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O Tempo e as mudanças

Raros são os grandes pensadores agraciados com a reverência e o respeito durante o transcorrer de suas curtas vidas. Entre eles meu pai sempre citava François Marie Arouet – Voltaire, que viveu em uma época turbulenta, no final do século XVIII, quando o nascimento da idade contemporânea estava prestes a ocorrer, e os estertores da idade moderna foram, por certo, precipitados por sua obra. Voltaire acreditava no valor superior da liberdade, única estrutura social que capacitaria o ser humano a expressar plenamente sua criatividade, sem sofrer interferências de caráter religioso ou moral. Voltaire muito escreveu contra o absolutismo e a favor da separação entre Igreja e Estado, ou seja, muito antes que essa ideia fosse disseminada ele pregava o Estado Laico. Acredito que essa ideia partiu da paixão que teve na Holanda por uma moça protestante, e o posterior ataque que sofreu por parte da Igreja, apenas por seu desejo de casar-se com ela. Desde então teve uma escrita muito dura com os poderes da Igreja pois, para ele, calar a expressão do contraditório seria um crime contra a livre expressão do pensamento, e um atraso para o progresso humano. Por isso merece nossa total reverência.

Todavia, ele era um galanteador incorrigível e alguém que teve uma vida cheia de fatos questionáveis, como sua relação com o comércio de escravos, jogos de azar e calúnias contra adversários, fatos que o levaram à prisão três vezes e o obrigaram ao desterro outras duas. Segundo Marilena Chauí os professores em sua época o classificavam como “Um rapaz de talento mas um patife notável”. Aliás, entre os vícios de Voltaire estava o consumo de café. Tomava 20 copos por dia, e chegou a beber 40 copos em uma ocasião.

Tivesse nascido hoje seria odiado pelo que é, e adorado pelo que escreveu. Estaríamos debatendo autor e obra, e muitos torceriam contra Voltaire pelo que ele foi, mesmo às custas de desprezar suas ideias sobre o valor primordial da liberdade. Qual seria hoje a opinião de Voltaire sobre a censura às redes sociais? Que diria ele sobre “discurso de ódio”, ou “liberdade plena de expressão”? Qual seria a recepção que teria do público? Seria “cancelado”? Creio que sim…

Apesar de ter um comportamento muitas vezes reprovável, Voltaire conseguiu ser admirado e desfrutou de sucesso pessoal ainda em vida. Todavia, esta é uma marcada exceção não apenas em sua época, mas na própria história da humanidade. A genialidade quase nunca oferece a notoriedade como prêmio. Os verdadeiros gênios precisam entender que os louros de sua obra serão inexoravelmente colocados sobre as lápides onde repousam para a eternidade. A glória de sua obra, via de regra, não é algo que conseguem usufruir.

Sigmund Freud teve muito pouco tempo de reconhecimento em vida, algo incomparável com o nível de rejeição e desprezo que sofreu das forças conservadoras da sociedade, em especial a corporação médica. Charles Darwin morreu solitário, tendo passado duas décadas trancado em sua casa, sem contato com o exterior, remoendo-se de tristeza pelos ataques que sofreu da Igreja. Galileu Galilei foi julgado, condenado à morte e, depois de sua famosa reconsideração, foi condenado à prisão domiciliar por heresia, onde morreu solitário e isolado. Apenas 360 anos após sua condenação, em 1992, as ideias do pensador italiano foram admitidas formalmente pelo Papa João Paulo II.

Nikola Tesla muito pouco auferiu de reconhecimento durante a sua vida; morreu pobre e pouco conhecido. Friedrich Nietzsche faleceu pobre, doente e ressentido. Sofrendo de transtornos mentais derivados, provavelmente, de sífilis terciária não tratada, ele morreu solitário aos 56 anos de idade, depois de quase uma década de vida vegetativa. Mas o próprio Nietzsche dizia que o verdadeiro gênio só tem sua obra reconhecida um século após sua morte. Em verdade, foi exatamente isso que aconteceu a ele. A verdadeira genialidade, aquela revolucionária e capaz de fazer transformações paradigmáticas na cultura, é irreconhecível aos olhos desarmados na época em que surge. Nos parece bizarra, estranha, ofensiva e, portanto, inaceitável. Somente após a lenta sedimentação dos seus valores e a incorporação das suas ideias mestras pela cultura é que o brilho escondido dos gênios pode se expandir.

Exigir a compreensão imediata de ideias que ofendem os paradigmas vigentes é uma aptidão para muito poucos. A maioria de nós prefere refugiar-se no conhecido, no certo, no comprovado e no seguro, ao invés de aventurar-se no novo, no desafiador e nas alternativas que nos fazem correr o risco inexorável que acompanha as verdadeiras novidades. As grandes mentes da humanidade sofrem da compulsão por romper estas barreiras, e bem o sabem o quanto destas ações serão incompreendidas e atacadas. Entretanto, fazem, e erram, e repetem, e continuam até que possam encontrar – mesmo que temporariamente – uma resposta que poderá – também por algum tempo – acalmar sua angústia.

As mudanças não ocorrem, são paridas lentamente através das contrações espasmódicas do pensamento humano. Para aceitá-las é necessário que exista um fator essencial: o tempo, que poderá digerir o conhecimento novo para que possa ser metabolizado com segurança por todos nós.

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Parto, ideologias e modelos

Escrevi um texto sobre a humanização do nascimento (seguido de uma resposta complementar) em que eu criticava o abuso de cesarianas no nosso meio, além de reconhecer a importância dos paradigmas e as ideologias que comandam o pensamento no que diz respeito ao parto e à própria medicina. Muitas pessoas criticaram abertamente o texto, sendo que em uma destas críticas um médico dizia que havia uma “criminalização das cesarianas” por parte de “identitários do parto humanizado”.

Bem, não há porque se surpreender com este tipo de crítica, até porque a cesariana – recurso tecnológico em substituição aos processos fisiológicos do nascimento – por estar sob o controle dos médicos e do sistema hospitalar pareceria – à visão desarmada – ser a forma mais segura e menos danosa de parir. O entusiasmo inicial com esta cirurgia, capaz de salvar vidas quando a fisiologia do nascimento dá lugar aos caminhos espinhosos da patologia, acabaria produzindo sua disseminação mundial muito rápida. No início dos anos 80 a taxa de cesarianas no Brasil era de 24% e no início da 3a década deste século já temos mais do que o dobro: mais de 60% do bebês do Brasil nascem através de uma cesariana, sendo que na classe média – no setor privado e nas “medicinas de grupo” (Unimeds, Amil, Sulamérica, etc.) – a taxa de cesarianas se aproxima de 90% de todos os nascimentos. A forma mais “normal” de nascer no Brasil é através de uma cirurgia abdominal de grande porte, carregada de custos e riscos associados. Por esta razão pensadores do mundo inteiro, e também do Brasil, começaram a questionar sobre qual o real sentido da suprema artificialização do processo de nascimento e quais as consequências dessa perspectiva para a própria humanidade.

Entre as críticas à minha matéria algumas foram formuladas por pessoas pelas quais tenho profunda admiração por sua postura política e como pensadores com abrangência em várias áreas do conhecimento. Em verdade, a principal crítica foi pela dificuldade em aceitar um termo utilizado na matéria, quando falei que para entender o novo paradigma de atenção ao parto era necessário “descolonizar mentes“. Essa expressão foi alvo de críticas, pois dava a entender que se tratava de uma postura idealista.

Ora, eu não cobraria de ninguém que viesse a entender as engrenagens da assistência médica ao parto, algo que refleti durante 40 anos, mas me parece um equívoco acreditar que para combater o idealismo é necessário afirmar que “as ideias de nada valem”. O idealismo parte do pressuposto de que o mundo não pode ser compreendido e que os sentidos humanos deturpam a análise das coisas exteriores. Ora, as ideias movem o mundo e o mundo como podemos enxergar é constituído por elas. Quando se diz que a “mudança das ideias não modifica nada” é um erro. As ideias impulsionam as ações. Enquanto solitárias elas serão estéreis e infrutíferas, mas sem as ideias as ações são caóticas e incapazes de produzir transformação. Além disso, a proposta de que o problema da violência no parto seria solucionado com a simples suplantação do capitalismo não passa de uma ilusão. Um exemplo fácil é a constatação da brutalidade da assistência aos partos na União Soviética, baseada na atenção médica, intervencionista, tecnocrática e mecanicista do parto.

Os dilemas e as concepções sobre o corpo e seus limites não poderiam se esgotar somente pela queda do capitalismo, e os relatos dos partos e dos protocolos utilizados na Rússia soviética não deixam dúvida sobre sua violência estrutural que extrapola os aspectos relacionados ao capitalismo. Seria necessário acreditar que o sistema econômico tivesse o poder de moldar relações de opressão que são anteriores ao próprio capitalismo. O parto já era brutal muito antes do capitalismo se estabelecer, tornado assim por forças culturais de outra natureza. O controle do corpo e da sexualidade das mulheres, surgido com o modelo patriarcal, não pode ser negado se quisermos entender a dinâmica da violência obstétrica. Uma pesquisa rápida sobre as modalidades de assistência ao parto no mundo inteiro – e seus graus variados de violência, inobstante o sistema econômico vigente – pode nos mostrar que precisamos de novas perspectivas, além da suplantação do horror capitalista, para resolver estas questões.

Portanto a “descolonização das mentes” é essencial para que a AÇÃO possa ocorrer, até porque a assistência ao parto no Brasil é uma cópia mal acabada – e mais pobre – do modelo capitalista americano de assistência ao parto que historicamente produz maus resultados. O “extermínio” das parteiras se iniciou nos Estados Unidos no início do século XX, e se estendeu para os países do terceiro mundo – mas não para o consolidado e milenar paradigma europeu de assistência centrada na figura da parteira profissional. Por esta razão é que nossa ação, enquanto ativistas, deve ser lutar junto com as mulheres (em especial) para que abandonemos um sistema ruim, como o americano, para adotar o sistema europeu – igualmente capitalista!!! – centrado na figura da parteira profissional, que apresenta os melhores resultados que a experiência humana já conquistou.

Percebam: tratam-se de dois modelos inseridos em sociedades capitalistas e com resultados absolutamente díspares. Dois paradigmas de atenção conflitantes, divergentes e que competem pela hegemonia da assistência mesmo que compartilhando – em essência – o mesmo modelo econômico.

Assim, a ideia de “descolonizar as mentes” se ampara na proposta de escolher entre os modelos existentes (o modelo tecnocrático, de matriz americana, e o modelo humanista, de matriz europeia), e não é “idealista”, pois reconhece a realidade material dos fatos – a assistência violenta oferecida às mulheres – ao mesmo tempo em que afirma que uma compreensão mais abrangente dos fenômenos é essencial para que as ações possam ser direcionadas e produzir seus efeitos. Não devemos esquecer que o próprio Marx asseverava que “Uma ideia torna-se uma força material quando ganha as massas organizadas”.

Não há dúvida que o fim do capitalismo diminuiria muitas idiossincrasias da atenção médica, mas esta mudança não seria capaz – por si só – de mudar muitos dos conceitos equivocados sobre o que seja a assistência à saúde, qual o sentido da cura e qual o propósito último de um tratamento de saúde. Essas transformações só podem brotar do conflito de ideias, do choque de concepções e novas percepções de realidade. Somente depois que estes paradigmas entrarem em choque, e que a falência dos modelos anteriores produzir uma crise, é que partiremos para a ação e a mobilização políticas, para que assim seja viável a transformação.

Não há dúvida, então, de que entre estes conceitos que precisam ser transformados estão aqueles referentes à assistência médica contemporânea ao parto, uma ideia baseada num sistema de poderes que vai muito além da visão capitalista. A assistência tecnocrática contemporânea parte do conceito de que o acréscimo de tecnologia e intervenções sobre o processo de nascimento poderia mudar para melhor os resultados – uma proposta que se mostrou um fracasso, pois que a objetualização das mulheres pela mecanização do parto produz efeitos deletérios ao negar-se a reconhecer as necessidades psíquicas, físicas, sociais, e espirituais das mulheres durante o nascimento de seus filhos. Como diria a antropóloga Wenda Trevathan, em “Evolutionary Medicine”:

“(…) as raízes do suporte emocional e social às mulheres durante o trabalho de parto são tão antigas quanto a própria humanidade, e a crescente insatisfação com o modo como conduzimos o nascimento humano em muitos países industrializados está baseada na falha do sistema médico em reconhecer e trabalhar com as necessidades afetivas relacionadas com este evento”

Berçário em hospital chinês

Ou seja: o sistema médico é contaminado por uma ideologia que enxerga os pacientes de forma objetualizada e, por isso, as parturientes são frequentemente alienadas das decisões sobre seus próprios corpos. Se essa visão objetual sobre o outro pode produzir alguns benefícios para o exercício da profissão (em especial a proteção psíquica dos cuidadores) ela esteriliza e dessensibiliza as relações entre médicos e pacientes. O parto, por não ser uma intervenção médica, tem essa clara particularidade, pois ao contrário da exérese de um tumor – algo que o médico faz – o parto é algo que a paciente faz, e a expropriação do processo com a consequente alienação das mulheres só poderia ter, em longo prazo, consequências deletérias.

Durante décadas eu apoiei a visão reformista e revisionista da obstetrícia. Acreditei que a informação dos médicos e sua educação para as vantagens do modelo humanístico de atenção ao parto poderia fazer que ocorresse uma “modificação por dentro” do sistema. Fui levado a crer que o problema das práticas defasadas era a ausência de uma adequada orientação aos profissionais. Todavia, foi apenas depois de experiências frustrantes que eu me dei conta que esta é uma estratégia fracassada. Não existe nenhuma maneira de fazer médicos trabalharem contra suas próprias vontades e inclinações, contrapondo-se à própria lógica intervencionista e tecnocrática da medicina. A única solução é encarar a assistência ao parto como um campo de batalha em que poderes competem para o controle dos corpos e da reprodução, muitas vezes alienando as próprias mulheres dos processos decisórios. É para a luta que devemos estar preparados, e não para a inútil tentativa de convencer médicos a contrariar seus próprios interesses.

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Forbes

Mas… o que significa ser “bem-sucedida”? Ser rica e merecer estar no Panteão da Forbes significa sucesso? É assim que se mede o valor de um ser humano? O dinheiro continua sendo nossa medida?

Os homens que mudaram a história do mundo não estiveram na capa dessa revista. Quanto à Emma Watson, não sei se deveria estar na Playboy, mas certamente não na Forbes. Talvez seria melhor não ser de nenhuma delas. A capa da Forbes está cheia de capitalistas escrotos que estão se lixando para o planeta. Exploradores do trabalho, insensíveis e dinheiristas. Mulheres fariam melhor traçando um caminho diverso do caminho errado que os homens percorreram. Ou então… qual a vantagem trocar um capitalista destruidor do planeta por uma mulher que comete os mesmos erros?

Se o futuro é para ser feminino, que se afaste dos erros que o masculino cometeu.

“A revolução será feminina ou não será”. Posso ser criticado por acreditar no que as próprias mulheres disseram?

Para quem ama o capitalismo e a miséria que ele dissemina a imagem de mulheres milionárias na capa de uma revista de magnatas estará absolutamente certa e coerente. Entretanto, estarão errados e frustrados todos os que creditaram que as mulheres – representantes do feminino – teriam algo de novo a apresentar. Não… o que está capa propõe é a continuidade da miséria, da iniquidade, da concentração de riqueza, da destruição da natureza, da segregação social, das castas estanques e do egoísmo que a Forbes representa. Nesse contexto, colocar uma mulher na Forbes é garantir o direito a uma mulher de pilotar o avião que está caindo.

Repetindo: “A revolução será feminina ou não será”, não era essa a tese? Margareth Thatcher representou um avanço nas propostas de renovação do planeta? Ou ela apenas colocou saias num projeto neoliberal que os homens – como Reagan e Pinochet – levavam adiante?

Minha tese é simples: se o feminino representa o “novo” no cenário do planeta, então deveria fugir dos velhos modelos masculinos de poder, afastar-se da expressão fálica de opressão e construir algo realmente transformador. Colocar mulheres na capa da Forbes significa a “troca das moscas”, mais charmosas e delicadas – por certo – mas circulando sobre a mesma merda de iniquidade, violência, opressão e exploração que foi a face no nosso planeta nos últimos milênios.

* a foto é da atriz Emma Watson, de “Harry Potter”… ela não deveria ser capa da Forbes.

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Verdades

Não existe “verdade ou mentira. Aliás, não existem sequer fatos, apenas perspectivas. A “verdade” é uma ficção contada por quem controla a narrativa, por aqueles que detém o discurso hegemônico.

Verdade e mentira se inserem nessa luta pelo discurso autoritativo, e não podem ser analisados de forma positiva. Sempre existirá uma disputa por narrativas, pois que essa é a essência humana. Já a verdade é uma construção coletiva que depende de poder e persuasão para estabelecer hegemonias. A construção da “verdade” nunca é solitária e pessoal, mas uma construção de uma coletividade. Você pode ter sua opinião pessoal e seu viés, mas não pode produzir seus próprios fatos. A disputa por versões da realidade é inalienável do humano. As muitas versões construídas sobre qualquer tema estabelecem uma disputa entre perspectivas e julgamentos. Vence a versão mais poderosa, mesmo quando falsa.

É óbvio que nosso ego sempre cultivará a ilusão de tudo saber, basta escutar qualquer sujeito falando de suas perspectivas Entretanto, a “verdade” não é uma construção subjetiva ou pessoal; ela se constrói socialmente nos choques paradigmáticos tão bem descritos por Thomas Kuhn em sua obra “A Estrutura das Revoluções Científicas”.

Por isso a verdade contemporânea é de que a terra é esférica, mesmo que visões pessoais a tratem como plana. Não esqueça que o terraplanismo já foi a vertente hegemônica de saber sobre a forma da terra!!!

Assim como no modelo darwiniano de sobrevivência das espécies, a sobrevivência das ideias também obedece as mesmas regras. Não são os mais fortes ou os “corretos” que sobrevivem na natureza, mas os mais adaptados. Mutatis mutandis, algumas ideias toscas – e inclusive comprovadamente falsas – sobrevivem pela sua maleabilidade e pelos poderes e interesses que a sustentam.

O capitalismo é apenas uma dessas ideias que sobrevivem pela força e pelo poder de quem o mantém, mesmo dando sinais inequívocos de decadência e incapacidade de solucionar os graves entraves do planeta.

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Posições

Eu li o livro de Moisés Paciornik – Aprenda a Nascer com os Índios – em 1986 durante a residência médica no Hospital de Clínicas. Fiquei estarrecido pela simplicidade da argumentação, que se chocou contra meu peito com a violência de uma verdade escondida. “Mulheres somente deitam para parir porque os médicos mandam. Nenhuma pessoa deitaria para evacuar; por que faria isso para parir?“.

Meus professores se juntaram ao coro do deboche criado pelos meus colegas. “Mulheres têm o períneo fraco pela vida civilizada. Índias sobem em coqueiros; elas podem, mulheres da cidade não.” Toda a tolice oportunista da velha obstetricia pode ser sintetizada nesse conceito. Nesta época todos os meus professores ensinavam episiotomia (e posição de litotomia) mesmo que os trabalhos que desacreditavam as episiotomias de rotina já tivessem sido publicados. Nenhum professor aceitava que mudar a postura das mulheres ao parir pudesse ter qualquer relevância. Em verdade, sequer percebiam que a posição de parir era apenas uma forma de materializar conteúdos ideológicos subliminares (e inconfessáveis): a crença na defectividade das mulheres para a realização de suas tarefas femininas. Esta perspectiva diminutiva das mulheres confirmava a imagem auto proclamada de “salvadores”. Como dizia meu colega Max “Sou o Caminho, a verdade e a vida; só parirás se for por mim“.

A posição deitada e com as pernas abertas é uma metáfora complexa e poderosa a sinalizar submissão entre os mamíferos. Quem tem cachorro e gato em casa sabe que é assim que eles demonstram sua rendição ao poder magnânimo dos donos. Às mulheres determinamos o mesmo: “Submetam-se ao poder fálico da medicina e em troca permitiremos que vocês sobrevivam ao parto“. Para isso foi necessário convencer a todas elas que a dor do parto é insuportável, que anestesias são inócuas, que cesarianas são modernas e seguras, que os cordões são assassinos e que seus corpos foram mal planejados, obras imperfeitas de uma natureza cruel e injusta.

Na vigência do patriarcado foi fácil convencê-las de tantos conceitos equivocados. Rodeadas de medo e sem suporte social, quem não abraçaria a promessa de redenção da tecnocracia? Quem colocaria cera nos ouvidos para não escutar o canto mavioso e inebriante da obstetrícia intervencionista?

Todavia, o engodo da defectividade feminina e a mentira de seus corpos falhos durou o tempo do patriarcado em êxtase. Bastou se analisar com um mínimo de isenção estes fatos para que a construção secular do paradigma médico despencasse aos nossos pés como um castelo de cartas.

Assim, nas últimas três décadas, caíram por terra a episiotomia, o Kristeller, a tricotomia, os enemas, a restrição ao leito, a roupa de anjo-com-bunda-de-fora, o “sorinho” para hidratar e “manter veia”, a hospitalização, a superioridade médica na atenção e até mesmo a posição de parir. Hoje em dia toda a construção machista da assistencia aos partos sucumbe lentamente, dobrada pelos ventos das pesquisas e pela pressão política contrária às múltiplas violências aplicadas à mulher gestante. Tudo isso embasado em evidências científicas.

Custei a enxergar o que se ocultava por detrás do meramente manifesto nas “posturas de parir”. Escondido sorrateiramente entre protocolos e rotinas estava o cerne da dominação; a submissão precisava ser explícita e determinante, expressa de forma inquestionável na estética dos partos. “Mulheres abaixo; médicos acima”.

Moisés tinha razão: Enquanto elas estiverem deitadas e impotentes a opressão sobre seus corpos triunfará. Todavia, uma vez que as mulheres se levantem de seu leito de medos toda a história do nascimento se transformará.

Salve, mestre!!

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Medicina e Ideologias

Pesquisa

Tive há dois dias uma amigável discussão com um jovem colega médico que – entre algumas provocações e palavras ásperas – me afirmou que “Não existe “ideologia médica”. Medicina de verdade é praticada com base em fatos (…) e evidentemente não existe zona de conforto na medicina.”

A ideia de que a medicina é uma ciência baseada em “fatos” é curiosamente muito disseminada dentro das faculdades de medicina. Para nós, estudantes, parece-nos óbvio que as pesquisas, os estudos e as evidências são elementos “matemáticos” que nos aproximam da verdade. A frase do meu jovem colega, em verdade, retrata um modelo de pensamento hegemônico entre os médicos. Nós realmente vemos a medicina através dessa perspectiva positivista e cientificista, onde o conhecimento e o aprimoramento tecnológico por fim vencerão o obscurantismo e nos elevarão ao conhecimento pleno, o conhecimento da Verdade e do Real.

Eu também me deixei embevecer por esta visão por muitos anos. Basta que você veja qualquer livro da história da medicina e a construção dos fatos históricos nos levará a este entendimento. Parecemos estar vencendo as doenças através da invasão ininterrupta do saber racional sobre a economia orgânica, seja pelas drogas, infusões, cirurgias, quimioterapias, etc. O porvir da medicina parece claramente ligado a um controle exógeno cada dia mais intenso. Entretanto, a bela construção de uma “medicina positivista” esbarra nos próprios acontecimentos da prática médica, onde a ciência é desconsiderada e elementos outros (o poder, o patriarcado, a política, a economia, a moral e a religião) ocupam o lugar central no direcionamento das condutas.

As ideologias controlam a medicina. Os paradigmas são vinculados a questões históricas e contextuais, e eles são os geradores da própria pesquisa e suas interpretações.

Todavia, a ideia de uma ciência médica “pura” – não contaminada pela ambiência e pelas brisas políticas que sopram, ora de bombordo, ora estibordo – sempre me incomodou. A própria produção científica e sua matriz preferencial – a Academia – me parecem claramente influenciadas por modelos ideológicos relacionados à sua época e às circunstâncias onde apareceram. As grandes descobertas médicas só podem ser entendidas de forma abrangente se pudermos entender o contexto histórico e político em que foram encenadas, da mesma forma que apenas a compreensão mais ampla das circunstâncias políticas da Guerra Fria pode nos explicar as viagens à lua, da mesma forma como a queda da boate “Stone Wall” em Nova York pode nos fazer entender as pesquisas sobre o “vírus da AIDs”.

Imaginar uma “medicina sem ideologia” é imaginar um corpo sem “alma”, comandado pelo mundo real, excluído da formatação da linguagem. A medicina SEMPRE foi um campo para a aplicação de controle social e autoridade política.

A ideia de que os procedimentos se baseiam em experiências e “fatos” (fatos não existem, apenas interpretações – Nietzsche) deveria fazer as episiotomias terminarem quando os fatos científicos demonstraram a sua inutilidade como procedimento de rotina, e isso aconteceu em 1987, há décadas. No entanto, “Nascer no Brasil” apontou 53% de episiotomias entre aquelas afortunadas que conseguem um parto normal no Brasil. As cesarianas abusivas, que determinam o AUMENTO da mortalidade materna em alguns países, entre eles os EUA, também deveriam ser freadas com as evidências e os estudos. Entretanto, como essa clara assincronia entre “o que se sabe e o que se faz” demonstra, a medicina NÃO se expressa necessariamente através da ciência, mas pelos caminhos mais tortuosos da ideologia e da política. A destruição da parteria no Brasil e nos Estados Unidos – e NÃO na Europa – é outra prova de que a construção dos modelos de atenção se baseia em elementos alheios às pesquisas, e muito mais ligados às forças que favorecem umas corporações em detrimentos de outras.

Dizer que praticamos “medicina baseada em fatos” é uma ingenuidade. Pensar que deveríamos agir assim é um objetivo e uma utopia, tão nobres quanto inalcançáveis. Existem forças invisíveis (e as ideologias são exatamente “agir sem se dar conta do que nos move”, no dizer de Slavoj Zizek) que fazem com que a mão corte uma episiotomia ou prescreva um antibiótico, mas nos iludimos ao acreditar que a razão foi a condutora magna de tais movimentos.

As ideologias, que se ligam mais aos desejos do que à razão, são o que está por trás dos fios invisíveis que nos guiam.

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Ana Maria Braga e a Humanização

Estamos num momento MUITO CRIATIVO do movimento de humanização. Pela primeira vez, graças ao ativismo (de qualquer tipo, o de gabinete e o de paralelepípedo) estamos tendo uma visibilidade nunca antes alcançada. Portanto, agora é a hora de planejar os próximos anos de luta por um nascimento mais digno e uma maternidade livre de coerções.

Minha tese é de que precisamos MUDAR o paradigma de lutas, da mesma maneira que mudamos a nossa atitude ao sairmos da adolescência. Nossa mudança será de uma AGENDA NEGATIVA, que se baseia na exposição das práticas inadequadas, taxas abusivas, violência institucional, níveis de intervenção inadequados, ausência de alternativas e cerceamento de informações sobre riscos relativos, para uma AGENDA POSITIVA, que obrigatoriamente precisa mudar o discurso e mostrar o que pode ser feito de BOM e de correto para o nascimento e a amamentação. Menos acusação e mais proposta; menos acusações a cesaristas e mais exaltação de profissionais humanistas. Deixar de focar em pessoas e mostrar a importância de projetos. Mostrar mais o sucesso das casas de parto, modelos de parteria e dos hospitais públicos humanizados e acusar menos as maternidades tecnocráticas e afastadas das evidências.

Além disso, precisamos de uma atitude PRÓ-ATIVA, que faça propostas de ponta, ofereça alternativas viáveis (e não fantasias irrealizáveis), que negocie com as outras partes (médicos, hospitais, prefeituras, etc.) e que tenha a compreensão e a bondade de aceitar o contraditório. Quando a Ana Maria Braga fala positivamente de partos domiciliares isso deve ser EXALTADO como um progresso na mídia e na própria consciência dela sobre o nascimento. Se isso não é tudo, pelo menos é um gigantesco passo para a visão mais respeitosa e compreensiva de uma grande formadora de opinião como ela.

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Mudança de Paradigma

 “Dificil mundo este em que vivemos, onde é mais fácil quebrar um átomo que um preconceito”.
– Albert Einstein –

As lições mais importantes e impactantes para os profissionais da área da saúde resistentes às mudanças, também conhecidos como “os tecnocratas renitentes”, não são aquelas recheadas de evidências, e isso eu descobri da pior maneira possível, ao tentar convencer colegas que não se dispunham a me ouvir. As aulas brilhantes que durante minha vida inteira testemunhei sobre Cochrane, OMS, Ministério da Saúde, protocolos, etc. produzem efeito apenas para os que percebem que evidências são relevantes, e para aqueles que, depois de “sensibilizados”, entendem que seus paradigmas são apenas modelos que competem com outras formas alternativas. Os tais “paradigmas hegemônicos” estão nessa posição tanto pela capacidade de responder aos desafios que lhes são oferecidos quanto pela vinculação com o modelo econômico vigente (no caso o capitalismo). A tecnocracia cumpria todas essas reivindicações e, por essa razão, oferecia aos médicos as melhores respostas para os seus questionamentos. A humanização do nascimento veio problematizar a visão positivista da obstetrícia contemporânea ao incluir a questão do sujeito que gesta, junto com as específicas necessidades afetivas e psicológicas que traz para a cena de nascimento. Para estas questões a tecnocracia se oferece falha e deficiente e, assim, instala-se a crise.

Desta forma, oferecer aos profissionais da saúde evidências científicas mostra-se inútil sem que antes seja oferecida a eles a necessidade de calcar suas ações em provas contundentes de aplicação benéfica para o binômio mãebebê. Entretanto, a forma de sensibilizar profissionais para a “fraternidade instrumentalizada” não é pela via cognitiva, e sim pelos canais emocionais e afetivos. As ações de caráter analítico e racional se assentam sobre uma plataforma sólida de intuição e sentimento, para só depois poderem ser traduzidas. Podem observar: a mudança paradigmática dos profissionais que abraçam a causa da Humanização do Nascimento está forte e explicitamente marcada por fenômenos de ordem afetiva. Assim sendo, a ferramenta mais fundamental para oferecer uma alternativa ao modelo hegemônico não é (em primeira instância) oferecer provas e evidências de boas práticas. Antes é preciso que os profissionais que tratam do rito de passagem que chamamos “nascimento”, sintam a necessidade de mudar, de pensar fora da estreita caixa cartesiana, para só então aventurarem-se no mundo complexo, desconhecido e, por vezes, inóspito, do humanismo aplicado ao nascimento.

A abordagem, portanto, deve ser sistêmica e abrangente. Mais do que a razão, é preciso tocar corações E mentes ao mesmo tempo. Faz-se necessário abandonar a postura limitante da academia que insiste num biologicismo anacrônico como forma única de entender o fenômeno humano.

Minha entrada na humanização do nascimento se deu muito antes de compreender o significado e a importância das evidências científicas na condução da assistência ao parto. Tal mudança paradigmática se deu pela participação presencial no nascimento dos meus filhos. Os cheiros, as imagens, os silêncios entremeados com as guturalidades erotizadas de um nascimento me abriram um portal sensorial violento, que me permitiram adentrar no espaço afetivo-emocional do evento. Este lugar do “parto para além dos sentidos” somente muito tempo depois foi preenchido por uma explicação racional e científica. Eu tenho certeza que a arrogância cientificista nega tal caminho, mas afirmo que até mesmo as análises mais racionais e matemáticas se ancoram em fatos e lembranças caracteristicamente emocionais e primitivas. Einstein mesmo dizia que a imaginação era muito mais importante para o seu trabalho do que o conhecimento, o qual apenas seguia àquela. Disse o mestre: A imaginação é mais importante que
o conhecimento. O conhecimento é limitado; a imaginação envolve o mundo
. Cientistas criativos são essencialmente poetas das leis naturais e seus experimentos são os versos que escrevem com as letras da natureza. Imaginar que a razão seja a principal motivadora de nossas ações é negar a avassaladora força dos nossos sentimentos e desejos. Em verdade, “a racionalidade nada mais é do que um verniz
tênue e translúcido que se aplica sobre uma capa grossa de mitos irracionais, os quais envolvem um núcleo pulsante de medos ancestrais
“. Para mudar atitudes anacrônicas, muito mais do que lustrar o verniz aparente de nossa tímida racionalidade, é fundamental entender as origens emocionais e profundas de nossas condutas recalcitrantes.

Longe de mim, e dos objetivos desse texto, imaginar que a paternidade tenha essa força transformadora para todos que dela participam. Esse fenômeno é evidentemente subjetivo em essência. Em nenhum momento eu afirmo que essa experiência poderia ser reproduzida. Mas vejam bem: alguns hospitais modificaram posturas dos seus serviços após debate interno sobre evidências, o que não significa que tais condutas estejam nos corações e mentes das pessoas que lá trabalham. Tais modificações podem ocorrer por um fenômeno vertical, por determinação superior, e não por um real convencimento do cuidador. Estas alterações eu já vi em dezenas de lugares, inclusive em um que descrevo no meu livro segundo livro “Entre as Orelhas – Histórias de Parto”; o hospital militar onde trabalhei por alguns anos. Lá a taxa de cesarianas despencou de 45 para 22% em dois meses depois que criamos um protocolo de assistência humanizada no hospital, muito simples e conciso. Entretanto, era uma determinação do serviço que funcionaria enquanto certas pessoas trabalhassem lá (eu, precisamente). Quando saí nada restou de humanização, porque meus colegas nunca foram verdadeiramente tocados por esse paradigma. Outro lugar em que eu trabalhei por pouco tempo foi em um hospital de periferia de uma capital do nordeste brasileiro. Durante os dias que lá estive alguns médicos experimentaram posição de cócoras para parir, deixaram de fazer tricotomias e enemas, pararam de estimular puxos prolongados e esperaram para cortar o cordão. Que aconteceu depois que dei as costas? Fácil prever…

Alguns serviços podem, sim, mudar com a abordagem racional, assim como podemos convencer pessoas de que suas atitudes podem produzir repercussões negativas em suas vidas, mas a gigantesca maioria não irá proceder dessa maneira. O modelo de “educação continuada” do MS, em que vários profissionais transitavam pelo Brasil divulgando o ideário da medicina baseada em evidências obteve resultados pífios na diminuição de cesarianas, por exemplo, mas acredito que tais resultados foram insatisfatórios em todos os parâmetros analisados. A resposta, na minha modestíssima opinião, tem a ver com a abordagem racionalista adotada, que não é capaz de mobilizar a plêiade de emoções, sentimentos e vinculações inconscientes que são as verdadeiras motivadoras das condutas médicas. Nós não deixamos de realizar episiotomias porque existem evidências em contrário! Fosse isso verdade ela teria acabado há décadas, bastaria que aprendêssemos na escola a inutilidade dessa cirurgia quando aplicada de rotina, e isso o sabemos desde 1983! O problema está em sabermos “conscientemente” e não “afetivamente”. Apenas deixamos de realizar tais intervenções porque (entre outras razões) a visão de uma vulva dilacerada nos mobiliza negativamente. Ou porque queremos honrar a experiência de um profissional que nos auxiliou no passado, como referência profissional. Ou qualquer outro significante do passado que nos tenha impregnado em nível emocional. Pode ser, em verdade, qualquer migalha ou fragmento de lembrança que se vincula a esse evento, catalisando afetos recônditos. Assim sendo, o que em essência nos modifica não está acessível à cognição. Trabalhar com os médicos apenas no verniz transparente (porém reluzente e superficial) do consciente nos faz perder a infinita magnitude das possibilidades. Pode nos oferecer a ilusão fátua de mudança, mas que se desfaz diante da primeira contrariedade, tal como o calor de uma tarde se desfaz com a deposição do sol no horizonte. As mudanças ocorrem da terra para o céu; do coração em direção às mentes. As modificações cognitivas não têm sustentação, pois não atingem o âmago diretivo do comportamento, que é afetivo e emocional.

Meu temor é que uma abordagem racionalista (e arrogante) das posturas humanistas leve a um efeito contrário: um fechamento das mentes. E isso pode acontecer porque contrapomos um sistema de ideias oferecendo em troca outro, e isso pode ocasionar um choque que é desnecessário. Uma caravana de missionários da “verdade obstétrica baseada em evidências” é tudo que não precisamos. A abordagem deve ser pela sedução e pelo redescobrimento da beleza da parturição, e a via para isso é emocional. Necessitamos ajudar nossos colegas para que despertem para o lúdico do parto, a beleza escondida nos gemidos e lágrimas e para que façam despertar o feminino que trazem dentro de si. Apenas depois que tal ação for realizada é que as evidências farão sentido e serão incorporadas às suas atitudes. Antes disso teremos apenas ações com corpo, todavia desprovidas de alma.

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