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Diferenças

Hoje em dia vejo muitas manifestações de mulheres nas redes sociais gritando aos quatro ventos que não precisam de homem para nada. São vozes celebrando a independência do jugo multimilenário do patriarcado. Afirmam com toda a autoridade a desnecessidade dos “machos” – e essa palavra é usada com absoluta conotação depreciativa, como que reforçando a condição animalesca de quase metade da população mundial. Claro, dizem que ainda precisam de marceneiros, entregadores, maquiadores, lixeiros etc., homens que fazem serviços que para elas nunca foram interessantes ou desejados, mas explicam que estes apenas oferecem seu trabalho mediante um pagamento. Portanto, por não serem serviços mediados pelo afeto, não se enquadram na sua celebrada independência. Ou seja: dizem que não necessitam que os homens façam para elas algo que demandaria uma dívida, algo que precisaria ser pago de alguma outra forma. Eu sei, é um pouco confuso, mas por trás dessa manifestação eufórica existe uma inequívoca alegria com a libertação feminina da dependência que tinham dos homens em relação a muitas coisas. Não vejo nada de ruim neste tipo de busca pela autonomia, apenas acho curioso o quanto isso não faz parte da história masculina.

Em verdade eu sinto inveja desse sentimento, já que nunca o tive. Eu confesso que preciso das mulheres para ser feliz e nunca me esforcei para esconder essa falta. Sobre isso posso atestar o quanto minha esposa, filhas, irmã, neta, tias e amigas são fundamentais para o que eu poderia chamar de “felicidade”. Sou dependente dos afetos das “fêmeas”, e não tenho nenhuma vergonha em admitir isso. Na dualidade que constitui o mundo, depender do outro é parte integrante do que nos define. Por isso essas manifestações soam engraçadas aos ouvidos atentos dos “machos”: não conheço nenhum homem que orgulhosamente bate ao peito e afirma desprezar qualquer coisa que venha das mulheres, tratando-as como desnecessárias. Mesmo os gays – que não precisam delas para o prazer – têm apreço especial por elas, e alguns as tomam como exemplo de imagem a ser glorificada.

Essa questão da “necessidade do outro” me faz lembrar de dois filmes que assisti na minha juventude, bem na época em que os meus filhos estavam nascendo. O primeiro deles é um filme americano de 1968 chamado “Inferno no Pacífico” com Lee Marvin e Toshiro Mifune, onde dois sobreviventes de uma batalha naval – um soldado norte-americano (Lee Marvin) e um oficial japonês (Toshiro Mifune) – ficam isolados em uma ilha deserta do Oceano Pacífico durante a II Guerra Mundial. Eles são inimigos, desejam matar um ao outro e lutam por potências em guerra, mas percebem com o tempo que, apesar de suas diferenças essenciais, a chance de sobrevivência aumentaria muito para ambos caso resolvessem cooperar ao invés de combater. O outro chama-se Inimigo Meu, uma ficção científica de 1985 com Dennis Quaid. Neste, ao invés a batalha no Pacífico, a luta é interplanetária, entre o nosso planeta e o planeta Dracon. Após uma perseguição com naves no espaço, Davidge (Dennis Quaid) fica preso em um asteroide deserto com seu inimigo Jeriba Shigan (Louis Gosset Jr) e, assim como no filme sobre a guerra dos americanos contra o Japão, descobrem que para sobreviverem seria necessário que esquecessem a animosidade e investissem em uma atitude de cooperação. Assim o fazem, e acabam desenvolvendo uma curiosa amizade, onde ambos aprendem com as diferenças marcantes entre as culturas. Uma parte interessante do filme é que, no meio do enredo, o alienígena Jeriba dá à luz um “bebê Drac” (Zammis) com a ajuda do “parteiro” terráqueo. Ou seja, o bebê nasceu através de uma fecundação assexuada, por partenogênese. Durante o parto (por uma abertura abdominal) Jeriba explicou a Davidge que assim se reproduziam as linhagens no planeta Dracon – sem encontros sexuais, apenas pela clonagem, criando uma cópia de si mesmos em um novo sujeito. Esta, sim, seria autonomia máxima sonhada por alguns: a independência total do outro, sem que houvesse qualquer razão especial para que a sociedade se organizasse em grupos. O sujeito se bastaria, não seria necessária nenhuma troca.

Passei boa parte da minha vida imaginando como uma sociedade assim constituída poderia existir, e a minha conclusão é que este tipo de organização social serviria tão somente para bactérias e protozoários. Não é a toa que a união sexuada foi criada no processo evolutivo: ela permite o aperfeiçoamento pela diversidade, e diversidade em biologia é riqueza e segurança. Uma sociedade onde todos fossem iguais seria catastrófica. Pois é exatamente a diversidade entre homens e mulheres o que mais me encanta. Olhar o mundo pela perspectiva do outro é uma forma de produzir crescimento pessoal. Por isso viajar é tão enriquecedor, além de ser a melhor vacina contra os etnocentrismos – conhecer o estranho é essencial para incorporar seus valores e respeitar sua visão de mundo. Para mim, outra forma interessante – e essa pode ser feita mesmo sem sair do lugar – é olhar o mundo pelos olhos das mulheres, tentando entender como elas configuram as coisas, as pessoas, as relações, os afetos, as características especiais e a forma profunda de decifrar o universo. Meu amigo Max, quando nos deparávamos com alguma coisa estranha ou incompreensível feita por uma mulher, sempre me dizia “Entenda: uma pessoa que sangra todos os meses e é capaz de carregar outra no ventre jamais vai traduzir o mundo com as mesmas palavras que nós”.

Caso as mulheres desaparecessem da face da Terra, depois de 80 séculos de patriarcado, o mundo, as fábricas, os governos, as religiões e a civilização como um todo talvez não sofressem nenhuma mudança drástica em curto prazo; a água continuaria correndo das torneiras e a luz elétrica ainda iluminaria nossas noites. Entretanto, é certo que a humanidade mergulharia numa tristeza sem fim, como se a cor de tudo viesse a desaparecer e o mundo passasse a ser constituído apenas por penumbras e vultos desfocados. Caso os homens, esses inúteis, desaparecessem da face da terra, em uma semana o que restou da humanidade estaria acendendo fogueiras esfregando gravetos. E isso ocorreria por muitas décadas, até que esta sociedade unipolar se desse conta do quanto os homens têm valor, pela sua especial forma de traduzir o mundo. No fundo eu penso que ambos os filmes falam da mesma verdade: muito mais do que digladiar em torno de uma suposta supremacia ou da desimportância do outro em nossa vida, é muito mais proveitoso usar a oportunidade que eles nos oferecem de crescer através das diferenças.

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Culpa e Responsabilidade

Parto de uma premissa que entende que a responsabilidade pelas escolhas no terreno dos direitos reprodutivos e sexuais, no que diz respeito a parto e nascimento, certamente é das mulheres. Quem não se responsabiliza pelo que escolhe não têm autonomia; aqueles que assim agem não passam de crianças grandes, para quem jamais pode ser dada qualquer tarefa que exija comprometimento. Portanto, é importante pontuar a arrogância de algumas mulheres que acham possível mudar a essência de seus parceiros – ou de seus médicos – usando apenas a ferramenta da sedução. Dizendo isso, assevero que criticar esta postura ainda muito disseminada na sociedade não é “culpar as mulheres” por questões sobre as quais não possuem qualquer controle. Trata-se tão somente de fazer as mulheres serem donas de seu destino, garantindo a elas o protagonismo e a responsabilidade que está a ele associada. Há que se entender as diferenças entre “culpa” e “responsabilidade” para evitar conflitos desnecessários.

Aliás, esse maniqueísmo também precisa acabar. As pessoas podem ser vítimas e culpadas ao mesmo tempo. Um sujeito que é assaltado porque deixou o seu dinheiro saindo para fora do bolso traseiro é vítima de um assalto e ao mesmo tempo culpado pela falta de cuidado com o que possui. Mulheres vítimas de vivência obstétrica da mesma forma. Podem ser vítimas de ações abusivas, mas culpadas pela ingenuidade de suas escolhas ou pela sua …. arrogância. Não são situações excludentes, em hipótese alguma.

Prefiro tratar da responsabilidade das mulheres de serem protagonistas de suas escolhas. Sim, no Brasil a maioria das mulheres não pode escolher os médicos ou serviços de assistência ao parto, e esta é uma questão que está relacionada às dificuldades do nosso sistema de saúde. Todavia, o que eu proponho aqui é algo mais simples: aquelas mulheres que podem fazer escolhas não devem ser vítimas da ilusão auto infligida de que serão capazes de mudar a essência dos seus cirurgiões através da pura sedução, para que eles – por elas “transformados” – atuem contra suas próprias tendências e preferências. Isso está em paralelo com o exemplo de mulheres que acreditam ter a capacidade de mudar a essência de seus parceiros – muitos deles violentos, abusivos e alcoolistas – através dos recursos do afeto. Isso é uma arrogância que testemunhei durante décadas entre as mulheres que procuravam assistência no setor privado de assistência ao parto.

Além disso, o discurso de que as “mulheres são vítimas, não tem agência, não podem escolher nada” já cansou. Quem se coloca como vítima eterna e imutável jamais assume o protagonismo; agente e vítima são posições antípodas. O fato de ser vítima não determina a paralisia e não retira a responsabilidade da reação!!! Só as mulheres poderão transformar o parto; esperar que médicos se humanizem (de novo, pela sedução idealista de algumas mulheres) é arrogância. Médicos jamais vão modificar sua postura em relação ao parto e nascimento sem que ocorra uma pressão intensa da parte de quem se sente prejudicado. Apenas a luta organizada protagonizada pelas próprias mulheres poderá – através da luta e do confronto – mudar esta realidade. Portanto, não se trata de estabelecer culpas – que são via de regra inúteis – mas de responsabilizar as mulheres pelas escolhas que precisam ser feitas. Enquanto os médicos forem os únicos responsáveis só a eles será garantido o protagonismo. Nenhuma conquista ocorre sem luta e essa luta não pode ser alienada a ninguém.

Esse tipo de postura arraigada na cultura propõe a existência de dois grupos em disputa: os bons (as mulheres) e os maus (os homens). Portanto, se os homens são os culpados da violência no parto a responsabilidade de transformar o mundo seria… deles?

Não seria preciso falar sobre o fato de que hoje, no Brasil e no mundo, a maioria dos obstetras “maldosos e cruéis” que cometem violências contra mulheres são, adivinhem… mulheres. Mas para além disso, essa perspectiva baseada na culpa explica o atraso em qualquer conquista civilizatória na direção da equidade. Enquanto as mulheres acreditarem que a mudança da sociedade partirá dos homens (e a mudança do parto partirá dos médicos) ficaremos esperando que uma ilusória iluminação recaia sobre suas cabeças e, a partir disso, eles decidam fazer algo que jamais ocorreu na história do planeta. Ou seja: nenhum grupo abriu mão do seu poder pela transformação interna; todos foram forçados pelos conflitos e pela pressão que vem de fora.

Assim, a perspectiva de culpar os homens ou culpar os médicos – cujas atitudes são basicamente reflexos da sociedade onde estão inseridos, no tempo e no espaço – além de equivocada e injusta não produz nada, não faz nada, não ajuda nada e não transforma nada da realidade contemporânea. Quem acha que o problema da violência obstétrica recai exclusivamente sobre os médicos eu convido a passear pela seção de comentários de qualquer notícia de parto nos periódicos nacionais. Ali poderão testemunhar o quanto as mulheres aplaudem cesarianas, condenam partos humanizados, adoram episiotomias e exaltam os abusos de tecnologia. Com isso fica claro que os médicos, em verdade, se adaptam aos valores sociais vigentes em sua época, se dobram ao imperativo tecnológico e se rendem à demanda tecnocrática. Além do mais, afirmar o que “as mulheres querem” é arriscado; muitas vezes (acredito que na maioria) elas desejam até o oposto do que nós, humanistas, defendemos.

Acreditar que os homens são os culpados por todas as mazelas do mundo é tão ingênuo quanto dizer que o problema da violência obstétrica é culpa dos médicos. Além de fulanizar e criar um fosso sexista onde “os homens são maus e as mulheres vítimas doces e inocentes” esta perspectiva não enxerga a complexidade dos direitos reprodutivos e sexuais e cai na sedução de criar uma dualidade que separa “os bons e os maus”, sendo os maus (que surpresa!!) os médicos, os homens, os brancos etc. enquanto as mulheres são nobres, justas, doces e inocentes. A realidade material mostra que não é assim que o mundo funciona.

Eu, pessoalmente, cansei dessa perspectiva que se baseia no apontar de dedos. Não apenas porque ela é falsa, mas porque perdemos tempo em organizar a mobilização necessária para pressionar o sistema de saúde para as mudanças na atenção ao parto. Atacar os médicos, acreditando que eles são o problema central, é uma espécie de bolsonarismo, um recurso característico da extrema direita, pois aposta nas acusações de ordem moral (médicos egoístas, maldosos, cruéis, orgulhosos, malandros, canalhas, etc.) sem perceber que o problema é sistêmico e estrutural, onde médicos e pacientes são peças de um gigantesco quebra-cabeças e prisioneiros de um jogo no qual são manipulados por interesses alheios.

Eu não aguento mais esse tipo de debate. Não existe chance de mudança através do idealismo. a solução e o avanço para uma maternidade mais justa, humana, respeitosa e segura apenas surgirá pelo caminho do materialismo, pelos confrontos e pela conscientização das massas sobre os direitos reprodutivos e sexuais. Culpar os homens, tratando-os como inimigos é a rota mais segura para o fracasso, e foi isso que vimos até hoje.

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Para facilitar o cancelamento

O sexismo é irmão dileto do racismo e de todas as formas de preconceito. Acreditar que os ataques a um determinado gênero e condição seja “justo” em função de questões dramáticas que vivenciamos no cotidiano acaba por legitimar os ataques às raças, às orientações sexuais e às identidades, ao invés de produzir um arrefecimento dessas ações. Aceitar que homens sejam tratados como “malévolos e inferiores”, “estúpidos e grosseiros” baseando-se na experiência pessoal com eles é o mesmo que tratar negros, gays, mulheres, imigrantes e qualquer outra minoria de forma violenta ou diminutiva baseando-se em generalizações ou em sua experiência pessoal negativa.

Eu não tolero preconceitos que colocam gênero, classe, raça, origem, orientação sexual etc. em uma escala de valores, dos mais nobres aos mais perversos. Não acredito que nossos genes produzem diferenças no que diz respeito às condições morais e intelectuais. Diante disso deixo bem claro que qualquer pessoa que escreve a frase sexista “Nem todo homem, mas sempre um homem”, está convidado a me cancelar peremptoriamente; não precisa sequer se despedir. Lutei contra todos aqueles que tratavam pequenos deslizes naturais de mulheres em ambiente de trabalho dizendo coisas parecidas com isso (“tinha que ser mulher”, por exemplo), portanto não vejo porque deveria aceitar que este tipo de manifestação abjeta, asquerosa, nojenta e que atenta contra metade da população do mundo possa ser válida.

A criação de um mundo de equidade não vai passar por derrubar o poder dos homens para a criação de uma opressão por outro gênero, mas através da abolição de qualquer opressão baseada no sexo, na cor da pele, na classe social, na origem e na identidade sexual dos sujeitos que coabitam conosco neste planeta. Atacar os homens e o masculino, creditando a eles todo o mal do mundo (e fazendo vista grossa para as perversões cometidas por mulheres) é um dos mais importantes fatores para a manutenção dos preconceitos, pois que ataca a essência imutável de todos nós – nossa estrutura de sujeito – algo que não pode ser modificado e elaborado.

Quem ataca os homens e o masculino, tratando-os como inferiores e tolos, não honra seu pai, seus irmãos, seu marido, seus filhos homens e tudo o que o masculino criou na humanidade. Quem faz o mesmo com as mulheres, desonra todas aquelas que lutaram e se sacrificaram para que estivéssemos aqui.

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Meras empregadas

Sabe qual a semelhança nessas propagandas? A ideia de que os comportamentos são determinados pelo gênero. Assim, o comportamento inadequado (ou anacrônico) de um homem seria um modo de ser “dos homens”, enquanto as falhas de uma mulher representariam “as mulheres”. Apesar do gênero ainda condicionar de forma marcante a vida humana, tanto quanto a classe social ou a “raça”, dizer como os homens, as mulheres, os pobres e os brancos pensam e desejam é sempre uma homogeneização apressada e injusta, usada para atacar os sujeitos e seus grupos, ao invés de criticar suas ações.

Em relação à pergunta feita na publicidade cor-de-rosa, como então as mulheres descreveriam um “bom homem”? Já que a brincadeira é generalizar e olhar a humanidade inteira como um rebanho com comportamentos determinísticos, qual seroa a visão que as mulheres teriam de um “bom homem”? Seria ele amoroso e gentil? Ou seria um provedor que a protegesse? Será mesmo que vão aparecer descrições baseadas na diferença moral entre os gêneros, onde um deles é nobre e amoroso e o outro egoísta e utilitarista?

Estes são textos cíclicos nas redes sociais. Faz pouco tempo circulava uma monstruosidade sexista que afirmava que os homens (não alguns, mas o gênero masculino) odiava as mulheres, que não passavam de seres usados para o seu prazer, enquanto o verdadeiro amor masculino era devotado somente aos outros homens. Agora circula este, onde fica implícito que os homens não oferecem às mulheres amor e cuidado, e delas apenas desejam um bom serviço doméstico.

Este tipo de preconceito, e essa campanha anti-masculina, que floresce na seara da misandria e circula entre aquelas mulheres cuja vida afetiva foi insatisfatória ou mesmo traumática, está na raiz do surgimento do seu contraponto: os Red Pill, tolos masculinistas que usam da mesma retórica excludente e preconceituosa – mas de sinal trocado – de característica misógina e agressiva, causada por suas más experiências afetivas.

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O abandono do macho

Lee Van Cleef, em “3 Homens em Conflito” (1966), o protótipo perfeito do “homem mau”…

Hoje escutei de novo a frase: “Nem todo homem, mas sempre um homem”….

A ideia é de que, sempre que um fato ruim ocorre na sociedade – que envolva violências ou abusos – haverá um homem envolvido. Sim, alguns homens não são perversos, abusivos ou malignos, mas na malignidade e na perversão sempre haverá um macho envolvido. Os homens são a raiz e a fonte de todos os males, a violência, a perversão e o horror.

Sabem por quê? Porque as pessoas que usam essa frase com o propósito de atacar os homens acreditam piamente que as mulheres não cometem erros graves, não produzem crimes e jamais têm atitudes perversas. Devotam uma fé inabalável na perspectiva de que pessoas oprimidas são moralmente superiores aos seus opressores.Para estas pessoas existem diferenças espirituais entre os sexos, e os homens se encontram em um plano inferior em relação às mulheres. Pense nisso quando alguém acusar os homens de machistas. Sim, porque o machismo é a “crença de que os homens são – para além das diferenças físicas – moral e intelectualmente superiores às mulheres“; porém, essa perspectiva de mundo é combatida por todas as pessoas que desejam um mundo equilibrado, com justiça e equidade. O machismo é a ideologia que tenta sustentar um sistema baseado na opressão.

Agora pergunto: por que deveríamos aceitar quando alguém afirma que os homens são moralmente e intelectualmente inferiores às mulheres? Por que achamos que tal acusação deveria ser tratada de forma diversa? Por que achamos que é justo passar pano para estas atitudes sexistas? Que tipo de sociedade desejam aqueles que consideram todos os homens – e não apenas aqueles que cometem erros e crimes – como se fossem inferiores, malévolos e perversos – os famosos “estupradores em potencial”?

Atentem para o fato de que tratar os homens (metade da população mundial) como os inimigos do progresso e da justiça fez com que o homem branco, cis, hétero e de classe média (a descrição do vilão contemporâneo) se refugiasse nos movimentos de direita – e até no fascismo. Isso porque foram tratados pelos identitários (que invadiram os movimentos de esquerda) como os inimigos, como o “problema” a ser resolvido na sociedade. Para estes grupos – criados nos laboratórios e “think tanks” do partido Democrata americano – o que existe de errado nas sociedades contemporâneas é o homem e sua visão de mundo. Mais do que o patriarcado, é a masculinidade que espalha o mal pelo planeta. “Fossem as mulheres a governar seria tudo diferente“, o que é um exemplo clássico de idealismo, pois que nenhum exemplo existe para nos mostrar as diferenças morais e de competência entre as mulheres que ocuparam posições de poder.

O que faziam tantas mulheres – e de todas as cores – nas manifestações que exigiam a volta da ditadura – em 1964 e agora mesmo nos piquetes bolsonaristas? Como se comportaram as mulheres quando alcançaram o poder? O que dizer de Margaret Thatcher ou Madeleine Albright – responsáveis pelo aniquilamento dos trabalhadores ou pela morte de milhões de árabes nas invasões imperialistas? “Essa é uma pergunta difícil. Mas, sim, achamos que valeu a pena”, disse a ex-secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright, quando, em 1996, lhe perguntaram sobre a morte de 500 mil crianças no Iraque. Já a Dama de Ferro teve sua morte comemorada por multidões na Inglaterra. A políticas neoliberais desta senhora resultaram na destruição de 20% da indústria inglesa entre os anos 1979 e 1981, maior até que o estrago na indústria causado pela força aérea alemã na II Guerra Mundial, resultando em mais de 3 milhões de desempregados. Esses simples fatos se chocam com a visão do “homem mau e perverso“, ou da famigerada expressão “sempre eles“.

Coloquem homens e mulheres, dotados de uma visão burguesa no controle de suas sociedades, e não haverá como reconhecer-lhes o gênero apenas avaliando suas ações. Não parece que existam tantas diferenças assim como alguns querem nos fazer crer; o que fica claro é que esses desvios de caráter não atacam apenas o cromossomo Y. Por esta razão simples, as esquerdas precisam urgentemente se reciclar nesse aspecto, trazendo os homens para – junto com as mulheres – criar uma sociedade mais equilibrada e justa. Abandonar o discurso identitário, de defesa das questões de gênero acima da luta de classes, é uma urgência. Rechaçar os homens do debate das esquerdas está na gênese do aparecimento do maior ícone contemporâneo dos homens ressentidos: Jair Bolsonaro. Todavia, muitos daqueles homens que se uniram a esta corrente de rancor e fanatismo poderiam ser recuperados não tivessem sua condição masculina tratada como defeito ou danação por aqueles que, na esquerda, se consideram progressistas.

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Comércio dos corpos

Algumas mulheres (por certo que uma minoria) não tem ideia do quanto estas generalizações ao estilo “os homens só querem nosso corpo” são infantis, mas não só isso; elas criam barreiras desnecessárias para o enfrentamento das causas básicas dos sofrimentos evitáveis, como a real exploração dos corpos pelo capitalismo. A moda agora é dizer que “homem tem mesmo que pagar o jantar”, pois o objetivo deles é ter acesso ao corpo das mulheres sem nenhuma contrapartida. Que paguem!!! Ou seja: vamos escancarar que é comércio mesmo.

Primeiro de tudo: qual o erro ou a imoralidade em desejar estes corpos – oferecendo-se em contraponto? Por que diabos tais movimentos identitários ressuscitaram vozes puritanas fortuitamente soterradas pelo tempo? A quem serve este tipo de posição belicosa que acredita que os movimentos de aproximação dos homens são sempre mal intencionados e o das mulheres eternamente dóceis e puros?

Ao apostar nesse sexismo, criando a fantasia de que os homens são eternos e irrecuperáveis aproveitadores e opressores, enquanto as mulheres são essencialmente dadivosas, nobres e oprimidas, criamos generalizações injustas que desembocam em uma falsa dicotomia moral dos gêneros, que só gera sentimentos negativos. Tanta energia seria muito mais bem utilizada no combate ao capitalismo, que explora a todos sem preconceito de raça, credo ou gênero. Se há algo positivo no capitalismo é de que ele destrói em nome do capital e seu acúmulo, não se importando a cor ou a crenças de suas vítimas.

Combater sexismo com mais sexismo é a mais abissal das tolices. E sim, é fácil me cancelar, difícil é cancelar esta realidade.

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Abusos sexistas

Na mesma semana que uma música de Chico Buarque é cancelada por ser pretensamente “machista” uma lojista e “influencer” de São José dos Campos-SP coloca um cartaz proibindo a entrada de homens na frente da sua loja no shopping – porque sua presença seria incômoda para as mulheres. As desculpas para estes atentados à livre expressão e à livre circulação, ao meu ver, são absurdos e indecentes.

Não são apenas os fanáticos religiosos e os anticomunistas as ameaças à democracia, até porque estes nunca ousaram cancelar músicos e proibir a entrada de um gênero em um espaço de uso público. Os identitários e sua perspectiva autoritária, sectária são um risco ainda maior porque suas propostas são travestidas de “boas intenções” e “proteção às minorias”.

Imaginem um bolsonarista impedindo gays, trans ou negros de entrar em seu estabelecimento. Pensem no escândalo que seria. E se fossem judeus? Entretanto, vetar expressões artísticas e proibir circulação de homens dentro de lojas não causa nenhum furor – ou infinitamente menos do que deveria. Quantos abusos mais serão necessários até percebermos que a lei é para proteger a todos, e não apenas os grupos que desejamos beneficiar?

Não há defesa para discriminação e sexismo. O cartaz é discriminatório, inconstitucional e francamente ilegal. Posso entender o que a levou a fazer isso, mas nada justifica esse tipo de discriminação de gênero.

Imaginem se fosse o contrário: “Proibido Mulheres” em um bar, no estádio de futebol, ou na Casa do Estudante – um caso famoso aqui em Porto Alegre nos anos 80. Pior: imagine que um grupo de transexuais tivessem, por mais de uma vez, entrado no estabelecimento fazendo zoeira, bagunça, falando alto ou apenas sendo inconvenientes. Em função destes contratempos a dona, cheia de justificativas, coloca um cartaz à vista de todos: “Proibido entrada de transexuais”.

IMAGINEM O (JUSTO) ESCÂNDALO!!!

Vejam… a situação é grave porque a dona do estabelecimento não se refere aos comportamentos inadequados na loja, tipo espiar, ficar olhando as modelos, censurar namoradas, etc. Não… ela acusa o gênero masculino, todos os homens, sem distinção. Se alguém faz isso com negros, gays, indígenas ou mulheres isso tem um nome: preconceito, e inclusive tal conduta está tipificada no código penal. Por que poderia ser justo impedir que o gênero masculino fosse proibido de entrar em uma loja quando uma ínfima minoria causou problemas?

O argumento do “código de vestimenta” – ou seja, impedir que alguém sem camisa entre na loja – não cabe. Você pode pedir para que um sujeito sem camisa saia da loja, mas não pode aceitar um sujeito ser expulso por ser gay ou negro. E também não poderia expulsar um sujeito (ou impedir sua entrada em áreas publicas) por ser homem.

Se a gente quer banir os preconceitos precisa ser contra todos, sem exceção, e não apenas os preconceitos que nos atingem. Discriminar os homens pelo mau comportamento de alguns poucos não pode ser tolerado.

Sexismo e racismo são iguais em sua expressão danosa e destrutiva.

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Chave e fechadura

Quando vi essa imagem na página de uma amiga no Facebook todas as interpretações que passaram pela minha cabeça eram de caráter sexista. Tipo…

os homens controlam as mulheres no sexo enquanto elas controlam suas mentes“, ou “as mulheres tem a chave para a razão masculina e os homens a chave para a sexualidade delas“.

Essas perspectivas podem ser facilmente interpretadas como essencialistas e/ou sexistas; portanto, anacrônicas. A imagem, por isso, me incomodou, mas me oportunizou pensar sobre ela, acima de tudo porque colocam no gênero especificidades que não são encontradas em todos e todas, mas que surgem tão somente como construções sociais, deterioráveis com o tempo e variáveis na geografia.

Todavia, a partir de um ponto de vista mais subjetivo e ligado às conexões que ligam mente-corpo-sexualidade a imagem poderá adquirir um novo sentido.

Olhando-se de maneira alternativa não se trata de determinar de quem é a chave ou a fechadura – que foi a minha leitura inicial – mas ao fato de que a sexualidade está intrinsecamente ligada à planos mentais e espirituais mais profundos, onde muitas vezes a chave de um abre as portas do outro.

Assim, a sexualidade expressa e livre poderia aclarar estados mentais enquanto um pensamento claro e racional poderá fazer desanuviar transtornos da eroticidade, como no caso de um vaginismo, tumores, alergias ou uma irritação vaginal banal causada pelo medo de aventurar-se em uma nova dimensão de afeto com alguém.

Por essa leitura, a imagem pode apenas significar que, na dimensão humana, os afetos permeiam o sexo e são por ele envolvidos.

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Mansplaining e outras aberrações

Houve na manchete sobre a treta de Felipe Neto e Tábata uma clara confusão entre “mansplaining” e “manterrupting“. Mansplaining é quando um homem explica uma coisa para uma(s) mulher(es) usando a retórica que se usava nos anos 40 ao explicar futebol (tipo, impedimento) para elas. Isto é: partindo do princípio de que, por serem mulheres, não vão entender. Como se a condição masculina lhes oferecesse uma clarividência maior sobre temas específicos – tipo política, futebol, tecnologia, etc.

Está é, inequivocamente, uma prática machista, preconceituosa e indevida usada contra mulheres, mas que também pode ser usada contra outras pessoas como expressão de arrogância. Por exemplo: “entendeu ou preciso desenhar?”, é uma forma de responder aos comentários de forma petulante e ofensiva, embora sem o componente machista.

Já o “manterrupting” é interromper a fala de uma mulher apenas POR SER mulher. Isto é: impor sua condição masculina para interromper a manifestação de uma mulher sobre determinado assunto, seja por concordar ou por discordar. O que Felipe Neto fez poderia ser considerado “mansplining“, mas evidentemente que não se pode fazer “manterrupting” por meios eletrônicos. Aliás, ao meu ver ele não fez nenhuma das duas.

Por outro lado eu proponho que estes anglicismos HORROROSOS do vocabulário feminista sejam abolidos e trocados por suas variantes mais simples e que respeitam o nosso idioma. Boa parte da confusão do texto acima se deve a isso. Por que não “explicação machista” ao invés de “mansplining” ou “interrupção machista” ao se referir ao “manterrupring”? Até porque, não são os homens (man) que o fazem, mas um subgrupo dos homens: os machistas e os chauvinistas.

Ops, aqui um galicismo, pois o termo deriva de Nicolas Chauvin, um soldado do Primeiro Império Francês sob o comando de Napoleão Bonaparte que, demonstrado enorme fervor patriótico, retornou aos campos de batalha mesmo tendo sido ferido por dez vezes durante os combates em defesa da França. Por essas vias tortas da linguagem o patriotismo e a bravura de Nicolas acabaram sendo ligadas ao machismo e se tornaram sinônimo de atitudes sexistas.

Quanto a Tábata… o que esperar de uma menina deslumbrada com seu sucesso inicial e que se originou dos Think Tanks liberais do Sr. Lemann? Erro mesmo é acreditar nessa representação identitária como garantia de pensamento progressista. A diferença de Tábata e Joice é que a segunda sempre foi abertamente reacionária e mentirosa, e a Tábata veio como uma capa de doçura e candura que seduziu por algum (pouco) tempo os menos avisados.

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Somos todos racistas?

Eu entendo onde querem chegar as pessoas que fazem esta afirmação. Elas afirmam que a estrutura racista e preconceituosa de nossa sociedade faz com que todos os que aqui convivem de uma forma ou de outra assimilem esses conceitos, os quais ficam impregnados em suas ações e julgamentos. Ouso discordar desta perspectiva essencialmente porque creio que seja apenas injusta, inútil e improdutiva

Creio que existem dois tipos básicos de “racismo”. Um deles se faz a partir de uma adesão consciente e voluntária a uma visão de mundo na qual existem graduações de superioridade moral ou intelectual nas diferentes “raças”. O mesmo ocorre quando alguém fala de gênero, onde um seria mais inteligente, espiritualizado, competente ou mais ético do que o outro. Para mim estas posições são anticientíficas e sem substância. Colocar qualquer gênero como superior ou inferior em questões como inteligência e moralidade é tão equivocado quanto fazê-lo em relação às diferentes tonalidades da pele.

O outro tipo de racismo é quando você pensa e se comporta em termos de raça por estar embebido em uma cultura estruturalmente racista. Quando você sente mais medo quando um grupo de negros se aproxima, ou quando você desconsidera a capacidade de uma mulher fazer uma tarefa que por séculos foi domínio dos homens, por exemplo. Isso todos nós, de uma forma ou de outra, acabamos fazendo – e agimos da mesma forma em relação a muitos outros aspectos da cultura.

Entretanto, ao meu ver, existe uma ENORME diferença entre um racismo ATIVO – racional, doloso e propositivo – e um racismo PASSIVO – culposo e reativo. O mesmo para qualquer tipo de sexismo. Por certo que estas diferenças não importam muito para aqueles que estão sofrendo o preconceito – a ponta oprimida – mas certamente é completamente diferente para as pessoas que o exercem – nós os opressores. Não é certo e nem justo confundir uma pessoa que sofre (e reproduz) as influências de uma sociedade injusta com aqueles que racionalmente acreditam em uma sociedade que pode ser dividida em cores de epiderme, gêneros e preferências sexuais.

Portanto, ao dizer que “todos somos racistas” ou “todos somos machistas” colocamos juntos na mesma panela pessoas que concordam com aquelas que discordam das premissas básicas que sustentam tais preconceitos. Por esta razão, creio que esta insinuação deva ser evitada. Até porque se o sujeito continuaria sendo taxado de preconceituoso mesmo quando pensa e atua contrariamente a estas visões de mundo, então de que valeria mudar, se o rótulo se mantém imutável?

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