Arquivo do mês: setembro 2020

Mister Bento e João Gilberto

Depois que o Mister Bento teve seu xaveco revelado nas redes sociais ele veio a público fazer uma declaração onde se diz arrependido e pede “desculpas” por seu erro. “Afinal, errar é humano”, disse ele.

Diante desse singelo pedido de escusas, eu pergunto: desculpas pelo quê e para quem? Pelo que vi da conversa ele foi respeitoso, não baixou o nível, não agrediu e não atacou a moça. Foi, talvez, um pouco insistente, mas nada além do jogo de vai-e-vem da conquista. Se a moça tivesse achado que a conversa era abusiva não o teria chamado de “querido” e teria deixado de responder. Não, apenas deixou claro para o rapaz que ele “não era seu tipo”. Aliás, uma conversa que provavelmente acontece todas as noites em milhões de danceterias espalhadas pelo mundo onde se pratica o jogo da sedução.

O que chama a atenção na conversa não é nenhum “erro”, mas o discurso que desvela uma auto estima espetacularmente alta, ilimitada, de alguém que toma a negativa da menina como algo inconcebível. Ele me lembrou imediatamente Gastón, o personagem musculoso de “A Bela e a Fera”, que não conseguia acreditar que a pequena Belle não se deixasse encantar pelos atributos físicos do homem “mais lindo da aldeia”.

Mas… por que pedir desculpas por mostrar-se como verdadeiramente é, despido das capas sociais de ocultação? Por que deveria pedir perdão por dizer o quanto se acha lindo, maravilhoso, belo e talentoso? Por que deveria se desculpar pela desabrida imodéstia? Se essa demonstração de vaidade pode ser desagradável aos nossos sentidos, certamente não é ofensiva ou violenta. Por qual razão deveria ele, então, pedir perdão?

Perdão pelo xaveco? Pela cantada? Pelo convite para saírem? Perdão por “se achar”? Por mostrar sua “nudez” emocional na intimidade de uma conversa? Pela autoimagem exaltada e magnificada?

Não faz sentido para mim. Não há o que se desculpar.

Isso me lembrou uma velha piada atribuída ao genial João Gilberto.

O já famoso João Gilberto recebe antes do seu show um jovem aflito em seu camarim. Diz o jovem bastante nervoso ao cantor:

– Preciso de um favor seu. Estou com uma garota que há anos tento conquistar. Descobri que ela é sua fã e consegui comprar ingressos para uma mesa bem próxima do palco. Se você viesse me cumprimentar depois do show acho que isso a impressionaria. Meu nome é Ricardo. Poderia me ajudar?

João Gilberto sorriu ao entender o plano do rapaz. Sabia ele que ser íntimo de um cantor famoso deveria garantir muitos pontos na luta para conquistar uma mulher. Concordou com sua ideia e se despediram.

Terminado o show, seguido de efusivos aplausos, lembrou da promessa e se dirigiu à mesa onde Ricardo estava com a vistosa loira de decote hipnótico e generoso. Acercou-se de ambos e com um sorriso cumprimentou o “amigo”.

– Então Ricardo, que bom que você veio. E pelo visto trouxe uma linda jovem.

Ao ouvir as palavras do pai da Bossa Nova, Ricardo franziu o venho e disparou:

– Não posso conversar não, João. Depois falamos. Agora estou conversando com a Rita.

Moral da história: ser amigo de João Gilberto pode lhe dar pontos, mas esnobá-lo quebra a banca.

Da mesma forma, receber uma cantada do “homem mais lindo do Rio Grande“, pode inflar seu ego, mas esnobá-lo e expor sua vaidade a todos, tornando pública uma conversa privada e exibindo a intimidade de uma conversa (mesmo com o risco de humilhar alguém que não lhe fez mal algum) pode lhe jogar às alturas. Melhor ainda: ninguém vai questionar a ética dessa atitude, pois todos ficarão focados na auto estima gigantesca do Mister Bento, tanto quanto Ricardo e João ficaram hipnotizados pelo decote de Rita.

Quem deveria pedir desculpas?

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Bad choices

That’s how Americans can be stupid to their bones. That would be the same if, to fight Bolsonaro, we decide to compliment Temer.

You must be kidding. For sure Trump is a psychopath and unfit for the presidency, but Obama is one of the most prominent killers and murderers of the White House. SEVEN countries heavily bombed during his time as “commander in chief”. Thousands of women and children killed in search for cheap oil. Entire countries like Iraq (where he continued and maintained the warfare), Libia, Yemen, Syria, Afghanistan and many others were turned into ashes. Millions of lives were destroyed.

So the fact that he didn’t cheat on his wife (and you don’t really know if that is true) make him a good president? Seriously? So…. keep in mind that a month ago Jerry Falwell was such a noble and devoted Christian.

Obama was a total failure if we consider his weakness to stop the Empire to destroy lives, countries and the idea of a peaceful world.

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Tipos virtuais

No Facebook há pessoas a quem poderíamos chamar de “delimitadores”, que são sujeitos que buscam fazer declarações – políticas, pessoais, científicas, filosóficas, etc. Para estas, a opinião dos outros é desimportante na medida em que sua manifestação serve apenas ao propósito de marcar uma posição e apontar uma demarcação de ideias, e a perspectiva alheia não terá força suficiente para demovê-la de lá. Trazem verdades e perspectivas pessoais claras e fortes.

Por outro lado há também os “debatedores”, gente que propõe ideias como quem lança um anzol em um oceano de perspectivas, esperando que os peixes mordam para que eles mesmos possam se alimentar do que o mar tem a lhes oferecer. Não têm posturas fechadas, mesmo tendo opiniões e pontos de vista, mas acham interessante conhecer o “outro lado da história”.

É um grave erro confundir estas duas personalidades. Via de regra, nunca tente debater com a primeira; por inúmeras razões ela não está pedindo sua opinião, não quer saber o que você pensa e só aceita sua concordância e sua afiliação com seu ideário. É importante respeitar essa limitação.

Com a segunda, aproveite o texto e as respostas que se seguem. Muitas vezes elas são muito mais interessantes do que a postagem inicial. Em inúmeras oportunidades a ideia motivadora produz “spin offs” ainda mais interessantes que o assunto proposto a princípio. Coloque sua ideias – ou sua discordância – focando no texto proposto (e não em sua agenda pessoal) e de forma respeitosa. Não seja agressivo ou debochado. Depois de escrever releia e pondere.

Em qualquer das duas possibilidades nunca responda quando o debate se contaminar com ataques pessoais. Quem usa das redes sociais para ofender a honra de desconhecidos apenas inventa assuntos para ter essa oportunidade. Fuja dos trolls e não os alimente.

E, acima de tudo, não seja ingênuo de debater racionalmente com alguém cujas crenças foram obtidas irracionalmente.

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Dinheiro

“O dinheiro suficiente para sanar problemas se restringe àquele que supre as necessidades. Comida, segurança, proteção, abrigo, frio, chuva. Acima disso estaremos já no império dos desejos. Estes, por definição, são infinitos, enquanto as necessidades são limitadas e circunscritas à vida e à fisiologia.

Perguntar quanto de dinheiro te faria feliz é o mesmo que perguntar qual a profundidade de um buraco sem fundo. Ou qual a distância até o infinito…

Dinheiro não produz felicidade porque esta é a realização de um sonho infantil, mas para as crianças pequenas o dinheiro inexiste. Por isso a felicidade não pode ser atingida com valores monetários.

Se o dinheiro pudesse trazer felicidade ricos seriam automaticamente felizes, mas isso está bem longe da verdade. São felizes a despeito do dinheiro, ou infelizes apesar dele.”

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Eleições diretas

Precisamos falar de influenciadores digitais…

Caras como Tico Santa Cruz e Felipe Neto com frequência usam de sua influência para trazer temas com perspectivas extremamente equivocadas. A ideia de que as corporações deveriam ter plena liberdade de escolher seus representantes – como a PGR – garantiria a elas um poder autônomo e não regulado pela vontade popular. Criticar Lula por defender essa indicação em tese é um erro. Ou oportunismo.

Assim, esta instância política (pois age sobre a polis) se estabeleceria acima das decisões democráticas, colocando no panteão do poderosos representante de categorias sobre as quais o povo não tem qualquer ingerência.

“Todo o poder emana do povo…”, ainda está valendo?

Ser contra a indicações interesseiras e até criminosas de Bolsonaro é legítimo, desde que isso não signifique golpear a liberdade dos presidentes eleitos de indicar figuras chaves da administração.

J. Edgar Hoover, que ficou 38 anos no poder eleito por seus iguais (e ai de que não votasse nele) é um bom exemplo de como esse modelo pode ser destrutivo e ameaçante à democracia.

Já pensaram 38 anos de Janot ou Aras? Pensem como seria se eles fossem populistas que agradassem sua clientela (os procuradores) mas agissem contra os interesses da nação? Como retirar alguém com esse modelo alheio às decisões do escrutínio popular?

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Panóptico

O mundo panóptico contemporâneo se tornou o VAR da vida social. Não há mais como esconder aquela crise de raiva incontida, aquela explosão de contrariedade ou aquele paroxismo de indignação, da mesmo forma como a puxadinha no calção do adversário na hora do escanteio se tornou um risco absurdo.

Hoje um ato impensado pode nos jogar no abismo da condenação pública, onde não há perdão. Os juízes da redes sociais marcam pênalti, sem dó. Agora uma vida inteira de virtude sucumbe a poucos segundos de luxúria, pecado ou egoísmo expostos publicamente.

O exercício da contenção hipócrita e de uma fachada social falsa ainda precisam ser mais bem avaliados. Uma sociedade impedida de exercer a privacidade torna-se necessariamente mais virtuosa pela inexistência explícita de pecado?

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Passe livre

Cesariana = passe livre.

Médicos podem até matar seus pacientes se o fizerem dentro do modelo médico intervencionista, pois a medicina se assenta exatamente sobre o “controle e manipulação da tecnologia”. Quem respeita essa normativa está seguro. Cesarianas oferecem total segurança; partos normais serão sempre arriscados para quem os atende.

Tipo, você pode até matar um paciente durante uma cirurgia de ponte safena, mas se ele morrer porque você o estimulou a comer melhor e mudar seu estilo de vida será tratado como um “negligente”. E de nada adianta mostrar evidencias; medicina não se move por elas, mas por interesses corporativos. Aliás, como toda corporação.

Qualquer médico cujo paciente for a óbito obedecendo a estes cânones sagrados estará protegido pelos seus pares. Toda a corporação promoverá um círculo de proteção a este profissional, porque assim estará protegendo a SI MESMA.

Todavia, qualquer profissional que desafie a ideia de supremacia médica sobre a saúde questionando seus pilares de sustentação, será execrado, perseguido e, por fim, eliminado.

Desta forma, questionar a atenção cirúrgica, hospitalar e médica ao parto cabe exatamente na definição de “heresia”, por desafiar a crença da superioridade do conhecimento médico sobre o nascimento. Vi isso muito de perto; o pior crime sequer é o local extra-hospitalar do nascimento, mas reconhecer o conhecimento autoritativo das parteiras profissionais como válido.

Todo aquele que assim proceder será tratado como traidor.

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Obstetras ou “Obstétricas”

Model in studio isolated on white background

Afinal, é “enfermeira obstétrica”ou “enfermeira obstetra”?

Bem, aqui vai a minha opinião…

Eu discordo da tese que nomeia as enfermeiras com pós-graduação como “obstétricas”. Para mim o nome mais indicado é “enfermeira obstetra” por algumas boas razões, e acho que essa deveria ser uma luta da enfermagem em nome de sua valorização.

A primeira é que colocar “obstetra” no nome não se adjetiva o trabalho, mas o substantiva, coloca-o em uma pessoa. Querem um exemplo simples de entender? Quando me perguntavam minha profissão eu dizia “médico”, e se depois perguntassem a especialidade dizia “obstetra”, jamais “médico obstétrico”. E por que com as enfermeiras deveria ser diferente?

Ora… porque aos olhos do poder médico hegemônico na enfermagem NÃO existem obstetras, mas tão somente “enfermeiras que fazem serviços obstétricos“, o que retira delas esta denominação, essa função e esse poder.

Para mim fica claro que há um truque semiótico e semântico na retirada desse denominador, mas não contem comigo para usar um nome que pode servir para diminuir a importância da enfermagem obstétrica no cenário contemporâneo.

Se não houver uma determinação (equivocada, ao meu ver) para retirar o nome de “obstetras” das parteiras profissionais é assim que vou continuar a chamá-las. “Obstétrica” fala da função, “obstetra” da pessoa; prefiro reforçar o que SÃO, não o que fazem. Aí está a chave para entender a disputa.

Portanto, eu pessoalmente prefiro chamar as profissionais que atendem o parto de “parteiras profissionais” – para reforçar o nome e os valores da parteria – mas na esfera da enfermagem o nome que me parece justo é obstetra mesmo, pelo que eu expus acima.

Semiótica é tudo. Os nomes com os quais batizamos as coisas desvelam o valor que nelas colocamos. Por isso chamamos “paciente” quem nos espera para ser atendido ou descrevemos menopausa como “falência ovariana”. Não existe nome inocente. E não se trata de debater o português, mas as intenções inconscientes do seu uso.

Ahhh, a outra razão? Não acho legal uma profissional cujo nome termina em “tétrica”.

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Visita

Ela parecia estar acordando quando virou o rosto para mim. Sua face estava mais corada, por certo, que da última vez que a vi, e também não tinha algodões no nariz. Abriu os olhos com sofreguidão e balbuciou algumas palavras que não entendi. Por instantes suas pupilas passearam pelo alvo da conjuntiva olhando ao redor, tentando reconhecer o lugar; logo depois ensaiou um sorriso. Tentei ser econômico nos gestos para não assustá-la, mas levantei a mão aberta até a altura do ombro e curvei os lábios para cima, sorrindo.

Humm, está tudo arrumado aqui, disse ela colocando as mãos espalmadas sobre a cama. Vestia uma saia cinza e um suéter cor de vinho escuro. Parecia muito mais jovem, pelo menos 40 anos a menos. Sua pele perdera muitas rugas enquanto suas bochechas ganharam vigor e seus cabelos o viço que me acostumei a conhecer.

Com a ajuda de uma auxiliar sentou-se na cama e girou o corpo em minha direção, deixando as pernas brancas penduradas e as meias de cor bege apontadas para mim. Ao sentir-se mais forte ergueu os ombros e respirou fundo. Depois sorriu e me olhou nos olhos.

– Bom saber que está aqui. Chegue mais perto, meu filho.

Com um passo tímido cheguei mais próximo da cama. Ela ergueu as mãos magras e as colocou sobre meus ombros, enquanto aproximava seu rosto do meu. Acercou-se do meu ouvido e sussurrou baixinho as palavras, as quais guardei na mente sem nada dizer em resposta, como se aquela fosse uma verdade há muito conhecida.

– Voltei só para lhe dizer isso. Estou com sono, preciso voltar.

Recostou-se novamente na cama enquanto sua auxiliar lhe ajeitava a cabeça. Cruzou os braços sobre o peito e fechou os olhos, mantendo ainda um sorriso preso nos lábios. – Descanse, mãe. Até breve.

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Jesus

Cada um constrói Jesus de acordo com suas fantasias. Não há nenhuma forma de descrevê-lo de forma minuciosa sem se basear em pura imaginação. Recorrer à Bíblia é um enorme risco, na medida em que são relatos imprecisos de fatos descritos até um século depois de terem ocorrido.

Aliás, ao meu ver Jesus era precisamente isso: um “judeu falando de judaísmo para outros judeus”. Era um dos muitos (centenas) de Messias que vagaram pela Judeia pregando a libertação do povo judeus do imperialismo romano. Ele jamais falou, durante toda a sua curta pregação, para não-judeus; seu universo sempre foi o espaço entre o mar Mediterrâneo e o Rio Jordão. Jesus era essencialmente um reformista da religião judaica e um agitador político ligado aos Zelotas. A ideia de que era um “enviado”, um “Espírito de luz”, “o filho de Deus”, o “próprio Deus encarnado” ou um ser responsável pela “governança do planeta” mistura “wishful thinking” com delírios etnocêntricos, colonialismo europeu (pois foi lá que o cristianismo em todas as suas vertentes floresceu) e o puritanismo. A concepção virginal e o celibato crístico falam muito dessa visão pecaminosa e religiosa sobre a sexualidade.

Seu projeto político, como se sabe, foi um fracasso retumbante, pois que o Messias seria aquele que cumprisse a profecia de libertação do povo oprimido da Palestina – o que só ocorreu 70 anos depois e por pouco tempo. Não só ele, como centenas de outros “Messias” tiveram o mesmo fim. Todavia, tudo o que se diz sobre a vida mundana de Jesus é criação posterior à sua morte, e não há como saber o que realmente ocorreu. Assim, se Jesus era um judeu comum, com propostas revolucionárias, agindo politicamente na Palestina para a libertação do seu povo, o Cristo é uma criação humana do inconsciente coletivo diante das demandas sociais e políticas do seu tempo. O Cristo foi, assim, moldado diante de nossas vontades e fantasias, guardando pouca – ou quase nenhuma – relação com o jovem judeu que caminhou pela Galileia.

Adam B. Wellington, “Steps on the Sands of Palestine”, ed. Barack, pág. 135 (tradução pessoal)

Adam Burke Wellington é um paleontólogo da Universidade de Hamilton, com mestrado em estudos bíblicos que escreveu vários livros sobre a vida do “Jesus histórico”. Colaborou com a coleção “Avatars” descrevendo o Jesus da Galileia em sua vertente socialista. Seu livro mais conhecido em português é “Sombras do Jordão”, da editora Magiar.

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