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Caritas

A prática da caridade só é necessária pela existência injustiça social. Sem esse desequilíbrio na distribuição da riqueza a caridade seria desnecessária e inútil. Em um mundo justo e equilibrado onde cada um receberia de acordo com seu trabalho, para que serviria a caridade? Portanto, antes de ser caridoso seja ativista. É mais importante tratar a causa do que dedicar-se a amainar as dores que lhe seguem por consequência.

Madre Calcutá de Santa Teresa, Aforismos

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Caritas

Tenho uma clara discordância com a famosa frase de Alan Kardec sobre a “salvação” através da caridade. Por certo que posso entender a importância da empatia e a necessidade de auxiliar os pobres, mas vejo nessa prática a manutenção de erros na política de distribuição das riquezas produzidas pelon ser humano. Em verdade, penso exatamente o contrário: a prática da caridade – mesmo que meritória – sinaliza degeneração social. Minha versão é esta:

“Enquanto houver caridade, não haverá salvação.”

A caridade é o subproduto da perversidade social. A caridade é a face sorridente da iniquidade e da injustiça social. A caridade é a estratégia que os ricos usam para aplacar suas culpas. O “caridoso” e o filantropo são, via de regra, sujeitos culposos que acumularam riqueza através da exploração do trabalho alheio. A caridade é sempre vexatória e humilhante para quem a recebe. Ninguém deveria receber pela caridade o que deveria ser o justo pagamento pelo seu trabalho. E mais: a caridade floresce onde existe miséria, escassez e concentração obscena de riquezas. A caridade, desta forma, é a medida mais adequada para o fracasso civilizatório.

Não estou me referindo, por certo, à caridade que pode ser traduzida por amor ao próximo ou fraternidade (de frater, irmãos, portanto iguais). A caridade que me refiro – e o cristianismo também – é aquela que nos estimula a oferecer o que se tem aos necessitados. Essa é, sem dúvida, um sinal inequívoco de injustiça social. Ao invés de construir uma sociedade com equilíbrio, onde inexista a disparidade obscena de riquezas e poder, estimulamos àqueles privilegiados a doar algumas migalhas de suas fortunas – normalmente conquistadas pelo trabalho árduo dos outros, muitos deles os próprios pobres a quem ajudam.

A caridade cristã é “…é difundida como um dever cristão, uma ação que se expressa na experiência da solidariedade em relação ao outro que se encontra em situação que lhe impossibilita garantir sua condição mínima de sobrevivência”. Segundo a igreja católica, a caridade pode ser entendida como:

1) Dar de comer a quem tem fome;
2) Dar de beber a quem tem sede;
3) Vestir os nus;
4) Dar pousada aos peregrinos;
5) Visitar os enfermos;
6) Visitar os presos;
7) Enterrar os mortos.

Nada disso seria necessário em uma sociedade justa. Essa caridade apenas existe pela nossa ganância e pela incapacidade de elaborar uma estrutura social em que ela seja dispensável.

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Massacres

UVALDE, TEXAS – 27 DE MAIO: Um memorial para as vítimas do tiroteio em massa na Robb Elementary School, onde 19 crianças e dois adultos foram mortos. 

Apesar de concordar que a proliferação de armas desempenha um papel importante na tragédia dos massacres em escolas nos Estados Unidos – como a que aconteceu recentemente na Escola Pública de Uvalde, Texas – creio que a simples eliminação delas seria o equivalente a “tirar o sofá da sala”. “Americanos possuem 46% das 857 milhões de armas de fogo nas mãos de civis no mundo todo, embora representem apenas 4% da população mundial. Estudo revela que há 120,5 armas de fogos ‘civis’ registradas por cada 100 habitantes nos EUA”. Por esta estatística recente, percebemos que existem mais armas do que habitantes nos Estados Unidos. Toda essa liberalidade, todavia, está prevista na constituição americana, exatamente na “segunda emenda”. Esta emenda à Constituição dos Estados Unidos protege o direito do povo e dos policiais de garantir a legitima defesa através manter ou portar armas. Foi aprovada em 15 de dezembro de 1791, juntamente com as outras nove emendas constitucionais constantes da Carta dos Direitos dos Estados Unidos ou Declaração dos Direitos dos Cidadãos dos Estados Unidos.

A epidemia de violência com armas através dos ataques à escolas mantém aceso o debate sobre a Segunda Emenda, mas também sobre quem teria o direito constitucionalmente protegido de portar armas. Todavia, frequentemente está ausente nesses debates o racismo intrínseco à aplicação desigual das leis sobre armas e a relação entre os apelos ao direito de uso das armas e a justificativa da violência das milícias. Ao longo da história americana a retórica da utilização de armas pela população civil foi manipulada para estimular a tensão racial e enquadrar a população negra como uma ameaça emergente.

Os mapas de massacres agora são feitos mensalmente

É óbvio que estes massacres cotidianos nos Estados Unidos são apenas o sintoma de uma sociedade doente; a retirada das armas através de leis severas de controle produziria tão somente a transmutação do sintoma, assim como acontece com os inúmeros vícios que criamos. Sem armas cresceria o tráfico e os ataques por outros meios, evidenciando as derivações da enfermidade sistêmica, como um tumor que, mesmo quando extirpado, não elimina o desequilíbrio que o produziu.

Não haverá saída para os massacres sem que tenhamos a coragem de cortar profundamente na carne, sem reconhecer que sua origem está em um sistema econômico que concentra a renda, que cria bilionários às custas da exploração dos recursos naturais e humanos do planeta inteiro, que condena enormes contingentes da população à miséria ou à sobrevivência através da caridade. Trata-se de um capitalismo doente, violento e desagregador – como é de sua natureza. Quando produzimos uma sociedade onde uma parcela minúscula controla a maior parte da riqueza da nação, criando um contingente crescente de “perdedores e fracassados”, é de se esperar que estas pessoas, excluídas da opulência capitalista, descubram uma forma de se vingar.

Portanto, quando as pessoas tratam a emergência dos sintomas como a própria doença estamos diante de um problema claro de diagnóstico. Os massacres que ocorrem nos Estados Unidos em escolas, assim como a ajuda astronômica deste país para sustentar guerras e golpes de Estado no mundo inteiro, não são problemas em si, mas manifestações de uma brutal crise no sistema capitalista, algo facilmente previsível se entendermos as próprias previsões que Karl Marx nos deixou no final do século XIX. Se continuarmos a tratar a “febre” como se fosse a própria doença deixaremos de tratar a infecção que a causou, atrasando a possibilidade de ajustar e equilibrar o organismo, seja este um sujeito ou uma sociedade.

O massacre mesmo não ocorre nas escolas, mas no mundo inteiro que se submete às regras impostas pelo Imperialismo.

A propósito, vejo especialistas falando da importância da educação escolar e os malefícios do “homeschooling” (teses com a quais eu concordo), mas ainda assim penso que, se eu tivesse filhos pequenos e morasse nos Estados Unidos, levaria muito a sério a possibilidade de educá-los longe de uma escola. Levar os filhos pequenos para um lugar onde a manifestação de frustração se manifesta com AR-15 e massacres de crianças deveria deixar qualquer pai em pânico.

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Gravidez e Desejo

Não existe gravidez indesejada.

Ok, aquelas gestações resultando de estupro poderiam ser as exceções, mas são estatisticamente insignificantes. O que existem são gestações onde o desejo não é reconhecido ou explícito. Eu, por exemplo, tive dois filhos de duas gravidezes não planejadas, mas plenas de desejo, um elemento sorrateiro, caótico e inconsciente – como haveria de ser.

A ideia de centrar esforços sobre “gestações conscientes” sempre me pareceu um delírio racionalista. Escuto isso desde os bancos escolares, antes ainda da escola de Medicina. Passa pela ideia de que, mais bem informadas e “orientadas” as meninas teriam uma capacidade maior de evitar gestações inadequadas, fora de hora, prematuras, indesejadas ou inconvenientes.

Eu rejeito a ideia de que esta ação poderia trazer benefícios para além de mudanças marginais, locais, pontuais e absolutamente pouco significativas. E digo isso porque não acredito que estas escolhas sejam majoritariamente controladas por elementos conscientes, os únicos que poderiam ser transformados pela educação e a informação. Ou seja, não se transforma racionalmente uma pulsão de origem irracional.

Minha namorada engravidou aos 22 anos, em plena faculdade de enfermagem, e seu namorado (eu) era estudante de medicina, ambos de classe média. A gestação, como eu disse, não foi planejada. Aliás quem planejaria ter um filho aos 21 anos, sem emprego, morando na casa dos pais? Pois mesmo assim, com toda a informação possível, com toda a educação necessária, uma gestação ocorreu – e logo depois outra.

Por quê? Ora… porque a informação não é capaz de mudar o desejo. Havia um desejo que transitava por detrás das palavras e gestos, como uma sombra, percorrendo caminhos para se expressar. Afinal, ele está onde não devia estar, ele “desacata a gente que é revelia, pois é feito estar doente de uma folia, como uma aguardente que não sacia, e nem dez mandamentos vão conciliar”, e nem todas as aulas, palestras, desenhos, gráficos, filmes vão tornar o sagrado em profano ou transformar o quente no frio.

Nas comunidades mais pobres as meninas não engravidam por serem burras ou pouco educadas nas questões do sexo. Ora, que ingenuidade. Elas sabem como evitar uma gestação, e desde muito cedo na vida. Aprendem nas quebradas e nos cochichos, encostadas no muro da escola. Aprendem da mãe, e até do pai. Ensinam-se uns aos outros na escola da vida cotidiana. A questão da gestação na adolescência passa longe de uma abordagem cognitiva, apesar desta não ser uma perspectiva desprezível; ela é apenas insuficiente e não produz efeitos consideráveis.

A questão passa pelo reconhecimento das pulsões sexuais como forças propulsoras da criatividade humana, muito mais fortes e potentes do que qualquer abordagem racional e educativa, mas também pela percepção da questão social que subjaz, muito mais significativa e que regula a política dos corpos nas estruturas sociais exploradas, como as comunidades onde a gestação na adolescência é prevalente.

Lá, nas quebradas, a gestação da menina de 15 anos tem uma repercussão completamente diferente da garota burguesa grávida nessa idade e que mora na zona sul. A ausência de perspectivas de crescimento pessoal que caracteriza a primeira se choca com as inúmeras portas que se fecham à segunda diante de uma gestação “fora de hora”. São realidades sociais extremamente díspares, criadas por contextos diferentes e produzindo consequências divergentes.

Por isso, não há como uma abordagem autoritária (na minha época se planejou dar injeções de progesterona em meninas de vilas populares) ou meramente educativa produzir resultados relevantes. Por mais que os ginecologistas se sintam desprestigiados a realidade é que a diminuição de casos de gestação na adolescência quase nada tem a ver com a ação médica que eles poderiam produzir. A solução – atenção para o spoiler – é política, e tem a ver com a superação do capitalismo, em direção à construção de uma estrutura social igualitária. Enquanto não houver uma transformação social, através de uma nova forma de organização das cidades, da renda, da moradia, da educação e do emprego, continuaremos a ver gestações que ocorrem em épocas muito precoces, o que acarreta um custo social e familiar muito grande.

Uma percentagem ínfima de gestações são planejadas, no sentido racional do termo. Quando uma mulher diz “não foi planejado” fica explícito para mim que ela apenas permitiu que seu desejo tomasse as rédeas do processo, sem a interferência da razão.

“Quem pensa não casa”, já dizia o velho adágio. Já pensou nesse ditado de forma mais profunda, tentando encontrar o que está escrito por detrás das palavras? Se você puder entender “casar” como um conceito amplo – que inclui amar alguém e ter filhos – a frase fica ainda mais interessante. Assim, para casar – amar, procriar, cuidar – é necessário não pensar, não racionalizar e permitir-se desejar. O amor é exatamente isso, uma perda do controle, uma submissão ao desejo.

Por certo que faz sentido orientar meninas sobre anticoncepção, gestação na adolescência, métodos alternativos, drogas para evitar, riscos e benefícios. Médicos deveriam ser essencialmente pedagogos (e não meros despachantes de drogas). Entretanto, para mim é evidente que essa estratégia é incapaz de mudar a situação porque se baseia numa ilusão racionalista. Parte do princípio que o sexo e a própria reprodução podem ser controlados – ou domesticados – pela informação. Isso é puro delírio médico, uma onipotência de controle.

Eu escuto essa queixa sobre a gestação na adolescência há 40 anos e sempre do mesmo jeito. Não muda uma vírgula do que os médicos dizem há 4 décadas, apesar de todas as evidências mostrarem que a abordagem usada por todo esse tempo está apenas equivocada. É duro aceitar, mas os médicos não tem quase nenhuma importância nessa equação, porque gestação na adolescência não é um problema médico, é um sintoma social – mesmo que, por certo, produza repercussões médicas.

A ideia de campanhas, injeções compulsórias em populações vulneráveis, educação nas escolas e distribuição de anticoncepcionais jamais solucionaram o problema. E a razão é simples: gestação na adolescência se adapta ao microcosmo das populações exploradas. Para que essa escolha inconsciente desapareça do horizonte das meninas é preciso transformar a própria sociedade e a cultura onde elas estão inseridas. Quando a pobreza for exterminada a gestação “não planejada” cairá vertiginosamente sem qualquer campanha, exatamente porque estas meninas, historicamente roubadas em suas alternativas, verão o futuro de si mesmas com outros olhos.

Muitas vezes reclamamos das gestações precoces como o faz um médico indignado com as verminoses no posto de saúde. Sua inquietude e sua legítima angústia diante dos casos que se avolumam o faz cobrar uma ação médica, imaginando que a verminose é um problema que pode ser medicamente solucionado.

Agora imagine ele passar 40 anos exigindo novas drogas, lutando para educar crianças a lavar as mãos e as frutas que vão comer, dando palestras na escola do bairro etc. e sem jamais perceber qualquer diminuição nos casos, porque nunca se dispôs a visitar a casa desses pacientes situadas à beira do valão imundo que os circunda. Verminose é um problema médico como a desnutrição, mas nenhuma destas doenças tem uma solução médica. Pois só no dia em que ele enxergar a questão social que produz há décadas essas enfermidades ele poderá abandonar seu discurso ingênuo e sua crença racionalista inocente.

Eu, pessoalmente, cansei desses discursos médicos que estão apartados da sociologia e da politica. São palavras vazias que nada acrescentam ao tema, pois as soluções apontadas são comprovadamente inúteis por colocarem nas mãos dos médicos uma solução que lhes é impossível. Isso apenas alimenta a frustração, causada pela onipotência da corporação.

Os nossos esforços deveriam estar direcionados muito mais à luta política para a erradicação da pobreza do que ficar tapando seus furos, tal como fazem os médicos abnegados que oferecem vermífugos às toneladas para crianças que moram em situação de miséria, excluídos da sociedade. Melhor fariam oferecendo injeções de indignação e pílulas de consciência de classe para que, desta forma, pudessem combater em conjunto as verdadeiras enfermidades: a iniquidade e a injustiça social.

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CPFs “cancelados”

Nada me fará pensar diferente: uma sociedade está muito doente quando celebramos a morte de quem quer que seja.

Eu entendo a indignação com os assaltantes e outros criminosos. Ninguém é obrigado a ficar impassível diante da violência. Entretanto, a solução NUNCA será o extermínio simples. Para cada criminoso morto outros mais surgem para ocupar essa vaga. A sociedade não fica mais segura apenas porque matamos estas pessoas. Vivemos em uma sociedade que PRODUZ criminosos de forma industrial por causa de um modelo econômico excludente e cruel. Matar gente, usando uma lógica higienista, não produz benefício algum.

Isso explica porque um país rico e excludente como os Estados Unidos têm mais de 2 milhões de pessoas presas enquanto a Suécia – inclusiva e igualitária – está fechando suas prisões por falta de demanda. Isso também fica óbvio ao vermos que a aceleração do encarceramento promovida nos últimos governos não foi capaz de diminuir a criminalidade e nem a sensação de insegurança.

Criar um estado policial – mortal e matador – só piora a indignação e o ressentimento dos excluídos. E não esqueça… quem morre é SEMPRE o pessoal preto e pobre das vilas e periferias, e nunca o branco criminoso de sapatênis dos bairros ricos.

Nosso sistema jurídico faz parte desse apartheid social que criminaliza e extermina os pobres

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Gênios

“Essa é a genialidade da Direita: fazer o preto e pobre acreditarem que o inimigo é outro preto, outro pobre, para que a gente não perceba que 1% dos brasileiros concentra 28% de toda a riqueza que o país produz. Atacamos nossos iguais, artificialmente colocados como distintos, para que os mesmos continuem lucrando com nossa miséria. Matamos uns aos outros para que a verdade permaneça escondida.”

Andrade Moraes, “Correio de Itapirubá”, coluna de política, pag. 135

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Bilionários

A ideologia do acúmulo infinito, da meritocracia irrestrita, leva à criação de ‘monstros’ como Ma, Bezos, Musk, Gates e Zuckerberg, cujo poder acumulado é maior do que o PIB da maioria dos Estados nacionais. Esse modelo é, acima de tudo, antidemocrático, que coloca o capital acima das pessoas, tirando delas o poder e mantendo-o na mão das elites financeiras. A luta contra o imperialismo e a colonização está ligada à necessidade de conter o poder obsceno captado por bilionários, cuja visão de mundo pode ser chamada de qualquer coisa – de visionária a apocalíptica – mas jamais democrática e ampla.

George Mguzue, “On the rise of a new order”, ed. Patch, page. 135

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Sobre justiça e mérito

Para esclarecer: a origem da palavra “mérito” nada tem a ver com justiça.

Mérito (do latim “meritus” [ˈmɛ.rɪ.tʊs]: “bondade”, “serviço”) ou merecimento, é a qualidade atribuída a uma pessoa cujo acto ou actividade foram reconhecidos como de grande valor (meritório) em favor da coletividade, a partir de um julgamento moral. Ocasionalmente, o reconhecimento público do mérito é demonstrado através da concessão de medalhas, condecorações, títulos ou diplomas, para destacar os atos reconhecidos.”

Quando ocorre de um sujeito rodeado de privilégios sociais – em especial, branco, heterossexual, classe média, homem – alcançar uma sucesso qualquer, como passar no vestibular, conquistar uma posição, vencer uma disputa ou ganhar um Nobel podemos desvalorizar a sua conquista com o argumento de que não houve “mérito” em função dos privilégios que recebeu graciosamente da vida?

Minha posição é contrária à esta tese. Para mim é claro que suas vitórias carregam mérito próprio, desde que não tenham ocorrido fraudes. Serem JUSTAS é outro assunto, mas não há como negar o mérito de ter vencido seus iguais.

Existe mérito nestas vitórias, sem dúvida. Houve concorrência e dentro das regras do jogo eles venceram. Se você admitir que não há mérito algum nestas vitórias pessoais então NADA NO MUNDO será capaz de reivindicar mérito, pois sempre alguém poderá dizer “sim, você venceu, mas e os indígenas? E os negros? E quanto às mulheres e homens trans? E os pobres?” Com este tipo de critério não haverá mérito em absolutamente nenhuma ação humana.

Se por acaso foi um negro quem conquistou algum benefício por mérito próprio, ainda assim alguém poderá insinuar: “sim, mas você é da classe média. Não há mérito já que os pobres não puderam competir com você“. Mas, se você for negro e pobre igualmente não terá mérito pleno porque precisa ser gay ou trans e assim sucessivamente até acharmos o fundo do poço, um ser imaginário que concentra em si todas as agruras e sobre quem recaem todos os preconceitos sociais. Um anjo perdedor, ungido, por ser o único capaz de reivindicar mérito por suas conquistas. Sabemos onde está esse sujeito… apenas na nossa imaginação.

Portanto, eu não nego as injustiças e as desigualdades. Mais do que isso; eu as combato e denuncio nos limites da minha ação social. Entretanto, não podemos confundir falta de justiça social e disparidade nas oportunidades com ausência de mérito. Não é justo com o esforço de tanta gente diante de suas dificuldades.

Mérito há, porque houve uma disputa para um determinado lugar, concorrendo com seus iguais (como qualquer um de nós fazendo vestibular, mesmo sendo da classe mais privilegiada). Por outro lado, mesmo reconhecendo o mérito, somos obrigados a aceitar que a disputa não é JUSTA, pois a iniquidade social abre um fosso gigantesco impossibilitando que tenhamos todos as mesmas condições de sucesso.

Assim, mesmo reconhecndo a brutalidade de nossas diferenças, eu não posso concordar que se confunda ausência de JUSTIÇA com ausência de MÉRITO.

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Roubo

O roubo é uma parcela pouco importante na conta final do Estado. Sua importância é muito mais moral do que financeira. Nossa carga tributária é mixuruca se comparada à Escandinávia onde a qualidade de vida está 100 anos na frente. O problema não é cobrança. Eu pagaria de olhos fechados o DOBRO que pago hoje se tivesse hospital de qualidade, medicina preventiva, escola boa, rua sem buraco e baixa criminalidade (tipo, Cuba).

O problema do roubo existe até na Suécia e na Coreia, e não é um problema dos políticos, é um problema da índole do povo que os elege. Postiços são pessoas como nós com as mesmas pressões e superegos que nos afrontam. Para mudar a política não adianta prender, matar ou trocar os políticos pois os que chegam no seu lugar se defrontam com o mesmo sistema corrompido da política nacional, onde os milhões de campanha são oferecidos por empresas que depois cobram o preço. Não adianta mudar DENTRO desse modelo, ele precisa se transformar. Reforma política urgente. Como todo mundo sabe, de nada adianta trocar moscas se…

Nunca funcionará esse combate estúpido e seletivo contra a corrupção do Estado. A verdadeira corrupção está no mercado. Os valores ridículos da Lava Jato não cobrem dois dias de especulação e roubalheira financeira no país. Político corrupto ganha MIGALHAS, são despachantes de poderosos, cujo dinheiro sujo não afeta em quase nada a nossa economia, mas desviam nossa atenção da roubalheira do sistema financeiro e da concentração de renda.

Claro que a corrupção deve ser combatida, mas não é com esta luta e muito menos baixando imposto da classe média que vamos resolver o problema grave do Brasil: a iniquidade.

Não se trata de relativizar desmandos e falcatruas. Todos devem ser combatidos. Entretanto, é também fundamental combater a ideia de que “o problema do país é a corrupção”, que é uma mentira usada aqui desde os tempos do Getúlio para mascarar a realidade da injustiça social, da corrupção do mercado, da mídia comprada, da opulência dos capitalistas, da miséria do povo, do machismo, do racismo, do ódio de classe e da elite que manipula o judiciário e as consciências. Enquanto ficamos falando de corrupção e achando que prender um político espertinho soluciona o caso eu pergunto que efeitos houve com o combate ao “mar de lama” de Getúlio, a “vassourinha” de Jânio, o golpe de 64 ou a “Caça aos Marajás” de Collor. Precisa ser muito tolo para não perceber que a direita sempre aposta nas mazelas MORAIS – corruptos e ladrões – para esconder a nojeira ESTRUTURAL da nossa sociedade racista e que cultiva esse ódio de classe. Figuras canalhas aparecem nesses momentos, como Filinto Müller ou o juiz corrupto de Curitiba, para oferecer DE NOVO a ilusão para os tolos da direita que acreditam que “punindo os maus” haverá uma depuração da política. Tolice!!!! Com Getúlio, golpe 64, Collor o resultado é sempre o mesmo: sufocam a esquerda e as escolhas do povo e colocam no governo alguém ligado aos interesses da elite.

E os pobres de direita aplaudem o punitivismo tosco sem perceber que são feitos de marionetes que precisam ficar calados, sem jamais questionar a concentração brutal de renda do nossa país.

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