Arquivo do mês: outubro 2016

Pets

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Estou um pouco abismado com a quantidade de candidatos a vereança que se apresentam como defensores dos “direitos dos animais”. Não quero entrar na discussão mais profunda sobre o assunto, mas creio que existe um claro exagero e uma óbvia sinalização sobre o tipo de sociedade que estamos construindo. Ontem mesmo um educador dizia – e para mim com razão – que nos preocupamos mais em sair com o cachorro para passear do que com os filhos. Encontro homens e mulheres jovens levando seus “pets” (um anglicismo que me dá arrepios) para fazer suas necessidades, e fico um pouco assustado ao perceber que estes são tratados como crianças, com a diferença de que com as crianças somos mais duros e menos carinhosos. Por que estamos trocando crianças que crescem por crianças que nunca crescem?

O que isso tem a dizer sobre a nossa sociedade?

Mais uma vez, não se trata de criminalizar o cuidado com os animais domesticados, mas se perguntar porque esta sociedade (e isso já acontece há muitos anos na Europa e Estados Unidos) tem essa devoção especial para com cães e gatos. Será que a explicação da baixa natalidade humana e o desvio de nossa natural capacidade de amar para os animais é suficiente? Ou existe algo no “amor pelos bichos” que vai além do simples deslocamento afetivo?

Outro dia estava debatendo sobre o problema dos gatos domésticos e o risco para as aves, que teremos que enfrentar nas próximas décadas, e afirmei que nunca tive amor pelos animais. E não tenho mesmo. Nesta semana passada autorizei eutanásia para a minha cadela Mel e não tive um grande sofrimento por isso. Por outro lado, quando meu neto machucou o dedo em uma pedra sofri junto com ele por horas a fio, imaginando a angústia de uma experiência de dor inédita em sua curta vida.

Mas vejam, não se trata de uma visão vertical de “valorização de amores”. Eu não me acho melhor por sofrer pelo dedo ferido do meu neto, mas nem pior por não sofrer por um cão que se vai. Apenas não tenho esse sentimento de AMOR, uma conexão forte e significativa com seres de outras espécies. Porém, tenho respeito, e o sofrimento deles não é desprezível para mim, por isso mesmo autorizei a eutanásia em um caso de tumor hepático em estágio terminal. E de nada adianta reclamar da minha falta de amor por “pets”; eu nasci sem esse chip.

Todavia, o que me chamou a atenção esse debate foi o fato de que, ao dizer que não nutria amor pelos animais (o que sustento), mas respeito e consideração, uma debatedora explodiu em ódio e disse:

Então você é uma pessoa de merda.

Claro que ela foi deletada e bloqueada (depois descobri que era uma veterinária), mas apenas porque não admito que debates atinjam a honra e sejam ofensivos às pessoas. Essa é uma regra antiga que tenho desde os tempos do Orkut. Como diria Madre Cuegundes “Ad hominem, abiciendi“…

Mas eu fico pensando… você pode chamar um desconhecido de merda sem que isso lhe torne uma má pessoa, ou mesmo deseducada e violenta, mas não pode dizer que não AMA (mesmo respeitando) os animais. Por que essa inversão de valores?

Que hierarquia é essa onde um cachorro vale mais que um homem? Ou ainda, da verve de madre Cunegundes, “melior est canis hominem?“.

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Nazismo

Sobre a bandeira nazista em 1934 em Santa Catarina …

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Antes de serem proibidas a língua e as referências à Alemanha durante o nazismo, o governo de força da Alemanha – e mesmo a figura de Hitler – eram exaltados como modelos de sucesso, especialmente pela reconstrução da economia alemã do pós guerra. A constituição brasileira de 1937 foi baseada nas ideias alemãs e Hitler chegou a ser eleito o “Homem do Ano” pela Revista Time. Ele tinha seguidores no mundo inteiro, e ainda os tem. De onde você acha que vem a paixão de alguns brasileiros por personagens como Bolsonaro e (em menor grau) o juiz Sérgio Moro? De onde você acredita que vem o saudosismo pela ditadura e os regimes fechados?

Ora… existia antes – e continua a existir agora – um desejo por governantes fortes, uma espécie de busca pela figura paterna, forte, viril e que dê conta dos nossos medos e fragilidades. É por isso que glorificamos esses personagens que nos prometem “dureza“, “firmeza“, combate sem tréguas à “corrupção“, etc. Lembra como Collor nos ludibriou com sua “Caça aos Marajás“? Pois atentem que seu discurso era EXATAMENTE na mesma linha do que se fala ainda hoje. Percebe como de novo estamos “caçando corruptos” como se isso significasse a redenção nacional? Não Percebe que essa estratégia obedece a uma agenda que já foi usada com Getúlio, Jango, Juscelino e Dilma?

Isso apenas mostra que estamos repetindo a história por não termos aprendido o suficiente com suas lições. Quando vejo Moro tratado como “Messias”, usando métodos medievais e ilegais como regra, e com o beneplácito de um STF molenga e acovardado, eu percebo que os fatos que culminaram em Hitler – na época amado por todo o povo alemão – se repetem na frente dos nossos olhos. A mesma busca por um Salvador nacional que nos livrará de todo o mal, e mesma leniência com o Estado Democrático de Direito, e mesma caça a políticos de um lado só, etc…

Esse Bandeira poderia estar ainda hoje tremulando. Tenho certeza que entre os “revoltados” e “anticomunistas” ela continua na moda.

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Universidade Elitista

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Meus colegas de faculdade tinham nome de rua. Eles eram a geração mais nova das oligarquias burguesas do estado, muitas delas ainda do tempo das charqueadas e da Revolução Farroupilha. Eu era um “estranho no ninho”, filho de funcionário público que estudou em escola do estado. Tive colegas que chegaram para o trote no primeiro dia de aula dirigindo seu próprio Dodge Dart (eu peguei o 77, linha Menino Deus). Algumas colegas se gabavam para mim de nunca terem comido no refeitório do hospital escola; afinal “bandeijão” não ficava bem. Outros que vinham do interior diziam, entre risos, que suas despesas na capital eram bancadas pelo MFL – Montepio da Família Latifundiária.

Todos estudavam de graça na universidade federal. Quem pagava nossas aulas podia ser visto pela janela do último andar do Instituto de Biociências: o pipoqueiro do Parque Farroupilha. Ele, e todas as outras pessoas que pagavam impostos, tiravam um pedaço do seu magro orçamento para que nós pudéssemos nos orgulhar de fazer uma faculdade cobiçada, valorizada e gratuita. Sua esperança era que, finda a etapa escolar, o investimento no menino esforçado e na menina estudiosa valeria a pena, e eles serviriam como anjos a apaziguar os sofrimentos do corpo e da alma daqueles que os ampararam por tantos anos.

Mas esse retorno sempre é apenas uma promessa, e nada nos garante que será realizado. Pagamos por toda uma educação superior sem qualquer garantia de que este profissional retribuirá com seu trabalho para o povo que o sustentou. Mais ainda, nosso processo seletivo privilegia o andares superiores das castas sociais, deixando quase nenhum espaço para pobres, negros e oriundos do ensino público. As cotas vieram para tapar esse fosso, mas nenhum avanço será percebido na fotografia de formatura antes que duas ou mais gerações tenham passado.

Por enquanto na universidade pública é o imposto do pobre que paga para o filho do rico estudar de graça.

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Nojo

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Na última campanha eleitoral no Paraná o candidato Greca, fervoroso antipetista que lidera as intenções de voto em Curitiba, disse que não gosta de pobres e que, quando tentou ajudar um deles colocando-o em seu carro, teve náuseas por causa do cheiro. Mas, quem pode dizer que está o candidato está “equivocado”. Ora, como pode ser errado um reflexo – por definição involuntário – de náusea e vômito ao sentir o cheiro de um pobre?

Pelo contrário, o candidato deveria ser elogiado por expressar de forma clara e cristalina o sentimento que muitos candidatos tem em relação aos mais necessitados de uma população. Aliás, o “nojo” que boa parte da classe média brasileira tem do PT é exatamente por causa desse cheiro, esse odor de povo e esse aroma de equidade.

Infelizmente a imensa maioria dos seus críticos não consegue admitir que a ojeriza que nutrem pelo partido de Lula se deve às suas virtudes, menos do que por seus inequívocos defeitos. O que a estas pessoas causa nojo é essa mania que o PT tem de olhar para o Brasil para além dos muros da classe média.  

Como não há coragem para admitir a aversão que sentem pelo povo, pelos pobres e pelo “resto” do Brasil, melhor então fazer como foi a prática em todos os golpes anteriores, militares ou não: batam na corrupção, pois a luta contra ela nos autoriza a quebrar – sem remorso – um a um os pilares que sustentam o Estado Democrático de Direito. Se alguém reclamar a resposta é o velho clichê: “Ah, vai defender a corrupção?”  

Aqueles que sentem nojo desse cheiro apenas entendam que ele vai continuar no ar penetrando suas narinas, e não será com golpes que poderemos arejar a democracia. Acostumem-se pois não há como fugir dele para sempre.

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Netos

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Meus netos são ilhas de alegria e esperança em uma vida aguerrida, que olhando de longe parece um Rio Doce pós-Samarco, cheio de impurezas e detritos. Se eu não pudesse ser avô faria isso mesmo: andaria de pela cidade, solitário, a pé ou de ônibus, todos os dias e me ofereceria para casais ou moças simpáticas a minha disponibilidade de ser avô.

Aliás, reclamo há muitos anos da falta que me faz esse substantivo. A paternidade é a qualidade de ser pai, assim como a maternidade se refere às qualidades maternas. E como diz para avô? Pois se me fosse negada a possibilidade biológica de ser avô eu ofereceria a minha “avozidade” para um casal mais velho cujos pais já se foram. Assim essas crianças não seriam privadas do melhor exemplo de vida que podem lançar mão: a sabedoria açucarada de um avô.

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Haters

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Fico um pouco impressionado com pessoas que se afetam com os comentários negativos que recebem ao tocar em temas delicados e polêmicos na Internet. Quando vejo isso eu sempre me pergunto: será mesmo que essa pessoa pretende debater essas questões e não espera receber um ataque violento vindo do outro lado? Acha mesmo ser possível tocar no nervo exposto das crenças alheias sem ser importunado por isso? Acredita que seu engajamento apaixonado e a crença na “verdade” que carrega… são escudos fortes o suficiente para afastar detratores?

Por trás dos paroxismos de ódio e indignação está um corpo de inseguranças coberto com o verniz da arrogância.

Eu não caio mais nessa armadilha. Sei mesmo que tangenciar temas profundos é tão necessário quanto complexo, e não nutro nenhuma ilusão de unanimidade, sequer aceitação. Nietzsche já dizia que um verdadeiro pensador só é entendido um século depois de escrever suas ideias, então por que a pressa?

Por outro lado também reconheço que o destempero é a contrassenha do detrator. Se ele vier com pedras, retribua com sorrisos; se ele trouxer fel, transforme em mel. Quanto mais difícil esta alquimia tanto mais será efetiva em mudar a energia de quem lhe ofende. Responder com ódio ou desprezo é acusar o golpe, pois é tudo o que o agressor deseja ao lhe lançar o anzol da discórdia.

Não alimente haters deixando-se afetar por eles. Caso necessário apenas delete e abra espaço para as críticas e os contraditórios que focam no debate e não nos sujeitos.

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Suicídio na Classe Médica

suicidio

Enquanto escrevo essas palavras podemos mentalmente nos despedir de mais um médico que tirou – em algum lugar do planeta – sua própria vida. Sim, em média um médico por dia se suicida no mundo. O estresse de lidar com o “twilight” entre a vida e a morte, o medo de ver sua carreira destruída por um erro ou um mau resultado, a perseguição perversa e vingativa de pacientes e colegas e a pressão por parte de uma corporação mais interessada em poderes e dinheiro… acabam, com o tempo, destruindo o que existe de humano nos médicos.

Os sobreviventes muitas vezes se refugiam no cinismo e no desinteresse. A morte das paixões muitas vezes ocupa o lugar da morte do corpo, mas transforma estes homens e mulheres em zumbis que olham sofregamente para o relógio aguardando a aposentadoria que lhes oferece, pelo menos, um pouco de paz.

Quatro centenas de médicos no mundo dizem “chega” à própria vida todos os anos. Perdi alguns colegas desta forma, alguns da minha especialidade, mas o suicídio de pessoas que deveriam ser o primeiro apoio a quem pensa em tirar a própria vida mostra que estamos falhando. E estamos matando o que existe de transcendente na medicina. Humanizar a medicina é humanizar também o trabalho de quem cuida. O modelo de “crime e castigo”, punitivo e cruel, anacrônico e inútil, é um dos que mais contribuem com tal tragédia.

Quem sabe no futuro possamos mudar a mentalidade para uma visão mais acolhedora e curativa, ao invés de investir na abordagem mutilatória que aplicamos nos profissionais da medicina, a qual arranca deles o que de mais nobre e justo podem oferecer à sociedade.

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Evolução

evolucao

Será o “progresso” realidade ou miragem?

O problema é que a adoção da agricultura não foi pelas potenciais “facilidades” que ela sugeria, mas pela premência de adquirir espaço. Exatamente porque a estratégia de caça e coleta obteve vantagens por milênios ela acabou por determinar incremento da população e sucesso reprodutivo. Com isso a população cresceu e a cizânia se instalou. Um grupo de caçadores coletores precisa de 1 km2 por elemento para uma caça e coleta adequadas. Como garantir esse espaço? Com o crescimento – mesmo que lento e insidioso – da população, onde acomodar o surplus populacional? Desta forma, fica fácil entender que agricultura não foi opção; foi a imposição dura de um mundo que ia encolhendo. Com ela veio a fome, a religião, o patriarcado e a violência como modelo de relação.

Ganhamos com isso? Talvez sim, e a nossa sobrevivência é a prova.

Mas… a que preço?

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Bagaceiro

bagaceira

Nossos ouvidos são invadidos diariamente por uma enxurrada de músicas de conteúdo erótico explícito cujas protagonistas são meninas e/ou adolescentes. Espanto, rejeição, curiosidade ou clara aversão? Esse tema deveria ser tratado com cuidado e profundidade.

Eu lembro que EXATAMENTE as mesmas criticas que vemos aos bailes e às músicas do funk popular foram feitas aos rebolados do Elvis e às próprias letras do nascente roquenrol. Hoje em dia parecem coisa de criança. Quando me choco com as músicas e performances dessas meninas tento decidir se estou parado no tempo e me comportando como um velho de pensamentos e gostos anacrônicos… ou então se meu horror é justo e devemos colocar uma barreira contra os excessos produzidos pela indústria do entretenimento.  

Não tenho respostas. Como de regra prefiro as perguntas, mesmo que isso me ofereça ainda mais angústia. Minha principal questão é se estas meninas, novas estrelas da música Funk, estão empoderando as mulheres através do (novo) protagonismo da sua sexualidade ou apenas aprofundando sua objetualização e coisificação. Entre o choque e o assombro ainda creio que o simples distensionamento das amarras da sexualidade feminina – da qual fui testemunha nos últimos 40 anos – não resolveu a angústia essencial que sua complexa expressão erótica demanda.

Por outro lado, também percebi que nenhum passo atrás seria admissível em um mundo embriagado pela histeria dos corpos e vozes. Entretanto, debater está questão é essencial. A explosão da sexualidade explícita dessas meninas é uma nova etapa da revolução sexual ou um contragolpe silencioso e dissimulado do patriarcado?

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Pensamento Arriscado

ligadura

Um pensamento arriscado que me ocorreu:

Eu acho que se uma mulher deseja fazer uma laqueadura para evitar uma gravidez futura seu marido deveria ter ciência disso. Portanto, sua assinatura não deveria ser uma “autorização”, mas uma prova de que sabe da decisão de sua esposa no que se refere ao futuro reprodutivo de ambos. Se uma mulher casada não pode vender um imóvel sem a assinatura do marido, porque isso afeta a vida financeira de ambos, porque deveria ser diferente com a… decisão de ter filhos?

Ah… e antes que achem isso machista, penso exatamente o mesmo em relação às vasectomias. Um homem casado não pode se esterilizar sem que sua mulher SAIBA – não confundir essa atitude com “autorizar”.

Aceito contraditórios. Se eu estiver errado me digam a razão.No debate sobre esterilização – aqui entendida como uma ação realizada de forma autônoma por um sujeito para impedir a reprodução – eu retirei alguns pontos que acredito resumirem as posições apresentadas.

Aqui está o que eu percebi:

1 – Ninguém questiona o direito inalienável do sujeito fazer alterações na sua capacidade reprodutiva livre de preconceitos, coerções ou constrangimentos. Autonomia total sobre o corpo. Ninguém tem o direito de determinar o que será feito no corpo de outro adulto.

2 – Algumas pessoas acham que essa ação é pessoal e não pressupõe aquiescência do parceiro. Não seria necessário ao parceiro assinar nenhuma autorização. Entretanto, pela legislação corrente no SUS funciona ainda assim, para homens e mulheres, sendo exigida autorização compulsória por parte do cônjuge.

3 – Um outro grupo acha que a justiça não tem nada a ver com isso. Nenhum documento e nenhuma comunicação compulsória seriam necessários. Isso é da vida íntima do casal e o Estado não pode – ou não deve – se interpor numa relação íntima, que só pode ser resolvida pelos sujeitos envolvidos.

4 – Outro grupo acha que, assim como uma compra de imóvel afeta a ambos, pela comunhão de bens que rege o matrimônio, seria justo que houvesse a comprovação da notificação quando uma cirurgia fosse realizada. Isto é: você pode fazer o que quiser com seu corpo, mas se isso afetar expectativas do seu companheiro(a) será obrigado a notificar (a posteriori) para evitar danos a ele(a).

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