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Racismo e capitalismo

No universo literário, o que conta é o quanto o autor vai gerar de lucro para a empresa. Ponto. O resto é muito menos importante. Não acredito quer qualquer autor seja desmerecido apenas por ser “negro”, gay, asiático, trans, mulher, etc. Estes escritores são desmerecidos quando suas vendas não são do agrado de quem enxerga no livro a possibilidade de gerar dividendos; essa é a regra do sistema no qual estamos inseridos. Se isso não fosse verdade, jogadores de futebol, sambistas, porta-bandeiras, e demais posições sociais marcadamente ocupadas por negros seriam objeto de discriminação. O mesmo com estilistas de moda e cabeleireiros no mundo gay. Por que aqui o racismo e a homofobia não funcionam? Conseguem imaginar no Brasil a torcida de um clube de futebol se manifestando contra a contratação de um ídolo de pele escura?

Na verdade, estes personagens – jogadores, mulheres, cabeleireiros, sambistas – que pertencem às “minorias” até são discriminados nos campos em que atuam, mas com uma forma positiva de discriminação – até as mulheres. Em profissões historicamente femininas, como educadoras e enfermeiras, mulheres têm clara vantagem sobre os homens nas escolhas. Quando eu advoguei em nome do direito de homens serem “doulas” (auxiliares de mulheres durante o parto) fui duramente atacado por identitárias que acreditavam que o parto e seus cuidados eram um terreno restrito às mulheres. Sim, e fui cancelado duramente por falar em nome da …. diversidade. Desta forma, não acredito num racismo que se sobreponha os cânones do capitalismo; não faz sentido e não se observa na realidade à nossa volta. Por isso eu digo: o racismo – que realmente existe e machuca – é o filho dileto da sociedade de classes e da propriedade privada. Qualquer tentativa de atacar o racismo com mensagens moralistas ao estilo “somos todos iguais” se choca com o real da economia, onde as populações negras são condenadas a viver em uma sociedade que as excluiu em função da escravidão a que foram submetidas a algumas poucas décadas.

Vejo como justa a reclamação sobre as “panelas”, mas permitam que eu diga que não há absolutamente nada no universo da literatura que não exista em qualquer outro campo de ação humana. Durante mais de 40 anos transitei no ambiente da Medicina e posso lhe afirmar que pouca coisa é tão cheia de favorecimentos injustos e até ilícitos quanto as posições de poder conquistadas pelos médicos através dos hospitais, clínicas, Academia, corporações médicas e suas associações. Sempre que eu vejo uma pessoa do povo elogiando um profissional da Medicina dizendo ser ele “um grande médico” pode ter certeza que o doutor foi colocado nessa posição no imaginário popular por forças bastante distantes da qualidade do seu trabalho e dos resultados de sua ação. Como qualquer outra atividade humana, a rede de contatos, as facilidades de acesso, o sobrenome, os recursos financeiros, a sedução e as portas que são deixadas abertas são os mais valiosos elementos para garantir o sucesso; o talento pessoal, apesar de não ser desprezível, ocupa uma posição bastante tímida nesse contexto.

Por fim, acredito que a reclamação contra os preconceitos faz sentido; entretanto, a ideia de que existem preconceitos raciais, de gênero, de orientação sexual ou de origem que sejam tão ou mais importantes que o poder financeiro – a ponto de se tornarem superiores aos mandamentos primeiros do capitalismo – é um exagero. Nenhum editor recusaria as “Memórias do Neymar” ou se negaria a produzir um filme sobre “Liberace” baseado em suas posturas racistas ou homofóbicas. O que manda em nossa sociedade ainda é o dinheiro, e aqueles que o controlam. Inobstante carregarem seus preconceitos pessoais, se preocupam primeiramente em manter seus bolsos recheados, mesmo que às custas de explorar a arte e o talento de mulheres, negros, gays, etc.

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Maçãs e Peras

Primeiramente deixo claro que eu debato o que eu quiser e quando eu quiser. Não há o que possam fazer, a não ser me bloquear caso minhas opiniões machuquem. Eu, em verdade, prefiro ser bloqueado (e sou diariamente) quando o livre direito de expressão não é respeitado ou bem-vindo. Quanto ao debate sobre Neymar x Rivaldo, ele é realmente inútil; apesar disso, está na Internet e muita gente está fazendo essa comparação. Eu mantenho a minha opinião sobre esse tipo de discussão: o debate é sem sentido porque são jogadores diferentes, de posições diversas e de gerações diferentes, mesmo que próximas. Essa história de “quem foi melhor” é um debate caça níquel, pois as pessoas tendem a desvalorizar um jogador para valorizar o outro. No caso, dois craques máximos do futebol brasileiro, na galeria dos Top 10.

Passei boa parte da minha vida escutando esse debate sobre Pelé x Maradona e nada de produtivo pode ser retirado das toneladas de textos escritos sobre essa comparação. Muitos até reconhecem que se trata de “uma discussão praticamente sem fim“. Ora… o que é uma discussão infindável? É exatamente aquela que impossibilita uma conclusão, tornando-a sem utilidade, pois esbarra em preferências pessoais e modos distintos de analisar futebol. No caso, estamos comparando “maçãs com peras” e tentando afirmar qual é a melhor das duas, mas felizmente não há gostos e perspectivas idênticas, e o debate se torna um “cul de sac”, um beco. A complexidade das visões subjetivas sobre a qualidade (das maçãs, das peras e dos jogadores) nos condena a jamais chegar a uma conclusão definitiva.

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Renato

Com a provável saída de Renato do Grêmio voltaram às especulações de que ele poderia ser o técnico da nossa combalida e impopular seleção brasileira. Entretanto, corre o boato de que suas opções políticas seriam um empecilho para que assumisse o cargo, já que Renato adotou uma franca posição de apoio a Bolsonaro (e antes para Sérgio Moro e a LavaJato). Entender as razões para esta vinculação em todas as suas nuances é complexo, mas por certo que Bolsonaro sempre agradou as pessoas que ganhavam salários acima de 1 milhão mensais.

Renato é um reacionário bolsonarista, fez inúmeras manifestações explícitas de apoio ao ex-presidente, mas afastá-lo apenas por isso seria um absurdo. A seleção não pode ser regulada por este tipo de perspectiva, até porque no mundo do futebol de ponta, dos jogadores milionários e dos técnicos ricos, poucos se salvam da sedução fascista. Quase todos os jogadores que ficam muito ricos facilmente adotam um pensamento de direita, acham-se burgueses, casam com modelos loiras e queimam seu dinheiro com festas suntuosas, álcool, bacanais, carros e todo tipo de consumismo pueril. Por que deveríamos exigir apenas do técnico uma postura social mais responsável e politicamente coerente?

Quase todos os jogadores exaltam partidos de direita e namoram com posições claramente fascistas, exaltam a polícia e aplaudem ações punitivistas contra a população pobre – e aqui vai a lembrança de Tite, clara exceção. Entre os jogadores famosos muitos (maioria?) são garotos criados sem a presença do pai e enxergam nos políticos populistas de direita, com discurso autoritário e ações conservadoras na moral, a função paterna de que tanto carecem. Renato é um exemplo típico disso, mas ninguém contrata um técnico para ser representante popular, para falar sobre aborto ou distribuição de renda, mas para escolher e treinar seus jogadores com o máximo de profissionalismo e seriedade.

Caso decidam barrar Renato, acaso impedirão Neymar – ainda mais reacionário que Renato – na seleção? Criaremos na seleção brasileira um “vestibular” ideológico para os treinadores? Aliás, quem sobraria numa seleção que tivesse uma postura política progressista?

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Bate boca

Acho curioso como as brigas entre celebridades são tratadas por nós. A última treta é esta dos últimos dias envolvendo o jogador Neymar e uma atriz aposentada que mora em Portugal. Creio que a gente erra quando espera destes sujeitos muito mais do que são capazes de oferecer. Neymar é um craque do futebol, um dos maiores jogadores que este país já produziu. Poucos futebolistas do mundo poderiam estar na mesma prateleira que ele. Dito isso, ficar acompanhando as fofocas da sua vida pessoal é uma enorme perda de tempo, e um brutal click bait de franco atiradoras que desejam notoriedade com esta polêmica.

Enquanto cidadão, Neymar é um claro produto de seu meio: um sujeito pobre tornado rico que se identifica com os valores burgueses. Todavía, quando olhamos para seus colegas de profissão, quem escapa dessa sina? Quem reconhece de onde veio e tenta mudar essa realidade – sem ser através de doações pontuais e caridade midiática? Entretanto, este não é um comportamento exclusivo de jogadores de futebol. Conheço meninos muito pobres e ambiciosos que cursaram medicina e hoje são fiéis defensores de Bolsonaro e da extrema direita, fazendo pouco caso das pessoas sue se encontram no mesmo extrato social de onde vieram. As posições empresariais de Neymar são características de “boleiros” cheios de dinheiro e sem qualquer perspectiva ecológica e social. Sua parceria com Luciano Huck, um neoliberal aecista e bolsonarista, associado a tudo que se relaciona com a direita mais retrógrada deste país, é uma conexão absolutamente natural. Bizarro mesmo é encontrar jogadores de esquerda ou defensores da justiça social.

Ademais, as pessoas que agora o atacam são tão ou mais socialmente irresponsáveis do que ele. Moristas e lavajatistas de primeira hora, abraçaram o fascismo bolsonarista com todo o fervor. Expõem suas aventuras sexuais na Internet, confessam o uso de drogas diariamente ao mesmo tempo em que acusam o jogador de ser um “mau pai”. Ora, façam o favor; mesmo que seja verdade, tudo isso não passa do conhecido “roto que fala do rasgado”.

O erro, mesmo que seja difícil admitir, é esperar de simples jogadores de futebol e atrizes de TV que sejam algo além do que seu talento específico lhes permite. Pedir para Neymar que seja um bom cidadão, mesmo virado de costas para o Brasil, é inútil. Ele joga futebol; não exijam dele nada mais que isso. Pedir para uma artista em crise profissional (como ocorre com muitas atrizes lindas quando a idade chega) que tenha consciência de classe, empatia com o povo brasileiro (autoexilada na Europa) e bom senso político é pedir muito mais do que é capaz de oferecer. Esses bate bocas servem para garantir publicidade a estas personalidades, mas nesta equação somos essencialmente massa de manobra, conduzidos a tomar posição e levados a assumir um lado, mesmo quando se trata de pessoas cujas semelhanças em termos de alienação ultrapassam em muito qualquer diferença que possa existir.j

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Influências

Qualquer um de nós foi a influência de alguém em algum momento da vida. Somos espelho sempre, mas o número de pessoas que olham para você como modelo pode variar. Alguns, como Neymar ou Taylor Swift influenciam milhões, outros apenas aqueles muito próximos. De qualquer forma, tocamos e somos tocados por outras almas todos os dias.

Como dizia minha mãe, “Cuida como vives, talvez sejas o único Evangelho que teu irmão lê”. Ou seja: todo mundo influencia e é influenciado; todo adulto já teve 18 anos e entende o peso de adolescer. Cobrar dos outros, em especial jovens atores, jogadores, artistas em geral para que sejam o “bom” exemplo para o mundo é uma carga demasiado alta, mesmo que compreensível. Todos que já passaram pela idade das descobertas bem sabem o quanto é confuso e desafiador. Além disso, a maioria de nós cruzou a adolescência com as óbvias restrições determinadas pela falta de dinheiro. Imagine o peso para quem não as teve.

Como gerenciar sua própria vida, seus conflitos, suas dúvidas, suas inseguranças sem o benefício das interdições? Acredite, não existe nada mais enlouquecedor do que a falta de limites. Os homens mais poderosos da Terra enlouqueceram: dos 12 césares que comandaram o Império romano 10 deles morreram insanos. O poder sem barreiras é brutal. Acredito que a família – o que ela traz de superegóico – é a mais valiosa proteção para os dramáticos desafios de uma vida de opulência. Isso não invalida a procura de ajuda psicológica, mas a coloca em seu devido lugar.

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Epidemia

É importante dizer que a epidemia de falsas acusações que assola o mundo todo – de Amber Heard às assediadas de Taubaté passando pelo golpe no jogador Neymar e pela menina no clube chique da facistolândia – é um fenômeno primo irmão da cultura do cancelamento. A lógica utilizada pelas supostas vítimas é simples: “Vamos atacar sua fé pública, sua honra, destroçar a sua respeitabilidade. E vamos fazê-lo do jeito que a gente sabe que dura a vida toda. Vamos chamar nosso antigo amigo de abusador, o pai dos nossos filhos de estuprador, nosso chefe de assediador. Não é preciso provar nada, basta jogar o nome deles na lama que as redes sociais fazem o resto. Quem ousaria desconfiar das vítimas?”

Estes são apenas exemplos de casos famosos, mas vai saber o que acontece nas varas de família pelo mundo afora como estratégia de vingança e de destruição moral. Quantas vítimas existem no mundo que sofreram por acusações falsas, destruindo toda a sua credibilidade? Quantos inocentes foram jogados na fogueira com a mesma crueldade que se jogavam bruxas nas fogueiras da inquisição? Quantas mulheres realmente vitimadas por seus parceiros(as) agora têm suas versões questionadas por estes casos ruidosos de acusações mentirosas e oportunistas?

O drama dessas mentiras socialmente apoiadas por gente que supostamente defende a causa (mas na verdade apenas descarregam nestes casos seus dramas pessoais), é que o problema do assédio e do estupro REALMENTE existe e temos visto seu crescimento nos últimos anos de dominância fascista, o qual deve ser combatido com toda a seriedade pelos governos e pela mídia. Por certo que a pandemia e o “lockdown” realizado têm influência no aumento dos conflitos domésticos, assim como a agudização da situação econômica das famílias durante a recessão mundial do Covid. Porém, para além dessa situação existe uma agressividade maior por parte das organizações fascistas, que combatem de forma aberta qualquer avanço contra conquistas femininas.

Entretanto, a ação dos ativistas que dão suporte às mentiras usadas contra homens com o argumento sexista de que um gênero (e nunca o outro) “jamais mentiria” acaba trazendo um total descrédito às queixas legítimas que aparecem – e que, infelizmente, ainda vão aparecer por muito tempo. As propostas de novas leis punitivistas e a criação de novos tipos legais têm sempre resultados pífios ou nulos. Na realidade, nunca se discutem as razões profundas das mazelas sociais como o tráfico de drogas e a violência doméstica, porque não parece de bom tom colocar o dedo na ferida do sistema desigual e cruel que estrutura nossa sociedade. Neste contexto vai aparecer o trabalho nefasto de algumas organizações identitárias que, para ressaltar seu corporativismo de gênero, encampam acusações frívolas ou mentirosas que acabam destruindo pessoas muitas vezes inocentes.

Pessoas que mentem por vingança ou oportunismo merecem punição severa, talvez recebendo uma pena tão violenta quanto o pretenso crime que levianamente inventaram. Para acabar de vez com a violência doméstica é preciso encontrar onde o mal nasce e destruir sua semente, sem perder tempo e recursos com visões moralistas sobre homens “bons” e homens “maus”, uma perspectiva que na verdade apenas encobre a perversidade do capitalismo e da sociedade de classes.

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Futebol de mulheres

Quando eu era estudante de medicina tive como colega um rapaz que foi trabalhar com futebol. Coube a ele ser auxiliar do departamento de futebol feminino de um clube da capital. Por convite dele comecei a assistir as partidas de futebol feminino da minha cidade que, naquela época, passavam na TV local (TVCom, talvez?). Bem, há 40 anos o futebol feminino era praticamente um espetáculo humorístico. As meninas não tinham a mais leve noção de como se pratica futebol. Passes errados, chutes ridículos, erros na interpretação de regras simples e total falta de preparo físico. Pareciam crianças de 4-5 anos jogando na pracinha. Uma coisa que me chamava muito a atenção ao assistir os jogos era a quantidade de vezes que se estatelavam no campo e chamavam os médicos – no caso, o meu colega. Ele me contou que faziam isso porque lhes parecia uma boa ideia para descansar, mas também porque “tinham direito”.

Hoje em dia é fácil perceber o quanto o futebol feminino evoluiu, e me arrisco a dizer que é a prática esportiva que mais progrediu nos últimos anos. Em nenhum outro esporte popular se constatou tamanha diferença estética, técnica, tática e física do que no futebol feminino. Apesar dessa inegável evolução, é equivocado tentar fazer paralelos com o futebol masculino, porque são “reinos” distintos. O futebol que as melhores jogadoras do mundo praticam é equivalente ao futebol de meninos de menos de 15 anos, que sequer terminaram a puberdade. Um século e meio de prática entre os homens e as notáveis diferenças físicas são determinantes.

Usando os mesmos argumentos morais que via de regra aparecem nos debates, alguns defensores do futebol feminino afirmam que nenhuma jogadora se joga ao solo simulando lesões como Neymar (vide ao lado). A verdade é que nenhuma jogadora sabe explorar a torcida e condicionar a arbitragem como Neymar – e outros tantos craques do futebol – o fazem. Todavia, no dia em que houver torcida, pressão, dinheiro “de verdade” e emoção à flor da pele as mulheres serão levadas a aprender esse recurso. Com o tempo as mulheres aprenderam a usar o recurso da violência, porque seria diferente com a catimba?

Por outro lado, a idealização do futebol feminino ainda é muito irracional. Apenas analisem dessa forma: na várzea e nos jogos entre amigos de fim de semana também não há jogador que fica rolando no gramado e as faltas nunca são teatralizadas, mas é porque se trata de várzea mesmo, se joga por cerveja, por diversão – ou por nada. No profissionalismo – onde as mulheres recém estão chegando – é muito diferente; os valores são distintos e as pressões incomparavelmente mais fortes. E basta ver cinco minutos de jogos de mulheres para ver como elas estão aos poucos se adaptando ao “ethos” do futebol, com faltas, violência e a famosa malandragem, inclusive essa de ficar rolando no gramado após uma falta para condicionar o juiz.

Aliás, nenhuma jogadora apanha 10% do que o Neymar apanha, e não fazem isso porque são mais éticas, educadas, compreensivas ou corretas. Não, isso não acontece apenas porque até para bater é preciso experiência. A distância entre o futebol dos homens é física, por certo, mas também é temporal. Faltam muitos anos de prática para o futebol das mulheres se tornar semelhante ao masculino. No momento eles são tão distantes que é injusto comparar os jogos, traçando paralelos entre o que ocorre nos jogos dos homens e das mulheres, pois isso só serve para desmerecer a incrível evolução que ocorreu nos últimos anos no futebol feminino.

Digo sobre o futebol feminino o mesmo que digo sobre qualquer conquista feminina: achar que o futebol feminino ficará melhor desmerecendo o futebol e os craques masculinos é um erro absurdo, que gera ressentimento e afasta aqueles que admiram futebol praticado por mulheres. Melhor é fazer como a empresa francesa de telefonia Orange, que mostrou como é possível fazer o grande contingente de torcedores do futebol masculino admirarem o futebol cada vez mais técnico e vistoso das mulheres.

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Futebol Moderno

Não há como comparar, na atualidade, o futebol europeu com o futebol praticado no resto do mundo. Na condição de tricolor, o jogo do meu Grêmio contra o Real Madrid em 2017 marcou esta diferença, que a partir de então ficou muito clara para mim. Eram (para usar a palavra da moda) patamares diferentes de futebol. No campeonato mundial patrocinado pela FIFA os sul-americanos chegam lá para fazer um “crime”, jogar por uma bola, tentar o milagre, fazer história. Parecemos clubes do interior jogando contra potências futebolísticas da capital. Já os gringos vão fazer compras e curtir os hotéis de luxo das cidades árabes. Estamos muito mais próximos do futebol da Arábia e mesmo da África do que do futebol da Europa. Prova disso é que nas últimas 10 semifinais os clubes da América Latina foram batidos por clubes africanos e de outras praças. O futebol dos anos 80-90 foi último suspiro dessa proximidade; a distância se tornou insuperável pela força do poder econômico; o dinheiro destruiu a competitividade no futebol; um fosso gigantesco se abriu separando o futebol praticado no centro do Imperialismo com aquele da periferia.

Eu sei: os clubes europeus são “legiões estrangeiras” cheios de jogadores da periferia, mas eles apenas arrecadam a mão de obra no sul global; o dinheiro, a organização, os estádios e o marketing é todo deles. Pensem apenas o seguinte: o jogador Neymar ganha sozinho mais do que todos os jogadores do Palmeiras e do Flamengo juntos – que já tem salários obscenos para a realidade do país. Ou seja: ele ganha mais que o plantel inteiro dos dois clubes mais ricos do país. Segundo dados da revista Forbes de 2022, Neymar ganha US$ 55 milhões anuais entre salários e bônus por metas em campo. Por mês arrecada ao redor de US$ 4,5 milhões, o que representa na cotação atual quase R$ 23 milhões. Ainda de acordo com a publicação, Neymar ganha mais US$ 32 milhões por seu trabalho fora de campo, principalmente emprestando seu nome para publicidade de inúmeros produtos. O jogador mais bem pago do Brasil ganha um décimo do que ganha o Neymar. É um poder econômico contra o qual não há como competir.

Com o futebol europeu sendo comprado por bilionários do petróleo ou novos ricos do leste europeu a tendência é que este esporte fique cada vez mais distante do povo. Cada vez mais concentrador de renda – e de títulos – e paulatinamente afastado do trabalhador pobre, o destino desse esporte é se tornar um jogo para as elites, controlado por magnatas, com uma estrutura que visa essencialmente o lucro, na mais acabada perspectiva neoliberal. Enquanto isso, vai se afastando das torcidas, expulsas dos estádios e cada vez mais alienadas das decisões do clube.

O futebol também precisa de uma revolução, para evitar que venha a desaparecer pelo extermínio de sua motivação mais primitiva: a paixão.

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Caridade privatizada

Diz-se do jogador Sadio Mané do Bayern de Munique que ele é um grande filantropo que auxilia a população pobre de Bambaly, o vilarejo onde nasceu no Senegal. Muitas postagens o apresentam como um sujeito simples, que usa um celular com a tela quebrada e que prefere usar seu dinheiro para ajudar as pessoas pobres do seu país, em especial sua cidade – a base de sua filantropia. Mais do que isso, fazem comparações com os jogadores brasileiros – em especial Neymar – mostrando que o senegalês é um sujeito de caráter, enquanto o brasileiro não passa de um egoísta e aproveitador.

É minha convicção que não é função de jogador de futebol assumir o controle da educação e da saúde em seu país. O Senegal não precisa de Messias ou salvadores para resgatar a dignidade do seu povo; precisa de luta de classes e justiça social. Os ataques aos jogadores brasileiros e a exaltação dessas personalidades são cada vez mais comuns. Infelizmente caímos no engodo de fazer análises morais dos esportistas, ao invés de analisar sua performance em campo. Esse tipo de avaliação moralista dos craques serve apenas para nos afastar da importância da luta de classes.

Sadio Mané é aparentemente uma boa pessoa, mas é impossível saber a verdade que existe por trás da imagem construída pelas empresas de publicidade que trabalham a imagem dessas personalidades. Ele parece ser um sujeito preocupado com seu povo, interessado no seu bem estar e acima das questões mais consumistas que parecem prioritárias entre os muito ricos. Entretanto, cobrar dos outros jogadores de futebol a falta de auxílio aos problemas estruturais básicos do seu país de origem é um erro. Não é obrigação do Neymar – e de nenhum de nós – oferecer seu próprio dinheiro para resolver a fome e a falta de hospitais do Brasil. Cabe a nós mesmos usar de estratégias (como cobrar impostos altos de jogadores) para que o próprio povo possa decidir onde – e a quem – ajudar.

Curioso que nós achamos que a interferência do milionário Lemman na Educação, através do seu instituto e dos “Think Tanks” que opera, é perigosa e ameaça o ensino plural e crítico, mas não acreditamos que um jogador de futebol fazer o mesmo é errado. Afinal, nós acreditamos que o Sadio Mané é um “cidadão de bem”. Ora, precisa mais do que uma aparência para acreditarmos que estas iniciativas privadas podem ajudar o povo do Senegal. Fazer caridade, exaltando personalidades e o “culto ao salvador” é uma péssima iniciativa, pois despolitiza a sociedade e cria, como subproduto, sujeitos maiores do que o próprio Estado. E essa atitude não pode ser julgada “boa” apenas porque sonegação de impostos (que outros jogadores fazem) é uma atitude pior. Ora, trata-se de um falso dilema. É preciso combater a sonegação e limitar ao máximo (regulamentar e fiscalizar) a intervenção de grupos privados na saúde e na educação.

Não há porque desenvolver simpatia por nenhum milionário “bonzinho”. Não existe bondade em quem lucra com a miséria global para que uma franja cada vez mais diminuta tenha luxo e poder. Aliás, Messi – para além de um grande benemérito – é um grande sonegador também. Neymar e Cristiano Ronaldo idem. Soros faz caridade com identitarismo e muitos beijam sua mão. A Fundação Ford e a Fundação Gates espalham suas garras por todo o mundo. Aceitar essa benemerência é submeter-se à sua perspectiva de mundo. Ninguém é aprioristicamente contra o assistencialismo, como se ele fosse um mal a ser combatido. Enquanto houver fome, haverá pressa. Enquanto a divisão perversa das riquezas do planeta persistir haverá necessidade de oferecer ajuda humanitária. Entretanto, faz-se necessário não entender essa “caridade” como a solução última do conflito de classes e da pobreza. O que vejo ocorrer com a divulgação dessas ações de jogadores milionários é a normalização do assistencialismo privado, aceitando como preço a pagar tudo de perverso que vem com o personalismo.

Assistencialismo só se for público, democrático e estatal, caso contrário haverá desequilíbrio e despolitização. Sabe quem faz assistencialismo privado? As ONGs evangélicas da Amazônia, que levam Bíblias e junto com elas a destruição de culturas. Elas estão no olho do furação sobre a exploração da Amazônia exatamente porque pregam a privatização da assistência. Sabe quem mais faz assistencialismo privado? Todos os representantes da ordem mundial imperialista. Muitos hoje fazem a exaltação da caridade do Sadio Mané. Nestas questões eu acredito que é preciso ser radical: tais ações de solidariedade/caridade deveriam ser proibidas em Estados soberanos. Você, por exemplo, jamais poderá fazer isso em Cuba. Lá, o Estado autônomo e independente diria: “Quer ajudar? Entregue seu dinheiro e permita que o povo escolha que tipo de saúde e de educação ele deseja. Não será você a determinar como quer os tratamentos médicos ou quais matérias e em quais livros as crianças deverão estudar“.

Para finalizar, não se trata de debater a assistência, mas o conceito imperialista de que o auxílio aos deserdados pelo capitalismo pode ser feito pela caridade dos bilionários, ou seja, pelos próprios capitalistas. Desta forma, os mesmos que condenam países inteiros às guerras, miséria, opressão e exploração seriam responsáveis pelo combate à fome e à pobreza que, em última análise, eles mesmos causaram. Ora, chega desse engodo neoliberal que nos pede que aceitemos migalhas como elemento central em um projeto de justiça social. Sadio Mané pode ser um bom cidadão, mas o que ele faz jamais deveria ocorrer pois serve à exaltação de personalidades e não tangencia os dramas estruturais da sociedade. A lei deveria limitar ao máximo a interferência dessas pessoas nos assuntos que o Estado deve atuar – como saúde e educação.

Para saber mais sobre o tema, clique aqui e veja outra abordagem sobre a caridade.

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Vitórias e derrotas

Vendo o contraste entre os cânticos anti-Brasil ao redor do Obelisco* e a desabrida torcida dos brasileiros pela Argentina – em nome da latinidade e da Ursal – eu me convenço que a Argentina se comporta eternamente como o irmão caçula do Brasil, sempre nos odiando e nos atacando. A nós cabe a posição do irmão mais velho, que escuta a raiva do maninho com a compreensão de quem está acima desse ódio. Salve a Argentina e Viva Messi!!!

Enquanto isso o viralatismo toma conta das redes sociais. Se não bastasse a declaração falsamente atribuída ao Messi, falando de “simplicidade e humildade” agora aparecem posts ressaltando que ele tem hábitos simples, não faz dancinhas e não pinta o cabelo. Tudo mentira, como pode ser facilmente comprovado com as imagens que rolam por toda a Internet. Mas, como cobrar coerência e racionalidade em um campo tão afeito às paixões?

Não esqueçamos que nos 36 anos de derrotas da seleção argentina Messi foi tratado como lixo também pelos seus próprios compatriotas, que o tratavam como depressivo, “europeu”, arrogante, pouco participativo, apagado, sonolento e “jogador de clube”. Chegou a abandonar sua seleção diante de tantas derrotas. As queixas contra os craques dizem mais das projeções que jogamos sobre eles do que reais falhas em sua performance. Muitos times campeões (lembro do Grêmio dos anos 90) tinham jogadores com problemas de comportamento muito graves, mas que foram esquecidos ou apagados pelas vitórias. Quando se ganha, chegar alcoolizado para treinar passa a ser “atitude administrável”.

Aqui na aldeia o comportamento de boa parte da torcida brasileira – e da crônica esportiva – é suco de viralatismo, uma doença sistêmica que cronicamente acomete o povo brasileiro, e que agora vivencia mais um de seus paroxismos cíclicos. Nesse contexto vemos aparecer o conhecido comportamento macunaímico, que considera o Brasil um país inferior, medíocre, destinado às derrotas, perdedor e fracassado. Existe um interesse do imperialismo – mais ou menos explícito – em desvalorizar o valor e o talento dos brasileiros, seja ao transformá-los em mercenários, seja por tratá-los como irresponsáveis ou mesmo considerando-os taticamente “indisciplinados”. Aliás, esta última crítica transforma os jogadores brancos em “inteligentes”, enquanto os mestiços do Brasil são chamados de “habilidosos”, a mesma crítica que historicamente se fez aos times negros, sejam eles africanos, brasileiros ou colombianos.

A vitória da Argentina teve seus méritos, sem dúvida, mas a histeria de exaltação do Messi e dos demais jogadores, conjugada com as críticas mordazes e destrutivas contra os jogadores brasileiros, são parte desse cenário irracional que sempre ocorre diante das derrotas dramáticas e frustrantes. A vitória da Argentina na final contra a França, com direito a prorrogação e penalidades foi épica e emocionante, porém o jogo não foi uma partida de excelente qualidade – mas em uma final, como exigir isso? Dos seis gols marcados na partida final, metade deles foi de pênalti. O primeiro sequer existiu, enquanto o último foi aquela famosa mão na bola com “braço em posição não natural”. O jogo foi truncado e amarrado, Messi sequer fez uma grande partida (e dele sempre se espera muito). O lance que levou o jogo para prorrogação foi bola na mão, o mesmo tipo de pênalti que foi sonegado ao Brasil, não é?

Não há dúvida que a Argentina é a legítima campeã do torneio, mas ao dizer isso não podemos cair no erro de considerar o Brasil como uma equipe formada por um bando de mercenários pernas de pau. Aliás, ao meu ver nosso time é muito superior ao da Argentina, e a fase de classificação para a Copa deixou isso muito claro. Creio até que a história dessa copa seria completamente diferente se aquele pênalti fosse marcado para o Brasil no jogo contra a Croácia e a penalidade duvidosa marcada sobre Di María não tivesse selado o destino do confronto contra a França; talvez os heróis de hoje seriam outros. Nossa derrota, na prática, dependeu de detalhes, e colocar a culpa apenas na qualidade e no comportamento dos jogadores é profundamente errado e injusto.

Menos, gente. Celebrem a vitória argentina, mas não percam a racionalidade ao exaltar os vencedores, criando sobre eles uma mística fantasiosa enquanto jogam sobre os derrotados causalidades sem sentido.

* Meus amigos argentinos dizem que a rejeição ao Brasil e sua seleção é uma atitude típica dos portenhos, e não dos argentinos em geral. É lá, nos limites que separam a província de Buenos Aires do resto do país, que se escutaram os cânticos de despeito em relação à nossa seleção.

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