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Violência

Você achou justa a ação do Hamas em 7 de outubro?

Essa é uma das perguntas mais prevalentes nos últimos tempos, mas serve como régua moral para classificar aqueles que se posicionam sobre o drama da Palestina. Em primeiro lugar, nada é “justificável” numa guerra, mas tudo que nas guerras ocorre precisa ser colocado em contexto. Não podemos nos perder em armadilhas lógicas. Os mais de 75 anos de massacres não poderiam ser interrompidos com abaixo-assinados ou ações nos tribunais, até porque Israel sempre desprezou as decisões da ONU. Além disso, é preciso reconhecer que se não fosse pela violência não haveria sequer a revolução francesa burguesa de 1789, que acabou com quase todas as monarquias europeias; sem a tomada violenta dos revolucionários Franceses e hoje seriam ainda súditos do Rei, e a democracia apenas um sonho e uma utopia. Culpar a violência reativa do Hamas e nada dizer sobre o holocausto palestino continuado é a narrativa racista e supremacista do sionismo.

Sim, acho que o combatentes reunidos da resistência palestina agiram de forma justa, mesmo que eu seja um proponente da paz. Achar que o Hamas é um grupo terrorista – como faz a imprensa burguesa – é jogar o jogo do imperialismo. O Hamas lutou com as armas que eram possíveis. Aliás, a sua ação no 7 de outubro será descrita no futuro como uma das maiores ações de guerra da história moderna. Esta ação, apesar das vítimas produzidas pelo exército fajuto de Israel, era o único caminho possível para a paz, pois a libertação de um povo subjugado há mais de 70 anos jamais se faria com tapinhas nas costas. O próprio Nakba – a expulsão forçada de 750 mil palestinos de suas casas – só aconteceu através de ações de terrorismo e de massacres por parte do nascente estado de Israel, as quais se mantém até hoje. Assim sendo, a resposta Palestina só poderia ser violenta, até porque todas as tentativas pacíficas falharam escandalosamente. Todos os acordos tentados com os sionistas foram descumpridos por Israel, porque jamais houve qualquer interesse na paz ou na criação de dois estados independentes e soberanos. Criticar a reação palestina às sete décadas de assassinatos, abusos, torturas, prisões arbitrárias, limpeza étnica e estupros é aceitar a narrativa do Império e o discurso vitimista do sionismo. O Hamas apenas agiu de acordo com as regras de violência que os próprios sionistas estabeleceram ao roubar as terras palestinas.

Para manter a ocupação de Israel e a brutalidade desumana como sempre foi praticada foi necessário controlar a opinião mundial através do uso da imprensa burguesa. Essa é a razão pela qual os massacres do Nakba só há pouco foram descobertos pelas pessoas do mundo inteiro. Hoje em dia, com a proliferação de smartphones, ficou impossível esconder a realidade do genocídio que está sendo cometido contra as populações oprimidas. Por esta razão, desde o princípio dos massacres Israel procura atingir a imprensa. Eles sabem que é preciso impedir a realidade chegar à todos no planeta. Quando o mundo inteiro puder saber a verdade, o racismo e a essência pútrida do sionismo supremacista acabarão imediatamente. Exterminar o modelo opressor de Israel é uma tarefa de todo o cidadão do mundo. A Palestina somos todos nós. Ao mesmo tempo em que os jornalistas são alvos preferenciais dos genocidas sionistas, canalhas mequetrefes de Hollywood se empenharam para impedir que a jovem e premiada jornalista palestina Bisan Owda concorresse ao Emmy, entre elas Selma Blair e Debra Messing, duas conhecidas sionistas que apoiam o massacre de crianças e a morte indiscriminada de palestinos. Felizmente para a parte saudável do planeta, esses monstros não conseguiram levar adiante seu projeto de silenciamento e It’s Bisan from Gaza and I’m Still Alive, – Aqui é Bisan de Gaza, e ainda estou viva – venceu o Emmy como melhor documentário.

Portanto, essa crítica ao “terrorismo” do Hamas – como se o Estado de Israel não fosse uma entidade ilegal e terrorista por excelência – é tosca e historicamente injusta, além de ser mentirosa, mas apenas sobreviveu por tantos anos porque existe um controle imenso sobre a imprensa internacional. Os mesmos jornais que acusam a Rússia de ser “anti-LGBT”, ter invadido a Ucrânia sem razão, ou que chamam Maduro e Xi Jinping de “ditadores” acusam os guerreiros que lutam pela liberdade da palestina de terroristas, sem mencionar o terror de Estado que é praticado pela potência de ocupação há mais de 7 décadas. Esqueceram de noticiar o que agora é conhecimento oficial: a maior parte das mortes no ataque de 7 de outubro 2023 foram causadas pelos helicópteros israelenses, usando a “Diretiva Aníbal”. E as mortes causadas pelo Hamas – que por certo ocorreram – foram atos de resistência à uma opressão obscena e continuada, violenta e indigna. Agiram a exemplo dos “freedom fighters” da Argélia, da Resistência Francesa, dos Vietcongs, dos russos em Leningrado e dos coreanos na ocupação japonesa e americana. Em verdade, “Terrorismo” é a forma como os opressores chamam aqueles que resistem aos seus abusos, mas eles são os guerreiros da liberdade do seu povo, e usam as ferramentas possíveis para empreender esta luta.

Aqueles que falam das “vidas inocentes” que foram perdidas na ação de resistência do Hamas respondam estas perguntas simples: digam até que ponto aguentariam o abuso dos colonos israelenses, grupos formados pela escumalha da Europa e da América. Depois que seus pais fossem torturados, seus irmãos fossem mortos, sua irmã abusada e seu filho preso, vocês continuariam a pedir “licença” aos invasores? Continuariam a apostar no “amor”? Tentariam, pela milésima vez, uma alternativa pacífica? Ou usariam armas semelhantes àquelas usadas por quem lhes massacra para, pelo menos, manter o que lhes resta de dignidade e para salvar a vida da sua família? Respondam com honestidade: qual seria o limite? Até quando suportariam? Não é aceitável que tenhamos uma postura ingênua sobre as forças materiais e econômicas que produzem os conflitos. Num contexto de agressões e abusos continuados apenas a reação violenta seria capaz de salvar a Palestina. Quem acredita em “legitima defesa” do sujeito precisa aceitar a “legítima defesa do povos”, até porque a própria ONU reconhece o direito de resistência violenta e armada dos povos ocupados!!! A liberdade é uma conquista dos homens, e para isso devem usar as armas que estiverem ao seu alcance.

Hamas e Palestina, neste momento, são a mesma coisa. O Hamas representa o maior, mais armado e mais capacitado grupo de defesa da Palestina. Portanto, defender a Palestina significa dar apoio irrestrito ao Hamas que, pela sua história e pelas próprias eleições realizadas em Gaza, é o legitimo representante das aspirações de liberdade do povo palestino. Qualquer um que tente deslegitimar o Hamas, acusando-os de “oprimir” o povo palestino, estará mentindo.

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Passagem ao Ato

Há alguns dias vi as imagens de um sujeito que passou a mão nas nádegas de uma mulher no exato momento em que ela saía do elevador. Esse acabou se tornando o assunto mais comentado nas redes sociais, porque este tipo de agressão mobiliza muito as pessoas, e a razão para este foco é sempre algo que deve ser investigado. Pelas imagens parece que ela era uma desconhecida, ou ao menos entre eles não havia qualquer intimidade, visto que ela ainda teve tempo de reclamar antes que a porta do elevador se fechasse. Ato contínuo, ele desce até o estacionamento, pega seu carro e sai correndo (parecia mesmo fugir da cena do crime).

Nas repercussões que se seguiram percebi a preocupação de todos com o abuso, com o fato de uma mulher ter sido tocada sem consentimento, o que me parece justo. Essa violência é decorrente do próprio patriarcado, que estabelece valores especiais sobre o corpo da mulher; tivesse o mesmo ato ocorrido com um homem e nada seria dito ou feito, no máximo uma rápida troca de socos. Mas, é compreensível que na estrutura social que temos hoje em dia esta atitude seja envolta em escândalo e considerada uma agressão injustificável.

E vejam: não me cabe julgar o sofrimento de quem passou por este tipo de agressão. O sujeito foi preso e vai pagar pelo crime que cometeu. Não se trata de minimizar o que ele cometeu, mas seguir um pouco adiante e tentar descobrir as reais motivações que levam um sujeito a “passar ao ato”, romper a fina película que separa a fantasia da realidade, colocando sua própria vida em um redemoinho destrutivo que ele provavelmente terá imensas dificuldades de se recuperar.

Desta forma, apesar do choque das imagens e da justa indignação da vítima com o abuso indecente, eu fiquei mais interessado em encontrar a resposta para a pergunta: o que faz um homem bem sucedido, casado, com filhos e bonito “passar ao ato” desta forma tão suicida? O que diabos ele pretendia com esse desvario? Por que o descontrole? Por que saiu correndo assustado? Pelo que pude observar das imagens ele não parecia um abusador contumaz, desses que sentem compulsão por cometer seus abusos em trens e ônibus, onde o risco de ser descoberto faz parte do frisson relacionado ao ato; ele parecia estar nervoso, até ausente, como alguém que perdeu o controle por breves instantes e logo se deu conta do erro absurdo que cometera. Mais tarde, ao ser preso no dia seguinte, teria dito à imprensa que sofre de transtornos psiquátricos.

Sua atitude, pela forma como foi feita, pareceu um surto – ou um pedido de socorro. Talvez haja uma questão emocional bastante grave ocorrendo por trás desta cena grotesca. Como teria ele sido capaz de romper as barreiras da interdição sabendo o quanto teria a perder? É evidente que, por causa disso, agora vê seu mundo desmoronar. Agora todos querem colocá-lo empalado numa estaca para queimá-lo vivo. Afinal, como ousa roubar nossas fantasias e levá-las adiante, enquanto nós aqui só nos encolhemos e recalcamos nosso desejo?

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Nervos de Aço

De todas as coisas bizarras que eu li nas mídias sociais do Brasil – intensamente diferentes do que percebi nos Estados Unidos – esta aqui está entre as mais incríveis:

“Não sou um especialista em Direito Penal americano, mas o tapa de Will Smith em Chris Rock me parece absolutamente lícito dentro do sistema jurídico brasileiro. Se ele seguisse golpeando, aí seria difícil defendê-lo, mas ele nem amassou o terno. Voltou pro seu lugar depois de dar o seu recado e se recompôs. Pode procurar em qualquer livro de Direito Penal como um exemplo clássico do que seria uma verdadeira legítima defesa da honra.”

Não sei se o sujeito que escreveu esse texto (do qual retirei apenas esta parte final) é advogado – parece que é – mas é inacreditável que, para passar pano para uma agressão absurda e injustificável por causa de uma piada, as pessoas não tem sequer a vergonha de apelar para a famigerada “legítima defesa da honra”.

Curiosamente, essa interpretação (que tantos feminicídios manteve impunes no passado) só valeria para a honra de uma mulher que ficou careca, mas não para um homem feio, barrigudo, calvo ou velho sobre os quais se faz chacota desde quando os sumérios entraram em guerra em Lagash há dois milênios e meio, e muito menos para o pobre coitado que, movido por forte emoção, tomou a justiça nas mãos ao encontrar sua amada “nos braços de um outro qualquer”, como diria Lupicínio Rodrigues. Não, nesse caso a “defesa da honra” não vale – é preciso ter nervos de aço – mas continua podendo ser usada para pessoas milionárias e glamorosas que tiveram o infortúnio de perder boa parte do cabelo.

É impressionante o malabarismo para tentar justificar a estupidez, a grosseria e o machismo anacrônico do senhor Will Smith…

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O tapa na cara do Oscar

Eu sou um defensor ferrenho da liberdade de expressão. Mais do que isso; sou a favor do direito de ofender. Nenhuma sociedade consegue prosperar sem atritos e contraditórios e, apesar de eu não gostar de ofensas, acredito que as pessoas devem ter o direito assegurado de usá-las, pois sua proibição causa um problema muito mais grave do que suportar a carga de ser ofendido. Proibir a ofensa é censura, é ferrar o contraditório. Além disso, aqueles que acham isso inadequado são os que mais ofendem as figuras no campo oposto às suas crenças políticas.

Dito isso, deixo claro que não achei a piada contada pelo Chris Rock no Oscar como sendo ofensiva. A piada contada compara Jada Smith com outra personagem que tinha o cabelo muito curto. Não vejo como isso pode ser inadequado se for dito por um comediante. Creio que a atitude do Will Smith foi uma imensa tolice, um brutal desrespeito com a audiência, uma falta de compostura e todo o espetáculo por ele protagonizado deveria ser reprovado em todas as dimensões.

Will Smith protagonizou um “surto de machão” ofendido que precisava defender a honra da sua donzela. Estas cenas sempre tem um subtexto: vou defender a minha mulher porque ela é incompetente para fazer isso por si mesma, como a gente faria com uma criança que está sob nossos cuidados. Sua frase “Tire o nome da MINHA mulher da sua boca suja” deixa claro que ele está defendendo sua posse. A piada claramente se refere ao cabelo curto dela,e não carrega nenhuma ofensa à honra. Sim, pode haver uma rixa antiga entre estes atores, mas isso não pode justificar que uma diferença pessoal atrapalhe a festa que é de muitas pessoas. O ator de “The Fresh Prince Of Bel-Air” é um imenso babaca. Comparem isso com as piadas do Rick Gervais no Golden Globe – muito mais agressivas – e percebam a diferença no comportamento dos atores que foram atingidos por elas. Will Smith se comportou como um garoto de não mais de 14 anos.

Imaginem se a moda pega e as pessoas resolverem atacar os humoristas com socos por que não gostaram ou não aceitam as piadas, ou porque não aceitam que se façam piadas com questões físicas. O Oscar e o Golden Globe sempre tiveram esse “roasting” como uma de suas principais características. Por que esse ator se acha no direito de estragar uma festa em nome de seus sentimentos feridos de “machinho furioso”?

Um fato subsequente à agressão e que me impressionou foi que a imensa maioria dos americanos nos sites que apareceram logo depois do tapa condenaram a atitude do Will Smith. Na minha perspectiva isso ocorre basicamente pela forte cultura do free speech nos Estados Unidos, que lá funciona como uma espécie de “lei sagrada do mundo livre”. Lá você pode mandar um guarda de trânsito à merda, de forma impune, porque as ofensas verbais são protegidas pela liberdade de expressão. Aposto como no Brasil, pela nossa cultura machista (que exalta demonstrações chauvinistas) e pela nossa longa história de autoritarismo, a reação seria oposta. Aliás, é o que se vê nas redes sociais daqui. Milhões de brasileiros diriam que está correto e justo dar um tapa em alguém que disse uma piada sobre sua esposa – mesmo sem ser ofensiva à honra. Há alguns anos eu critiquei a cuspida estúpida que o Jean Wyllys deu em Bolsonaro no parlamento, mas sempre soube que, mesmo no universo das esquerdas, minha opinião era francamente minoritária. Para a maioria é justo cuspir ou dar um tapa para resolver situações em um “parlamento” – um lugar criado exatamente para resolver as questões na palavra, evitando as violências físicas e morais.

Eu acho que um artista tem a obrigação de manter a compostura, e a ação destemperada e infantil de Will Smith foi absurda. Agredir um comediante é uma grosseria que nem os Reis mais despóticos fariam com seus menestréis – contratados exatamente para isso, humanizar a figura do Rei. Artistas precisam suportar essa carga exatamente por serem pessoas públicas. Por outro lado, o tapa expôs seu descontrole e sua falta de postura. Em situações como essa, “Noblesse oblige”, diria meu pai. Um ator precisa saber que um Oscar não é um boteco onde diferenças pessoais podem ser tratadas publicamente na frente de 1 bilhão de espectadores. Para mim foi uma imensa chinelagem. Um comediante tem a delegação cultural de fazer troça de todo mundo – de tudo e de todos. É sua obrigação, é o seu papel social, e criar guetos ou espaços de blindagem para grupos ou condições é desumano e cruel com estes próprios grupos, pois assevera sua fragilidade e incompetência. Ficar irritadinho é absurdo e careta, um machismo anacrônico e tolo. Infelizmente eu acredito que aqui no Brasil ele seria aplaudido – até pela esquerda – pois a maioria das pessoas acha essa atitude bonita, nobre e romântica. Aqui no Brasil, a coisa é diferente. Agora mesmo vi o post dizendo que “é inaceitável fazer piadas com aquela mulher, visto que ela tinha um problema de alopecia”.

Vou deixar bem clara minha posição: a blindagem aos grupos ditos “oprimidos” – mulheres, gays, trans, negros, imigrantes, etc – apesar de expressar o cuidado com o outro e ser uma ação motivada pela bondade e pela proteção, mantém esses grupos numa condição socialmente inferior. É como as atitudes com deficientes físicos, que apesar de servirem para ajudar desrespeitam sua condição de independência e autonomia. Pergunte a um cego como ele se sente quando alguém tenta fazer por ele algo que ele consegue fazer sozinho!! Se um homem se levanta para defender uma mulher numa condição como esta – onde não havia uma ameaça física em que a testosterona fizesse a diferença – a defesa é abusiva e coloca a mulher numa condição subalterna. “Vou lhe defender porque você é incapaz de fazer isso”. É exatamente assim que agimos com as crianças, e por isso elas tanto se esforçam para sair desta condição.

Este Oscar evidenciou o drama desta geração: os flocos de neve que não aceitam ser ofendidos. Pois eu pergunto: quantos comediantes aceitam piadas com a sua altura (Kevin Hart), sua careca (Jason Alexander, The Rock), sua feiura (Marty Feldman, Zezé Macedo), sua aparência (Chris Farley), seu peso (Melissa MacCarthy, Amy Schummer, Claudia Jimenez) sem terem este tipo de resposta? E vejam, a piada em nada atinge a honra da “mãe” (sim, ela funciona como sua mãe e não como esposa) do Will Smith, apenas brinca com seu cabelo raspado, comparando-a com uma atriz maravilhosa – Demi Moore – que encenou um filme de ação de sucesso. Aceitar que existe justificativa para dar socos porque não gostou de uma piada é pura barbárie. Mais grave ainda foi o que a comediante americana Kathy Griffin comentou algumas horas depois do fato “agora todos temos que nos preocupar com quem quer ser o próximo Will Smith em clubes de comédia e cinemas”. Agora qualquer um pode se achar no direito de distribuir socos em comediantes por se sentir incapaz de suportar uma piada.

Entretanto, achei muito significativa a resposta nas redes sociais americanas. Mais de 90% (minha análise superficial) foi de condenação à sua atitude. Pior, mais do que se comportar como um garoto imaturo e barraqueiro ele estragou a festa do cinema americano e eclipsou o sucesso dos outros vencedores. Meu único medo é que, por alguma razão de natureza econômica, financeira, contratual ou pura tolice, Chris Rock decida se desculpar pela piada. Se isso ocorrer é porque ele não tem fibra alguma, mas eu duvido muito que um genuíno comediante americano, com uma gigantesca tradição de ruptura de barreiras culturais, jogue sua reputação e sua carreira no lixo agindo dessa forma.

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Violência no C.O.

A agressão às funcionárias (todas mulheres) do ISEA por ter sido chamado durante a madrugada para atender uma paciente ocorreu por parte de um anestesista. E por que não me surpreendo que está agressão tenha vindo de um médico dessa especialidade?

Existe uma divisão bem clara de perspetivas que diferencia obstetras e anestesistas. Estes últimos não conseguem enxergar pacientes da mesma forma como os obstetras os enxergam, e por esta diferença tive várias discussões relativas às indicações de cesariana no início da carreira. Achavam eles que chamá-los na madrugada era uma afronta e um desaforo. Sua expectativa era de serem convocados a atender apenas cesarianas marcadas e a maioria se negava a atender analgesias de parto, por causa do tempo quecteriam a despender com esta única paciente.

Minha experiência sempre foi difícil com eles, e não me surpreende que essa atitude absurda e violenta tenha partido dessa especialidade.

O ataque direcionado às obstetras que o chamaram para anestesiar uma paciente de madrugada é típica de quem sabe que, se fizesse isso contra colegas homens correria o risco de levar uns sopapos. Também nao me deixa surpreso.

Mas ainda acredito que a culpa disso é da cultura da cesariana, causada pela medicalização do parto, e a transformação do parto contemporâneo em evento médico, controlado por cirurgiões e com pouca consciência dos significados últimos do parto na cultura.

O que percebemos hoje é que esta geração de anestesistas, gestada no auge da cultura das cesarianas, acabou criando a ideia de que estas cirurgias não acontecem de madrugada, mas apenas com hora marcada, sob o controle do médico, e não quando o bebê sinaliza o momento de nascer. Criaram a ideia de que o nascimento, profundamente inserido no paradigma médico, ocorre com a mesma previsibilidade de uma cirurgia de vesícula.

Quando eu fui plantonista e indicava cesarianas na madrugada a observação que me faziam era sempre a mesma: “você é um mau médico. Seus colegas percebem de antemão os partos que vão “encalhar” e marcam a cesariana para um horário em que todos estão acordados e em boas condições para operar”.

Com isso tentavam constranger os colegas a marcar as cirurgias para “depois da novela”. E isso acontece porque os anestesistas têm uma ação meramente técnica; eles não sabem a história, os anseios, os desejos da paciente ou o esforço da equipe. Tudo o que querem é dormir em paz, sem ser atrapalhado – mesmo estando de plantão.

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Agressão brutal

A agressão ao obstetra em Itajaí é um ato que deve ser repudiado por todos. Covarde, desproporcional e absurdo. Nada pode justificar a violência contra os profissionais da linha de frente da atenção à saúde. A sociedade organizada precisa repudiar tal ato com toda a veemência.

De qualquer forma, partindo do repúdio total ao ato, é importante entender as circunstâncias da agressão que agora nos chegam pelo relato da polícia. O agressor – lutador de artes marciais com passagens anteriores por agressão – teria agredido o médico por “ciúme”, já que foi impedido de acompanhar a esposa durante a avaliação do profissional. Em função disso, talvez associado à tensão pelo trabalho de parto da sua esposa, agrediu violentamente o residente de plantão. Um ato bárbaro e inaceitável.

Aqui fica ainda mais evidente a urgência em respeitar os pressupostos da humanização do nascimento. Ao marido-agressor foi dito que ele não podia entrar na sala de exame pois havia outras pacientes na sala, e não apenas sua esposa. Isso foi o suficiente para um sujeito, perturbado e violento, perder o controle. A pergunta que cabe é: por que diabos não se respeita o direito das mulheres ficarem com seus acompanhantes de livre escolha durante TODO o processo, como recomendado por todas as instituições que estudam o processo de nascimento e como está explícito na própria LEI do acompanhante de 2005?

O médico acabou pagando por um erro ESTRUTURAL do hospital e, para seu azar, encontrou pela frente um sujeito furioso que consumou uma agressão brutal. Profissionais da saúde (enfermeiras sofrem esse assédio ainda mais que os médicos) não podem pagar pela insensibilidade dos serviços de saúde em garantir um atendimento humano e respeitoso.

O médico vítima dessa agressão talvez não seja o último. Outros sujeitos perturbados e violentos podem encontrar serviços que não respeitam os postulados da humanização e partam para a violência contra profissionais. Estes, que já lutam contra salários indignos e falta de segurança, não podem continuar a pagar o preço pela atenção anacrônica dos hospitais, que não garante assistência digna às mulheres e sua família.

Nunca como agora foi tão importante – em verdade essencial – lutar pela humanização do nascimento e assumir o compromisso pela sua implantação pelos serviços de saúde de todo o país.

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Enjaular

Há alguns dias foram mostradas as imagens de mais uma agressão contra a mulher. No caso uma advogada espancada covardemente por um jovem de 24 anos, filho de um politico influente de Goiás. O caso já corre em juízo e poucas dúvidas há de que ele deve ser condenado pelas agressões. Entretanto, sempre me impressiona o grito de algumas pessoas exigindo a prisão do infrator. “Como ainda não foi preso?”, perguntam espantadas. “Como podem deixar solto esse sujeito?”.

Prender? Como assim? Sem trânsito em julgado? Com qual justificativa? Que sentimento é esse que nos leva a exaltar a prisão de todo mundo? Qual o sentido de encarcerar diante de qualquer crime? O que realmente nos move para exigir a detenção diante de um delito? Que justiça é essa cuja ideologia – e aparentemente a única função que nos interessa – é encarcerar cidadãos diante de acusações, até mesmo antes de os envolvidos serem ouvidos?

Há poucos meses foi pedida a prisão de um doente mental – que perdeu metade do cérebro num acidente anos atrás – por se masturbar em um coletivo. Que sentimento bizarro de vingança é esse de tal amplitude que nos leva a gozar (perdão…) com a desgraça de um descapacitado psiquiátrico sendo enjaulado? Isso de alguma forma diminuiria o constrangimento de suas vítimas?

Para mim a questão continua sendo a nossa negativa em olhar para o agressor. Queremos mais justiciamentos do que a prevenção das tragédias. É mais uma faceta da lógica punitivista, tão popular quanto inútil.

Não é suficiente condená-lo e execrá-lo publicamente. Os homens (e até às mulheres) abusadores precisam ser entendidos, compreendidos e estudados. O agressor é parte ativa e um sintoma da revolução social insidiosa e silenciosa que acompanha a perda dos papéis masculinos clássicos. Temos agora diante de nós a necessidade de reacomodação da masculinidade.

Os homens sentem-se ameaçados e perdidos e a violência se apresenta para alguns como a única possibilidade. Para resolver a epidemia precisamos entrar na mente do criminoso e entender o que o motiva.

O texto abaixo, do juiz Luís Carlos Valois, lança um pouco de luz sobre as trevas punitivistas que se abatem sobre nós.

JUSTIÇA
(Texto publicado em Carta Capital)

Você, sim você, que está lendo estas palavras no computador, no celular, neste momento, pense em uma hipótese comigo. Se você encontrasse um policial, um deputado, ou uma autoridade qualquer, e essa autoridade, sem motivo algum, por uma paranoia momentânea, uma crise de autoritarismo, porque talvez não tivesse ido com a sua cara, acusasse você de qualquer coisa, estupro, o roubo da semana passada, porte de drogas – de uma droga que a própria autoridade iria providenciar – e algemasse você, levasse você preso para ser exposto no jornal das oito, imagine isso, imagine o que aconteceria.

Imaginou, pensou na hipótese? Agora continuemos, o que você acha que aconteceria com você? Nada, continuaria preso, porque todo mundo, inclusive você, quando vê uma pessoa algemada na televisão, no jornal, nas redes sociais, não espera processo, não espera pronunciamento da justiça, e aponta logo o dedo: bandido, deve ficar preso.

Do jeito que a coisa anda, com todo mundo aplaudindo quando uma pessoa é presa, elogiando a justiça quando uma pessoa é encarcerada, mas xingando a mesma justiça quando uma pessoa é solta, em pouco tempo não vai mais sobrar ninguém para aplaudir, estaremos todos presos.

Essa necessidade de ver pessoas presas nasce sim do sentimento de impunidade, do sofrimento de qualquer um que já teve o celular roubado, que paga impostos altíssimos sem ver nenhum benefício, que vê o playboy passar em uma Mercedes sem nunca ter trabalhado, é um sentimento bem abstrato e amplo, um espectro que paira sobre toda a sociedade.

Uma sociedade sofrida que precisa ver pessoas sofrendo para amenizar o próprio sofrimento, independentemente de quem sofra. Não importa se a pessoa presa não foi a que furtou o meu celular, se alguém está algemado na televisão, se alguém está sofrendo porque cometeu um crime, que bom, alguém está pagando, alguém está sofrendo mais do que eu, um alívio. Nessa sociedade de troca, sempre quando alguém perde, a sensação dos outros é de ganho, uma imolação, como toda a imolação, para diminuir a dor geral.

Não é de se admirar o prestígio que goza a polícia nos dias de hoje, porque é ela quem normalmente prende. Todos querem ser polícia para prender também, Ministério Público e Judiciário prendem para aparecer bem para a opinião pública e assim ninguém falar de seus altos salários, auxílios, carros oficiais, etc. A prisão de qualquer pessoa causa um êxtase, é a catarse que possibilita tudo continuar como sempre foi.

O interessante é que o prestígio da polícia, como quase todo mal, só serve para os outros. Temos uma sociedade que não gosta de ir à delegacia, tem horror de ser intimada, implora para não ter que prestar testemunho e muitas vezes sequer faz um boletim de ocorrência quando é vítima de um crime, em suma, uma sociedade que não acredita na polícia para ela mesma.

Mas quando é o outro, uma outra pessoa, um desconhecido, que está na delegacia, preso, acusado de um crime, a polícia é o órgão mais capaz e imune a erros do mundo. A contradição é a imagem perfeita de uma sociedade individualista, egoísta, que sofre com essa dor tão dispersa, mas goza quando essa dor é individualizada em um desconhecido qualquer.

Prender é o verbo. Soltar a ofensa. E nessa fixação, morre a Justiça, que é diálogo, que é sempre a possibilidade, a prioridade mesmo, da liberdade. Doente uma sociedade que fica feliz quando ocorre uma prisão, que não passa da demonstração do seu próprio fracasso como sociedade humana.

Volto a me dirigir a você. Então, não importa se você é de direita ou de esquerda, prender e soltar já se misturou com o sentimento moral de todos nós, foi preso, é bandido. E chamar alguém de bandido é o sinal, a autorização para se tirar qualquer dignidade, qualquer aspecto de cidadania, daquela pessoa presa.

O limite da cidadania está nas correntes e naquelas pequenas argolas com fechaduras que se chamam algemas, esvaziando a política, submetida à polícia, e, quando você for preso, por qualquer motivo, não vai adiantar gritar por Justiça, pois a que temos, a justiça atual, já foi feita naquele exato momento das algemas, que terão algemado também a sua voz, a sua dignidade. Você não será mais você.

Luís Carlos Valois é Juiz de direito no Amazonas, mestre e doutor em direito penal e criminologia pela USP, pós-doutorando em criminologia em Hamburgo – Alemanha, membro da Associação de Juízes para Democracia e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

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