio da democracia. Nesses lugares a contaminação é pior, pois o vírus se mistura com ódio e preconceito e tem seus efeitos potencializados.

Consulte o sistema público de saúde diante de qualquer sinal de agravamento, em especial dificuldade respiratória. Evite procurar serviços de saúde – em especial as emergências – se o quadro não for realmente preocupante. Deixe lugar para quem precisa!!

Acima de tudo seja compreensivo e fraterno. Pense nos outros. Seja um farol de positividade e esperança em um mundo cheio de medos e paranoias. Faça a diferença.

Em verdade Leonardo Boff já dizia que a nossa espécie se caracteriza pelo fato de valorizarmos de forma especial o ato de cuidar. Somos uma espécie em que o cuidado com o outro assumiu importância vital. É hora de mostrar que merecemos pertencer à coletividade humana, cuidando de todos à nossa volta.

Veja aqui as orientações sobre o uso de Justicia Adhatoda para a pandemia de Corona virus.

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Luz

“Minha mãe foi um Flamboyant, sua árvore preferida. Uma planta frondosa e gentil, cuja copa robusta e larga sempre ofereceu sombra e proteção aos seus. Teve uma vida nobre e digna e cumpriu sua missão com coragem e dedicação.”

Provavelmente tudo o que sei passou pelo filtro da minha mãe. Nada mais natural que uma mãe seja a tradutora mestra dos significados do mundo para seus filhos. Minhas recordações mais antigas se referem a ela explicando coisas simples e banais do dia-a-dia, como o rótulo de um produto na mesa ou o que estava escrito em um outdoor na rua.

Minha mãe foi um produto do seu tempo, mas também pareceu ter passado incólume por uma revolução cujos significados e consequências estamos longe de desvendar por completo. Ela era uma mulher muito feminina, delicada, bela, recatada e do lar e tinha uma profunda devoção à família e ao seu companheiro. Desde o momento em que se casou assumiu o cuidado de sua casa e a tarefa de zelar pelos seus filhos, como faziam as mulheres atingidas pela maternidade nos anos 60.

Hoje é fácil notar o estranhamento que causa uma mulher se definir como “recatada e do lar”. Em uma sociedade que cultua o individualismo o cuidado do lar significa o cuidado com o “outro”, portanto o “descuido” de si mesma. O recato, inserido em uma cultura de exaltação do sujeito, coloca o pudor como defeito grave, a timidez como doença e a simplicidade como anomalia, dignas de serem extirpadas por terapias ou drogas. Entretanto, havia algo na personalidade da minha mãe que me permitiu questionar valores desta cultura muito tempo depois de ter abandonado o calor reconfortante de suas asas. Minha mãe era uma “cuidadora”, na melhor acepção da palavra. Sua missão era cuidar de seus filhos e de seu marido, oferecendo a estes a melhor possibilidade de alçar voos mais grandiosos. Para ela nunca exigiu holofotes ou ribaltas; satisfazia-se com o brilho que conseguia vislumbrar naqueles a quem se dedicou.

Essa perspectiva de mundo foi muito importante para que eu pudesse entender algumas posições subjetivas que não são facilmente compreendidas em um mundo histérico e individualista. Muito cedo entendi que a função de um obstetra não deveria ser a de assumir o protagonismo dos nascimento. “Um obstetra não é aquele que brilha, mas o que reflete a luz que emana do nascimento“, já dizia meu amigo Max, com rara sabedoria. Não caberia a ele “fazer partos”, mas meramente estar ao lado, ajudar, auxiliar e cuidar – “ob stare“. Da mesma forma, não deveria ser esta a função das doulas, cuja ação reconfortante não permitiria brilhos, mas onde a doce presença infundiria confiança e tranquilidade.

Na homeopatia, ramo centenário da medicina, herdeiro das visões hipocráticas e vitalistas da arte de curar, o médico se situa na posição humilde de tradutor dos sintomas para sua posterior interpretação medicamentosa, mas sempre sabendo que a cura só se processa através do sujeito, sem o qual qualquer terapia é inútil e enganosa. Até mesmo a psicanálise – e seus silêncios – sugere a importância primordial de fugir da sedução inebriante da interpretação sagaz, relegando-se a uma condutora silenciosa da alma – um Caronte a levar à luz todo aquele que se aventura a encarar seu próprio inferno.

O exercício mais profundamente desgastante e tormentoso de qualquer sujeito é a supressão de seu Eu, já nos diziam as tradições milenares. Com minha mãe pude ver o sentido divino de diminuir sua luz para que ela não ofuscasse a dos demais. Com ela pude entender a importância de ser simples e reconhecer a grandeza de viver para exaltar a quem admiramos. Viver para os outros, para fazê-los felizes, também é um ato de grandeza e amor. Este foi o exemplo máximo que recebi de minha mãe. Siga em paz e obrigado….

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Por que homeopatia?

Existem diversas formas de responder esta pergunta. A primeira delas é reconhecer a profunda crise que atravessa a medicina contemporânea. Sua trajetória dentro do capitalismo se mostra cercada de profundas contradições, desde que percebemos a dicotomia entre os aspectos éticos relativos à sua ação terapêutica, preventiva e paliativa e as enormes pressões produzidas pelos lucros – muitas vezes estratosféricos – das empresas que compõe esse setor da indústria. Existem inúmeras publicações que nos mostram o descalabro da medicalização abusiva da vida normal, os efeitos colaterais letais dos tratamentos, o valor pago pelo cidadão comum para tratamentos de pouca resolutividade, os ganhos das empresas de seguro-saúde e o decréscimo da autonomia do sujeito diante do gigantismo do discurso médico.

Peter Gotzsche

Um dos expoentes desta crítica é Peter Goetzche, um dos criadores da Biblioteca Cochrane, onde ele compara as grandes empresas farmacêuticas com organizações criminosas. Logo na introdução do seu livro “Medicamentos Mortais e Crime Organizado – como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica” ele faz uma comparação dramática que nos obriga a questionar os rumos da medicina: “existem duas epidemias que o homem produziu e que matam terrivelmente – o tabaco e os medicamentos sob prescrição”. Neste livro ele descreve como as empresas de drogas escondem deliberadamente os danos letais de seus medicamentos através de comportamento fraudulento, tanto na pesquisa quanto no marketing e pela negação das acusações quando são confrontadas com os fatos. Goetzche nos lembra da responsabilidade de muitos médicos na prática pouco ética da prescrição de medicamentos desnecessários em vista de benefícios para quem assina a receita, como férias pagas, estadias em hotéis de luxo, jantares e e “lembrancinhas”, e nos alerta que, ao contrário do que a propaganda massiva nos fazer pensar, o “único padrão da indústria é o dinheiro”.

Marcia Angell

Ele não está sozinho nessa batalha. A escritora Marcia Angell, primeira mulher a ser editora chefe da prestigiosa revista “New England Journal of Medicine”, escreveu o livro “A verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos” com acusações do mesmo calibre do seu colega Peter Gotzsche.  Neste livro ela critica o mito de que o os custos elevados da pesquisa científica colocam a necessidade de altos custos para os medicamentos, e lembra que a maioria dessas pesquisas são feitas por instituições acadêmicas ou governamentais, que recebem verbas públicas. Junto com estes autores muitos outros apontam para os desvios terríveis que estão obstaculizando o combate à saúde para todos. Ajustar os descaminhos da medicina é uma obrigação de todos aqueles que se ocupam da saúde humana.

A segunda forma de explicar a razão de fazer um curso de homeopatia é sua maneira especial de encarar o processo de adoecimento. Muito mais do que produzir formas alternativas de tratar as doenças conhecidas, a homeopatia se estabelece por um entendimento diferente dos processos que levam ao desequilíbrio e à perda da homeostasia. A partir desse novo olhar sobre o sujeito – compreendido em sua totalidade psicofísica – e suas doenças, a homeopatia propõe um equilíbrio de dentro para fora, entendendo que qualquer cura que se possa propor precisa passar pelo entendimento de uma unidade complexa reagente composta de elementos físicos e psicológicos. A experiência de mais de 200 anos com as formulações homeopáticas nos oferece uma excelente possibilidade de curas suaves, sem os efeitos deletérios da intoxicação química e sem os custos absurdos da medicina oficial.

Todos os homens cometem erros, mas um bom homem cede quando sabe que seu proceder está errado e conserta o mal. O único crime é o orgulho.” – Sófocles, Antígona

Sófocles

É evidente que a medicina contemporânea fez muitos avanços no que diz respeito às situações de emergência, em especial nos traumas agudos, nas UTIs, nos transplantes e nos antibióticos, mas poucos avanços ocorrem na cura efetiva de doenças crônicas. É claro que a homeopatia tem limites muito claros, já que se vale da energia vital do próprio doente para produzir uma resposta em direção à saúde. Por isso, reconhecer os LIMITES da homeopatia é fundamental para estabelecer a confiança no próprio tratamento que se propõe. No caso da gestação, trabalho de parto, parto e puerpério existem plenas indicações para as condições específicas, mas é sempre essencial reconhecer suas limitações de indicação.

A homeopatia, portanto, tem um lugar especial para os transtornos do ciclo gravido-puerperal, em especial pela ausência de qualquer efeito colateral negativo e a visão integrativa que propõe sobre os desafios físicos e emocionais das gestantes e seus filhos.

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O Papel da Homeopatia no Parto

 

“Uma pergunta muito corriqueira é “qual a contribuição que a homeopatia pode trazer na atenção ao parto?”

As respostas são muitas, mas é importante deixar claro que a atenção ao parto é um processo que trabalha com mulheres (via de regra) saudáveis e no ápice de suas condições físicas. Muito mais do que medicar gestantes nossa tarefa é acompanhar seus passos e garantir que sua trajetória se mantenha na trilha da fisiologia. Entretanto, por seu um processo complexo e que se estabelece na interface entre sujeito e cultura, uma série de desacertos podem ocorrer durante a gestação, parto e o puerpério. Para tais transtornos a homeopatia pode oferecer um tratamento seguro, suave e sem efeitos colaterais.

A homeopatia parte de uma abordagem bem diversa sobre o binômio saúde-doença. Ela não se propõe a ser forma “alternativa” de tratar enfermidades conhecidas, como pneumonia, enxaqueca, gastrite ou anemia, mas uma forma diversificada de entender o sofrimento humano. Portanto, mais do que uma terapia, a homeopatia é um “modelo”, uma leitura diferente das aflições humanas, abrangendo através de sua visão holística tanto os aspectos físicos quanto os psíquicos. As formas de avaliação dos resultados obtidos pelos tratamentos homeopáticos serão, portanto, diferentes dos modelos biomédicos, da mesma forma como as ciências psíquicas o são. Como diz de forma categórica Thomas Kuhn, “As respostas que alcançamos vão depender das perguntas que fazemos”, e estas perguntas dependerão do paradigma adotado para analisar uma determinada ciência ou conhecimento.

Desta maneira, a homeopatia pode ser considerada um novo paradigma na atenção à saúde ao determinar uma nova leitura sobre a terapêutica, mudando de uma visão “maléfica” – como na medicina alopática hegemônica – para uma visão “benéfica”, considerando o conjunto reagente do sujeito como um movimento coerente no sentido da cura. Para analisar este novo paradigma é necessário entender o objeto de análise – o paciente – de uma forma distinta, de maneira integrativa e complexa, rompendo os limites do biologicismo cartesiano. Ao analisar os doentes como entidades onde a mente e o corpo atuam de forma conjugada as perguntas que avaliam uma ação terapêutica qualquer precisam ser modificadas, alteradas para captar a delicada tessitura da construção dos sintomas. A homeopatia vem mudar a visão da medicina tradicional ao reconhecer o organismo como dotado de um saber intrínseco e interno, cujas finalidades precisam ser respeitadas e, mais do que isso, seguidas. Ao lado da psicanálise – duas vertentes contemporâneas de visão endógena de adoecimento, se situam à margem dos modelos terapêuticos atuais exatamente por oferecerem essa visão da “doença dentro da linguagem”, afastando-se dos modelos da biomedicina que desconsideram a construção simbólica de nossas enfermidades.”

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Alegria, alegria

Mulher feliz

Das possíveis alegrias na vida de um médico, em especial um obstetra e ginecologista, está o relato de uma mulher, que depois de alguns anos de atendimento e tratamento homeopático – através do que se poderia chamar de “medicina narrativa” – alcançou pela primeira vez um orgasmo, com a idade de 61 anos.

Mais do que uma melhora clínica, a cura de uma “doença”, a suavização de um sintoma ou a alteração de valores laboratoriais, esta mudança em sua sexualidade nos sinaliza para um câmbio de perspectiva de vida, para um olhar mais positivo e livre das amarras pregressas de rancores e mágoas doloridas, as quais a impediam de alcançar seus mais nobres objetivos.

No ocaso de um percurso de mais de 30 anos de escuta, um relato pleno de esperança como este é capaz de nos encher de alegria e contentamento.

Patu Saleh!!

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