Arquivo da tag: feministas

Karen

Eu bem sei como funciona o “entitlement”, um fenômeno produzido na última década como um “efeito colateral” do movimento feminista. Este tipo de comportamento surge em mulheres de classe média, normalmente brancas, que se acham no direito de fiscalizar e regular o comportamento alheio. O empoderamento inédito das mulheres nas últimas décadas fez despertar uma pequena minoria que acredita que sua condição de mulher lhes garante total impunidade. Existem muito menos homens nessa condição porque os meninos, desde cedo, apreendem que, se você engrossar, pode levar um tabefe e as coisas saírem do controle. Já as Karens acham que são intocáveis, podem fazer o que bem entendem, podem inclusive bater nas pessoas como vemos todos os dias.

Deixo claro que as mulheres não são Karens,; esse comportamento não fala da essência da mulher, assim como ser violento não é da essência do homem. Na minha experiência as mulheres são até muito mais ponderadas, na média, do que os homens quando estão diante de conflitos – a maternidade e as disputas entre os filhos ensinam isso. As Karens são uma franja minúscula – mas escandalosa – de pessoas embriagadas por uma percepção ilusória de superioridade moral. Elas se assentam sobre o poder mítico do “corpo intocável” e um supremacismo feminino para abusar de uma pretensa autoridade.

O antídoto ao se deparar com uma Karen é pegar a energia negativa delas e a transformar em afeto. Minha mulher, Zeza, sabe muito bem como agir assim e por isso reconheço nela uma inteligência da qual careço. Acho isso admirável e tem a ver com a “comunicação não-violenta”. Quem sabe um dia aprendo.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos, Violência

Homens que odeiam as mulheres

Existe um texto profundamente misândrico que circula pela internet no qual se lê, com as tintas marcadas pelo mais profundo ressentimento, que os homens não amam (su)as mulheres, não tem por elas qualquer apreço e apenas as desejam para diversão; querem apenas fazer sexo com elas. Usam-nas como troféus, adereços, carne animada, brinquedos que exibem aos amigos como prova de sua capacidade fálica. O texto oferece uma perspectiva dos homens (não de alguns, mas do gênero inteiro) como sendo o ápice do egocentrismo na criação divina, sendo o desprezo pelas mulheres o esporte mais cultuado entre eles. O texto é adorado por uma parte das feministas, que amam publicá-lo sempre que algo de ruim lhes acontece em relação aos homens. Ato contínuo, dezenas de mensagens se seguem abaixo do texto ao estilo “Tamo junto miga, não passarão”.

O que mais me impressiona neste libelo anti-masculinista é seu inequívoco clamor supremacista. Sim, para que dissemina este texto os homens odeiam as mulheres; têm por elas desprezo e ódio, e apenas se relacionam para o seu prazer egoístico, seja pelo sexo ou pela procriação, para terem alguém que leve adiante seus genes. Não se importam com sua música, sua arte, sua inteligência, suas inegáveis virtudes, seus múltiplos talentos e passam a vida a explorá-las em serviços domésticos desgastantes e tediosos. Santas ou putas. Já as mulheres…. são todas puras. Seu amor pelos homens é inquestionável. Totalmente desinteressado, sem viés, sem segundas intenções, sem atitudes dissimuladas ou malévolas. Por certo que jamais usariam estas bestas peludas para o prazer; ora, quem ousaria se interessar por seres sem delicadeza, brutalizados e insensíveis? E sobre o ódio… não, apenas pena por sua existência estéril e medíocre.

Desta forma, não há como aceitar a ideia de que os homens odeiam o sexo oposto, enquanto as mulheres os acolhem e amam (algo difícil de entender em algumas escritoras contemporâneas), sem mergulhar em uma visão abertamente supremacista, que considera as mulheres moral e intelectualmente superiores aos homens. Como se Deus (ou a evolução das espécies) houvesse dotado as mulheres de valores morais e espirituais que sonegou aos homens, em troca de alguns músculos, barba, bolas e um punhado a mais de testosterona.

Cada vez que leio sobre o tema me pergunto se estas mulheres algum dia em suas vidas se preocuparam em entender o que significa ser homem. Quais os desafios que o masculino impõe a cada um que pretende transitar em sua perspectiva planetária? Qual o sofrimento inerente a cada um que, ao caminhar pela trilha da incompletude, precisa encontrar nas mulheres seu elemento faltante, a peça essencial da qual carece? Quais os dilemas e sofrimentos inerentes à condição de homem que não podem ser percebidos à vista desarmada, e só podem ser compreendidos depois de uma investigação meticulosa sobre sua essência?

Acreditar que apenas um dos gêneros é capaz de tantos defeitos e deméritos é diminuir a própria potencialidade feminina, colocando-a como subalterna até na capacidade de fazer o mal. Eu, de minha parte, considero as mulheres tão competentes quanto os homens nos empreendimentos humanos, tanto para a luz quanto para a mais obscura das bestialidades.

Na imagem, Elisabeth Bathory, um anjo exemplar…

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos, Violência

Gravidez precoce

Há muitos anos fui convidado para participar de um programa de rádio na condição de obstetra, para debater com outros profissionais um tema muito importante: gestação na adolescência. Havia na mesa sociólogas, feministas, jornalistas e eu, no papel do médico. Lembrei disso a propósito de uma crônica de Juremir Machado da Silva sobre gravidez na menopausa e a perversidade capitalista implícita nas propostas de retardar o projeto das mulheres de terem filhos em nome de uma maior produtividade nas empresas. Voltando ao programa de rádio, depois de longos prolegômenos, entremeados com propagandas do “Chá Jamaiquinha” e do “Coscarque”, fui instado a responder a primeira pergunta do debate que, por óbvio, não podia ser outra:

– Doutor, qual a idade ideal para a mulher ter seu primeiro filho?

Lembrei imediatamente da piada de Woody Allen em um conto seu no qual um homem simples da roça, que precisava encontrar Abraham Lincoln para livrar seu filho da forca, ao se aproximar do presidente nervosamente pergunta: “Qual o tamanho ideal das pernas de um homem”, ao que Lincoln responde “Ora, o ideal para que alcancem o chão”.

Diante da pergunta da jornalista minha resposta foi igualmente incontinenti: “A idade ideal para ter o primeiro filho é por volta dos 15 anos”. Todos na sala ficaram parados, em silêncio constrangido; já eu me mantive com a mesma cara de tolo que me caracteriza. A jornalista gaguejou, segurou nervosamente o papel do roteiro com as duas mãos e repetiu a inquirição:

– Mas, mas… doutor, com 15 anos ela é apenas uma adolescente. Esse programa foi criado especificamente para debater isto, que consideramos um mal social. O senhor não acha?

Ofereci um sorriso tímido e tentei responder de forma o mais didática e simples possível.

– Ora, eu fui convidado para debater na perspectiva da mulher enquanto ente biológico. As questões sociais devem ser debatidas por sociólogos, feministas, antropólogos, políticos, etc. Minha perspectiva social sobre o tema é igual a de qualquer outra pessoa, e só estou aqui por ser obstetra. Do ponto de vista obstétrico – portanto, nos aspectos orgânicos e psíquicos – posso dizer que 15 anos é uma boa idade porque foi o tempo escolhido para a primeira gestação em 95% do tempo em que habitamos o planeta. Não à toa ainda hoje celebramos a “festa de debutantes”, um ritual de origem pagã elaborado para apresentar à sociedade as meninas que já haviam menstruado, estando, portanto, aptas para o casamento e sua óbvia consequência: filhos. Assim sendo, a época biologicamente mais bem estudada e avaliada durante muitos milênios foi essa. Ela, aliás, tem várias vantagens: força, juventude, criatividade, energia, etc. Além disso, na ocorrência de um aborto ou uma perda neonatal, a pouca idade oportuniza décadas de novas possíveis tentativas. E por fim, quem procria cedo tem muito mais novas chances para se tornar avó – e até bisavó – que nos tempos primevos da nossa espécie, o que oferecia uma garantia acessória fundamental para a sobrevivência de crianças. Isso tanto é verdade que sua existência no núcleo familiar foi chamada de “efeito avó”, que pode estar na raiz do fenômeno da menopausa – que oferece a chance de não poder mais ter filhos e com isso ter tempo para cuidar de netos. E antes que me perguntem, eu disse para minha filha tomar precauções e só engravidar quando fosse conveniente, porque eu também vivo em uma sociedade capitalista onde o sucesso profissional tem uma enorme relevância. Porém, ela também foi bem orientada sobre todas as alternativas e o preço alto de adiar indefinidamente o projeto de ter filhos. Mas lembrem: minha filha recebeu essas orientações do pai, não do médico.

Sei que as pessoas naquela mesa desejavam penalizar o desejo juvenil de ter filhos. Queriam combater a “gestação extemporânea” e abrir guerra contra a “gravidez indesejada”, mas achei que valia a pena mostrar que a estrutura social, em nome da produção e do progresso individual, penaliza as gestações que ocorrem cedo na vida, criminalizado este desejo, apenas porque não se adapta a um modelo de sociedade voltada à produção e ao sucesso pessoal. As feministas e jornalistas que estavam na sala se escandalizaram e não me perdoaram por expressar esta visão contra hegemônica. Nada que eu já não estivesse acostumado.

Deixe um comentário

Arquivado em Histórias Pessoais, Parto

Redpills

No universo onde vivo, sempre cercado de mulheres por todos os lados, escutar o que dizem os redpills (basicamente masculinistas, cujo nome foi tirado da antológica cena de Matrix) é visto como levantar a mão numa convenção do partido comunista e citar uma frase de Mises. Não há como aceitar este tipo de intromissão. Por isso, algumas pessoas colocam estes personagens como demônios, sexistas, maldosos, excludentes e preconceituosos. Existe uma gama enorme de estereótipos que descrevem estes personagens. Eu diria: escutem os redpill. O sucesso desse movimento merece atenção. Lembrem apenas que a radioatividade deles é semelhante ao que se dizia há poucos anos das próprias feministas. “Destroem a família”, “subvertem a ordem natural”, “não aceitam o progresso”, “malévolas”, “promíscuas”, “abortistas”, etc. Os redpill são apenas os pontas de lança de uma inquietação masculina que se iniciou junto com os próprios movimentos feministas, a qual aponta para um processo de lenta e insidiosa acomodação de placas. Eu falo dos redpill o mesmo que falo da extrema direita: escutem o que eles estão falando para entenderem o que precisamos fazer. E, da mesmo forma que as feministas mais radicais, existe algo de dolorido, mas ao mesmo tempo justo e compreensível nas queixas dessa turma. Acima de tudo, você não precisa ser um redpill para tentar entender sua perspectiva de mundo.

Essa visão não está muito longe da verdade. Porém, como em todo movimento, existe um matiz de ativistas dos masculinistas que deve ser levado em consideração. Essas caricaturas – que variam do Viking ao Orc do Senhor dos Anéis – em nada ajudam a entender o fenômeno. Da mesma forma, os estereótipos produzidos sobre as feministas (não se depila, não gosta de homens, faz aborto por esporte, odeia casamentos, etc) são falsos e não contemplam a complexidade do movimento em suas infinitas facetas. Entre uma “radfem”, uma “feminista de centro acadêmico” e uma dona de casa que exige divisão de tarefas existem milhares de possibilidades.

Como eu disse, esse tipo de crítica poderia ser (e, na verdade o foi) feita às pioneiras do feminismo. Tente olhar para os redpill como aqueles que primeiro se opuseram à uma ordem com a qual não concordam. Existem algumas queixas feitas por eles que, quando racionalmente analisadas, estão plenas de sentido e razão. Entretanto, os redpill caricatos, aqueles que escondem sua misoginia no discurso racional, serão facilmente descobertos com o correr do tempo. Mas eles são apenas os mais grosseiros e violentos, os mais evidenciados pela cultura, mas não é justo olhar suas reivindicações a partir da análise desses expoentes.

“Ok, mas eu não quero ver, escutar e muito menos me relacionar com este tipo de gente”. Você e nenhuma outra pessoa tem obrigação de dar conta. O falecido psicanalista Contardo Caligaris nos falava das experiências que seu pai teve durante a vigência do fascismo italiano. Sendo seu pai um conhecido médico e comunista ele se opunha aos “camisas pretas” de Mussolini. Durante o regime fascista ele foi preso pelos fascistas e sofreu muito em suas mãos. Como médico ele atendeu como pacientes líderes de fábricas que foram atingidos nos joelhos pelos tiros das brigadas fascistas – um método conhecido para aleijá-los e mandar um aviso a qualquer um que quisesse entrar em greve.

Contardo, muitos anos depois e já atendendo clínica psicanalítica, recebe em consulta um paciente de mais idade. No meio dos seus relatos ele fala que participou de brigadas na Itália de perseguição a ativistas comunistas. Naquele momento Contardo percebeu seu limite; não era possível continuar aquela relação. Deu uma desculpa qualquer e encaminhou o paciente para um colega. Para ele era insuportável a escuta de um personagem cujo grupo foi responsável pelos horrores que presenciou em sua infância. Ali estava um paciente cuja neurose poderia – e talvez deveria – ser escutada, mas não por aquele específico analista que tangenciou nos relatos de violência as bordas de sua atuação. Portanto, todo o respeito àqueles que reconhecem até onde são capazes de escutar.

Julgar um livro pela capa é um equívoco, como bem o sabemos. Julgar as teses de alguns masculinistas pelas figuras grotescas de alguns redpills também é. Repito o que disse: assim como me ensinaram a escutar as teses de algumas feministas para extrair dali alguma informação e até ensinamento, eu acredito que estas teses (que crescem muito e no mundo todo) merecem atenção. Não é necessário concordar, apenas escutar e entender. Recomendo o brilhante livro da feminista americana Susan Faludi sobre a traição ao homem americano, que está na raiz desses transtornos no organismo social e que hoje extrapolam os limites da epiderme e nos mostram a purulência acumulada.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Observações a partir de um texto de Zizek

Observações pessoais, sujeitas à críticas:

Sim, a ideia (ou o clichê) de que “Freud está ultrapassado” é muito comum em alguns grupos. Algumas feministas ficam enfurecidas quando o mestre austríaco é citado em qualquer contexto. Muitas vezes li e ouvi de forma bem clara que a queixa contra Freud ultrapassava suas concepções sobre a mulher e o feminino, e invadia a própria essência da mensagem freudiana, ou seja, a existência de uma dimensão do inconsciente. Nestes momentos eu vejo claramente a imagem do discurso pré freudiano, onde a negação do inconsciente leva a uma arrogância racionalista.

Eu também acho pura arrogância a ideia de ser “fiel a si mesmo”, no sentido de obedecer as suas vontades e desejos. Via de regra ignoramos por completo o que verdadeiramente desejamos. Quando eu vejo relatos de pessoas sobre o que são, como pensam, seus valores, suas virtudes eu chamo de “síndrome de pocanálise”, pois os relatos nunca falam da verdade do sujeito, que lhe é interditada. Por isso precisamos de Freud mais do que nunca. O mundo não vai ultrapassar Freud até que surja algo tão revolucionário quanto sua obra para compreender a alma humana, o inconsciente e a sexualidade.

A ideia do jogo, da ficção, sempre foi uma estratégia que usei em consultas, baseada no fato de que pedir que alguém fale (a verdade) sobre si mesmo é ingênuo e inútil, e produz apenas alegorias, fantasias e auto enganos. Assim, eu pedia para que os pacientes descrevessem os outros, seus amores e seus desafetos, ou pedia que vestissem uma máscara qualquer, ao estilo “no lugar dele, o que você faria”, e escutava atentamente o paciente descrevendo seu personagem como em um jogo de RPG. Somente nesses momentos era possível que alguma verdade surgisse, desviando do retrato enganoso que sempre fazemos de nós mesmos.

Concordo que a repressão do desejo leva ao desejo da repressão. Essa característica fica muito fácil de ser percebida no proibicionismo. Pode ter certeza que aqueles que mais querem punir, castigar e proibir são os que mais sofrem pela repressão de seus desejos. Vemos isso com facilidade na legião de fascistas que querem a repressão a todo custo, que desejam prender o Lula, fechar o STF, diminuir a idade penal, a volta da ditadura, prisão, encarceramento, pena de morte ou que apoiam linchamentos de toda sorte. Estes, que tanto querem proibir e punir, são os que mais se martirizam como o bloqueio da expressão de seus desejos.

Por certo que todo o jogo da sexualidade está em jogar com os obstáculos. O segredo do desejo é a proibição, e por isso tanto desconforto ou desinteresse na sexualidade ocorre na medida em que os seus obstáculos desaparecem ou são suprimidos pela cultura. No filme “O Piano” de Jane Campion, aparece a bela metáfora do “furo na meia” que, ao meu ver, simboliza o gozo de brincar de driblar os obstáculos. Por isso eu gosto tanto do pudor: ele é exatamente essa proibição, esse bloqueio, o muro, que produz a vontade constante de brincar com os véus que se interpõem entre nós e o objeto de desejo.

Uma vez reclamei da facilitação que pais faziam para o exercício da atividade sexual de seus filhos adolescente. Fui atacado exatamente por entender que nenhuma sexualidade madura vai se estabelecer sem que ela esteja associada à suplantação de barreiras e muros – quanto mais alto mais será a significativa a conquista. Há ajudas que são profundamente destrutivas.

Por fim, concordo com Zizek que a sexualidade se baseia na possibilidade de manter um espaço de impossibilidade.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Lavagem Cerebral

2017-02-16-14-01-10-124026264

Sempre que escuto a expressão “Lavagem cerebral esquerdista” eu lembro que essa queixa está em sintonia com outras “lavagens” contemporâneas. É a mesma coisa que reclamar dos “malucos da alimentação saudável“, os “fanáticos do parto normal” e as “dementes feministas“. Quem diz isso não sabe como funciona uma lavagem cerebral. E sempre que isso acontece a imagem do mestre Marsden Wagner aparece na minha frente.

A gente vive mergulhado num OCEANO de propaganda direitista, cesarianas “salvadoras”, “cheetos e Sazon” e violência contra a mulher, desde que nascemos, a ponto de aceitarmos com naturalidade 28% da riqueza nas mãos de 1% dos mais ricos do país, 57% de cesarianas epidemia de obesidade e abusos e estupros diários contra mulheres.

Aí, algo acontece na sua vida embaixo d’água. Por razões difíceis de explicar, o peixinho dá um salto e por uns breves instantes sente como é o mundo fora da água. Impressionado com sua descoberta vai contar para os outros peixes o que viu. Diante do seu relato emocionado, os súditos do tubarão torcem o nariz e dizem que tudo não passou de uma “lavagem cerebral”, que a realidade é outra e que o correto mesmo é viver apenas dentro da água, pois um mundo de ar não existe. Mais ainda, os pássaros, os leões e as girafas não existem, são fantasias e mentiras, e o tubarão e as baleias que devoram os peixes menores fazem apenas para manter a ordem para o bem de todos.

– Pare de falar essas coisas e concentre-se em ser amigo das rêmoras pois são elas que controlam os restos do almoço dos tubarões. Seja pragmático e deixe de fantasias. E lembre … quem consegue a proximidade com os grandes habitantes do oceano tem vantagens, mas para isso tem que ter mérito. Por exemplo: ser filhote de tubarão, ou tornar-se amigo de um deles.

Deixe um comentário

Arquivado em Política

Feminismo e Humanização

reflect

Humanização do nascimento e feminismo são movimentos semelhantes e caminham em paralelo na trilha das ideias. Ambos são majoritariamente liderados por mulheres, contra culturais, contra hegemônicos, plurais e atacam o coração do sistema de poder patriarcal. É óbvio que encontraríamos exaltados(as) em ambos os movimentos, na medida em que os discursos de ambos ferem a estrutura máxima que sustenta a sociedade patriarcal. Portanto, é impossível imaginar que uma proposta de tal magnitude não produza radicalismos e visões extremistas. Porém, como em qualquer movimento social, os extremos não podem ser a voz mais ouvida, e nem a cara mais presente.

Para cada “feminazi” existe uma “diferentona” comedora de placenta, mas os conservadores – machistas e cesaristas – procuram encontrar a extrema esquerda de cada movimento e colocá-la como a sua representante oficial para assim desmerecer toda a proposta, classificando-a como radical.

Esse é o caminho natural de qualquer proposta social transformativa. Não há como fugir desse modelo, pois só com luta é possível quebrar as fortalezas que sustentam um paradigma. Cabe às feministas provarem que sua luta é pela equidade e não pela vingança, assim como cabe a nós do movimento de humanização a tarefa de mostrar a todos que não somos contrários a tecnologia e nem aos profissionais no topo da escala de poderes, mas que somos movidos por ciência e por uma observância fiel aos direitos humanos reprodutivos e sexuais das mulheres em benefício de mães e bebês.

Não há como criar uma mudança social de tal magnitude sem a energia – por vezes descontrolada – que brota naturalmente daqueles que lutam por ela.

Deixe um comentário

Arquivado em Ativismo

Feministo

homem-passando-batom-1444329344161_615x300

Eu não sou feminista.

Não sou, nunca fui e nunca serei.

Ok, por um determinado tempo pensei ser, mas durou pouco. Algumas feministas deixaram muito claro para mim as razões pelas quais eu não podia ser. Lembro que o mesmo ocorreu com um dos meus ídolos, Dr Marsden Wagner. Uma amiga feminista certa vez lhe disse: “Se você não fosse homem seria uma maravilhosa feminista“. Ele contava essa história com genuíno orgulho, com o que concordo plenamente.

Caminhando na praia no meu último dia de férias – depois de muitos anos sem poder tê-las – eu refleti sobre estes limites. Para mim o Feminismo (e coloco letra maiúscula pela sua importância na cultura) é como nacionalidade. Alguns atributos são de nascença, em especial o lugar onde você nasceu. Assim como a sua nacionalidade é algo que os OUTROS conferem a você, também assim entendo o Feminismo.

Eu posso torcer pelo Leicester, falar inglês, comer “fish and chips”, adorar a rainha, cantar o hino, conhecer a genealogia dos Tudor ou me vestir como um britânico, mas não serei inglês a não ser que os ingleses me reconheçam como tal. Na hora de mostrar o passaporte aparecerá para sempre o meu país de origem. E ele não fica ali, atravessando o canal da Mancha.

Com o Feminismo ocorre o mesmo. Seria preciso que as feministas aceitassem essa intromissão, mas o movimento que elas criaram e que trata dos problemas específicos das mulheres apenas a elas diz respeito. Posso dizer que os assuntos da Inglaterra me dizem respeito de forma indireta, pois estamos todos no mesmo planeta e um “bater de asas de borboleta na Inglaterra me afeta aqui”, mas isso apenas me garante o direito de participar do debate, mas jamais carregar a palavra pelos ingleses.

Quando em uma audiência pública em 2014 vi um representante médico auto proclamar-se feminista, mesmo tendo uma história e uma postura francamente misóginas, eu percebi a clara inconformidade das feministas presentes. Era como se tivessem sido insultadas; ficaram indignadas e furiosas com a arrogância do catedrático. Naquele momento pude colocar no tabuleiro de ideias à minha frente a última peça que faltava para entender a questão do “pertencimento”. O abuso em considerar-se feminista era ofensivo e violento àquelas que há muitos anos lutavam por essa proposta.

Minha vinculação com as ideias do feminismo, todavia, não precisou jamais ser desafiada. Posso continuar sendo um proponente da autonomia plena da mulher sobre seu corpo e seu destino. Posso lutar por partos mais seguros e edificantes. Posso brigar com unhas e dentes pelo empoderamento feminino e pela liberdade garantida para fazer escolhas. Posso ser um “aliado sem ser alinhado”. E tenho uma ótima razão para fazer isso.

Mulheres e homens fazem parte da humanidade. Dividimos o mesmo espaço na terra e a natureza nos aproxima através dos laços do desejo. Por mais que este seja vilipendiado, há algo que nos faz sempre buscá-lo. Pois “ele dá dentro da gente e não devia, é feito estar doente de uma folia, e nem dez mandamentos vão conciliar, nem todos os unguentos, toda alquimia”, como diria Chico. O feminismo, ao criticar o paradigma sempre acerta; ao atirar nos homens, sempre erra.

Somos todos da família humana apenas artificialmente apartados. Somos ainda todos nascidos de mulher e, portanto, o nascimento produz uma marca indelével em todos que nascem, sejam homens ou mulheres. Cuidar destas é, em última análise, cuidar de toda a humanidade.

E como sou um pedaço dessa humanidade tenho total autoridade para lutar pelo que julgo ser o melhor para todos nós, humanos. E o melhor para todos é considerar as mulheres como dignas e fortes, capazes e livres.

Deixe um comentário

Arquivado em Ativismo, Pensamentos

Feministos

malefeminist

Escrevi em outros lugares, mas acho que vale a pena reproduzir aqui, pois pode aclarar as ideias sobre esta questão.

Minha tese é que homens não podem ser feministas exatamente porque não podem PROTAGONIZAR, o feminismo. Isto se aplica a qualquer movimento libertário: gays, negros, mulheres, países, etnias etc. Com isso reforço a tese de que as mulheres (negros, gays, palestinos) não podem ser tuteladas por grupos externos. Os homens podem ser aliados das feministas tanto quanto eu posso ser um pró-palestino , anti-racista ou a favor do movimento gay, mas protagonizar (liderar, assumir comando, responder e representar) somente quem sofre na carne os desafios de ser mulher, gay, pobre, palestino ou negro. Conseguem me imaginar presidente do grupo “Zumbi” da minha cidade, lutando pelo direito dos negros, sem nunca ter sofrido na carne a humilhação e a dor do preconceito? Não há como pensar isso sem entender como tutela. O mesmo com as mulheres.

Sou um aliado, e hoje em dia muito distante das feministas. Aliás, feminismo em teoria é tão lindo quanto o islamismo; a prática, no entanto, nos mostra que algumas defensoras mais radicais se aproximam do sexismo explícito, por parte das feministas, mesmo que tais desvios não constem dos ideais propostos por estas correntes de pensamento.

Eu não sou feminista por respeito às próprias feministas: não poderia ser sócio de um clube que deixa bem claros a sua inconformidade e desconforto com minha presença. Todavia, sigo fiel às ideias de equidade de gêneros, e lutarei para que os direitos das mulheres sejam respeitados no parto e nascimento.

Protagonismo é diferente de participação, e significar tomar a frente, representar. Brancos NÃO podem protagonizar o movimento negro, mesmo que possam ser ativos e participantes. Homens não podem protagonizar o feminismo, mesmo que seja possível serem defensores de suas bandeiras. Eu pensei mesmo em atuar desta forma, mas percebi que era mal visto e, diante da primeira contrariedade, fui tratado como inimigo e chamado de “machista”. Bem, eu respeito esse desconforto, mas não esse método suicida. Então eu, e milhares de homens que poderiam acrescentar ao debate, nos afastamos e mantemos nossas posições, longe do contato e das ações que poderiam promover uma real mudança.

Mas a luta por assumir esta posição de destaque é legítima. As mulheres foram tuteladas durante 100 séculos, e não aceitam mais que os homens digam o que é bom e certo para elas, requerendo, por isso, o pleno protagonismo de seu destino. A aversão à fala masculina no delineamento deste caminho é natural. Todavia, o rechaço ao apoio nas agruras do trajeto é equivocado e ineficiente. Nem toda ajuda é expropriação de protagonismo ou retorno à tutela. Saber diferenciar inimigos de potenciais parceiros é essencial em qualquer luta.Se o que está melhorando é o tom do diálogo entre feministas e sociedade minha impressão é positiva. Vejo mais interesse das feministas em rever alguns posicionamentos, abandonar posturas vitimistas e reconhecer outros pontos de vista relacionados aos direitos de ambos os gêneros.

Minha postura histórica sobre o protagonismo é o reforço do poder garantido às mulheres. Eu sempre disse que as mulheres deviam carregar o fardo do protagonismo das lutas pela humanização do parto. Minhas diferenças com o feminismo não estão centradas nesta questão, mas em outros pontos mais delicados.

Hoje eu me sinto cada vez mais próximo do ideal feminista e cada dia mais distante das lutas feministas. Alguns chamam isso de “aliado sem ser alinhado“. Pode ser; continuarei carregando bandeiras feministas sem ser feminista.

Deixe um comentário

Arquivado em Ativismo, Pensamentos

Trashing

saturno

O artigo anexado – escrito em 1976, quando a honra de alguém levava mais tempo para virar cinzas – nos mostra o significado do “trashing”, ou como se destroem reputações e se joga na lama antigos parceiros que ousam pensar diferente e que vocalizam suas ideias de forma aberta e clara. Sempre que o “movimento”, a “causa”, a “irmandade” são maiores do que as pessoas que os compõem (ou combatem) teremos o que se chama “pensamento totalitário“. Quando Stálin mandava matar centenas de “tavarish” com um simples e prosaico golpe de caneta, em nome da “grande mãe Rússia”, ele também não se importava com o camponês que tinha 4 filhos, era casado com Olga e se chamava Vladimir. Não, o sujeito perdia sua face e sua história diante da “causa maior”. Entretanto, sem o respeito à cada uma das pessoas que vivem nesse planeta como portadoras de um elemento sagrado – sua individualidade – só o que teremos é o terror e o desprezo como elementos de controle social.

A expressão que mais se repetiu no recente episódio da perseguição contra mim (que ousei diferenciar patriarcado de machismo), curiosamente dita por doulas e ativistas dos direitos da mulher, foi “não passará“, uma provável alusão ao “Senhor dos Anéis”, quando Gandalf, o mago, grita da beira de um penhasco para um ser diabólico que tenta alcançá-lo em uma ponte. “You shall not pass!” diz ele levantando seu cajado ameaçadoramente. Pois a frase parece ser plena de sentido nos recentes acontecimentos. Para que a causa tenha sucesso os debatedores contrários aos dogmas do “movimento” são reduzidos a demônios maléficos, imbecis e uma série de outros adjetivos facilmente encontrados quando se procura desonrar um adversário. Para estes seres do mal nenhuma pena é pouca ou suficientemente dura.

Afinal, aquele que trai os nossos sonhos não merece menos do que a destruição de sua reputação.

O movimento feminista é, em alguns aspectos, igual a todos os movimentos de libertação do mundo, como o LGBT ou dos negros, mas em alguns aspectos é único em suas particularidades. Não vou falar o que as feministas devem fazer, mas ouso dizer que esmigalhar publicamente defensores da causa ou destruir reputações de irmãs do movimento jamais serão meios adequados de se alcançar justiça e equidade de gênero. A visão histórica (marxista) dos eventos sempre nos coloca face a face com os nossos dilemas e fragilidades. Não gostamos de falar disso. Não curtimos olhar para as falhas do passado e preferimos glamorizá-lo ou inventá-lo. Mas qualquer movimento que não se critica cristaliza e morre.

Nunca um artigo veio tanto a calhar no atual debate sobre o feminismo X humanização do nascimento. Sei que tê-lo publicado vai fazer incrementar o “trashing” pois os personagens descritos nele se parecem com algumas militantes mais violentas que conheci. O desabafo de muitas das vítimas deste tipo de perseguição poderia ter sido escrito por mim, e a dor e desesperança deles se parecem muito com as minhas. Espero que todos possam assimilar os ensinamentos contidos no episódio para que as ativistas não sejam obrigadas a castrar sua natural criatividade por medo da destruição subsequente de sua honra e imagem social.

Veja o brilhante texto “Trashing – O Lado Sombrio da Sororidade” aqui.

Deixe um comentário

Arquivado em Parto, Violência