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Antigamente

Se é verdade o adágio de que “o parto é um evento social que ocorre no corpo das mulheres”, teriam as mulheres no passado, recente ou longínquo, experenciado partos mais rápidos e fáceis? Quanto existe de real nas dificuldades do processo de nascimento e quanto há de cultura nestas dores? Se a sociedade inteira conspira para o nascimento, quais são as responsabilidades do campo simbólico – a forma como simbolizados os eventos – na construção do parto como sinônimo de “dificuldade”, “dor” e “sacrifício”? Como seriam os partos no século XVI? Inobstante sabermos que a ciência obstétrica salva vidas – inclusive e principalmente pela cesariana – qual o seu papel na desvalorização crescente do parto normal, da fisiologia feminina e dos mecanismos adaptativos que formataram o parto humano nos últimos milênios?

Estas são perguntas para entender a situação da assistência ao parto no início do seculo XXI. Hoje, a chance de uma mulher brasileira de classe média ter um parto normal no nosso contexto cesarista não passa de 10%. A cesariana triunfa de forma inconteste, em especial nas camadas mais abastadas da sociedade. Essa evidência demostra a distância entre as ideologias e a materialidade da vida. Teoricamente as mulheres ocidentais teriam uma ampla possibilidade de escolha: podem determinar como serão seus partos, desde nascimentos cirúrgicos até partos na segurança das suas casas. Todavia, a realidade se apresenta diferente e ela é condicionada pelo sistema de poderes que controla esses processos. Por isso as cesarianas já ultrapassam 59% dos nascimentos; no Brasil de hoje um parto fisiológico é a opção minoritária e, nas classes mais altas, a exceção.

Existe uma distância entre a liberdade teórica e a liberdade real, da mesma forma como o capitalismo oferece o “céu como limite”, mas sua realidade mostra a estagnação das classes e a dominação dos “de cima”. Para estes as opções são reais, sendo apenas teóricas para quem é “de baixo”. Quando analisamos friamente, é nítido que as mulheres são condenadas às cesarianas pelo modelo obstétrico “iatrocentrico” (centrado na figura do médico) e controlado pelas necessidades dos médicos, e não pelas reais condições e exigências do binômio mãebebê. Mesmo que, aparentemente, exista uma gama enorme de opções para as mulheres, elas são direcionadas subliminarmente àquelas que beneficiam os donos do poder.

A chance de um parto normal aumenta exponencialmente quando ocorre a decisão de ficar em casa, por exemplo, até 7 cm de dilatação; a forma como uma mulher chega ao hospital é o mais valioso elemento para prever o que vai lhe acontecer. Não deveria surpreender a ninguém que esse é o grande segredo: ficar o mais tempo possível longe dos ambientes insípidos e adrenalínicos do hospital. Desta forma cabe a pergunta, que me parece relevante: como seriam os trabalhos de parto sem a cultura da medicalização, que leva inexoravelmente à alienação das mulheres nos temas do parto e a amamentação? Sem uma cultura de parto formatada pelo medo (e a solução deste drama oferecida à tecnocracia), pairando sobre o parto como um abutre agourento, seriam os partos mais livres, mais rápidos, mas tranquilos e “naturais”?

Estas são as questões fundamentais: qual a parcela de responsabilidade da “cultura do medo” sobre o parto para a criação de um modelo alienante e tecnológico? Por que (ou para quem) as sociedades ocidentais criaram a atual narrativa do parto, que o descreve como violento, agressivo, doloroso e indigno da condição humana? Quem se beneficia com essa perspectiva? Quem ganha com a expropriação do parto e a transformação das mulheres em contêineres frágeis e indignos de confiança? As respostas a estas perguntas serão a narrativa para o nascimento humano no século XXI.

PS: No início deste século havia listas de discussão como a “parto nosso” e a “parto humanizado”. Elas foram fundamentais para o debate sobre as transformações que trazíamos como proposta. Eu escrevia um “tijolão” como esse cada dois dias, apresentando minha perspectiva sobre a assistência e os rumos para o nascimento humano. Quase ninguém lia, assim como quase ninguém vai ler o que está escrito nesse “tratado” aí em cima. Sim, em tempos de Facebook “tratado” é qualquer texto acima de dois parágrafos. Mas… a gente escreve por compulsão, não porque alguém porventura vá se interessar.

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Dor

Ela talvez coubesse no estereótipo mais comum das professoras da escola secundária. Velha, por certo, mas para um garoto de 14 anos esse conceito começa nos 40 anos e segue em diante. Portanto, não há como saber com exatidão. Lembro apenas do seu rosto redondo, cabelos curtos, saia comprida, óculos, sempre rodeada por uma pilha de pastas com a chamada das várias turmas. Naquela manhã sua imagem não estava tão diferente do que eu havia me acostumado a ver, mas algo no seu caminhar mais lento que o normal denunciava algo. Chegou na nossa sala enquanto a resenha ainda corria solta. Colocou os cadernos de chamadas sobre a mesa à frente e ficou olhando por alguns instantes para a parede ao fundo da sala, sem dizer nada.

Ela era professora de psicologia, uma cadeira inusitada no segundo grau. Foi através dessa professora que encontrei os conceitos de eu, supereu e id pela primeira vez. Foi com ela que a turma debateu as motivações inconscientes de nossas atitudes, o mal estar na sociedade e as fases iniciais do desenvolvimento psíquico das crianças. Talvez ela tenha desempenhado um papel importante no despertar das crianças para os mistérios e os segredos da mente, mas jamais teve a oportunidade de comprovar. Talvez essa seja a sina dos professores: nunca saber o quanto impactaram o futuro daqueles a quem ensinaram. Continuou a olhar por um longo tempo em silêncio para um ponto invisível do infinito cósmico, enquanto aguardávamos a chamada. Depois de alguns minutos olhou para os papéis empilhados e delicadamente abriu a primeira pasta. Antes de dizer o primeiro nome, suspirou fundo e falou com a voz embargada.

– Vocês desculpem a professora. Eu não deveria ter vindo dar aulas hoje, mas percebi que ficar em casa sozinha seria muito pior. Não sei o que eu faria olhando para as paredes. É muita tristeza, mas não sei como lidar com isso. Desculpem, desculpem.

Ficou mais alguns segundos imóvel e com os olhos marejados. Depois deixou sair uma frase que mais parecia um gemido do fundo da alma.

– Ontem à noite meu filho morreu.

A sala, repleta de adolescentes barulhentos e cheios de vida, congelou. Ninguém disse palavra alguma. Era possível ouvir a respiração entrecortada da professora. Dos seus olhos brotou uma lágrima e eu senti no peito uma dor estranha que só conheceria décadas mais tarde. A dor surda da perda, da inevitabilidade da morte, o vazio a preencher cada espaço da vida. O som escuro e abafado do silêncio mordaz. Uma porta que se fecha, ou como diria Chico:

“Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais”

Não havia o que dizer. Olhei para o lado e vi meus colegas paralisados. Não era comum para nós vermos adultos chorarem. Ninguém ali poderia acudir aquela alma sofrendo a mais tormentosa das dores. Éramos crianças diante de uma realidade de adultos. O silêncio foi quebrado apenas após a professora retirar da sua bolsa um lenço delicado e secar as lágrimas e o óculos. Olhou para a turma, sorriu timidamente, pediu desculpas mais uma vez e falou…

– Amanda?

E seguiu dizendo em ordem alfabética o nome de todas as testemunhas de sua dor.

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As Dores do Parto

Poucos temas tem tanta relevância cultural quanto o debate sobre a dor do parto. Desde a famosa “parirás com dor e sangrarás todos os meses”, que na Bíblia estabelecia a pena para a luxúria feminina e o abandono do paraíso, até a epidemia de analgesias obstétricas, tudo gira em torno da dor da expulsão fetal e o sacrifício (sacro ofício) das mulheres em nome da manutenção da espécie. Esta valorização da dor materna, como todo elemento cultural, é diferente quando analisamos culturas, geografia e tempos distintos.

A dor do parto pode se manifestar em uma gama infinita de apresentações, transitando dentro de uma variação que vai desde aquelas dores absolutamente ausentes até aquelas descritas como extremamente fortes, no limite do suportável. Por esta variedade e sua conexão com os estados da alma, podemos descrever a dor do parto muito mais como um “sentimento” e uma amálgama de sensações físicas e emocionais, do que como um fato objetivamente mensurável. Para qualquer investigador mais sério, fica muito claro que é impossível analisar objetivamente um fenômeno absolutamente subjetivo, pois que as contrações e a dilatação cervical ocorrem num arcabouço psíquico único e irreprodutível.

Algumas mulheres vão descrever tais dores como excruciantes enquanto outras referem que mal sentiram uma leve sensação de pressão – a qual sequer poderiam chamar de dor. Também é claro que a dor do processo de parturição é aumentada ou diminuída de acordo com as expectativas de dor de cada sujeito. Os ambientes de parto no ocidente, frios, impessoais e invasivos, com pessoas desconhecidas que não transmitem confiança e privacidade, também concorrem para o incremento da percepção dolorosa.

Luís Miguel Torres, presidente da Sociedade Espanhola de Dor Multidisciplinar, disse à AFP que a ideia da dor insuportável que pode ser medida “não existe no mundo clínico nem no de pesquisas” e assegurou que “é invenção de alguém, que não tem nenhum fundamento, nenhuma base científica”. Dominique Truan, ginecologista obstetra da Universidade do Chile, também explicou: “A dor é muito subjetiva, muito pessoal, muito sobre o contexto”. E apontou que é fantasioso falar em “unidades de dor”. Mario Sebastiani, doutor em medicina e obstetra do Hospital Italiano de Buenos Aires, disse em uma recente entrevista que a dor “é uma das questões mais controversas da medicina, já que não há medidores de dor eficazes”. (em “O Estado de Minas“)

Assim sendo, a dor do parto não é um “mito”, uma fantasia ou uma fabricação cultural, mas é um evento sobre o qual a cultura determina um valor específico, de acordo com os tempos e latitudes. O ocidente contemporâneo lança sobre ela uma lente de aumento, cujo objetivo é empoderar quem controla a intervenção e a analgesia química. Culturas diferentes, como as culturas nativas do Brasil, não descrevem a dor do parto como os descendentes de europeus, dando uma ênfase muito menor à dor de parir.

Percebe-se, então, que essa caracterização da dor do parto como “extremamente violenta“, “insuportável” “a pior das dores”, “algo que os homens não suportariam”, “igual a 20 ossos quebrados” ou “acima do limite que os humanos suportam” etc., é uma criação moderna, sem qualquer comprovação científica, cujo objetivo sempre foi empoderar as corporações, sejam elas os hospitais e/ou a instituição médica, em especial a dos anestesistas, justificando ideologicamente a intensa invasão tecnológica do processo de parir.

Hoje sabemos que a maior responsável pelas “dores de parto” contemporâneas é a violência obstétrica institucional, que não oferece às mulheres as condições físicas, ambientais e psicológicas para o parto fisiológico. Isso ocorre pela incapacidade do sistema médico obstétrico em compreender as necessidades emocionais, afetivas, psicológicas e espirituais das mulheres que enfrentam os desafios do parto.

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O que não mata…

Há um velho ditado que diz que “aquilo que não te mata te fortalece”. Por trás dessa afirmação está a ideia de que, com exceção dos eventos fatais, os episódios dolorosos na vida fortalecem aquele que por eles passam, deixando o sujeito mais preparado, capacitado e fortalecido. Não é muito difícil entender que existe sabedoria nesta perspectiva: se a vida é feita de aprendizados, nossos sofrimentos e traumas também podem ser vistos como duras lições que o destino nos oferece. Os sábios do deserto diziam que “a única dos insuportável é aquela para a qual não damos sentido e significado”. Assim, se é possível entender os sofrimento como plenos de ensinamento então aquela dor que não lhe mata (pois a morte encerra a possibilidade de crescimento) pode ser valiosa, dependendo do que você fizer com ela, qual o sentido que oferecer a ela. Portanto, o que não lhe mata lhe fortalece sim, por oferecer experiência, e ela será a principal ferramenta de sobrevivência para os futuros desafios – semelhantes ou iguais a este. Esta é a pedagogia por excelência da nossa espécie, responsável pelo fantástico aprendizado das crianças. Não há dúvida que uma série de problemas podem ocorrer causados pelos traumas inevitáveis que a vida proporciona, porém muito pior que isso é acreditar ser possível uma vida sem desafios, dores, quedas e traumas.

Pensem na perspectiva da “descoberta das Américas” pelos europeus. Os indígenas que aqui viviam não foram expostos aos “traumas” das doenças endêmicas causadas pelo convívio íntimo com os animais domésticos, como ocorria há séculos com os europeus. Desta forma o sistema imunológico deles não estava fortalecido pelas múltiplas exposições. A falta deste tipo de doença na América pré-Colombiana foi o principal causador do extermínio das populações originárias, muito mais do que os enfrentamentos com os invasores do velho mundo.

O que não havia matado os europeus – as doenças causadas pela domesticação de animais – os havia deixado imunologicamente mais fortes, preparados e protegidos. A falta deste “mal” entre os nativos da América os tornou mais fracos, presas fáceis da invasão microbiana. Porém, esta específica perspectiva dos sofrimentos não é uma apologia do “trauma” ou uma visão masoquista da história, e sim o simples reconhecimento da importância fundamental desses processos dolorosos para o fortalecimento de sujeitos, ideias e nações

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Sintoma

A função do sintoma não se esgota na ação sinalizadora – como no pranto infantil – mas vai muito além do que simplesmente nos avisar que alguma função está em desequilíbrio com o resto do organismo. O sintoma – do mais material ao mais etéreo – opera no sentido da homeostase, na busca dinâmica pelo equilíbrio, tentando alcançá-lo através das transformações metabólicas que produz na economia orgânica. Portanto, mais do que um aviso à nossa consciência, os sintomas operam ativamente na resolução da doença, seja ela qual for. A compreensão do sentido último da sintomatologia é a chave para o entendimento holístico do sujeito que sofre.

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Escuta

Uma consulta médica é, em essência, um encontro entre pessoas. Uma delas vai relatar seu sofrimento, falando o dialeto de suas dores, da forma mais precisa que puder, enquanto a outra, através do saber formal ou informal adquirido, vai procurar traduzir o que escutou para o seu conceito de saúde e doença. Assim, os médicos filtram o que os pacientes relatam, capturando tão somente o que faz sentido para sua compreensão das doenças. Ou seja, ele escolhe apenas o que pode entender, aquilo que se ajusta na concepção de enfermidade que faz uso.

Se alguém disser ao médico que tem tristeza ao anoitecer isso será provavelmente inútil; esta junção pouco auxilia na maneira como um profissional vai entender sua doença. Caso venha a lhe contar que sua náusea melhora pela manhã ou quando faz frio, também esse relato não será de utilidade para a imensa maioria dos profissionais. Se disser que sua ansiedade piora em espaços abertos, poucos verão nesse sintoma um indicador importante. Os médicos apenas compreendem o seu idioma, e forçam seus pacientes para que se comuniquem com a língua que entendem.

Por outro lado, a história do paciente é sempre rica de elementos raros, estranhos, peculiares – e essencialmente subjetivos. Somos um manancial infinito de histórias, sentimentos, memórias e significados e todos estes elementos são estruturantes de nossa vida, assim como dos sintomas que usamos na busca por equilíbrio. A propensão da medicina ocidental, por seu turno, é sempre produzir generalizações, tentando entender aquilo que nos configura enquanto humanos, o que nos une e produz similitudes. Desta forma, as histórias que falam da nossa individuação, o que nos torna únicos e irreprodutíveis, são pouco úteis aos ouvidos de quem não deseja escutar a linguagem pessoal da dor, além de atrapalharem a perspectiva homogeneizante da biomedicina tecnocrática.

Em verdade, o conjunto de sintomas que o paciente traz ao seu médico é sua verdadeira riqueza. Como jóias despejadas na frente do terapeuta, elas revelam aquilo que nem mesmo o paciente mais atento é capaz de perceber. São suas melhores ferramentas, construídas ao longo da vida pela herança, as quais serão usadas para produzir a homeostase que todos buscam. Todo sintoma, por mais danoso e sofrido que seja, carrega essa finalidade última, e por isso são sinalizadores criptografados da estrutura mais profunda e íntima do sujeito.

Saber decodificar estes sinais, através da escuta livre e isenta de preconceitos, é a tarefa primordial de qualquer terapeuta.

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Morte

Tive muita sorte. Meu pai morreu em 2021 depois de 3 meses de hospitalização na luta contra um câncer. Eu sempre soube que meu pai tinha defeitos, como qualquer pessoa, mesmo que seus defeitos pareceriam brinquedos diante dos meus – bem elaborados e profissionais. Apesar disso, quando ele morreu ninguém se aproximou de mim para lembrar de suas falhas e seus erros, e ninguém ficou repetindo ininterruptamente para mim e para meus irmãos algum de seus deslizes. Creio que as pessoas ao meu redor sabiam que, na morte, é preciso respeitar a dor dos que ficam, e preservar o amor e o carinho que nutriam pela alma que se vai. Espero que quando for a minha hora, que não deve tardar, as pessoas tenham a mesma consideração. Publiquem todo o seu ódio apenas quando meu corpo, corroído pelas bactérias e desfeito das fibras que o sustentavam, esteja frio, cego e surdo, preparado para voltar à terra, ao pó e ao esquecimento.

A todas estas pessoas, eu agradeço.

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Travessuras

Ontem meu neto Henry caiu caiu da árvore e logo depois quando se levantou do chão disse entre lágrimas e choro: “quebrei o ossinho do meu braço”. Meu mundo (que já se equilibra com dificuldade e está cambaleante) caiu diante de sua dor e sua angústia. Ao ver que a dor não passava seu pai o levou ao hospital e constataram a fratura. Depois de velho eu tive a chance de reviver a angústia causada pelas travessuras infantis e as marcas que elas produzem na nossa alma.

Enquanto se preparavam para ir ao hospital eu procurava algumas medicações enquanto Zeza contava histórias para que ele se acalmasse. Foi então que eu lembrei para o que servem os avós: eles são úteis para lembrar aos filhos que não se apavorem com as tempestades; por pior que sejam, sempre haverá um amanhecer. O que os velhos podem oferecer de melhor aos jovens é sua própria velhice e a esperança de sobrevivência que ela representa.

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Dentista

Hoje meu neto foi ao dentista e esse fato mobilizou traumaticamente a todos. Mas, essa sua aventura me fez lembrar minhas próprias experiências prévias com dentistas e dor.

Fui à dentista quando tinha uns 7 anos de idade, e acho que sei até o edifício onde ficava o seu consultório, no bairro Menino Deus que Caetano cantou. Lembro também que era uma dentista bonitona e quarentona com um nome muito curioso e diferente. Algum tempo depois fiquei sabendo que era separada, ou “desquitada”, algo muito incomum na minha época onde os casamentos eram eternos e a separação era um estigma social, em especial para as mulheres.

Certa feita, enquanto me atendia, convidou uma amiga que estava na sala de espera para lhe dar algumas informações. Entretanto, a simples troca de informações se transformou em um bate papo entre duas mulheres maduras. Enquanto ela fazia curativos nos meus dentes iniciaram uma conversa sobre assuntos absolutamente banais, até o momento em que resolveu dizer à amiga algo do tipo:

“Sim, mas é exatamente isso que nós mulheres sempre procuramos nos homens”.

Ato contínuo, olhou para mim um pouco constrangida e completou: “… mas acho que essa não é uma conversa que um menino de 7 anos deveria estar ouvindo. Esqueça isso tudo”.

Sua conversa e o comentário que se seguiu demonstraram duas coisas para mim: a primeira é a negação renitente, contra todas as evidências, de que as crianças estão atentas a tudo o que os adultos dizem. Para ela, um menino de 7 anos objetualizado em uma mesa cirúrgica era não mais que um ser inerte e passivo, e não alguém que captava avidamente todas as sensações, odores, palavras e sentidos do ambiente. A pergunta “o que ela estava querendo dizer sobre os homens?” me acompanha até hoje. A segunda lição que brotou desse encontro foi que exatamente por ter pedido que “esquecesse a conversa” estou aqui contando uma história erótica que me ocorreu há mais de meio século.

Aqui vai um ensinamento interessante: se quiser que alguém mantenha vivo na memória um evento perturbador peça que o tire da sua mente. Depois dessa proibição não haverá como apagar.

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Vícios

Uma pergunta que se faz necessária: se o indivíduo for impedido – química ou cirurgicamente – de desenvolver seu vício em crack, cocaína ou outro psicotrópico, qual outra droga ele vai eleger para completar o vazio ilusoriamente preenchido pelas substâncias das quais fazia uso?

Não esqueçam que uma margem grande dos pacientes de bariátrica desenvolvem algum tipo de adição ou transtorno psiquiátrico sério quando o vício de comer não pode ser satisfeito. O aumento dos casos de suicídio chega a 58% segundo alguns estudos.

Até quando vamos olhar para a consequência (o vicio) ao invés de reconhecer a causa (o trauma) para elucidar a longa e complexa tessitura da adição?

“Fatores como autoimagem corporal, traços de personalidade e presença de compulsão alimentar prévios à intervenção, dentre outros, têm sido implicados na evolução e no prognóstico desses pacientes”, completa Sallet. Entre os problemas, está o aumento do transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP), complicação mais recorrente nos pacientes da cirurgia.

Por outro lado, o médico diz que, em alguns casos, é possível que condições psiquiátricas prévias se agravem, ou até mesmo novas doenças surjam após a cirurgia.

“Provavelmente, essas novas patologias são resultantes de fatores como necessidade de adaptação psicossocial à nova condição e de alterações psíquicas decorrentes de déficit nutricional”, detalha Sallet. Segundo o estudo, de 20% a 70% das pessoas que procuram a cirurgia têm histórico de transtornos mentais.

Os autores do trabalho brasileiro citam outro estudo, feito em 2007 por pesquisadores da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, que ilustra a incidência de mortes entre pessoas que passaram pela cirurgia. Segundo os americanos, mortes associadas a acidentes e/ou suicídio são 58% maiores em indivíduos no estágio pós-cirúrgico quando comparados aos que não fizeram a operação — isso sem contar os óbitos associados a comportamentos impulsivos, como bulimia e acidentes de trânsito. A maior parte dos suicídios se deu após apenas um ano da intervenção.”

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