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Chinelões*

Nesse assunto eu até tenho lugar de fala: fui oficial das forças armadas durante 6 longos anos, logo após me formar na universidade. Desta forma, conheci por dentro as organizações militares e as pessoas que as compõem durante os anos em que trabalhei no HACO. Tive uma razoável oportunidade de ver como funciona o mundo da caserna, como se relacionam, como se expressam, como pensam e como agem. Portanto, nada do que apareça do comportamento de oficiais envolvidos nas questões da política me é estranho. Quando escutei os áudios gravados por membros de altas patentes planejando explicitamente um golpe contra a democracia, sem qualquer dúvida quanto às suas intenções golpistas, que inclusive incluía a execução de membros do judiciário e o próprio presidente, três coisas me chamaram à atenção:

1- O linguajar chulo, rasteiro, recheado de palavrões, caracteristico dos ambientes onde só circulam homens, onde a boa educação é coisa e maricas, a grosseria é a regra, a autoridade está acima da razão e as boas maneiras são sinal de fraqueza. O sotaque destes áudios soa de forma muito familiar para mim; parece algo adquirido nas escolas militares, pois é muito semelhante a maneira como estes “soldados graduados” conversam entre si.

2- Um tipo de arrogância e prepotência que é característico dos militares de altas patentes. Tomam decisões como se houvessem recebido alguma delegação divina para agir em nome do povo. Falam de “liberdade”, “patriotismo”, “amor ao Brasil” como se fossem os guardiões desses valores, podendo agir a despeito da vontade expressa do país. Para eles, as eleições são sempre roubadas, mas apenas quando os candidatos da direita são derrotados. Também é evidente uma postura violenta, assassina e fora da lei. Para eles, matar Lula, Alkmin e ministros do supremo seria apenas uma fase necessária do projeto. “Aguardamos sua ordem, presidente”.

3- O caráter reacionário. São sabujos, covardes, garotos de recado do exército americano. Olham para a matriz como se houvesse uma obrigação tácita de obedecer às suas determinações. Falsos patriotas, misturam palavras de ordem de caráter ufanista com postura genuflexa diante dos interesses corporativos e da ordem politica conservadora. Em todas as oportunidades defendem a ordem burguesa, sem pestanejar. São, em sua grande maioria, atrelados ao imperialismo, fazem cursos nos Estados Unidos, estão conectados pelo uso de armas, tecnologias e pela ideologia imperialista. Atuam como cães de guarda do capitalistas americanos.

As falas destes oficiais produziram um “flashback”, me fazendo recordar tais personagens da minha juventude. Infelizmente, a imagem que eles mostram agora – no plano de golpe e assassinato – parecem estar em perfeita sintonia com o que eu guardo na memória: o mesmo pendor golpista, o mesmo linguajar chulo, bagaceiro e de baixo nível, a mesma forma grosseira e inculta de tratar das questões políticas e o desprezo pela democracia. Isso me faz pensar que é urgente uma reforma nessa fábrica de golpistas incultos subservientes ao imperialismo que são as escolas militares. Também acho necessário a completa reformulação das Forças Armadas, para que se tornem verdadeiramente fiéis e leais ao poder civil, sem as mamatas e os vícios que recebem desde o seu surgimento, com os salários astronômicos, salários abusivos de desembargadores da justiça militar, as pensões vergonhosas para filhas “solteiras”, os cursos nos Estados Unidos, a justiça militar corporativista e as aposentadorias cheias de irregularidades. Reformar o generalato é uma emergência nacional. Se nada for feito, esse tipo de militar entreguista estará de prontidão para a próxima possibilidade de golpe. Que, podem apostar, será logo ali, ao dobrar a esquina…

* Chinelão é uma expressão do Rio Grande do Sul e que significa equivale a dizer que o insultado é bagaceiro (sujeito de baixa moral), pobre, mal arrumado, descomposto, mal educado, tudo isso junto. Também se usa, mais contemporaneamente, dizer chinelo, no mesmo sentido. Usa-se a forma feminina, também, chinelona.

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Ponto sem retorno

Eu particularmente acho que o volume de crimes cometidos durante o governo Bolsonaro, incluindo o gabinete do ódio, os crimes eleitorais, a boiada passando no meio ambiente, os roubos no varejo e no atacado, as joias, o cartão corporativo, etc deixaram o governo refém da reeleição. Era imperioso se manter no poder para que o controle do governo e da PGR impedisse a descoberta dos desmando que ocorreram na condução do país. Num país como o Brasil, qualquer presidente, por ter a máquina pública na mão, chega em uma eleição como favorito. Era com isso que contavam os bolsonaristas e aqueles que estavam lucrando com um governo entreguista e pró-imperialista. Entretanto, uma grande mobilização nacional ocorreu para garantir a vitória de Lula, atropelando todas as barreiras colocadas pelo governo. Como a reeleição Bolsonaro não aconteceu, ficou evidente que um desespero absoluto se abateu sobre as hostes bolsonaristas, e com a chegada da oposição ao poder se tornou impossível esconder a quantidade enorme de falcatruas produzidas em quatro longos anos de mentiras, desmandos, impropérios no cercadinho e cuspe no canto da boca.

Fica claro agora, pelas provas, depoimentos e delações que ganhar de qualquer jeito era o plano. Não fosse no voto (e foram cometidos inúmeros crimes para garantir a eleição do mito através de fraudes) haveria de ser na “marra”, usando da força, com golpe clássico, tanques na rua. Para isso seriam convocados os milicos ressentidos pela “comissão da verdade” e a linha dura fascista da caserna, aplicando um golpe “das antigas”, mandando matar o presidente, o vice e o ministro malvadão do STF. Porém, quis o destino que os Estados Unidos, que comandam essa turma de lacaios, não topasse um golpe cafona, fora de moda, com estética dos anos 60 e com cheiro de guerra fria. Tiveram que abortar o projeto, mas deixaram as pegadas da intentona golpista por todos os lados.

Agora resta saber se vamos, mais uma vez, apostar na “conciliação” e permitir que uma gang de bandidos fardados – que inclui até assassinos – seja perdoada em nome da governabilidade. Já fizemos isso com Fernando Henrique, e esse fato acabou deixando aberta a porta do arbítrio, dando asas aos militares para novas incursões no poder. Hoje fica claro que os militares nunca abandonaram seu interesse em controlar o poder civil, e por isso vivemos agora o desastre anunciado que foi gestado no perdão dado a eles pela lei de anistia – ampla, geral e irrestrita.

Eu não acredito que cometeremos o mesmo erro de manter os corvos soltos. “Alimente-os e eles te comerão os olhos”, como bem sabemos. Também é verdade que a prisão dos líderes desse golpe frustrado não afetará de forma significativa a onda fascista do nosso país, e corremos o risco de incentivar a criação de “vítimas injustiçadas”, que poderão ser alçadas à condição de heróis nacionais. Todavia, há limites para esta análise; ultrapassado um determinado ponto – e as tentativas de assassinato parecem ser essa linha – encontra-se um ponto sem retorno, e nada sobra para fazer além da aplicação dura da lei.

Prefiro acreditar que, mesmo sendo através da justiça burguesa e de atores que nunca estiveram conectados com a justiça “ampla, gerral e irrestrita” da população brasileira, as forças progressistas possam fazer uso desse fato para gerar consciência de classe, união em torno de nossas pautas e a exposição dos reais interesses da política burguesa.

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Verdades inconvenientes

Liberalismo não tem nada a ver com liberdade, mas com propriedade privada. As sociedades liberais se organizam a partir da premissa de proteção da propriedade privada dos meios de produção, e defendem essa prerrogativa mesmo que às custas de aceitar a pior das barbáries humanas: a escravidão. John Locke, grande teórico do liberalismo, enriqueceu com o comércio de escravos. Como pode um sistema que diz lutar pela “liberdade” aceitar o lucro com a venda escravos como um meio lícito de enriquecimento?

A polícia, desde sua origem, existe para defender a propriedade, não as pessoas, e a defesa do sistema liberal é a tarefa primordial dos policiais. É por isso que se um ladrão roubar seu carro a polícia atira para matar; é evidente que, para este sistema, os objetos e as propriedades, são mais sagrados do que a vida. As forças de repressão, inseridas nesse modelo, servem como primeira linha de contenção contra a revolta popular. Que outra maneira haveria para conter o ódio das massas para a realidade do liberalismo, onde 1% da população concentra metade da riqueza de um país, como é o caso do Brasil?

Nossos mitares são todos corrompidos pela visão imperialista, e não é à toa que existe uma franca vinculação dos nossos comandantes com as forças armadas americanas. Esta conexão foi forjada por anos de cursos, intercâmbios, propaganda (inclusive do cinema), recursos, negócios, doações e treinamentos para manter as forças armadas como fiéis defensoras da propriedade, da burguesia e da elite financeira. Para isso, recebem como recompensa a blindagem histórica sobre seus malfeitos – da corrupção à tortura. Não é de se espantar o pendor golpista desses militares, desde sempre.

Nosso judiciário é formado pelo suco do poder burguês, com linhagens de juízes e desembargadores que se sucedem na cortes de todos os níveis, sendo o aparato mais moderno e sofisticado – usado em várias latitudes – para a fomentar a guerra híbrida. Para constatar a participação do judiciário na política basta ver a epidemia de “law fare” que ocorreu no Brasil, Argentina, Peru etc. nos últimos anos. Tornou-se muito mais barato para a matriz financiar meia dúzia de juízes (como Sérgio Moro) através de convites, treinamentos, homenagens, aulas e palestras pagas do que apoiar uma quartelada golpista como nos acostumamos a ver no sul global nos anos 60-70 do século passado.

A mudança do Brasil se inicia reconhecendo essas verdades doloridas, aceitando que nenhum tipo de reformismo produzirá uma mudança substancial na estrutura de poderes do Brasil. Perdemos tempo demais imaginando consertar estruturas corroídas e anacrônicas, ou tentando atalhos que nos iludem, como a perspectiva identitária. Somente uma mudança que leve em consideração os 99% de brasileiros que fazem a riqueza desse pais poderá nos fazer avançar como nação.

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Trombadinha

As atuais descobertas da Polícia Federal mostram de forma inequívoca o que algumas pessoas à esquerda do espectro político denunciavam há muito tempo: durante quatro longos anos fomos governados por um reles trombadinha. Sim, tivemos à frente de um país gigante um ladrãozinho minúsculo, um escroque que passou anos preocupado em fazer pequenos furtos, subtraindo o erário público de bugigangas recebidas como presentes. Sim, ainda há que se desvendar os grandes roubos e as denúncias de propriedades em nome de laranjas nos Estados Unidos, mas a avidez para roubar tudo o que estivesse ao alcance da mão é uma descoberta brutal e chocante. E o roubo daquilo que foi ganho de ditadores árabes apenas desvela os crimes menores, pois que o crime maior – a corrupção que teve nas joias o devido pagamento – ainda não foi devidamente investigado. A sensação natural diante destas últimas notícias é a mais profunda vergonha.

Sim, inevitável vergonha. Imaginem o constrangimento de saber que um país como o Brasil, de 200 milhões de habitantes, com riquezas imensas, um povo sofrido e uma história complexa e grandiosa foi governado por um farsante, um mísero estelionatário com um discurso francamente fascista. Atrás dele, a lhe dar suporte, uma horda de fanáticos, zumbis contaminados por um discurso anticomunista desenterrado da guerra fria, enfeitado por palavras de ordem que evocam o fascismo mais rasteiro.

Que vergonha, que vexame. Tive amigos que, por ódio ao Lula e ao PT – o que no fundo escondia uma rejeição à qualquer ameaça de justiça social – até ontem defendiam Bolsonaro, tratando-o como “injustiçado”, “cavaleiro de Deus”, enviado para nos livrar da famigerada “ameaça comunista”. São os mesmos que ainda hoje, chamam os celerados que em janeiro invadiram Brasília de “patriotas” afirmando que o golpe foi planejado pelo PT para derrubar o governo… do próprio PT. Como podem explicar agora essa rede de roubalheira rasteira, que agia nos porões do Palácio, envolvendo inclusive – sem surpresa – a nata da mediocridade militar. Como justificar agora que o combate ao “Estado Inchado”, outra rotunda falsidade, precisava de uma figura como este escroque racista e canalha? Como explicar as delações do “hacker de Araraquara” que demonstram o interesse do antigo governante de fraudar o resultado das eleições e de envolver o STF nas suas artimanhas?

Por quanto tempo ainda teremos que aceitar um país atrelado a estes monstros travestidos de anjos de Deus, cujos crimes são cometidos sob a égide da proteção da família e da Pátria? Até quando estes militares corruptos e ineptos vão ameaçar nossas aspirações democráticas? Quanto ainda teremos que esperar até que se desmanchem as redes criminosas de igrejas evangélicas e seus líderes estelionatários? Até onde vamos aceitar a máfia do sistema econômico escravizando o povo em nome de sua fome por lucros e poder?

A resposta a estas perguntas significa a diferença entre sermos uma eterna esperança de nação e a fulgurante realidade de um país justo e desenvolvido.

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Fígado

A gente escreve algo como:

“As esquerdas se organizam de forma descentralizada o que lhes confere diversidade, mas isso não garante uniformidade nas lutas, funcionando como um exército onde cada soldado escolhe um inimigo em particular”.

O sujeito lê com o fígado e imediatamente responde: “Era só o que faltava!! Servi durante anos no exército e essa ordem nunca foi dada. Jamais combatemos dessa maneira. Você deve ser muito mau caráter para falar isso do exercito brasileiro!!”.

Como lhe dar???

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Golpes nos Coroas

Esse é um golpe comum na Internet. Acho que o foco principal são os coroas, gente que eles imaginam solitárias e carentes, que necessitam de uma simples conversa – mesmo que virtual. Na verdade, esse tipo de ataque diz muito do tipo de sociedade na qual vivemos, onde os velhos são excluídos sistematicamente da vida em social, escondidos em asilos ou recebendo apenas a indiferença de todos como recompensa. Conheço algumas várias mulheres – um grupo bem mais suscetível a esse tipo de ação do que os homens – que caíram nesse golpe e algumas delas foram salvas pelo resquício de lucidez que restou mesmo com a cegueira auto infligida pela paixão por uma figura idealizada de forasteiro.

No caso dos coroas, o golpe é quase padronizado. Por razões que ainda não entendi elas invadem o Facebook e mandam mensagens inbox dizendo serem militares, fora dos Estados Unidos, jovens, bonitas, sedutoras, em uma missão “de paz”. A história delas é quase invariável: estou no Iraque (mas já recebi do Afeganistão e da Síria) combatendo pelo meus país, tentando salvar a democracia, sou solitária, e blá, blá, blá. Tudo isso com caras de anjos e decotes hipnotizantes.

Depois da apresentação inocente começam a fazer perguntas, mas é curioso como as respostas que você dá não fazem a menor diferença. Talvez elas sejam simplesmente respondidas por um robô. No print abaixo eu primeiramente conto uma história dramática a meu respeito, pela qual ela não dá a mínima atenção, e quando resolvo xingá-la (o personagem é feminino, mas por trás dela quem sabe não está um rapaz ou mesmo um ancião?) ela simplesmente interpreta como um elogio.

Tomem cuidado. Existe uma indústria bilionária de “scammers” agindo na obscuridade da Internet.

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A burguesia e seus candidatos

Tenho visto muitas queixas sobre os candidatos para as próximas eleições. Leio posts de sujeitos que acreditam que temos uma representatividade desqualificada, feita de subcelebridades, figuras midiáticas, gente sem qualidade e/ou preparo. Queixam-se das candidaturas de atores pornôs, palhaços, cover da Dilma, cosplay do Wolverine, youtuber, ex jogadores de futebol e vôlei, técnico de futebol, humoristas, viúvas de celebridades, cantores de axé, ex BBB, atriz aposentada, filhos de políticos, cantores bregas, etc. Por certo que estas queixas tem um caráter inequívoco de classe, como a dizer que apenas pessoas com “preparo”, curso superior, cultura e refinamento poderiam decidir sobre os destinos das cidades, estados e da nação.

Mas eu pergunto: qual o real problema desses personagens aparecerem na política?? Que tipo de crítica moralista é essa, e ao quê serve? Apesar de haver nestas candidaturas uma supremacia da “notoriedade” sobre o trabalho político, estes candidatos ainda são muito mais representativos do Brasil de verdade do que os playboys, os farialimers, os empresários, os militares, os pastores e seu “rebanho”, os policiais (em especial os justiceiros e fascistas) e os latifundiários do agro que ameaçam o meio ambiente. A mim esta interdição “cultural” é uma imensa tolice, uma forma de excluir as classes populares do debate nacional, um deboche contra o povo brasileiro e suas figuras populares, como se o fato de ser palhaço, jogador de futebol ou cantor fosse indigno e traduzisse uma incompetência para a política.

Tenho certeza que as pessoas que insistem nas críticas à “qualificação” dos candidatos jamais se escandalizaram com o fato de dois terços dos 513 deputados federais eleitos e reeleitos são empresários e profissionais liberais, segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Isto é: dois terços dos representantes no Congresso não vivem de salário!!! Dois terços dos representantes parlamentares, aqueles que lançam e aprovam leis, não pertencem a classe trabalhadora. Na população em geral 10% dos brasileiros são empreendedores, mas no congresso são 66%. Para quem eles irão legislar??

Esses empresários e profissionais liberais vão cuidar da vida e dos proventos de todos brasileiros e exercerão controle sobre uma classe da qual pretendem se distanciar ou dar as costas. Todavia, esse tipo de disparidade típica das democracias liberais – um parlamento de ricos que controlam uma massa de pobres – não causa espanto, sequer nojo ou indignação. Já um ex palhaço parece insuportável.

A melhoria da nossa representatividade política jamais vai ocorrer em um sistema em que o gasto para ser deputado federal é altíssimo, completamente inatingível para um sujeito comum – mesmo da classe média. Um bom exemplo é o da Deputada Feederal Shéridan (PSDB-RR), que teve o valor mais alto na relação entre despesas e número de votos na última eleição (2018). Na disputa por manter sua cadeira no congresso federal ela recebeu 12.129 votos e declarou ter gasto R$ 2,3 milhões. Shéridan desembolsou R$ 190,22 por cada voto que conquistou.

Quem se escandaliza com isso? Por outro lado, o fato do sujeito ter sido atleta, ator pornográfico ou BBB parece ser inaceitável para a sensibilidade dos liberais meritocráticos ingênuos. Parece que ainda acreditamos que a classe burguesa tem melhores condições para gerenciar os destinos de uma nação, e existe um investimento pesado nesta crença. A forma mais simples e popular é debochar das candidaturas populares, de gente simples, de pessoas do povo e iguais a nós, da nossa classe. Quem pode esquecer o fato de que os candidatos do espectro de esquerda são tradicionalmente tratados como “cachaceiros” tão logo pretendam se candidatar?

A revolução do voto não será por aí; ela vai ocorrer pela real participação popular nos destinos do país, e isso jamais vai acontecer na vigência da democracia liberal burguesa. Para isso precisamos de uma revolução e um povo com a necessária consciência de classe para mudar seu destino.

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Futebol e masculinidade

Essa história do jogador e do abuso me afeta muito, não sei exatamente o porquê. Mas a sensação que eu tenho não é de raiva – não sou mulher para entender todas as dimensões dessa violência – mas de tristeza e decepção. É como quando ocorre um acidente entre dois carros com vítimas em ambos. Descobrir o culpado, apesar de ser essencial, não vai trazer de volta a vida de ninguém.

Então fica a tristeza pela dor imposta a uma menina e a destruição da vida do sujeito por atitudes absurdas e inconsequentes. Fico me perguntando: “com toda essa fama e dinheiro qual o sentido dessa barbárie, desse desrespeito e desse abuso?” Todos acabamos um pouco destruídos – inclusive a nossa esperança na humanidade – e não há nada que eu possa fazer a não ser aguardar que a justiça prevaleça.

Mas é tudo lamentável, triste e inaceitável, e a onda de ódio que sobrevém me deixa ainda mais deprimido.

Não gosto de chutar cachorro caído, mas concordo que o meio do futebol é violento e abusivo com as mulheres. Entre as razões para isso está que o futebol assume no imaginário social os valores atribuídos aos guerreiros de outrora. Nestes ambientes, nos quais uma criança entra aos 12 anos e só sai aos 35 – adolescência e juventude inteiras – existe um estímulo constante à hipersexualização, o desprezo por gays e por mulheres e a exaltação do herói mítico duro e inexorável.

O mesmo ocorre com policiais, no exército e nas Igrejas – com os padres. Um mundo masculino, cheirando a testosterona, onde ocorre sistematicamente a supressão de valores que são considerados femininos, como a cooperação, a solidariedade, a delicadeza, o perdão e a entrega. Nesses grupos impera a supremacia, a competição, a luta e a dureza como marcas de afirmação pessoal. Fugir deles é ver fechadas as portas de aceitação.

No futebol ocorre algo interessante. Apesar de ser um jogo de cooperação, onde todos jogam juntos e precisam dos companheiros, a progressão na carreira é solitária, numa luta do sujeito contra os demais, sendo violento e competitivo 24 horas por dia. O mesmo que acontece no exército, onde o estimulo ao companheirismo se alia a um individualismo brutal no enfrentamento da carreira. Um universo de Rambos onde a mulher não tem vez e muito menos importância.

Nestes lugares a brutalidade acaba virando a regra, na espera que algum dia seja modificado este padrão. Eu costumo dizer que até na medicina ocorre um mecanismo semelhante. Esta sempre foi uma área de homens, de energia, de força física e moral, de insensibilidade à dor e ao sofrimento. Não era admissível imaginar uma mulher – mãe e dedicada esposa – arrancando uma perna sem anestesia nos anos que antecederam a sua descoberta.

Todavia, no início do século passado a entrada das mulheres no mundo masculino da medicina não se deu sem um preço alto a pagar. Mulheres médicas eram – e ainda o são – cobradas por qualquer atitude que não seja medida pela regra da masculinidade. Precisam ser duras, fortes e insensíveis para receber o respeito de seus pares. É por isso que o ingresso das mulheres na seara da obstetrícia não surtiu a reforma que esperávamos. Numa estratégia de sobrevivência, as mulheres se associam mais aos homens e suas regras do que às mulheres e suas dores.

Há muito ainda a fazer para encontrar este equilíbrio. A entrada das mulheres no exército, futebol e medicina com o tempo vai impor uma nova perspectiva, e introduzir novos valores, determinando uma mudança significativa nestas funções sociais.

Oxalá seja breve…

PS: O que aconteceu ao jogador em questão é lamentável, mas sua adesão ao bolsonarismo é oportunista e planejada. Quis atrair a simpatia da face obscura do país, a mesma que venera a tosquice do presidente e suas falas “sinceras” e “diretas”, mas que apenas desvelam a pobreza de sua ética.

De qualquer modo, não rolou. Santos rescindiu o contrato e sua carreira acabou. Não creio que arranje clube em lugar algum. Robinho é o gênio das pedaladas, o craque que não foi mas poderia ter sido.

“Ludopédio finis est”, little Robson

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Hierarquias

*Eu já disse, há uns 25 anos, algo parecido com “cidadão, não”, mas por sorte os celulares ainda não haviam sido inventados. Não me convidem para linchamentos de crimes que já cometi.*

O sargento se aproximou de mim carregando nas mãos as folhas de papel datilografadas nas velhas máquinas do quartel. Trazia consigo as escalas de plantão de “médico de dia” e as escalas da obstetrícia do hospital militar onde eu trabalhava. Eu havia pedido a ele algo razoavelmente simples: a troca de plantão da sexta feira porque ele coincidia com trabalho que eu realizava em outro hospital. Era notório que, apesar de ter vontade, eu não possuía o dom da ubiquidade. Como tenente médico eu estava acostumado a estes encontros com os sargentos que trabalhavam na administração do hospital. Como todos tínhamos plantões fora do hospital era normal e corriqueiro que tivéssemos choques com nossa “agenda externa”.

Esse era o dia-a-dia dos sargentos que trabalhavam no setor administrativo do hospital. Homens por volta de 45 a 50 anos de idade, geralmente em final de carreira, que haviam seguido por anos a fio a carreira militar dentro do hospital ou do quartel adjacente. De nossa parte, éramos oficiais médicos, mas também enfermeiras, dentistas e bioquímicos – muitos, como eu, temporários – que apesar da pouca idade (eu tinha na época menos de 30 anos) éramos hierarquicamente superiores a eles.

“Nunca chame um soldado, cabo e mesmo um sargento pelo nome”, era a regra não escrita. O correto era chamá-los pela função, uma forma de torná-los “uniformes” e retirar deles qualquer caráter de subjetividade. “Passe-me a lista de plantões, sargento”, disse-lhe eu ao chegar no setor. Assim, sem qualquer sinal de que estava falando com outro ser humano igual a mim.

Esse foi o primeiro grande choque que senti entre o mundo civil e o mundo militar. Sempre fui ensinado a chamar as pessoas mais velhas de “senhor”, pois além da determinação bíblica que nos fala “honrai pai e mãe”, há que respeitar uma específica gerontocracia cultural, que nos fala que os mais velhos precisam ser tratados com a devida reverência.

Ali era o contrário. Um senhor de quase 50 anos tratava um garoto de 29 como “senhor”, enquanto nós, meninos imberbes e garotas recém formadas, tínhamos que tratá-los por “tu”, ou “você”. Isso criava uma distopia que só podia ser entendida no contexto militar.

– Não há como trocar seu plantão, doutor. Seu nome já saiu no boletim.

Eu não podia aceitar essa negativa. Meu plantão em outro hospital era tradicionalmente às sextas feiras e eu não tinha como fazer a troca por lá. Precisava ser no hospital militar. Disse-lhe, do enorme problema que teria caso não houvesse a troca, mas ele apenas remendou:

– Não é possível, doutor. Estou com o boletim em mãos e o seu nome já consta aqui.

Eu sabia que ali também estava presente a “opressão dos pequenos poderes”. Sei bem que era possível fazer uma “gambiarra”, colocar uma emenda no boletim, riscar um nome e colocar outro. Sabia, entretanto, que as trocas só podiam, dentro da lei, ser feitas com 48 horas de antecedência, e faltavam apenas 36 horas para o meu plantão. Eu estava errado, eu havia esquecido, eu não tinha razão.

Fiquei furioso, mas nada disse. Eu sabia que a culpa do choque de plantões era só minha. Fiquei olhando para o sargento e pude imaginar a sua alegria dissimulada por dizer não para um superior. Pensei argumentar mais alguma coisa, mas foi um pequeno deslize do sargento que me salvou.

– Você pode falar com o Coronel, se quiser. Eu não tenho autorização para fazer a troca.

Foi a sua única falha. Pontual e quase imperceptível. Talvez ele mesmo a tenha percebido imediatamente após a última sílaba dita, mas já era tarde. Foi a minha deixa.

– Você? Tem algum “você” aqui? Pois saiba, SARGENTO, que eu sou TENENTE, e que devo ser chamado por “senhor”. Está bem entendido? Agora veja como vai consertar este meu problema…. Sargento.

Ele ficou em silêncio e seu olhar se dirigiu para o chão, onde quatro sapatos lustrados nos sustentava. Logo depois balançou afirmativamente a cabeça. Não podia dizer nada. Silenciosamente pegou os papéis à sua frente e riscou meu nome.

– Vou trocar seu plantão e colocá-lo na próxima semana.

Prestou a devida continência e se afastou. Meu problema estava resolvido.

Bastou ele virar as costas para eu entender que havia quebrado um mandamento pessoal que havia criado para mim mesmo quando comecei a trabalhar como médico em uma unidade militar. “Jamais permitir que as artificialidades do mundo militar me corrompam”. Era minha promessa silenciosa que acabava de ser quebrada; bastou chegar em um ponto limite de tensão para usar as mesmas prerrogativas que eu desprezava. Fui arrogante, fiz um uso indecente da autoridade que tinha. Humilhei um sargento usando de minha patente superior. E tudo isso para resolver uma questão que era de inteira culpa minha, por ter esquecido de trocar o plantão.

Já se vão 25 anos dessa experiência, e jamais me esqueci dela. Ficou marcada como uma mancha, uma nódoa. Percebi que ninguém pode se dizer infenso a estas veleidades sem ter passado por um teste, onde seus valores serão avaliados no limite. Eu passei por este teste e fracassei.

Não tenho nenhuma autoridade moral para criticar aqueles que, diante de momentos de tensão e angústia, também sucumbiram à tentação fácil da arrogância.

PS: curiosamente, eu já havia contada essa história há muitos anos, exatamente com o mesmo sentido: mostrar que todos nós, por melhor que seja a imagens que temos de nós mesmos, carregamos máculas que aparecem em circunstâncias limítrofes, mostrando uma parte escondida de nossa alma – aquela que não gostamos de enxergar. Se quiser conferir a versão antiga (e mais completa) ela está aqui.

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Militares

Minha experiência de seis anos como militar serviu para sacramentar a minha visão da caserna.

No tempo que fui militar vi colegas meus, militares médicos (anestesista), se aposentando com 43 ANOS. O ministro astronauta (aquele brutal desperdício de recursos para passear em foguete) se aposentou bem antes dos 50. As forças armadas são cheias de pequenas falcatruas institucionais, essa é uma realidade de longa data. Não sei como isso é hoje, mas fui militar há 30 anos e achava inacreditáveis os desvios LEGAIS atuando em benefício dos militares. Não esqueçam que o pagamento do imposto de renda só passou a acontecer a partir de 1964.

Vou citar alguns exemplos do que vivenciei:

Naquela época você tinha direito a pedir adiantamento de 13o salário. A medida era para auxiliar no pagamento de dívidas ou estimular o consumo. Se você ganhasse 1000 dinheiros mensais podia tirar 500, metade do seu salário. Todo mundo fazia, e eu não entendia exatamente o porquê. A verdade era simples quando lembramos que tínhamos inflação se 80% ao mês no tempo do Sarney. Você tirava 500 em junho e no fim do ano ganhava o 13o menos os 500 que tirou antes. Só que o salário já não era mais mil, mas 5 mil ou mais, e você ganhava 4.500!!! Sim, 5 mil de salário menos os 500 já recebidos. O desconto era NOMINAL e não percentual!!!. Isso oferecia quase um salário a mais por ano!!! (Bem verdade que naquela época meu salário de tenente médico chegou a ser 500 dólares mensais).

As transferências “fantasma” pré aposentadoria eram comédia. Umas poucas semanas antes de ir para a reserva – com menos de 50 anos – os militares eram transferidos para onde o diabo perdeu as botas. Recebiam auxílio transporte, mudança, auxílio uniforme, passagens e o escambau. Chegavam na unidade, se apresentavam ao comandante e avisavam que estavam entrando para a reserva. Toda a manobra – conhecida por qualquer militar – era para garantir uma boa grana extra “falsificando” uma transferência para ganhar as indenizações. Tudo legal, e tudo absolutamente imoral, tipo auxílio moradia de juiz com casa(s) própria(s).

No hospital da Policia Militar da minha cidade, onde atendi como civil há mais de 25 anos, eu não tinha salário, mas atendia pacientes do IPE (previdência dos funcionários do Estado) e recebia direto da instituição através de uma lista de atendimentos. Entretanto, os médicos militares do hospital atendiam estes mesmos pacientes em seu horário de trabalho e recebiam DUPLAMENTE – do IPE e pelos seus salários. A direção do hospital sabia, o Instituto sabia, todo mundo conhecia essa malandragem, mas ninguém tinha coragem de denunciar essa falcatrua e se indispor com a Polícia Militar e com a corporação médica. Havia boa razões para o silêncio: afinal, quem julgaria este caso? Um juiz que ganha penduricalhos também!!! Portanto, era caso perdido….

Militares são tão honestos quanto qualquer outro cidadão, e tão desonestos quanto todos nós. Não há diferenças morais e éticas, mas são poderosos (como médicos e juízes) e em nome desse poder (e não do seu valor ou do trabalho) acabam recebendo vantagens indevidas, imorais e injustas, mesmo quando legais. Assim como juízes ou médicos. A aposentadoria dos militares, mesmo que reconheçamos algumas peculiaridades menores, deve ser como a aposentadoria de TODO O BRASILEIRO. Sem castas especiais.

Eu não creio que as Forças Armadas sejam o Mal sobre a terra. Conheci militares íntegros, dignos, honestos e dedicados. O mesmo digo de médicos e magistrados. O que eu não aceito é o abuso de poder – em especial dessas categorias – que se expressa através de penduricalhos de toda ordem para garantir vantagens legais sobre as outras categorias, como se a proteção das fronteiras do país, a justiça e a saúde fossem atividades mais nobres e necessárias do que alimentar, educar, cuidar ou garantir a segurança interna da nação. As vantagens absurdas do judiciário, e algumas das forças armadas, existem apenas pela ameaça dessas corporações de produzir retaliações. O judiciário contra o legislativo (como agora na Lava Jato) e as forças armadas pela ameaça constante de golpe e ruptura democrática (como ficou claro nas ameaças do general no dia anterior ao julgamento de Lula).

Militares fora da reforma da previdência é mais um capítulo do golpe militar “branco” que estamos vivendo no Brasil .

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