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Mitos

Imaginem que, numa espetacular descoberta arqueológica, são encontrados na Palestina papiros que descrevem vida e os caminhos do “Jesus real”. Nestes documentos está descrito, de forma inequívoca, que o Messias nunca foi um ser santificado, mas tão somente um escroque, um ladrão, um dissimulador que usava de meros truques de mágica para enganar incautos e ludibriar os crédulos da época. Sua condenação se deu por suas múltiplas falcatruas ou golpes, e não por suas belas palavras, ensinamentos, parábolas, bem-aventuranças ou milagres. Tudo de belo escrito sobre ele não passa de peças políticas, criadas sobre um personagem ficcional, meramente baseado no jovem judeu crucificado no Gólgota.

Claro, é apenas um exercício de imaginação; nada disso ocorreu. Minha pergunta é: se fosse verdade, quantos abandonariam a fé cristã diante das evidências de que o personagem que tanto veneram – e por mais de dois mil anos – não é mais que uma mera criação humana? Quantos deixariam o cristianismo após descobrir que o verdadeiro Jesus de Nazaré nada se parece com o Cristo sobre o qual se ergueu uma igreja de sucesso em todo o planeta.

Minha resposta simples é: zero.

Inobstante as provas encontradas, a vinculação que temos com esses personagens está muito além (ou aquém) de qualquer análise racional, e por isso mesmo esta conexão é poderosa. Não precisamos da razão para criar vínculos com esses ícones, pela mesma razão que nossas outras tantas conexões afetivas não carecem de qualquer ligação racional essencial. Não amamos esta ou aquela pessoa por uma análise lógica e baseada em fatos; nossa ligação é muito mais visceral, e não precisa que os elementos subam do fígado ao cérebro para serem validados.

Aliás, as descobertas recentes da estrutura do Universo balançaram as estruturas da Igreja, mas esta lentamente assimilou as novas descobertas e as ressignificou. “Ok, não somos o centro do Universo, mas Deus Pai zela por todos nós por sua onisciência, onipresença e amor infinito”. Feito. Bola ao centro e reinicia o jogo.

Esse tema me veio à mente porque a recente condenação de Trump tem essas mesmas características. Alguém acha mesmo que Trump perderá a próxima eleição por ter sido julgado, condenado e seus crimes revelados? Responda então: um candidato que se coloca contra o sistema, ao ser condenado por este mesmo sistema que combate, não sairá fortalecido? Essa é a grande força de Trump: disseminar no povo americano a esperança no retorno aos tempos de glória através da ficção de que ele representa o combate ao “sistema”, o enfrentamento ao “deep state” e a luta contra o “globalismo“. Como ele mesmo disse: “Eu poderia dar um tiro em um sujeito na 5ª Avenida e ainda assim venceria a eleição”. E não está errado; ele sabe o papel mítico que exerce sobre o eleitorado.

Bolsonaro, o fac-símile do trumpismo em Pindorama, igualmente sabe que as provas de seus desmandos, a roubalheira, as joias, as propinas da vacina e a tentativa de golpe não atingem o coração de sua imagem de “cruzado antissistema” e contra “tudo isso que está aí”. Ele entendeu que sua legião de acólitos pouco se interessa pela vida real e mundana do seu líder, e apenas enxerga o “mito” que pode redimi-los de sua vida insossa e medíocre. Tanto lá quanto aqui, a falência do capitalismo continuará produzindo estas figuras que iludem seus seguidores fingindo combater o sistema quando, em verdade, são o seu último suspiro.

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Acasos

Na verdade, a lei que explica a fama da Mona Lisa pode ser aplicada a vários outros fenômenos humanos, dos quais nos afastamos ou aproximamos muitos menos em função de sua essência e muito mais pelas circunstâncias, a mais das vezes, aleatórias. Não tivesse sido roubada na aurora do século XX, e numa época de extremado fervor nacionalista, talvez ela fosse menos conhecida do que algumas pinturas de Vermeer ou Botticelli. Foi o acaso que a tornou a pintura mais conhecida do planeta – não suas qualidades artísticas.

Por isso a mantenho minha tese sobre o cristianismo, uma religião criada nos confins mais insignificantes do Império Romano, cuja disseminação no mundo ocorreu muito mais pelas circunstâncias geopolíticas de sua implantação no Império Romano do Oriente do que por sua essência e seus ensinamentos – e o mesmo se aplica ao Cristo, um personagem mítico surgido dessa confluência de fatores. Poderia também citar Tiradentes como exemplo de herói esquecido e que foi ressuscitado pelos interesses geopolíticos do fim do segundo Império. Sua figura heroica e crística serviu aos interesses da burguesia e dos militares, ávidos para criar um símbolo dos ideais republicanos. Desta forma, não fosse pela proclamação da República e ele se manteria totalmente esquecido. Por mais que isso nos cause angústia, o sucesso e o fracasso de personalidades e ideias estão conectados a elementos absolutamente aleatórios e fora do nosso controle.

Não fosse por um meteoro a exterminar os grandes répteis há 60 milhões de anos os mamíferos ainda seriam desprezíveis e rastejante roedores, e nada do que conhecemos por humanidade teria chance de existir. Não fosse por Galatto e Mano seria professor de educação física na rede estadual (essa só para os gremistas).

Veja mais sobre esse tema interessante aqui.

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Jesus e Charles Bronson

Existe um caloroso debate acerca dos fatos acerca da vida de Jesus de Nazaré, isso porque os indícios de sua existência real não são conclusivos e não conseguem convencer os estudiosos mais céticos. Presume-se, entretanto, que esse personagem foi apenas um entre mais de 400 conhecidos e autoproclamados “Messias” da Palestina no período de dominação de Roma, cujo objetivo principal era tão somente libertar o povo miserável da Palestina do jugo do Império. Todos eles, inclusive o filho de José e Maria, falharam de forma inquestionável e foram sacrificados por seus dominadores. Jesus sequer foi o mais importante em sua época; como diz Reza Aslan, autor do livro “Zelota” que busca analisar os passos deste galileu que teria vivido entre nós há cerca de 20 séculos, “tivéssemos jornais diários naquela época é bem possível que sua execução ocupasse tão somente uma pequena nota no pé da página policial“.

Por outro lado, sabemos bastante sobre o Jesus mítico, por certo, mas ao analisarmos sua existência através dos textos bíblicos é possível encontrar em sua trajetória uma variada compilação das crenças da sua época, uma mistura rica de tradições de várias partes do mundo antigo, desde tradições egípcias, gregas e romanas até persas e babilônicas. Do ponto de vista histórico o Jesus “homem” é uma curiosidade que dura quase 2 mil anos, mas o filho de Deus foi uma criação coletiva que se adaptou às necessidades humanas do tempo em que foi forjada.

Minha percepção é que o “Jesus histórico” realmente existiu e era o que se pode chamar hoje de um reformista do judaísmo, alguém que desejava a transformação da religião judaica por dentro, um judeu falando das crenças judaicas exclusivamente para judeus, visto que Jesus nunca se referiu a outro povo que não o seu durante toda a sua vida. A ideia de levar sua mensagem aos gentios nunca foi dele, mas de seu seguidor Paulo de Tarso. Assim, o cristianismo tal qual o conhecemos, é uma mistura do apóstolo visionário Paulo com a incorporação desta religião pelo Império Romano do Oriente, através de Constantino, mas quase nada tem a ver com o revolucionário libertador que porventura tenha caminhado pela Palestina.

Inobstante os acalorados debates sobre a figura de Jesus, muito mais importante do que a descoberta desse sujeito que perambulou pela aridez Palestina há 2000 anos é a sua mensagem. Para um observador isento de preconceitos, é fácil perceber que as histórias da Bíblia precisam ser entendidas através de uma exegese profunda e sofisticada, olhando para os fatos narrados como ensinamentos e metáforas que carregam valores e ideias, e não como a descrição factual de acontecimentos. Essa é a essência dos livros “sagrados”, e por isso eles sobrevivem por milênios. Desta forma, o que se encontra na Bíblia, no Corão e no Bhagavad Gita não pode ser alvo de uma leitura histórica, fundamentalista e literal – pois isso seria uma perversão do sentido original de sua escrita – mas de um mergulho profundo nos valores e signos de sua época, para que possa ser entendido em seu contexto e significado profundos.

É por isso que durante minha vida inteira sempre tive um dúvida sincera: será que o Papa ou membros dos altos círculos da Igreja acreditam mesmo nesses milagres descritos no velho e novo testamentos, na multiplicação de tilápias, na transformação de água em vinho, na concepção virginal da mãe de Deus, no Cristo redivivo ao terceiro dia, nas curas, etc? Ou será que eles sabem – por serem homens de rara erudição – que tais descrições bíblicas não passam de belas alegorias, ficções escritas mais de um século após decorridos os fatos, exemplos de vida, valores morais, metáforas e histórias cheias de ensinamentos que servem apenas para oferecer um sentido ao caos da existência, mas que por sua força coercitiva e de coesão social funcionam como um cimento cultural poderoso para a formação de identidades?

Este dilema dos poderosos que controlam o cristianismo sempre me faz lembrar um filme do anos 80, um épico de extrema direita chamado “Desejo de Matar”, com Charles Bronson. Depois de ver a esposa sendo morta e a filha estuprada por um grupo de bandidos (claro, todos imigrantes escurinhos e latinos) o heróis vingador do filme resolve se vingar dos elementos que produziram sua desgraça pessoal. Movido por um ódio imparável, e sendo um veterano da Guerra da Coreia, ele conhecia “as manhas” do ofício de matar, mas teve agir à margem da lei. “Desejo de Matar” foi um dos mais importantes filmes do gênero “vigilante”, sujeitos que tomam a justiça pelas próprias mãos por reconhecerem a incapacidade do sistema judiciário de livrar a sociedade dos maus elementos. O filme, como se pode facilmente apreender, é um libelo fascista, que descreve a luta de “gente de bem” contra vagabundos que invadem e promovem a degenerescência dos valores americanos. Depois de muito treinar com a ajuda de um amigo ele encontra os meliantes e se inicia uma carnificina. Na luta, mesmo ferido, ele consegue matar um a um todos os criminosos e consumar sua vingança, até ser pego pelos seus policiais que estavam à caça do “justiceiro”

No hospital acontece a fala mais brilhante do filme. Os oficiais da polícia confidenciam a ele que houve uma diminuição significativa na taxa de crimes desde que ele iniciou sua busca por vingança. Sua prisão, portanto, de nada serviria à polícia. Os criminosos da cidade estavam com medo do “vingador”, e por isso refrearam suas intenções criminosas. Por este fato, os tiras decidiram se calar e não revelar publicamente sua prisão, preferindo deixar o mito vivo e à solta. Assim, ele foi avisado que nenhuma queixa seria dada e que poderia voltar para casa, desde que abandonasse a cidade para nunca mais voltar.

Ou seja: apesar de ser um criminoso ele cumpriu a importante tarefa de estancar a sangria de crimes na cidade. Um delinquente, um assassino frio e violento, um justiceiro cruel e um animal ferido, mas que cumpriu uma importante função social – a eliminação de vários criminosos e a instalação de um clima de medo entre os que ficaram. Como é fácil perceber, um filme típico da sociedade americana dos anos 70, assustada com o índice de criminalidade urbana, que pretendia justificar a violência tratando os policiais como heróis e os criminosos como uma casta de perversos e degenerados, acusando as leis de apenas ajudarem os meliantes e limitarem a ação da justiça. Suco de fascismo concentrado.

Aqui é que eu estabeleço minha analogia: Não estaria o Papa diante do mesmo dilema? “Eu sei que tudo isso é mentira, que são apenas histórias, que nada é passível de confirmação. Sei também da história terrível da Santa Sé, dos seus delitos horríveis, do poder e da corrupção. Sei dos malfeitos repreensíveis que colorem de sangue sua história. Todavia, reconheço a importância que estes mitos desempenham na coesão dos fiéis, em nome da Santa Igreja, de Jesus – o Cristo, e da Santíssima Trindade. Por entender isso, melhor calar-me diante do que sei, vejo e sinto. É melhor manter o mito vivo e à solta, porque isso exerce um controle moral sobre o rebanho“.

Não parece uma ideia justa?

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Religião e alienação

“Ahh, mas o Brasil não é o coração do mundo e a pátria do Evangelho? Há de existir uma intencionalidade dos planos espirituais para o nosso país. Não ficaremos órfãos de cristandade”.

Esse é o papo dos espíritas de hoje. Sinto muita tristeza em dizer isso, mas uma improvável vitória de Bolsonaro nestas eleições levaria o Brasil à morte, à violência e, por fim, à confrontação em níveis nacionais. Não é uma ameaça, mas um temor bem fundamentado. A hipnose a que se submete o povo brasileiro não pode durar indefinidamente. Com o tempo – que vai depender da nossa consciência e poder de reação – teremos de despertar desse sono. A fome voltou, o desemprego não baixa, os programas sociais já foram exterminados, o desmatamento prosseguirá, o extermínio dos índios idem.

O ódio é o idioma falado pelos bolsonaristas nas ruas, vários ativistas de esquerda já foram mortos, inimigos (e ex parceiros) de Bolsonaro desaparecem, e o Congresso se verga às decisões que desejam transformar o Brasil em um fazendão, onde os latifundiários, os rentistas, os especuladores e os banqueiros terão sempre a última palavra sobre os destinos do país. Estes assassinatos que estamos vendo agora poderão se tornar o padrão daqui por diante. A tensão entre o Brasil pobre e os donos do poder se acentuará e os conflitos inevitavelmente explodirão. Não há como conter o desencanto indefinidamente. O auxílio criminoso eleitoreiro vai acabar. Se Bolsonaro fosse eleito em janeiro tudo voltaria ao terror de sempre, mas aí já seria muito tarde.

Para os espíritas eu apenas posso dizer que Jesus era um socialista pregando revisionismo judaico e mobilização política para judeus que sonhavam com um levante contra Roma. Ele jamais foi o “governador da Terra”, uma afirmação corrente entre alguns espíritas iludidos com um pretenso destino especial deste país. Esse tipo de ficção ufanista agride a realidade dos fatos e nada mais é do que um dos mantenedores do nosso atraso social e econômico. NÃO SOMOS ESPECIAIS. Nós brasileiros não somos melhores, não somos predestinados a nada. Construímos a estrada à medida que andamos. O Brasil foi o último país a exterminar a escravidão, o país que mais concentra renda na mão de poucos bilionários (que sequer vivem no país), temos a elite mais racista e perversa entre os países emergentes, e somos a nação que mais mata gays, pretos e pobres pelas mãos do Estado. Temos uma das polícias mais violentas do mundo e matamos mais brasileiros do que muitas das guerras contemporâneas, todo santo dia. Não é honesto ou lícito falar de religião, de espíritos superiores ou de um Cristo apaixonado pelo Brasil; em verdade precisamos extirpar a perversidade entranhada na estrutura de poderes deste país, e isso é uma tarefa para este mundo e não para o plano celestial. Não seremos salvos pelo retorno do Cristo em uma carruagem dourada, retirando do planeta os “maus” e mantendo apenas os “cidadãos de bem”. Se existe algum futuro para o Brasil ele virá através do trabalho dos seus cidadãos na busca por equidade e justiça social. É necessário abandonar definitivamente as perspectivas messiânicas e salvacionistas, pois que o resultado desse pensamento é a alienação e a inação.

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Reflexões pós 1º turno

Claro que o primeiro turno foi decepcionante. A direita brasileira também fracassou de forma retumbante, mas estamos vendo o fortalecimento da extrema direita fascista, se fortaleceu no Senado e no Congresso. O Brasil ruma para se transformar em um evangelistão atrasado e violento. Metade da Câmara será de extrema direita, e praticamente todo o Senado da República. Entretanto ainda é tempo de conquistar o governo federal fortalecendo Lula para o segundo turno.

Porém…

Precisamos conversar sobre a esquerda identitária, a “esquerda” do amor e da diversidade. Precisamos voltar a ter uma esquerda dos trabalhadores, do proletariado, dos homens e mulheres pobres do Brasil. Enquanto tivermos uma esquerda do “amor”, da paz, sem luta, sem porta de fábrica, sem enfrentamento, sem peitar as forças repressoras do Estado, sem greve e sem povo na rua estaremos perdidos e o Brasil vai rumar para seu destino catastrófico: será uma grande fazenda controlada pelo capitalismo internacional.

Eu sei que não está tudo perdido. Precisamos manter o queixo erguido.

Nesta eleição, em especial, mas repetindo o que fizera em 2018, Ciro alio-se à corrente do atraso que cresceu na reta final da eleição. Ao ser “linha auxiliar” de Bolsonaro ele foi o principal responsável por não vencermos no primeiro turno. O voto útil foi usado, mas para Bolsonaro usando os votos de Ciro, que foi o maior apoiador de Bolsonaro durante os debates. Espero que ele desapareça da política.

A grande votação da extrema direita reflete a decadência moral e econômica do capitalismo. Aconteceu o mesmo na Europa. Estejamos preparados para o pior. Agora eu me sinto como se estivesse em janeiro de 1933 na Alemanha, vendo o meu país às vésperas de tomar uma decisão desastrosa para milhões de pessoas, a maioria delas com os olhos vidrados, acreditando nas palavras sedutoras do fascismo, saudando um líder fanático e com total desprezo pela vida humana. Pior ainda é perceber que estamos caminhando para um desastre ambiental, social e ético de proporções catastróficas, e não saber o que pode ser feito.

Viramos isso mesmo, um evangelistão. Seremos governados por pastores degenerados que controlam multidões de cordeiros, que por sua vez vão assistir o Brasil virar um enorme pasto para os interesses dos ricos e do capital internacional. o Brasil continuará a ser visto no mundo inteiro como o pais da miséria e da exploração perversa.

Todavia, enquanto aguardamos pelo segundo turno, é o momento de reunir os cacos, lutar por Lula e começar a pensar em um futuro para o Brasil. Precisamos mudar nossas estratégias e nossa retórica. Precisamos voltar a ser uma esquerda OPERÁRIA, de luta, de base e revolucionária.

O passo inicial é eliminar as pautas identitárias. Exterminar o discurso do “amor vencendo o ódio”. Abandonar os símbolos do amor e da paz e admitir que é preciso LUTAR será imperioso. Jogar fora toda a nossa carga de identitarismo é algo que precisa ser feito a partir de hoje. Isso significa abrir mão de figuras deletérias da esquerda, “esquerdistas” identitários de universidade, com suas pautas divisionistas, anti-operariado, que sabotam a destinação libertadora e anti sistema da esquerda. É preciso colocar a esquerda universitária no seu lugar, voltar para as fábricas, para as vilas e para as comunidades periféricas.

Afinal, que Jesus é esse que os bolsonaristas seguem? Benedita também pode ser incluída entre os evangélicos engolidos pela onda conservadora. Na verdade esse cristianismo bolsonarista não tem nada a ver com o Cristo, com seus valores morais do perdão e da solidariedade e nem mesmo com os ensinamentos contidos no Evangelho. O Jesus dos bolsonaristas tem arma na cintura e não tem apóstolos; formou sua milícia. O cristianismo dessa extrema direita é apenas uma identidade que perdeu suas raízes e hoje prega o oposto do que um dia foi seu ideário.

Hoje só tenho pensamentos tristes. Elegemos um senado ultra reacionário. Premiamos notórios bandidos como o ex juiz e o procurador da LavaJato. Colocamos um militar no Senado do RS e um astronauta fake em SP. Um chefe de milícias é o governador do RJ. Nossos representantes espelham o que existe de pior no Brasil. No fundo do buraco do bolsonarismo havia um alçapão, e lá dentro está a sombra de um futuro terrível. E os pobres? E a fome? E desemprego? E a devastação ambiental? Se tudo isso que vimos nesses últimos 6 anos de neoliberalismo não foi o suficiente para entendermos a rota suicida do país, o que nos fará acordar? Um hecatombe social?

Ainda temos o segundo turno. Nossa esperança é ter Lula como contrapeso para o desastre que o sul e o sudeste determinaram para a imagem do país. Vamos nos agarrar com todas as forças nessa esperança.

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Jesus e outros mitos

Para muitos estudiosos, a vida real de Jesus de Nazaré não passa de um mito.

Sim, é possível que Jesus – filho de Maria e José – não tenha sequer existido, como afirmam vários estudiosos, e com argumentos bem consistentes. Por outro lado, pode ser que o fato de não ser encontrado nos relatos de escribas até 1 século após sua passagem pela terra, tenha uma explicação bem mais simples, e muito mais plausível: Jesus foi – em sua época e no século que se seguiu à sua morte – absolutamente desimportante, assim como o foram os mais de 400 autoproclamados Messias de sua época, todos eles considerados “fracassados” pelo próprio povo judeu, que conectava a figura do Messias prometido à necessária libertação do jugo romano. Essa hipótese é interessante e bem razoável e, para aqueles que duvidam de sua possibilidade, temos aqui mesmo no Brasil um exemplo bem próximo e típico da “criação de mitos” que comprova o uso político de figuras do passado.

Sim, ele mesmo: Tiradentes. O alferes Joaquim José da Silva Xavier foi totalmente esquecido após sua morte e “ressuscitou” um século depois de sua execução, para ser usado como símbolo para os republicanos em sua luta para derrubar o império. Sua memória dormiu por cem anos e foi trazida do mundo dos mortos – com inaceitáveis cabelos compridos, barba e semblante crístico, criação do pintor Décio Villares – para ser usado politicamente, como o Cristo da mais “Nova República do Novo Mundo”.

A história de Tiradentes é uma cópia da própria narrativa de Cristo “o salvador”, com direito à um traidor, via crucis, apóstolos, a luta pela liberdade contra o opressor, a exposição pública de sua morte e a posterior sobrevida de suas ideias. Uma narrativa clássica dos heróis que pode ser encontrada em diversas épocas da história, e em várias latitudes.

Desta forma, assim como Tiradentes foi trazido de volta como mito para liderar um movimento político, por que o mesmo não seria feito com um obscuro palestino e sua mensagem direcionada aos pobres, miseráveis e oprimidos? Nada mais justo e lógico.

Se hoje Jesus pode ser visto como alguém que pegaria uma pistola para defender o direito à propriedade privada, por que não poderia ter sido de outras formas transformado – e até desfigurado – nestes 20 séculos passados desde a sua partida?

Ainda acredito que o “Jesus histórico” realmente existiu, mas suas lendas e mensagens são basicamente criações coletivas humanas produzidas por aqueles que o seguiram. Aliás, exatamente como fazemos com qualquer mito humano, de Zoroastro a Lula. Suas existências podem ser verificadas, mas suas obras são construções culturais carregadas de acréscimos e supressões destinadas a levar adiante projetos e visões de mundo do tempo em que vivemos.

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Fumacinhas

Meu pai era o mestre das palavras, um grande conversador e contador de histórias. Todavia, tinha preguiça de escrever. Para ele a escrita era um exercício muito difícil; enfadonho e até torturante. Culpou sempre seu perfeccionismo virginiano por sua aversão em colocar sua visão de mundo em livros.

Como Cristo e Sócrates, o que sabemos dele – e de suas ideias – vem através dos contatos diretos. Conversas, encontros, bate-papos, palestras e pequenas intervenções. Apesar disso, suas posições e ideias ficaram conhecidas em diversas partes do país e até fora dele. Tinha um tal magnetismo ao falar que todos lembram até dos pequenos detalhes dessas conversas.

Eu sou o oposto disso. Por saber que não tenho a doçura, a simpatia e o encanto do meu pai, eu escrevo tudo. Acordo de madrugada e escrevo o sonho que tive. Lembro de um fato engraçado que aconteceu há muitos anos no consultório e coloco tudo no papel. Se recordo de um acontecimento – no qual percebo um significado escondido que só agora me ocorreu – tenho de cair imediatamente de cabeça no texto.

Escrevo em todos os lugares. Filas de supermercado, no banheiro, olhando futebol na TV, na cama, na hora do almoço. Qualquer hora. E não tem nada a ver com qualidade, só o desejo compulsivo de transformar fatos e ideias em texto…

Tenho medo de esquecer uma história. Como elas só existem pela minha perspectiva, vivem solitárias em minha mente. Escrever sobre elas é libertá-las, deixar que ganhem vida. Meu pânico é ver a morte que se aproxima e pensar que algumas histórias morrerão comigo. Como um velho que vem a falecer sem revelar onde escondeu o dinheiro que guardou…

No final da vida, como é comum aos velhos, meu pai contava, como se fossem novas, histórias bem antigas e que eu já ouvira dezenas de vezes. Eu dava risadas e me mostrava interessado, como se fosse a primeira vez a escutá-las. Sei que eu também, em pouco tempo, me surpreenderei escrevendo de novo sobre fatos que já coloquei no papel, mas será apenas por medo de que algo se perca.

Desenvolvi essa compulsão há 20 anos, mas hoje fico pensando que deveria ter começado aos 7 anos de idade. Triste saber que, por certo, nesse tempo todo muitas histórias enjauladas na minha mente já definharam e jamais puderam ver a luz do dia, o que é lamentável.

Pelo menos esta aqui coloquei para fora antes que virasse fumacinha.

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A Paixão de Cristo

A sexta feira é da PAIXÃO!!!

Sim, da paixão, essa chama indócil que nos arremessa para destino incerto, mas sempre em direção à vida. A força motriz de toda realização humana, o motor de nossas ações, das mais nobres às mais brutais, mas que “desacata a gente, que é revelia“. A paixão que nos mostra o que, em verdade, é ser humano.

“Paixão” deriva de passus, particípio passado de patī “sofrer”, é um termo que designa um sentimento muito forte de atração por uma pessoa, objeto ou tema. A paixão é intensa, envolvente, um entusiasmo ou um desejo forte por qualquer coisa. Mas para entender a “sexta feira da paixão” é preciso aceitar que a paixão de Cristo ultrapassava os limites do mero objeto de desejo, e se espalhava por todo o seu povo, na sua busca por igualdade, justiça social e autonomia.

O Jesus que eu conheço é o Messias, o ungido, o escolhido para liderar seu povo para a liberdade. O Cristo que enfrentava os senhores da lei, o mesmo que chicoteou os vendilhões do templo e aquele que deixou claro que veio trazer a espada, não a paz. O Jesus ativista, líder dos explorados. O Mestre corajoso, que entregou-se com bravura aos seus algozes por amor aos seus ideais. Um Jesus de coragem, fibra, destemor e LUTA.

Esse Messias é agora esquecido, em nome de um líder cheio de amor e paz. Um Jesus domado, constrangido, bonzinho, que coloca criancinhas no colo. Um Messias para os opressores, loiro e de olhos azuis. Um Jesus que se mesclou com os poderosos para ser aceito, a ponto de perder sua face revolucionária. Um Cristo para o paladar dos conservadores. Vendido por Paulo aos romanos, virou a imagem da docilidade, da submissão, do amor incondicional e da bondade, mas sua origem miserável, rodeado por analfabetos, pescadores, prostitutas e ladrões nos mostra que ele era do povo, da luta, da navalha e do confronto. Sua paixão era pela liberdade.

Que a nossa paixão seja pela mudança, pelo enfrentamento e pela consciência de classe. Não podemos permitir que o legado de um marceneiro negro, oprimido pelo poder absoluto e despótico de Roma seja transformado na imagem do cordeirinho loiro e bonzinho que aceita a iniquidade, as injustiças, o racismo e a violência sem reclamar e sem esboçar reação

Não esqueçamos que não é hora de chorar.

“Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.”

(Ijuca pirama – Gonçalves Dias)

Era a poesia que minha mãe recitava quando eu era menino…

FELIZ SEXTA FEIRA DA PAIXÃO…

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