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Privacidade

Parece muito claro que o pessoal ainda não entendeu como funciona a Internet e a abrangência das mídias sociais. Quando você coloca uma foto aqui (em especial Facebook e Instagram) não pode impedir que os milhões de potenciais visualizadores interpretem como quiserem o que estão vendo, e que façam memes ou que critiquem as imagens. Quem não quiser ser criticado que não se exponha.

Há alguns anos uma ex-amiga minha colocou fotos suas, em uma cachoeira, parcialmente nua. Sim, no Facebook e publicamente. Abaixo ela escreveu um texto sobre a beleza dos corpos naturais, não convencionais, a naturalidade da nudez e a importância do empoderamento feminino.

Muito bem, nada a criticar em sua proposta. Admirei sua coragem, seu desprendimento e seu desejo de levar adiante sua mensagem. Cheguei a cumprimentá-la pelo desejo de marcar um ponto importante em sua luta. Todavia, imediatamente depois – porque a postagem era pública – houve uma chuva de críticas, zoações, deboches e brincadeiras por parte de homens que encontraram a foto nas páginas do Facebook.

Pois, ao invés de deixar a cachorrada latir e fazer a caravana passar ela resolveu se indignar e responder agressivamente às piadas machistas e de mau gosto. Quanto mais ela respondia, mais os sujeitos insistiam na zoação, mais baixavam o nível e mais furiosa ela ficava.

Até que ela veio me perguntar o que eu achava, e “como podiam esses idiotas agir dessa forma“. Minha resposta foi seca e direta:

“Mas o que você esperava acontecer colocando uma foto dessas publicamente na Internet, povoada por todo tipo de gente? Eu não aceito as atitude machista desses caras, mas é muita ingenuidade imaginar que todo mundo vai achar lindo e maravilhoso. O mundo não é assim, e você devia saber. Isto é: se vai se expor dessa forma entenda que vai receber pauladas, e é melhor que esteja preparada para elas. A única coisa proibida é surpreender-se com os contragolpes. Eles virão, inexoravelmente, enquanto essa sociedade for regulada pelo patriarcado.”

Ela entendeu essa minha fala como uma crítica às fotos, quando na verdade era uma crítica à sua ingenuidade. Preferiu me associar à malta de lobos que uivavam e grunhiam, mas tudo o que fiz foi sugerir que, quando resolver agredir o machismo vigente, esteja preparada para os inevitáveis ataques em resposta.

Brigou comigo e passou a me atacar desde então. Uma lástima, pois gostava dela. Eu sinto muito, mas continuo com o mesmo posicionamento. As lutas por equidade e justiça não podem permitir inocência e ingenuidade. O mundo lá fora é duro e preparar-se para os combates é mandatório.

Nada a dizer contra a natural indignação que surge da inconformidade. Minha crítica é contra a INGENUIDADE e a sedutora postura vitimista, que oferece graciosamente a narrativa aos cães do machismo e passa a se defender. Quem vai se expor precisa se preparar e não ficar dando explicações ou “criticando a crítica“. Isso é um erro gigantesco que, inclusive, as esquerdas fazem cotidianamente.

Não sejamos tolos; nenhum dos acusadores de internet que debocham e humilham mulheres, negros, trans, gays, etc se modifica com as nossas “lacrações”. Pelo contrário: eles se sentem vitoriosos por conduzirem a narrativa, pois quando o fazem provocaram a reação dos ofendidos, que se obrigaram a obedecer a pauta por eles criada.

Acho que muitos se beneficiariam muito ao escutar Madonna. Ela fez exatamente o oposto da postura vitimista. Chocou, bateu de frente, foi à luta e DITOU A NOVA NARRATIVA. Não ficou respondendo ou indignada quando a chamavam de p*ta. Estava preparada para “matar no peito” o ataque que viria ao propor uma nova estética e um novo padrão. Leila Diniz é outro exemplo da postura altiva: alguém acha que ela ficou se explicando depois de expor a barriga grávida na praia ou apenas sorriu ao ver os cães ladrando?

É sobre ser protagonista. Não tem nada a ver com peitos. É sobre não se diminuir e não aceitar andar a reboque da narrativa alheia. É pegar no timão e determinar o curso.

Indignação reativa é o que toda a esquerda faz, sempre na defensiva. Quando vamos acordar para isso?

Mas… talvez as pessoas ainda não consigam compreender a abrangência dessa ideia. “A vítima é o OPOSTO do militante”. Vítima sempre é objeto, jamais sujeito. Para atuar e ascender à esta nova posição é fundamental abandonar a antiga.

Os grupos de enfrentamento podem – e devem – construir seus caminhos de luta, mas existem trajetórias que a experiência mostra que estão errados. Colocar-se na defensiva oferecendo a primeira voz aos machistas, aos direitistas, aos “pró-vida“, aos fundamentalistas tem se mostrado um equívoco que nos trouxe até aqui.

A atitude da minha ex amiga não lhe garantiu nenhuma vantagem, pois preferiu a posição que lhe parecia mais segura. Infelizmente, esta posição jamais impõe mudança de paradigma.

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Jogados à direita

O grande número de homens brancos e cis que foram jogados para os braços da direita por serem tratados diariamente como inimigos, “machistas“, “esquerdomachos“, “mascus” e todo tipo de agressão (bastando para isso discordar do catecismo fechado das lideres) mostra porque a esquerda identitária se tornou um ambiente tóxico para os homens que gostariam de uma sociedade com justiça e equidade de gênero.

Por mais que a mídia transforme o homem contemporâneo como um predador – muitas vezes com justiça – alguns homens querem equidade de gênero e justiça social e desejam uma sociedade mais igual para todos. Ou deveríamos achar que só os negros queriam o fim da escravidão? Ou podemos presumir que apenas as mulheres querem o fim do patriarcado, um modelo social em que 90% dos assassinados são homens e 80% dos suicídios são também entre os eles?

Eu pergunto: Que tipo de homem não deseja mudar uma sociedade onde mulheres são vítimas de feminicídio cada duas horas, onde uma dessas vítimas pode ser a sua mãe, sua filha ou a sua irmã?

Que tipo de sexismo absurdo é esse que imagina que só mulheres querem uma sociedade mais equilibrada? As mulheres com quem convivo não lutam por uma sociedade boa para si mesmas; pelo que elas falam, essa luta só faz sentido se for bom para todos (ou todxs).

Claro que existe um problema sério de machismo e racismo na sociedade, mas quando o “branco“, o “cis” e o “homem” são vistos e tratados como inimigos – e não os machistas, os racistas e os homofóbicos – a decisão óbvia, natural e JUSTA que muitos deles tomam é procurar um lado na disputa de ideias que não os trate como inimigos e não os veja com desprezo.

Sério que alguém acha que essa sociedade é boa para os homens? Por que então se matam uns aos outros? Por que arrancam a própria vida às pencas? Por são os mais afetados pela depressão? Por que são os que mais se destroem pelo álcool, pela cocaína, pela maconha, pelo cigarro? Se é tão bom ser homem porque tantos querem acabar com a dor que sentem, e que está obviamente ligada à sua condição masculina?

Sério que alguém enxerga o mundo como um lugar de prazer desmedido para os homens e um martírio sem fim para as mulheres? Exercitemos a empatia, se é que queremos mais homens entendendo o sofrimento e as dificuldades de ser mulher.

Por isso mesmo que estes homens – que geralmente são bons pais e excelentes amigos, apesar de ainda reproduzirem algo da herança preconceituosa que receberam – desistem de somar nesta luta quando percebem que serão vistos como eternos adversários.

O presidente do Brasil e seus filhos foram eleitos por serem machistas e racistas (e não apesar disso), mas ninguém teve coragem (ou muito poucos) de perguntar quais os erros cometidos pelos movimentos identitários nesse processo. Por que tanta gente de centro foi jogada para a direita mais abjeta?

Palestinos perceberam muito cedo esse dilema ao não desprezarem o auxílio valioso de judeus que se somaram à sua luta por uma Palestina livre. Entre os meus amigos não se permite nenhum ataque aos judeus ou ao judaísmo, mas apenas ao sionismo e sua ideologia de colonização, limpeza étnica e supremacia racial. Por isso os autores judeus por uma Palestina livre são tão celebrados entre os árabes – para não serem jogados no colo dos supremacistas.

Existem, por certo, mulheres machistas, e eu arrisco dizer que são a maioria nesse país – mas não na minha bolha de classe média. Entretanto, não acho justo dizer que “as mulheres cis e brancas no Brasil são machistas“. Algumas realmente são, mas não quero jogar toda as mulheres com boas ideias no colo dos liberais.

Até porque, como estamos vendo, o nome disso é suicídio.

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Argumento suicida

Uma das coisas que mais me irrita é quando vejo uma pessoa que está do meu lado em uma causa (antirracismo, anti-machismo, anarco socialismo, abolicionismo penal, doulas, homeopatia, luta antimanicomial, parteria, palestina livre, direitos gays, direitos humanos, anticonsumismo, infância sem violência, desadultização de crianças, etc…) apresentando um argumento absolutamente suicida. Chamo de “argumento suicida” aquele que é capaz de produzir uma “lacração” momentânea, uma ilusão de vitória contra um oponente, o qual parece nos levar à derrota de uma perversidade social, mas que por sua incongruência profunda abre um flanco gigantesco em sua retaguarda que – em médio e longo prazos – oferecerá munição inesgotável para nossos oponentes.

Exemplos? Dizer que a fascista gay tem mais é que apanhar. Soltar rojão quando fascistas são mortos. Apoiar pena de morte (ou pena de prisão abusiva) contra nossos oponentes. Acreditar cegamente em qualquer relato apenas porque a vítima está do nosso lado. Apoiar qualquer atitude de vingança que literalmente nos nivela aos criminosos que tanto criticamos. Em suma: agir da mesma maneira que nossos adversários, o que retira toda a legitimidade do nosso discurso. Alias, como diria o genial energúmeno, “Sem uma educação libertadora o sonho do oprimido é virar opressor“.

Quando vejo isso acontecer fico realmente furioso…

Não se passaram 24h e acabei encontrando um belo exemplo: descobriu-se através dos vídeos que a menina Karol não foi vítima de homofobia como muita gente acreditou, mas foi, em verdade, a agressora de um rapaz em um quiosque na praia. Ao que tudo indica estava sob efeito de drogas. Usou a arma da namorada (que é policial) para fazer ameaças, tentou se passar por policial federal e ainda agrediu a namorada.

Nenhuma violência pode ser justificada, seja contra negros, brancos, mulheres e homens. É o que diz a lei. O fato dessa moça ter chutado, cuspido, atacado a socos e humilhado com palavras a este rapaz não pode ser perdoado apenas porque ela faz parte de uma minoria que sofre agressões e humilhações constantes. Não dá para passar pano para agressor….

Pois hoje eu li alguém argumentando que o homem era o “verdadeiro” agressor porque, sendo maior do que a Karol, deveria “se conter”. Em outras palavras, a culpa é dele, a vítima da agressão física, porque errou ao não se controlar e revidou aos ataques.

Sabe o que significaria aceitar esse como um argumento válido? Que os argumentos dos machistas passariam a ter valor quando culpam a vítima por suas agressões. “Se estivesse na Igreja não seria ofendida“, “Se controlasse melhor sua forma de vestir não receberia cantadas sujas“, “Se não tivesse esse decote não seria abusada“, ou ainda “Se tivesse medido as palavras o marido não perderia o controle“. Quem ainda consegue admitir como válida essa argumentação machista e oportunista?

Esse é o maior exemplo de argumento suicida. Nesse caso se tenta colocar a culpa na vítima – que por acaso foi um homem – ao invés de reconhecer que sua agressão é que iniciou toda a confusão. E lembrem: o fato de ela ter se machucado não a torna vítima, assim como um homem que quebra a mão ao agredir alguém também não se torna. Os ferimentos da Youtuber foram consequência direta de suas agressões e do seu destempero. Não há porque culpar ninguém mais.

Nesse caso o melhor é fazer o que as mulheres tanto aconselham os homens – e com justiça: “Não fique dando desculpas ou jogando a responsabilidade para a vítima. Aceite o erro e mantenha um silêncio respeitoso“.

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Sexismo

E Obama não parou por aí: segundo o político, as mulheres não são perfeitas, mas são “indiscutivelmente melhores” que os homens. Obama, que foi presidente dos EUA de 2009 a 2017, afirmou que ele começou a refletir a respeito disso enquanto estava no cargo. Tenho certeza absoluta de que, por dois anos, se todas as nações do mundo fossem governadas por mulheres, vocês veriam uma melhoria significativa em todos os aspectos, em quase tudo… Padrões de vida e resultados”, completou Obama.

Veja a matéria completa aqui

Imagine o que aconteceria se Bolsonaro dissesse a mesma frase colocando os homens como “indiscutivelmente” superiores às mulheres, sem QUALQUER embasamento científico – ou mesmo empírico – para fazer tal afirmação. Seria chamado de sexista, certo?

Então eu ouço muita gente dizendo: “Mas acho sim que o mundo se beneficiária se houvesse mais igualdade entre homens e mulheres, precisamos do olhar da voz , força e garra das mulheres”.

Não há como discordar dessa proposta – ou mesmo este pedido. Entretanto, não foi isso que o Obama disse. Ele deixou claro que o mundo seria melhor se estivesse nas mãos das mulheres, se elas governassem todos os países, o que é uma frase claramente sexista e preconceituosa. Aliás, nossa experiência prova EXATAMENTE o contrário disso. Mostre onde Margareth Thatcher melhorou a vida dos ingleses com o garrote do neoliberalismo. Não esqueça que a última guerra que tivemos no continente sul-americano foi determinada por esta mulher – e foi um massacre tipicamente britânico. Mostre o que o sionismo fanático de Golda Meyr produziu para a paz na Palestina. Mostre onde Bachelet, Cristina ou Dilma produziram RUPTURAS na ordem vigente a ponto de se destacarem como exemplos de uma administração diferente e inovadora (e veja, sou fã das três).

A frase de Obama é BISCOITEIRA. É para mendigar likes apostando no sexismo. É para parecer um defensor das mulheres quando em verdade está sendo sexista ao apontar uma vantagem (ou superioridade) administrativa ou (pior ainda) MORAL das mulheres sobre os homens.

Não há dúvidas no fato de que estes cargos políticos deveriam ser divididos de forma mais equânime. Não é sequer necessário debater que o mundo se beneficiaria se houvesse mais igualdade entre homens e mulheres na condução dos seus países. Eu mesmo, há muitos anos, só voto em mulheres para que haja um equilíbrio maior nos governos, mas JAMAIS por achar que elas são melhores do que os homens, e sim por considerá-las IGUAIS e, apesar disso, pouco representadas. O equilíbrio nos órgãos de comando político – assim como na justiça, na medicina e nas artes – deve acontecer porque homens e mulheres são EQUIVALENTES em suas capacidades intelectivas e morais e não porque as mulheres são “superiores”. Afirmar isso é tão preconceituoso quanto dizer que elas são inferiores.

Eu pergunto: onde está a superioridade de Joice, Bia Kicis, Carla Zambelli, Ana Amélia e tantas outras mulheres na política que apoiam um fascista como Bolsonaro? Ora… eu lhe respondo: no mesmo lugar onde estão os homens, pois que são iguais em suas virtudes e seus defeitos.

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Bolhas identitárias

O documentário “Minimalist” (que eu gostei muito) que é sobre uma dupla de rapazes que abandonaram seus empregos e carreiras para investir em uma vida mais simples e sem luxos, vivendo com o que consideram necessário e essencial. É um discurso minimalista, como o nome diz, e que prega o desapego às futilidades do dia-a-dia e uma opção pelo que é realmente valioso na vida. O documentário aborda a turnê desses dois jovens pelos Estados Unidos e a venda do livro com suas ideias.

Daí alguém me marca em uma página que critica o filme. Tudo bem, até me interessei, talvez o documentário tenha um erro essencial, uma visão equivocada ou mesmo um paradoxo que eu não tinha me dado conta. Quando comecei a ler percebi que a crítica era porque o filme era “machista“, já que os protagonistas eram homens, e as mulheres deveriam estar presentes em um documentário que aborda este tema.

Eu pergunto: um documentário sobre os Beatles também seria irremediavelmente machista? Stones? O Grêmio? Como esses dois aventureiros e idealistas poderiam fazer um documentário sobre sua jornada de auto transformação e NÃO serem considerados machistas, já que são homens?

A crítica do filme deixa clara a ideia de que o crime inafiançável desses dois rapazes é o fato de serem homens e tentarem construir um caminho diferente para suas vidas.

Eu não suporto mais essas bolhas identitárias. Eu simplesmente não aguento esse discurso pois vejo que ele está destruindo a solidariedade e as próprias esquerdas. Agora não é para o bem de todos, o que vale é “minha bolha primeiro, afinal...” e aí você coloca o discurso pré determinado para defender os interesses do seu grupo em detrimento de todos os outros. Vale mais quem puder ser mais vítima.

O identitarismo é uma ação de direita travestida de movimento por direitos humanos. Ele oferece todas as armas para os fascistas que odeiam igualdade e faz de inimigos pessoas que poderiam estar do mesmo lado. Que tristeza. Passei a ter alergia a qualquer manifestação dessa natureza

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Autofagia

Eu li o pedido de desculpas da professora Elika e não li o texto do ano passado que gerou a celeuma. Entretanto, pela minha própria experiência, nem é preciso ler o texto inicial para saber que a violência contra ela é absurda e desmedida. Eu sei exatamente como estes grupos fazem linchamentos virtuais e por isso me solidarizo com Elika e todas as outras bruxas e bruxos queimados nas fogueiras da intolerância. Apenas deixo claro que o sucesso desses movimentos libertários e por justiça social não se dará apenas pelo enfrentamento com os adversários machistas, misóginos, racistas ou LGBTfóbicos, mas também através da dura tarefa de reconhecer e extirpar das entranhas do próprio movimento os fascistas que militam por estas causas.

Ninguém mais tem dúvidas do racismo e do machismo em nossa sociedade. Não é preciso avisar isso em todo texto como se fosse uma novidade. Não é mais esse o problema, e sim como combater de forma pedagógica e eficiente. O que eu penso é que o combate à estas duas feridas sociais não pode ser com a DESTRUIÇÃO de reputações, patrolando suas biografias e jogando toda uma militância do bem no lixo pela simples escolha errada de palavras. Esta é uma estratégia suicida. Alguém acha que os movimentos feministas, de esquerda ou anti racistas se beneficiaram com a “aposentadoria” da Elika no Facebook? Tenho certeza que nas fileiras adversárias é possível escutar o sorriso dos bolsonetes com a autofagia dos setores progressistas.

Pois vou mais adiante: nós brancos precisamos ser educados para a nova realidade. Sou da época em que era lícito contar piada de negros, claramente racistas, e fui amorosamente educado pelos meus amigos de que isso não tem graça. Quem quer imprimir uma nova realidade precisa entender e ter paciência para a adaptação. Isso não diminui nossa culpa, mas coloca todos os personagens sociais como responsáveis pela mudança.

Tanta gente acha errado espancar crianças quando elas agem errado, mas acham natural triturar publicamente a honra de quem cometeu erros. Lembre que o racismo – assim como o machismo – é tão naturalizado em nossa sociedade que muitas vezes agimos com estes preconceitos sem sequer percebermos. Erramos muitas vezes sem saber, como Elika errou com suas palavras…

Da mesma forma como as crianças erram também…

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Abusos e assédios

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Há alguns dias rolou um vídeo (pode ser visto aqui) de uma jornalista e youtuber entrevistando o ator Vin Diesel, conhecido por filmes testosterônicos que misturam carros, mulheres, mortes, perseguições, etc. Em outras palavras, filmes de meninos. Neste vídeo ele tem um comportamento abusivo que chega a ser caracterizado como assédio. Alguns dias depois a jornalista vem a público denunciar o comportamento dele, mas, ato contínuo, aparecem falas dela se oferecendo para passar vaselina em outro machão lutador ou sentando no colo de outro ator. Com isso algumas pessoas teriam dito que caiu a “máscara de boa moça” da jornalista. Afinal…. como cobrar bom comportamento do Vin Diesel se ela é tão “liberal” com outros entrevistados?

Creio que o discurso machista ainda não percebeu o que está em jogo aqui e muitas pessoas continuam misturando as questões.

Existem DUAS ações que merecem ser analisadas separadamente. O fato de ela sentar no colo de um famoso (who?) e querer passar vaselina num lutador fortão (who?) podem ser julgadas por quem quiser. Se você quiser achar que é alegria e espontaneidade, este é um direito seu, assim como julgar que suas atitudes são vulgares e inapropriadas para uma mulher. Cada um com seus padrões morais e estéticos. Não me cabe julgar as lentes com as quais você olha o mundo. Vire-se com elas. Ponto.

Por outro lado, NADA da vida pregressa dessa moça pode AUTORIZAR o comportamento abusivo do “Mestre da Testosterona”. Ela pode muito bem dizer “sentei no colo do fulano porque gosto dele e não gosto de você” e este é um argumento absolutamente válido e justo, pois suas preferências e desejos não nos dizem respeito. Ela é dona do seu corpo e de suas escolhas. Ninguém pode cobrar ou exigir de uma mulher que ela se comporte de acordo com nossos padrões. Ponto.

E tem outra questão: se ela está usando esta situação para ficar famosa ou como um legítimo desabafo pelo constrangimento que passou eu não tenho como saber, mas isso TAMBÉM não pode servir como atenuante para a agressão que ela sofreu. Eu prefiro mesmo acreditar que ela está sendo sincera, e que sua súbita notoriedade é um efeito colateral, e não seu objetivo primeiro.

Não há porque vincular qualquer atitude dessa moça com o ato calhorda e abusivo cometido contra ela. Isso é o mesmo que justificar estupro por saia curta, decote, sensualidade ou porque ela “já saiu com muitos homens“.

Só ela pode  falar do seu desconforto com a situação. Respeitemos isso.

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Vitimismo

Vitimismo

Uma comunidade de direita apareceu na minha TL com a mensagem conhecida de que não existe racismo, mas indivíduos de diversas etnias que escolhem caminhos certos ou errados.

A retórica é a conhecida exaltação da meritocracia. Os negros não se esforçam tanto quanto os brancos, por isso estão em condições menos favoráveis na economia. Se os negros parassem de reclamar e se esforçassem mais esta distância acabaria. Chamam os movimentos sociais contra o racismo de movimentos “vitimistas”.

O vitimismo é o uso da condição de vítima para obter vantagens. Todo mundo sabe o que é isso, e todo mundo que teve irmãos na infância já usou das táticas vitimistas. Dito isso, é óbvio que existe vitimismo no movimento negro, no movimento LGBT e no feminismo. É impossível existir vitimas que não se seduzam pelo vitimismo e as vantagens que ele oferece. Ele funciona como um bypass, um atalho para conseguir alguma vantagem usando sua condição política e economicamente inferior. Não há como não se deixar levar, mesmo que temporariamente, por esta sedução.

Entretanto, existe racismo, homofobia e misoginia na nossa cultura. Essa evidência pode ser facilmente extraída das estatísticas e dos dados governamentais, assim como dos relatos dos negros, dos homossexuais e das mulheres que sofrem atos racistas lgbtfóbicos ou machistas. Minha experiência com o parto me permitiu testemunhar milhares de atos, atitudes e comportamentos claramente sexistas contra as gestantes nas instituições que trabalhei, acima de qualquer dúvida. Com os negros e homossexuais certamente é o mesmo.

Não se trata, portanto, de contrapor vitimismo com preconceito. O vitimismo é absolutamente minoritário nesses movimentos, que se estabelecem sobre a crueza dos fatos do cotidiano, onde negros, mulheres e homossexuais são desconsiderados em função de sua cor, gênero e orientação sexual. Não há como desmerecer a luta contra o machismo, o racismo ou a homofobia pela existência, francamente minoritária, de discursos vitimistas no seio desses importantes movimentos sociais.

A tentativa de desqualificar a luta contra o racismo, a homofobia e o machismo apenas demonstra que os avanços alcançados por estes grupos incomodam os poderosos, e por isso mesmo precisam continuar.

A questão é que o “vitimismo” funciona como uma capa encobridora, fazendo com que todas as reivindicações dos grupos oprimidos desapareçam por serem deslegitimadas. Se existe ou não vitimismo em alguns setores destes movimentos é o menos importante. O que tem valor é reconhecer a legitimidade das lutas e respeitar seus pressupostos.

Nivelar, em que topografia for, é fazer justiça. Mas sequer é esse o problema. A “discriminação positiva” é uma etapa de readaptação, um processo de “aceleração da equidade”. É usada para tornar mais célere a justiça social, e por isso ela um dia acabará, como aconteceu em muitos lugares onde foi implementada (Flórida, por exemplo). No Brasil podemos constatar a olho nu como ela está produzindo frutos: uma quantidade crescente de negros tendo acesso às universidades e, mais ainda, aos cobiçados cursos de Medicina, Direito, Computação etc…

Quando os efeitos sociais da escravidão tiverem, por fim, evanescido o suficiente para não serem notados nas filigranas do cotidiano eu serei o primeiro a reivindicar pela extinção do sistema de cotas.

Por ora a inconformidade de uma parcela da classe média – ressentida e meritocrática – é a melhor medida para avaliar o sucesso do programa.

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Estupro

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Um tema delicado: o estupro.

Há uma ideia arraigada de que as lésbicas são uma espécie de “troféu” masculino, ao estilo “vou fazer ela gostar de homem depois que me conhecer”. Existe um documentário muito bom – apesar de brutal – sobre estupros no exército americano. Seu nome é “Invisible War“, do diretor Kirby Dick, e ele revela dados assombrosos e impressionantes: tomando como base apenas o ano de 2009, cerca de 16.150 mulheres foram violentadas sexualmente durante o serviço militar nos Estados Unidos. Ao longo dos anos são mais de MEIO MILHÃO de casos de estupro, o que equivale a quase metade do total de jovens que já serviram.

É claro que existem muitas mulheres que procuram as forças armadas por serem homossexuais e se identificarem com as atividades mais tradicionalmente masculinas que lá se realizam. Essas mulheres são o alvo principal dos abusadores. Em situação de confinamento, como bases militares distantes e isoladas, muitas delas são violentamente abusadas, não apenas por serem mulheres e estarem “à disposição”, mas também pela sua orientação sexual, que para muitos homens é vista como um desaforamento (como assim não se interessa por homem?) ou como desafio (depois que eu te pegar vais passar a gostar).

O resultado é catastrófico por duas razões: a violência em si e a total impunidade dos agressores, por se tratar de uma organização fechada como o exército americano, onde uma acusação de abuso contra um oficial vira um caso de segurança nacional.

As violações na famigerada prisão de Abu Ghraib no Iraque só vieram a público quando era impossível esconder as torturas e os abusos (um soldado fotografou e as fotos vazaram), e na torrente de acusações de violações graves de direitos humanos que se seguiram apareceram vários relatos de estupro de soldadas cometidos por oficiais em comando. Por aí se pode avaliar como funciona o sistema opressor contra as mulheres nas forças armadas e a total incapacidade do sistema em dar conta das acusações, em especial pelo machismo arraigado destas instituições, talvez o último bastião do patriarcado.

No fim, tudo vira pizza…

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Abelhas

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Não acho justo que pessoas se acomodem aos seus velhos conceitos e depositem placidamente suas bundas em zonas de conforto. Eu não tenho medo de abelhas, portanto não fujo dos abelheiros. Acho importante estimular pensamento crítico e o respeito pelo contraditório, caso contrário seremos apenas depósitos ambulantes de clichês e preconceitos. Toda a minha formação médica foi recheada de tabus. Não se critica HIV, vacinas, remédios, hierarquia médica, etc. Ao meu redor eu via uma tendência a não questionar o socialismo, o mercado, a família, Jesus e o feminismo. Nunca aceitei e estou velho demais para me tornar um “concordino“.

Minhas críticas são, entretanto, no profícuo terreno das ideias. Não combato pessoas e sim propostas, modelos, sistemas e paradigmas. Tanto quanto os homens não são o problema do machismo (apesar de estarem nele envolvidos) também os médicos não são o problema na obstetrícia. Ambos são vítimas de SISTEMAS de poder, nominalmente o patriarcado e a tecnocracia, mas a mudança desses sistemas de forças não se dará tolamente eliminando (ou acusando de forma leviana) médicos e homens, mas mudando de tal forma a cultura que esses modelos serão rejeitados por não satisfazerem mais as aspirações de todos.

Para que isso possa ocorrer é preciso que alguns levem adiante essas propostas, mas exercendo sem tréguas uma autocrítica severa, sob pena de trocarmos um sistema envelhecido e anacrônico por outro, apenas com roupagem diversa.

Sobre essa questão li o texto de uma feminista que escreve na “Folha de São Paulo”, a qual é vista por algumas feministas como uma voz moderada, enquanto outras a enxergam como traidora. Aliás, nada mais natural que isso ocorra…

“Um colega escritor premiado e respeitado se desesperou ao saber que, após um texto seu falando sobre admirar uma mulher bonita, sua filha sofreu bullying das coleguinhas, “seu pai é misógino”. Outro amigo, que trabalha em um prédio na Faria Lima, ficou segurando a porta do elevador, esperando uma colega de trabalho. Ela fechou o tempo com ele: “Ah, sim, porque eu não sei chamar o elevador sozinha e preciso MESMO de um homem pra me ajudar, não é?!”. Daqui a pouco “Garota de Ipanema” vai ser proibida de tocar no rádio.” (Tati Bernardi)

Há alguns anos escrevi um texto em que elogiava as pernas lindas de uma moça (sem nome ou descrição) que passou ao meu lado no aeroporto. O texto brincava com uma evidência: a crueldade divina de nos manter desejantes quando não somos mais desejáveis. A mim cabia apenas admirar e suspirar. A experiência e o tempo, senhores da existência, se agora me sonegavam a proximidade, pelo menos me permitiam a contemplação quase religiosa dos corpos travestidos de desejo.

Entretanto, a simples confissão do impacto que a morena de pernas bonitas produziu nas memórias do velho senhor acabou desencadeando um efeito destruidor por parte de muitas feministas que outrora acompanhavam meus escritos. Nutriam elas a esperança de ver em mim um “macho domesticado” que estaria ao seu dispor eternamente para ratificar sua cruzada religiosa contra o falo opressor. A cruel confissão ao reconhecer minha admiração pela beleza, pela graça e pelo inefável encanto das mulheres foi o tiro de misericórdia. Passei a ser “intragável”, “misógino” e “machista”, e mais alguns impropérios semelhantes aos que a articulista Tati Bernardi foi obrigada a suportar.

Meu crime: amar e admirar as mulheres e deixar explícita minha devoção à sua maravilhosa capacidade de nos encantar e, com isso, manter a vida florescendo.

O texto desabafo de Tati é uma espécie de lenitivo para uma ferida que eu custava a curar. Por causa de minha atitude francamente aberta em defesa do feminino (na minha concepção, passível de crítica) cometi mais de 200 bloqueios de homens e mulheres que usaram as redes sociais para me ofender e agredir, entendendo que esse assunto só pertence a uma vertente de pensamento e que qualquer elogio à mulher feito por um homem pressupõe o anúncio público e explícito de um estupro.

Agora, ao perceber que algumas mulheres (e feministas) concordam com minha tese, passo a me sentir mais tranquilo por ter clareado minha rede social de pessoas que apostam no ódio e na discórdia como modelo de conexão com o outro.

Obrigado, Tati, por dizer o que eu não poderia dizer…

Aqui está o texto original dela: Tati Bernardi: Respeite as Mulheres, sua vaca.

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