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Free Birth

“Free Birth” se refere às mulheres no mundo ocidental que voluntariamente abandonam o sistema de saúde e decidem parir livremente, por sua conta e risco. Minha ideia é de que tal abandono dos recursos médicos (com o qual não concordo) é consequência da negligência do modelo biomédico contemporâneo para com as necessidades básicas (fisicas, psicológicas, sociais, emocionais e transcendentais) das mulheres, algo que os médicos sequer conseguem perceber em função de estarem à deriva no oceano paradigmático da tecnocracia.

Ou, nas palavras da antropóloga Wenda Trevathan, este afastamento está baseado “na falha do sistema médico de muitas nações industrializadas em reconhecer e suprir as reais necessidades das mulheres que atravessam o rito de passagem chamado parto”.

“Parto Livre” é o sintoma; a distância do sistema médico do que desejam as mulheres para si e para seus filhos é a doença.

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Parto Domiciliar

Texto de Erica de Paula:

Vamos falar sobre Parto Domiciliar?

Ao contrário do imaginário popular, o parto domiciliar não ocorre apenas com um maço de ervas, uma toalha e uma bacia de água quente. Ainda tabu no Brasil (embora comum em diversos outros países, como Inglaterra, Nova Zelândia e Holanda, sendo inclusive incentivado pelos próprios órgãos de saúde e o governo local, vide reportagens abaixo:

http://www.unasus.gov.br/…/orgao-de-saude-britanico-endossa…

http://www.ebc.com.br/…/reino-unido-recomenda-que-gravidas-…

http://g1.globo.com/…/medicos-ingleses-dizem-que-mulheres-p…

http://mulher.uol.com.br/…/estudo-holandes-diz-que-parto-ca…),

O Parto Domiciliar Planejado é considerado tão seguro quanto o Parto Hospitalar, desde que siga 3 premissas básicas:

1) Um pré natal bem feito e uma gestação de risco habitual (baixo risco). Feto único, bebê cefálico, gestação a termo (a partir de 37 semanas), ausência de qualquer patologia associada (como diabetes gestacional, pressão alta, etc) e início espontâneo do trabalho de parto.

2) Uma equipe qualificada, com profissionais bem treinados e com materiais adequados tanto para situações normais do parto (doppler/sonar, luva, compressa, gaze, clamp umbilical, material de sutura, campo estéril, antissépticos, vitamina k, balança, estetoscópio, etc) quanto para situações de emergência (medicamentos diversos inclusive para conter hemorragia, ergotrate, seringas e agulhas, soro, cilindro de oxigênio, ambu adulto e neonatal, CFR, aspirador, oximetro, etc). No caso da equipe qualificada, esta pode ser composta por: enfermeiras obstetras, obstetrizes, médicos obstetras, médicos da família e médicos pediatras, podendo ser também (e de preferência) uma equipe multiprofissional. Obviamente, os partos domiciliares que ocorrem com parteiras leigas ou partos desassistidos estão associados a uma maior chance óbitos e complicações.

3) Um bom plano de contingência: definir com antecedência o plano B em caso de necessidade de remoção hospitalar, de forma que tudo ocorra dentro de um espaço/tempo adequado. Durante o trabalho de parto, mãe e bebê são continuamente monitorados pela equipe e a qualquer sinal de uma possível intercorrência esse parto passa a ser hospitalar.

Mas vamos às evidências científicas, com 8 estudos bastante interessantes sobre o tema:

– Estudo inglês analisou a morbi-mortalidade perinatal em 529.688 partos domiciliares e hospitalares planejados em gestantes de baixo risco. O estudo conclui que um parto domiciliar planejado não aumenta os riscos de mortalidade perinatal e morbidade perinatal grave entre mulheres de baixo risco.

http://onlinelibrary.wiley.com/…/j.1471-0528.2009.…/abstract

– Estudo holandês com mais de 679.000 partos analisados evidenciou uma taxa de 0,15% de morte perinatal no parto domiciliar e 0,18% no parto hospitalar, concluindo assim que o parto domiciliar, sob condições adequadas, não é associado com um aumento de morte neonatal.

http://journals.lww.com/…/Planned_Home_Compared_With_Planne…

– Estudo inglês com quase 65.000 partos analisados conclui que mulheres saudáveis com gravidez de baixo risco devem escolher o local de nascimento, sendo que mulheres que dão à luz em domicílio vivenciam menos intervenções, sem impacto nos resultados perinatais.

http://www.bmj.com/content/343/bmj.d7400

– Estudo canadense comparou todos os partos domiciliares planejados com todos os partos hospitalares planejados de mulheres que possuíssem idênticas boas condições de saúde e idêntico baixo risco de gravidez, num período de 5 anos, concluindo que o parto domiciliar planejado esteve associado a taxas muito baixas e comparáveis de morte perinatal, e taxas reduzidas de intervenções obstétricas e outros eventos perinatais adversos, em comparação ao parto hospitalar.

http://www.cmaj.ca/content/181/6-7/377.full

– Estudo inglês com quase 147 mil mulheres de baixo risco conclui que as mulheres que tiveram parto domiciliar planejado tiveram menores taxas de morbidade materna, hemorragia pós parto e remoção manual da placenta do que as mulheres que tiveram parto hospitalar.

http://www.bmj.com/content/346/bmj.f3263

– Estudo americano analisou os partos domiciliares planejados ocorridos nos EUA entre 2004 e 2009, concluindo que houveram altas taxas de nascimentos fisiológicos, baixas taxas de intervenção sem aumento dos resultados adversos em relação aos partos hospitalares:

http://onlinelibrary.wiley.com/…/10.1111/jmwh.12172/abstract

– Estudo norueguês que analisou 1631 partos e concluiu que os partos domiciliares planejados estavam associados a um risco reduzido de intervenções e complicações.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23182447

– Estudo brasileiro realizado em Florianópolis de partos assistidos entre 2005 e 2009 que indicam que o parto domiciliar é seguro.

http://www.scielo.br/scielo.php…

Cabe lembrar que, embora os conselhos brasileiros regionais de medicina desaconselhem o parto domiciliar, órgãos como a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Federação Internacional de Obstetras (FIGO), o American College of Nurse Midwives, a American Public Health Association, o Royal College of Midwives (RCM) e o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) apoiam a esolha pelo parto domiciliar para mulheres com gestações saudáveis.

Ou seja, o parto domiciliar é uma opção aceitável e segura para gestantes de baixo risco, desde que realizado de maneira adequada. No entanto, assim como no parto hospitalar e na cesariana, a paciente deve estar devidamente orientada quanto aos riscos (que são baixos, mas não são inexistentes) e a possibilidade de desfechos negativos e inesperados, compartilhando com a equipe a responsabilidade sobre essa escolha. Por exemplo: mesmo nos países com a menor taxa de mortalidade do mundo, cerca de 1 a cada 500 bebês não vai sobreviver, independente do local e da via de parto.

E para quem diz que as mulheres que optam por parto domiciliar são leigas e não estão devidamente informadas sobre os riscos, finalizo com uma matéria sobre médicas que optaram por parto em casa:

http://maternar.blogfolha.uol.com.br/…/medicas-tambem-opta…/

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Pesos e Medidas

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“O responsável pelo procedimento é o médico xxxxxxx. Familiares de sete pacientes de xxxxxxx alegam que os parentes morreram em decorrência de complicações da cirurgia, e outras sete declaram ter ficado com sequelas graves. O MPF (Ministério Público Federal) e o CFM (Conselho Federal de Medicina) receberam as reclamações e pedem que a técnica seja proibida até que estudos científicos comprovem a eficácia e segurança do procedimento.” (www vejaagorabrasil. org)

Imaginem se esse médico, ao invés de fazer cirurgias bariátricas questionáveis (em termos de segurança), estivesse atendendo partos domiciliares em sua cidade da mesma forma como países democráticos estimulam e estabelecem como alternativa segura nos seus sistemas públicos de saúde. Como se comportaria o Conselho de Medicina? Sete pacientes já morreram e outros sete estão severamente incapacitados mas é ÓBVIO que este profissional tem TOTAL APOIO e suporte da corporação. Fazer cirurgias com fins fúteis, meramente estéticos, e colocar em risco a saúde dos pacientes NÃO desafia os poderes médicos. Pelo contrário, exalta a medicina como elemento social transformativo e curativo, e o médico como seu condutor por excelência.

Entretanto, o parto domiciliar, ao estabelecer a paciente como participante ativa e PROTAGONISTA do evento retira do médico sua importância capital e diminui sua relevância. Os médicos que dão suporte a estes partos sabem que sua função é outra, e se estabelece como uma vigilância silenciosa sobre os fatos que possam acarretar riscos acima do normal. Não se trata mais de “fazer partos” mas de os “acompanhar respeitosamente”. Essa nova postura dos profissionais ofende a velha guarda da corporação, que não aceita que médicos desafiem a hierarquia secular na atenção à saúde que os coloca acima de todas as outras considerações, inclusive os próprios desejos expressos do paciente.

As formas como a corporação julga estes casos NADA tem a ver com a segurança ou o bem-estar dos pacientes. O critério é sempre a proteção da categoria. Procedimentos que ameacem o valor profissional são atacados impiedosamente, enquanto aqueles que exaltam a sua posição na sociedade tem seus riscos desconsiderados ou despudoradamente negados.

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O Ódio ao Parto Domiciliar Planejado

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O parto domiciliar causa tanto ódio, raiva e produz tantos ataques da corporação médica mesmo sendo absolutamente desimportante do ponto de vista estatístico. Ele representa bem menos de 1% dos partos. Por que tanta raiva?

Se a segurança das pacientes fosse o temor, por que se admitem cesarianas a rodo quando sabemos cientificamente que elas multiplicam o risco de morte materna e neonatal, além de elevar exponencialmente os riscos de danos a ambos e produzir custos estratosféricos?

Se a segurança fosse a preocupação por que os hospitais privados não são obrigados a ter anestesistas de plantão exclusivos para a obstetrícia para dar conta de emergências obstétricas? A razão é que não se trata de oferecer segurança, mas de manter “controle”. Em sua casa a mulher está no comando e a corporação patriarcal não pode lhe lançar os olhos. Não se trata de “cuidar melhor”, mas de controlar esta mulher em seu momento mais íntimo. A medicina é um braço do patriarcado, ocupada em conservar e disseminar seus pressupostos. Ela é em essência, conservadora e em oposição aos movimentos que lutam pela liberdade da mulher.

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Tragédias

O debate sobre tragédias recentes tende a ser pouco racional e com tendência à emocionalidade exacerbada tendendo à violência explícita. Isso a gente sabe de longa data.

Nos vários lugares em que fui marcado para debater um mau resultado recente em um parto domiciliar (deviam me marcar nas tragédias hospitalares também) os argumentos passavam por grosseiras, ofensas, escárnio, deboche, absurdas interpretações de texto e ataques constrangedores à língua portuguesa, sem que as questões básicas de medicina baseada em evidências, direitos reprodutivos e sexuais, autonomia feminina e – acima de tudo – o conhecimento MÍNIMO do que seja uma doula e suas atribuições, fossem respeitados.

Quando, após várias ofensas pessoais, um senhor (creio ser médico) me disse que doulas não passam de uma “idiotisse” eu pensei: “Chega“. Percebi que, com este tipo de abordagem e linguagem, não é possível qualquer debate que produza benefícios para a solução dos dilemas da assistência ao parto em um mundo de convulsões na questão de gênero, onde as mulheres não aceitam mais caladas nenhum “abre as pernas“, “deita ali” ou “cala a boca“.

Em casa ou no hospital.

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Coincidências ou Plágio?

Birth woods

Um fato curioso ocorreu há alguns dias concernente à discussão da humanização do nascimento no nosso meio. Diante de um questionamento sobre “parto humanizado” e “parto domiciliar” eu escrevi um pequeno texto de dois parágrafos na minha timeline do Facebook que reafirmava um antigo posicionamento meu sobre os elementos que compõem o conceito de “Humanização do Nascimento”. Esta definição foi expressa no meu segundo livro “Entre as Orelhas – Histórias de Parto”, no capítulo “Parir Sozinha”, na página 223. O texto que eu publiquei tinha como objetivo desfazer a confusão que ainda existe sobre “humanização do parto” e “parto domiciliar”. Aqui está o que foi escrito no Facebook:

O parto humanizado se sustenta sobre um tripé conceitual:

1 – Protagonismo da mulher
2 – Visão interdisciplinar e integrativa
3 – Respeito à MBE (Medicina Baseada em Evidências).

Portanto, LOCAL DE PARTO, não qualifica ou desqualifica parto humanizado. Pela conceituação acima pode-se perceber que é possível encontrar partos humanizados em qualquer ambiente. E os “desumanizados” também. Precisamos educar as pessoas para que não confundam mais partos humanizados com partos em casa.

De forma surpreendente recebemos, uma semana depois, um texto OFICIAL da Febrasgo (Federação das Associações de Ginecologia e Obstetrícia do Brasil) em que vários pontos foram chamativos (o texto na íntegra pode ser lido abaixo, assim como sua referência no site da Febrasgo). Entre os pontos interessantes do documento podemos citar:

“O reconhecimento do parto domiciliar como uma das opções válidas das mulheres que procuram um parto humanizado, o que é uma virada histórica na postura desta associação. Antes de criar “terrorismo”, induzir a medos infundados, basear-se nas conhecidas pesquisas repletas de análises equivocadas, preferiu colocar-se a uma posição equidistante e respeitando a soberania da mulher em fazer escolhas informadas.

Estimula a criação de um “Plano de Parto”, antiga reivindicação dos ativistas da humanização do nascimento, mas que sempre foi visto com muita reserva por parte dos profissionais obstetras.”

O mais interessante: o texto se utiliza da MESMA classificação criada por mim há mais de dez anos para definir e conceituar o que seria um parto humanizado, como pode ser visto aqui em um dos capítulos do livro de 2004 “Entre as Orelhas – Histórias de Parto”:

Durante os últimos 15 anos eu me debrucei sobre a aplicabilidade de um su­porte humanístico a um evento complexo como o nascimento humano que, ao mesmo tempo em que se distanciava do “naturalismo”, também guardava uma distância considerável do modelo contemporâneo da “tecnocracia”. Diante desse questionamento, eu estabeleci um modelo de assistência huma­nizada ao nascimento que se assentava sobre um tripé conceitual: O protagonismo restituído à mulher, sem o qual estaremos apenas “sofisti­cando a tu­tela” imposta nos últimos milênios pelo patriarcado. Uma visão integrativa e interdisciplinar do parto, retirando deste o cará­ter de “processo bi­oló­gico”, e alçando-o ao patamar de “evento hu­mano”, onde os aspectos emocionais, fisiológicos, sociais, culturais e espirituais são igualmente valorizados, e suas específicas necessi­dades atendidas. Uma vinculação visceral com a Medicina Baseada em Evidências, dei­xando claro que o mo­vimento de “Humanização do Nascimento”, que hoje em dia se espalha pelo mundo in­teiro, funciona sob o “Império da Razão”, e não é movido por crenças religio­sas, ideias místicas ou pres­supostos fantasiosos.

O texto deixa claro – e de forma inquestionável – a mesma opinião que eu já havia expressado anteriormente sobre a inexistência de relação entre o conceito de “parto humanizado” e o local onde ele será realizado. Isto é, o parto pode ser humanizado ou não, independente se for no hospital, numa casa de parto ou no domicílio. Como afirmamos há mais de 20 anos, a humanização do nascimento é uma ATITUDE de respeito ao protagonismo da mulher, à visão integrativa e interdisciplinar e à medicina baseada em evidências. O local do parto, apesar de ser uma escolha importante para o conforto e a segurança de toda a mulher, não qualifica (ou desqualifica) um parto humanizado.

Coincidência? Eu não creio.  Sincronicidade? Talvez… Acredito que de forma cada vez mais clara as associações médicas estão modernizando seu discurso e sua postura em direção a uma visão mais respeitosa com a autonomia das mulheres e o protagonismo sobre seus partos.  Tal fato ocorre especialmente pelo crescimento do ativismo do parto normal e da pressão que as mulheres estão exercendo sobre a mídia (em especial as Redes Sociais) e os cuidadores sobre a temática do parto normal e a necessária reforma na atenção às mulheres neste período tão significativo. A Febrasgo através de seus líderes reconhece a necessidade de mudança, percebe a importância de incluir o parto domiciliar como um desejo LEGÍTIMO das mulheres e assume como suas as reivindicações históricas da ReHuNa (Rede pela Humanização do Parto e Nascimento) e de todos os grupos favoráveis ao parto humanizado neste país. Só nos resta saudar a postura renovadora e consciente de seus líderes, que perceberam a urgência de promover mudanças em direção ao pleno protagonismo feminino no nascimento, e no reconhecimento da VALIDADE destas escolhas.

Veja abaixo o texto da Febrasgo, e compare com os textos que publicamos uma semana antes no Facebook e dez anos atrás, no livro “Entre as Orelhas”:

Parto pode ser humanizado independente do local ou das intervenções Cada vez mais, aparece o termo “Parto Humanizado” nos grupos de discussão de parto nas redes sociais, nos sites dos profissionais que prestam atendimento obstétrico e na mídia. Mas, na verdade, pouquíssima gente sabe realmente o que  significa humanizar a assistência ao parto. O parto humanizado não é uma técnica de parto. Não é o mesmo que parto domiciliar, e também não é o mesmo que parto natural. Independente do local ou das intervenções, o parto pode ser humanizado. Assim como pode haver parto em casa ou parto natural que não é humanizado. “O parto humanizado é um conceito, onde o tempo do bebê e os desejos da mulher são ouvidos e respeitados.” E no caso de algum desejo da mulher não poder ser atendido, os profissionais que estão assistindo-a irão explicar o porquê, qual intervenção é necessária e ela dará seu consentimento.

Portanto, incentivar que a gestante/casal elaborem um plano de parto e compartilhem com as pessoas e/ou instituições que irão prestar assistência ao parto e nascimento desse casal deveria ser indiscutível e imprescindível para instituições/profissionais que dizem prestar assistência humanizada. O parto humanizado pode acontecer em um hospital, casa de parto ou na casa da parturiente, com equipe que assista a mulher com base em evidências científicas, sem terrorismos desnecessários. (o grifo é meu) O parto humanizado pode ser natural ou pode precisar de intervenções, a pedido da mulher (como a analgesia por exemplo) ou por indicação do profissional que está assistindo ao parto.

Sendo assim, podemos dizer que a humanização do parto e nascimento tem como base três pilares:

1- respeito à autonomia e protagonismo da mulher durante o processo da gestação, parto e pós-parto, com foco na fisiologia destes processos individualizando o olhar para cada binômio.
2- respaldo das condutas obstétricas e neonatais em evidências científicas recentes e de qualidade.
3- assistência multiprofissional e integral à gestante, parturiente, puérpera e bebê. Não há como humanizar realmente uma assistência quando o cuidado é prestado por apenas um profissional. Portanto a inserção de profissionais com olhares diferentes no cenário da assistência obstétrica e neonatal é imprescindível quando se deseja prestar um modelo humanista de atendimento.”


Veja aqui no site da Febrasgo: http://www.febrasgo.org.br/site/?p=10807&hc_location=ufi

(PS: o artigo foi retirado do ar…. outra coincidência?)

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Loucura e preconceito no mundo dos trogloditas

Troglodita 01
Será que ainda precisamos do “Homo ignobilis”?

Recebi de uma querida amiga paulistana (cujo nome não direi para não causar constrangimentos a ela) um link para ver partes de um livro recém-lançado sobre as mulheres e suas “doidices”. Eu imaginei, no primeiro momento, que se tratava de uma visão masculina sobre o misterioso mundo feminino, e as maravilhosas “loucuras” que as mulheres fazem na sua passagem pela Terra. Entretanto me deparei com uma torrente de preconceito, desinformação e grosseria que me chocou, a ponto de resolver escrever a respeito. O capítulo 10 deste livro (cujo nome não direi para não dar publicidade a um material tão ruim) chama-se “Parto em Casa”, que foi escrito em função da experiência que o autor (Sr W.) teve ao vislumbrar a Marcha de Mulheres que ocorreu em 32 cidades brasileiras em defesa do direito de escolha, do Parto em Casa e do nosso colega Jorge, injustamente acusado pelo órgão de classe do Rio de Janeiro. Não li o livro todo, porque este capítulo já é suficiente para demonstrar a grosseria do julgamento que o autor faz das mulheres e do feminino. Tomo a liberdade de transcrever apenas um parágrafo para que tenham uma ideia do que se trata:

“(…) Os outros benefícios [do parto domiciliar] não merecem nem ser citados por tamanha incoerência e esdrúxulas afirmações. Se perceber, verá que não batem bem da bola, são normalmente aquelas que não se apegam ao batente, como sabemos. Quando a mulher trabalha, ajuda no sustento da família e tem responsabilidades para continuar a vida como ela é, não tem tempo para essas “frescuras” [a Marcha e o ativismo]. Tem o filho na maternidade mesmo e após alguns dias volta à luta. Isso, sim, é mulher de verdade (…).”

Pelo trecho acima pode-se avaliar a qualidade do resto do livro. Por esta razão eu resolvi escrever a primeira resenha desta publicação, e que constará no Google Livros. Aqui está ela:

“Sobre o Livro XXXX do senhor W. tenho a dizer que o capítulo sobre o “Parto em Casa” é lamentável, triste, preconceituoso e chauvinista. Poderia escrever sobre o resto do livro, mas se ele contém algo semelhante a este capítulo ele certamente não vale a leitura. Eu acreditei (pelo título) que o livro era bem humorado e que tratasse das coisas lindas e até incompreensíveis (ao olhar masculino) da epopeia feminina na terra, mas é provavelmente (pela amostra que tive) um aglomerado de grosserias contra as mulheres, e uma torrente de preconceitos sem cabimento.

No texto sobre o parto domiciliar ele chega a dizer que isso é “coisa de mulher desocupada” (vide acima), usando as MESMAS PALAVRAS que os homens proferiam para debochar e desmerecer os interesses intelectuais femininos, como estudar, adiar um casamento, fazer uma faculdade ou decidir-se a não ter filhos nos anos 60. Um texto triste, lamentável, infeliz e inaceitável para uma sociedade que se propõe plural e justa. Desafortunadamente este senhor não passa de um fóssil vivo, um exemplar do “homo ignobilis” do início do século, que resiste em tratar as mulheres com um misto de compaixão arrogante (pobres delas, loucas, são apenas mulheres…) e desconhecimento total do ser feminino. Se eu fosse mulher e lesse isso, realmente ficaria LOUCA, e faria parte dos 90% que ele acusa. Por outro lado eu informaria a ele que só quando 100% das mulheres se indignarem com tanta ignorância e preconceito é que esse mundo oferecerá mais dignidade para elas no momento de fazer escolhas informadas sobre como parir.

E, por favor… eu li o capítulo (as partes que o Google permitia) e ficou CLARO que não se tratava de uma “brincadeira”, ou de uma espécie de “humor machista”. Não vou aceitar ser chamado de mal-humorado: ele expressou uma opinião séria, desconsiderando e debochando de gestantes que lutam por liberdade de escolhas. Não, não se trata de uma comédia ou de uma caricatura.

É preciso que cidadãos como o Sr W. permaneçam no mundo apenas pendurados em paredes de museu, para mostrar como eram os homens na pré-história da cidadania, quando as mulheres eram obrigadas a ter seus filhos da forma como os homens determinavam, e não da maneira como a ciência comprova como seguras, e as mulheres desejam.

Entretanto, é minha opinião de que o ponto de vista do Sr. W está cada dia se tornando mais cafona, démodé, ultrapassado e velho. Essa já foi a opinião consensual na cultura ocidental, mas hoje é apenas a hegemônica. Já existe, principalmente por força da Internet e das redes sociais, uma consciência muito maior dos direitos das mulheres, assim como informações idôneas sobre a segurança no parto domiciliar (e não o amontoado de opiniões e visões enviesadas deste senhor). Com o passar do tempo esta postura retrógrada e ofensiva com as mulheres será vista apenas uma visão antiquada e sem embasamento, e a história verá este texto como um resquício do preconceito que ainda recaía sobre as mulheres na cultura ocidental nos umbrais do século XXI.”

Ric Jones

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Função Paterna

Esse é é um tema que sempre me atraiu e que deveria ser mais explorado, já que o movimento de contracultura no mundo inteiro trouxe o pai para a sala de parto na esteira das profundas modificações dos papéis masculinos e femininos do pós-guerra. O tema é: “Função paterna no nascimento. O pai (dis)funcional”. Minha posição de homem presente no nascimento me propiciou muitos momentos delicados em que pude observar de uma forma evidente a função paterna no processo. Entre tantos, lembro-me do episódio de um parto que acompanhamos, eu e Zeza, em Coimbra Portugal.

Estávamos acompanhando um conhecido parteiro português, em um atendimento domiciliar. O local era ermo, distante da cidade; uma espécie de sítio bem afastado. Lá estava uma menina de uns 17 anos em suas dores. Primeiro filho, o namorado não passava dos 20, mas se comportava como se tivesse 16. Lá também se encontravam o pai da menina e a namorada deste (a mãe morava na Inglaterra). Ah, detalhe importante: eram todos ingleses, que moravam em Portugal. Lá pelas tantas, no período de transição, ela começou a fazer os resmungos que nós tão bem conhecemos, típicos da famosa “fase de transição”: “não aguento”. “parem tudo”, “me deixem”, “quero uma cesariana” e assim por diante. Continuou com esse comportamento por muitos minutos, enquanto na sala contígua, eu e o pai dela conversávamos, tentando desviar a atenção das tensões inexoráveis de um trabalho de parto. Num determinado momento, incomodado com as reclamações da menina, e sem sair da sala em que nos encontrávamos, o pai se levantou e bradou:  

– Escute aqui, pare com essa choradeira. Você escolheu isso. Vai continuar até o bebê nascer. Você não tem outra escolha. Agora feche a boca e se concentre em ganhar esse bebê!  

Ele disse isso no limite tênue que separa a “voz alta” do grito; entre a firmeza e a grosseria. Eu achei que o comportamento do pai havia resvalado para a rudeza desnecessária, mas o que se viu a seguir foi deveras interessante. Depois dos brados paternos só o que se ouviu foi o silêncio; mais nenhuma palavra, muxoxo, reclamação ou pedido. Apenas um leve ranger de dentes entremeado com suspiros profundos. Da sala contígua só podíamos imaginar o que ocorria no quarto, onde o parteiro acompanhava a parturiente, ladeada pela madrasta e por sua irmã. Mais alguns minutos e ouvimos os sons graves que anunciam um bebê achegando-se ao portal vaginal; o limite último do túnel que o leva à luz e à vida. As palavras exultantes do nosso amigo enfermeiro nos anunciaram a chegada do menino antes que ele pudesse chorar. As mulheres gritavam e podíamos escutar os seus abraços, mesmo que seja difícil definir a sonoridade que eles produzem. Alegria, lágrimas e a festa que tanto conhecemos.

O que restou como interrogação para mim foi a intervenção paterna, cortando um ciclo de vitimização, numa espiral de fragilidade que a estava levando a uma desistência. Sua voz firme e autoritária pode ter cumprido uma função que mesmo eu, no papel de médico, jamais poderia realizar. Para mim, havia, sim, alternativas. Não me caberia acabar com a possibilidade de desistência, pois que nunca poderia julgar os desafios que só ela poderia aquilatar. Desistir de um parto é, apesar da dor que possa nos causar, uma das alternativas legítimas. Mesmo que isso possa ser motivo de um eterno arrependimento, qualquer intervenção da equipe médica nessa decisão entra na categoria de “tutela”. Não nos cabe tomar esse tipo de deliberação; apenas a mulher pode decidir em que ponto de suas dores – do corpo ou da alma – ela considera ter alcançado o limite.  

Entretanto, a intervenção moral das palavras do pai teve um efeito apaziguador. Parecia que a ela faltavam o “limite”, a contenção e a borda. Quando ele bradou, exigindo que ela mantivesse seu propósito original, a mim pareceu que ela acordou (mesmo que ainda dentro do seu sonho de partolândia) para um compromisso maior, anteriormente firmado. Funcionou. Mesmo que seja um espaço impossível de ocupar por quem aceita o pleno protagonismo feminino no parto, tal ação com a marca da função paterna parece ter algum ensinamento a nos oferecer.

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