Arquivo da tag: civilização

Xenofilia

Existe um tipo insuportável e nojento de brasileiro: o expatriado pequeno burguês que fala mal do seu país e que trata seus compatriotas como incultos, ignorantes, atrasados e corruptos por natureza. Sofrem do que eu chamo de xenofilia, uma doença que os faz adorar o estrangeiro e tudo que nao é brasileiro. Acomete sujeitos com caráter soberbo e que se apoiam ideologicamente numa espécie de supremacismo, sintoma que é muito comum na parte mais branca e de ascendência europeia do sul do Brasil.

Este sujeito se manifesta em muitas frentes. Posta fotos de museus e bibliotecas na Europa, descreve os livros que está lendo, cita autores europeus e os vinhos que mais gosta. Ao mesmo tempo comenta a falta de livros nas prateleiras dos brasileiros e sua índole preguiçosa para a leitura. No subtexto está implícito: “Ok, sou brasileiro, mas não sou como como essa malta ignóbil que tem por lá”. Outra característica é desmerecer continuamente nossas músicas, nossa cultura, nossa arte e compará-la com as produções artísticas das nações imperialistas. Sempre olha para o Brasil como o atraso, a incompetência, a preguiça e o oportunismo. Por certo que é incapaz de mergulhar com profundidade na origem de tais diferenças, e recorre quase sempre às explicações superficiais, descrevendo a nossa “índole” como uma maldição que nos condena ao atraso.

Lembrou alguém? Sim, Macunaíma – O herói sem nenhum caráter, que o modernista Mário de Andrade (1893-1945) publicou em 1928, há quase um século, que para estes pseudo-europeus é a imagem mais fidedigna dos habitantes do nosso país. Estes “xenofílicos” também se enxergam no personagem da música “Partido Alto“, do Chico Buarque, quando dizem: “Deus é um cara gozador, adora brincadeira, pois prá me botar no mundo, tinha o mundo inteiro, mas achou muito engraçado me botar cabreiro, na barriga da miséria nasci brasileiro”. Ou seja, eles estavam designados, por sua essência nobre e distinta, a nascer entre as luzes da civilização europeia, mas por obra do azar, nasceram nesse país mestiço e atrasado, inculto e corrupto, onde se sentem deslocados por serem “orquídeas entre as macegas”.

Não tenho mais paciência com essa gente arrogante, chata e presunçosa. Sempre que eu escuto um brazuca branquinho que mora na Europa falando da “lógica tacanha dos brasileiros” nesse tipo de xenofilia típica da pequena burguesia brasileira, eu tenho vontade de xingar de forma muito mais explícita, em especial os sujeitos “nem-nem” que se posicionam “contra todos os radicalismos”, que é a forma como os burgueses se expressam por aí. Geralmente ao encontrar estes personagem eu lanço mão da ironia, mas meu desejo sincero era ser chulo. Todos nós deveríamos nos sentir ofendidos quando estas pessoas tratam os brasileiros como inferiores e primitivos e quando nos classificam como “um povo atrasado”. Ficar calado diante dessa estupidez me parece indecente.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Propaganda sionista

A propaganda de “lavagem cerebral” promovida pela máquina de propaganda sionista faz parte de uma antiga estratégia, concebida para manipular as emoções dos observadores pouco atentos. Esta proposta procura descrever Israel como um modelo de causas sociais – como os gays, as mulheres e a alimentação vegetariana – que tendem a ter mais apoio entre a população jovem no mundo desenvolvido. O objetivo evidente desta publicidade é fazer com que as pessoas se concentrem em como Israel é “bom” para sua população, para que estas imagens produzam uma cortina de fumaça sobre os massacres, o racismo, o genocídio, a limpeza étnica, as prisões, etc. Procuram fazer com que esqueçam (ou não percebam) que é este país foi construído sobre a desapropriação brutal e a opressão contínua dos palestinos.

Outra perspectiva é mostrar Israel como ocidental (como nós!!) e “civilizado” quando é comparado a “eles”, os malvados e atrasados árabes, o que justificaria toda essa a violência sobre eles cometida. Uma frase comum dos apoiadores de Israel ainda é “Uma Cidade na selva”, fazendo crer que Israel e sua população branca e europeia veio “trazer luz às trevas da barbárie”. Esta é uma adaptação da secular teoria da “missão civilizadora” pró-colonialista, que durante séculos justificou a invasão dos povos do sul global pelas nações imperialistas.

Lembro da cena de Pizarro chegando com seu pequeno exército e confrontando o chefe Inca Ataualpa. Nesse episódio, o frei Vicente de Valverde, que acompanhava o brutal conquistador espanhol, entregou nas mãos do chefe Inca um exemplar da Bíblia. Ataualpa, por jamais ter visto um livro em sua vida, jogou o exemplar longe, como se fosse um presente insignificante para ele, além de inútil. Ato contínuo, o padre voltou-se para Pizarro e afirmou: “Saiam, saiam Cristãos!! Invistam contra esses cães inimigos que rejeitam as coisas de Deus. O tirano jogou ao solo meu livro com as sagradas leis. Vocês não viram o que aconteceu? Por que continuar polidos e servis diante desse cachorro orgulhoso enquanto as planícies estão cheias de índios? Marchem contra ele, porque eu os absolvo!!” A partir de então começou uma batalha feroz entre os europeus – com cavalos, aço e cavalos – contra os índios que usavam leves armaduras de cobre e sem animais para compor uma cavalaria. Na carnificina que se seguiu mais de 7 mil indígenas morreram em poucas horas, e teriam sido mais não fosse o cair da noite. Todavia, como negar o direito “divino” daqueles que empunhavam o símbolo da cruz sobre a vida dos pobres selvagens?

Qual a diferença entre esta demonstração de arrogância (travestida de civilização) dos espanhóis em direção aos Incas e a forma como exaltamos a “diversidade” europeia que os israelenses apregoam? Em ambos os casos, estes valores foram usados para considerar os invadidos como populações “inferiores”, apenas por não usarem a mesma tábua de valores ocidentais que adotamos. Posteriormente essa diferença foi utilizada como justificativa para toda e qualquer barbárie, assassinato, confisco, roubo e genocídio. Afinal, matamos, torturamos, abusamos e exterminamos para salvar nossa cultura superior da ameaça dos “bárbaros”. “Marchem contra estes carnívoros e homofóbicos, porque eu os absolvo”.

A imagem mais propícia para esta propaganda, a qual resume essa mensagem tanto bizarra quanto falsa, é um casal gay fazendo uma refeição vegetariana. Os desavisados aceitam sem questionar, mas a cada dia que passa maior é o número daqueles que não aceitam mais a mentira sionista

Deixe um comentário

Arquivado em Palestina

Os Três Porquinhos

Quem nunca escutou durante a infância a história dos três porquinhos e suas casas de diferentes tipos? Estima-se que a primeira versão desta história infantil tenha surgido por volta dos século X e XI da nossa era. Sua autoria não é conhecida, mas sua origem é anglo-saxônica. Em 1383 foi feita uma adaptação de Os Três Porquinhos para teatro, e mais recentemente, em 1890, o conto foi popularizado depois de ter sido reescrito por Joseph Jacobs. Mas, qual o sentido último dessa história? Seria a fábula dos três porquinhos uma propaganda de materiais de construção ou uma simples leitura da história a partir dos modos de construir abrigos?

Não creio que a verdade esteja tão à superfície. A história dos três porquinhos é rica em simbolismos, e a interpretação que mais me atrai é uma que me foi contada por Robbie Davis-Floyd, antropóloga de nascimento e reprodução de Austin – Texas. Sua perspectiva nos fala dessa história multimilenar como se referindo ao processo de desenvolvimento da relação dos humanos com a natureza, na época em que houve a mais significativa revolução de nossa história, 100 séculos atrás. Não esqueçam que esta história é muito mais antiga do que a nossa memória é capaz de captar, e sua sobrevivência no “catálogo” de histórias contadas em tantas latitudes apenas nos comprova a força dos simbolismos que ela carrega.

O primeiro porquinho, aquele que constrói a casa de palha, representa nessa história os caçadores coletores, humanos primitivos que usavam a estratégia de sobrevivência mais longeva que a nossa espécie utilizou, dominante por 95% do tempo em que habitamos a Terra. Nossos ancestrais construíam casas de um material simples e frágil porque necessitavam de abrigo somente por um ou dois dias, o tempo para recuperar suas energias das longas caminhadas em busca de comida e proteção das intempéries. Como eram nômades, não havia porque criarem casas que seriam imediatamente abandonadas assim que ficassem escassas a caça e a coleta de frutos, folhas e raízes.

O segundo porquinho é o que constrói as casas de madeira, o pastoralista. Após a revolução do neolítico e ao adquirirmos a capacidade de domesticação de plantas e animais, o pastoralista (atual pecuarista) precisava de habitações sazonais, ou seja, casas de madeira que durassem por um tempo maior, o qual era determinado pelas estações do ano e pelas pastagens para alimentar seus rebanhos. A casa de madeira do segundo porquinho simboliza a morada temporária dos vaqueiros e pastores que viajavam muitos quilômetros para levar seus animais para locais distantes, mas que seriam demolidas tão logo fosse adequado voltar para casa. Pela sua alta mobilidade, os pastoralistas foram grandes impulsionadores da migração da espécie humana. Na Idade Média, Genghis Khan, já no século XIII, foi originalmente um pastor que se transformou em guerreiro porque esta atividade necessita de terras, propriedades, pastagens e, portanto, conquistas bélicas para se estabelecer. Suas conquistas levaram genes mongóis para boa parte do leste europeu.

Por último, o porquinho da casa de alvenaria representa a agricultura, o ponto principal da revolução do neolítico. Com a domesticação das espécies vegetais, e o controle da sua reprodução em benefício do homem, tornou-se mais vantajoso manter-se ao lado de sua plantação do que mover-se constantemente para colher espécies silvestres e nativas. Com a sedentarização e a fixação do homem na terra criou-se uma estrutura social absolutamente diferente da anterior, e por isso pode-se entender o surgimento da agricultura como uma verdadeira “revolução”- certamente a maior de todas em sua amplitude de consequências. Com ela veio a noção de posse, a divisão de trabalho e de poderes e o patriarcado, que cuidava das mulheres como “matrizes” e controlava a descendência. As relações econômicas estariam radicalmente modificadas para sempre através da emergência da agricultura e da criação de animais como processos econômicos, com evidentes consequências civilizatórias.

E o “Lobo Mau”, o que representa? Ora, ele é a representação das forças erráticas da natureza, contra quem o homem eternamente se digladia. É evidente que a história dos “Três Porquinhos” exalta as casas de alvenaria, mostrando que elas seriam as mais eficientes para derrotar o lobo mau. Desta forma coloca a agricultura como a mais elevada forma de relação com a Terra. Em verdade essa história tenta vender a vida “civilizada” e sedentária como sendo superior à vida total ou parcialmente nômade. Entretanto, esta opção nunca será unânime entre os civilizados, pois que todos nós, de uma forma mais ou menos intensa, nos ressentimos pela desconexão com a natureza que hoje temos, muito diferente da ligação que os modelos anteriores nos garantiam.

* Os nomes dos três porquinhos em português são Cícero, Heitor e Prático, por ordem de aparição (palha, madeira e tijolos). Já em uma versão em inglês eles são chamados pelos instrumentos que tocam “Fifer” (flautista), “Fidler” (rabeca) e …. “Practical” (prático), que não toca nenhum instrumento por usar a lógica e a razão para construir sua morada. Em outra versão, mais antiga, são chamados de “Browny”. “Whitey” e “Blacky”, mas hoje seria proibitivo usar cores para descrever os porquinhos. Também em versões antigas o inimigo dos porquinhos é uma raposa, e não um lobo.

Deixe um comentário

Arquivado em Causa Operária, Pensamentos

Mentiras

Já eu penso que a mentira é a essência da civilização. A vida sem mentiras seria insuportável, pois a mentira é o coração da linguagem. Sem a mentira seríamos bestas condenadas a viver eternamente na barbárie. A mentira precisa de todas as homenagens, pois que só ela garante nossa convivência. Convido a assistir “A Invenção da Mentira”, de Rick Gervais.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Homens

Homens foram ensinados a proteger as mulheres acima das próprias vidas, e essa é a verdadeira essência do modelo patriarcal. A expressão “Mulheres e crianças primeiro” não surgiu do nada, nao veio do vento, mas expressa um dos mais profundos valores da civilização. Ela significa que, no patriarcado, a vida das mulheres e das crianças será protegida acima de tudo pois são mais valiosas do que a dos homens, e a mais profunda obrigação masculina é proteger a ambos. Esse é um tipo de privilégio oferecido às mulheres que é difícil de reconhecer em uma sociedade que penaliza os homens unicamente pela sua condição masculina.

Isso não significa que o patriarcado seja belo, justo ou não contenha contradições, e por essas falhas deverá ser substituído. Entretanto, é absurdo imaginar que o que move esse modelo é o ódio dos homens pelas mulheres, ou o prazer em oprimi-las. Muitas ativistas identitárias ainda acreditam que o amor dos homens por elas é falso, interesseiro e seu único objetivo é explorar e objetificar as mulheres. Por outro lado, o amor das mulheres seria puro, angelical, desinteressado e respeitoso, o amor de Maria por Jesus. Ou seja, para estas ativistas as mulheres seriam moralmente superiores aos homens.

Sabem qual o nome disso? Sexismo, o mais abjeto dos preconceitos.

Para dar a verdadeira perspectiva do significado do homem na civilização eu convido estas meninas a subir no edifício mais alto de sua cidade, aquele que puder oferecer a vista mais ampla possível. Olhem lá de cima até conseguirem ver a linha do horizonte. Depois disso olhem os carros, as ruas, as roupas, as torres, os fios de luz, o telefone na mão das pessoas, as casas, as praças, as fábricas… tudo. Quando tiverem feito esse passeio visual pensem: tudo isso aqui, literalmente, sem tirar nada, foi construído por esses homens que são desprezados e chamados de “interesseiros” e abusadores. Toda obra humana, até onde nossa vista alcança, foi feita pela mão dos homens, e para eles devemos ser agradecidos.

Toda a civilização foi construída pelo gênio masculino, e muitos foram os homens que lutaram e morreram para construir este mundo que conhecemos, da mais simples choupana até uma estação espacial. E o fizeram para que suas mulheres e filhos tivessem uma vida mais digna, mais segura e mais livre. Esse desprezo pelos homens é o fator que mais atrasa as conquistas das mulheres, porque além de injusto é ingrato e violento. A plena emancipação das mulheres não vai se dar pela exclusão dos homens, muito menos usando desprezo e humilhação como estratégia.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

O Ocaso do Parto

* Fragmento da minha conversa com Edson Souza, após o encontro da Lillie Excellence em Delhi…*

Quando eu era estudante de medicina a realização de uma cesariana sem indicação era considerada “tarefa de preguiçoso” ou de quem não conhecia as “técnicas”. Durante a residência um professor (que hoje dá chilique quando houve o termo “violência obstétrica”) disse durante um encontro com os alunos que “um médico que faz uma cesariana nunca sai da sala com a cabeça baixa, mas o mesmo não se pode dizer de quem atende um parto normal”. Eu percebi nessa frase a ideia de que a “posição da cabeça” estava se tornando mais importante do que a arte e o cuidado na atenção ao parto. Os médicos estavam se tornando, de forma crescente, cada vez mais amedrontados com o nascimento, e as ações que eles conduziam eram moduladas por este sentimento, que assumia uma posição de destaque diante das decisões a tomar.

Hoje em dia são os parteiros remanescentes que precisam se explicar por suas escolhas, pois a opção pelo parto normal se tornou uma escolha esdrúxula. digo isso porque, sim, eu acredito na possibilidade de que o parto vaginal venha a ser exterminado e proscrito da experiência humana. Penso que poderá ocorrer que a cesariana, cada vez mais segura, passe a ser o mecanismo de escolha para todos os nascimentos. Não pensar nessa possibilidade é ignorar que não seria a primeira de nossas escolhas desastrosas na historia da medicina – até porque garantir à Medicina o controle sobre o parto normal foi, ao meu ver, a mais escandalosa de todas elas.

A questão é que o modelo de atenção ao parto no ocidente – isto é, nos países satélites da medicina tecnocrática do Império – é o mais insensato possível. Regido pelo signo do medo, através do paradigma tecnocrático e do imperativo tecnológico, ele é mantido na esperança de que os partos normais sejam paulatinamente desencorajados, abolindo a alternativa normal ou fisiológica, que ficaria restrita somente àqueles nascimentos acidentais, situações onde não haveria tempo suficiente para submeter as pacientes à intervenções e técnicas da medicina.

Hoje as pessoas que atendem o parto no Brasil são em sua maioria médicos, sujeitos treinados na lógica da intervenção, na utilização de ferramentas – drogas ou cirurgias – para atuar em processos desviantes e patológicos. Como poderíamos imaginar que, profissionais que recebem esse tipo de treinamento e incentivo econômico, pudessem se interessar pela atenção fisiológica e natural do parto? Por que deveriam os médicos se interessar por algo inscrito na memória celular das mulheres como parte de seu arsenal de respostas sexuais, se sua propensão é sempre usar sua arte para intervir, mudar rotas e transformar?

A ideia de oferecer a assistência ao parto normal e de risco habitual para cirurgiões é provavelmente a mais desastrosa escolha da história do cuidado à saúde. Todas as pesquisas apontam que as parteiras profissionais têm os melhores resultados quando a atenção às pacientes de baixo risco (risco habitual) é avaliada. Entregamos aos médicos uma tarefa que eles não gostam, não entendem, não são treinados suficientemente e cujas abordagens – psicológica, emocional, cultural, social, e espiritual – são historicamente negligenciadas pelas escolas médicas, que se preocupam na resolução de problemas e no tratamento de patologias, urgências e emergências.

Ao invés de oferecer à Medicina a patologia, ofertamos o poder de controlar todo o campo de atenção ao parto, obrigado estes profissionais a tratar a normalidade do nascimento, algo que lhes causa enfado ou rejeição. Não deveria surpreender a facilidade com que a atenção contemporânea ao parto transforma a maioria dos nascimento em eventos cirúrgicos, com acréscimo de intervenções, drogas, procedimentos em cascata e riscos aumentados.

A recente reafirmação do parto como “evento médico” e a liberdade cada vez maior por parte das mulheres para livremente escolher a via de parto – mas não o local de parto – sinaliza que a autonomia oferecida a elas só aumentará a aumentar quando estes desejos estiverem alinhados com os interesses dos médicos. O resultado inevitável é o aumento de cesarianas, cada vez menos partos vaginais atendidos, menor experiência dos jovens médicos (o que já se vê com partos gemelares e pélvicos), mais medo, mais insegurança e maior pressão para escolher o nascimento cirúrgico. Na medida em que os partos normais desaparecem, também a capacitação para a atenção ao parto se torna uma habilidade cada vez mais rara, relegada a poucos sonhadores e profissionais dedicados.

Talvez ocorra um tempo em que o parto não será mais do que a pálida lembrança de um tempo selvagem, que tomamos conhecimento através das gravuras estranhas em páginas da história da Medicina. Esse foi um tempo onde as crianças nasciam através das dores de suas mães, o parto ocorria pelo esforço delas e pela suplantação de suas dificuldades, medos e barreiras. Nessa época o entorno psíquico e emocional produzia o solo adequado para o florescimento da maternagem e dos processos de vinculação mãebebê. Talvez sejamos as últimas gerações nas quais o parto normal ainda é uma opção legítima. Se hoje a corporação médica persegue de forma odiosa as opções de onde nascer, talvez em breve médicos e parteiras sejam perseguidos por escolherem a via normal, então tornada criminosa e ilegal.

Que civilização desconectada com sua essência se tornará essa que estamos lentamente criando?

1 comentário

Arquivado em Ativismo, Causa Operária, Parto

Água e civilização

A MESOPOTÂMIA

Em função de uma característica peculiar – nosso cérebro avantajado – foi necessário ao ser humano desenvolver um sistema de arrefecimento de temperatura mais eficiente do que aqueles dos nossos primos que vivem nas selvas, os grandes pongídeos (gorilas, orangotangos, chimpanzés e gibões). Apesar de não pesar muito mais do que 1 kg nosso cérebro é responsável por 20% do calor produzido pelo corpo, e o sobreaquecimento do cérebro pode ocasionar lesões e perda de funcionamento, até mesmo coma e morte. Por esta razão o ser humano perdeu seus pelos para produzir um sistema mais rápido e eficaz de diminuição de temperatura: a transpiração. Esse mecanismo se produz através da perda de água pelas glândulas sudoríparas produzindo uma lâmina de umidade sobre a pele que, ao entrar em contato com o ar e evaporar, leva consigo água e calor, baixando a temperatura do corpo. Esse é um mecanismo muito mais eficiente do que aquele da imensa maioria dos mamíferos – como cães e primatas da selva – que o faz através da respiração. Mas essa modificação nos impôs uma séria restrição: a necessidade imperiosa de água para o funcionamento desse sistema.

Esse preâmbulo serve para mostrar que a espécie humana é extremamente dependente de água para o próprio funcionamento cerebral, pois que para produzir cérebros grandes era necessário um sistema que diminuísse sua temperatura com rapidez e eficiência. Em uma analogia moderna, para que o núcleo do computador seja rápido tornou-se necessário criar pequenos ventiladores para arrefecer sua temperatura, caso contrário…. “tela azul”, e o núcleo se apaga, como nosso cérebro. 

Por esta razão as civilizações se desenvolveram na proximidade de grande mananciais de água potável. O crescente fértil se situa entre dois rios muito importantes, o Tigre e o Eufrates, e pela sua abundância de água – portanto, de vida – tornou-se o local ideal para o início das primeiras civilizações. As cheias que ocasionalmente ocorriam nestes rios produziam a inundação das regiões próximas, levando lodo, umidade, nutrientes, microrganismos, espécies aquáticas e seus predadores, produzindo um “humus” extremamente poderoso para o crescimento da vegetação. Posteriormente, esse fluxo de nutrientes produziria solos ricos para a grande revolução que se aproximava: o surgimento da agricultura, a domesticação de espécies animais e vegetais, o sedentarismo e o sentimento de posse (animais, plantas, terra, matrizes).

Essa modificação radical na relação do homem com a natureza, chamada de Revolução do Neolítico, teve repercussões em todos os aspectos das sociedades humanas, levando ao que conhecemos hoje como sociedade patriarcal, onde não apenas as colheitas, os animais e as terras precisavam possuir um dono e serem por ele cuidados, mas também  as mulheres, matrizes, que por estarem fragilizadas pelas múltiplas gravidezes, amamentação e o cuidado com as crias precisavam ser protegidas pelos homens, que passaram a estabelecer sobre elas um domínio – até os limites da opressão – que se mantém até hoje.

Por certo é que o surgimento das primeiras civilizações nas regiões adjacentes ao Crescente fértil não foi um fato aleatório. A abundância de mananciais de água e as enchentes que traziam nutrientes para as regiões próximas aos rios fizeram desse um local extremamente propício para a grande aventura da agricultura e do sedentarismo que estava para se iniciar.

Deixe um comentário

Arquivado em Aulas

Condescendências

Quando vejo lideranças indígenas falando dos “brancos” penso que é tão errado e preconceituoso quanto dizer “os índios”. Pior, romantizar os indígenas é pura ingenuidade e essencialismo, que não resistem a 5 minutos de evidências. A ideia de que existe uma perspectiva de mundo essencialmente diferente entre os indígenas e os “brancos” não faz sentido. Os indígenas não “amam” a floresta como nós gostamos de pensar, apenas estão envoltos por ela e não possuem (como nós) as condições de destruí-la – ou modificá-la.

Tratar indígenas assim não ajuda suas causas. Nosso erro continua sendo estabelecer diferenças morais entre brancos, negros, indígenas, mulheres, homens, héteros e gays. Quando se examina sem preconceito vemos que em todos esses grupos existem virtudes celestiais e defeitos horrendos. Somos todos feitos da mesma massa bruta e nossas diferenças são meramente circunstanciais e contextuais.

Sabem quanto tempo por dia um indígena ou aborígene que vive em um sistema de “caça e coleta” trabalha em suas funções específicas, para produzir alimentos, moradia, proteção, etc?

Duas horas, em média, por dia. Exato, apenas duas horas de trabalho, porque o estilo de vida que está à sua disposição oferece de forma muito abundante os recursos necessários. O resto do tempo é usado para “curtir”, contar histórias, namorar, tomar banho no rio e contemplar. As populações pré agriculturais tinham este tipo de relação com a natureza e, portanto, não é a essência dos indígenas que os torna mais “respeitosos” com a natureza, mas a sua simplicidade cultural e sua forma de relação com o meio ambiente. Todavia, basta que achem uma garrafa vazia de Coca-Cola para que sua estrutura social se transforme completamente, e valores que sobreviveram por milênios sejam desafiados de forma marcante (aqui me refiro à brilhante comédia sul-africana dos anos 80 – “Os Deuses devem estar Loucos”).

Regredimos ao nos tornarmos “civilizados”? Bem, de uma específica perspectiva sim, em especial no que diz respeito à criminalização do lazer e do prazer, mas não se percebermos que este estilo de vida produz uma brutal dependência da natureza. Quando uma criança da comunidade vira comida de jacaré a gente começa a pensar um pouco mais sobre as vantagens da civilização e o quanto a aplicação de tecnologia pode ter seu valor. Uma proteção maior contra as fúrias naturais vai ocorrer na medida em que temos mais controle sobre a natureza e menos dependência de sua “bondade” para conosco. Com isso deixamos a posição de meros objetos da natureza e passamos a ser sujeitos dela. Mas, não há duvida de que a existência de agrupamentos nativos com uma estrutura social muito próxima dos caçadores coletores é uma excelente forma de analisar os (des)caminhos das civilizações contemporâneas.

Não esqueça dos “tigres de dentes de sabre”, que habitaram o continente americano (inclusive no Brasil) durante a pré-história, e desapareceram há cerca de 10 mil anos, mas que foram exterminados pelas populações NATIVAS, e não por exploradores brancos malvadões. O mesmo fenômeno nos fala Zizek a respeito dos búfalos americanos, e porque não seria igual com os “nativos” europeus e sua relação com os mamutes?

Por fim, “patronizing” é uma palavra de difícil tradução para o português, mas é a melhor palavra para explicar este fenômeno de tratar grupos oprimidos como se fossem moralmente superiores. Acho que a melhor tradução ainda é “condescendência”. Creio que sempre que temos este tipo de essencialismo condescendente com indígenas estaremos atrapalhando sua autonomia. O mesmo com outros grupos historicamente oprimidos, como mulheres, negros, imigrantes, gays, etc…

Abaixo a manifestação de Zizek sobre o tema…

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Muito Mais Agressividade

images-2

MMA não me parece esporte, por nenhum ângulo que eu procure observar. Para mim é apenas um processo contra-civilizatório típico da permissividade contemporânea de uma sociedade histérica. Não esqueçam que o boxe, com sua fidalguia, suas regras, luvas, protetores e protocolos foi exatamente o processo civilizador aplicado à pancadaria. Agora achamos que isso é bobagem e que o que vale mesmo é a carnificina, o sangue, a dor, o desmaio, a concussão cerebral, os narizes quebrados e as lesões cerebrais destrutivas e insidiosas. Sem capas, sem véus; a dor explícita e o sangue rubro, brilhante e verdadeiro jorrando na cara de uma turba ávida de violência explícita. Os gladiadores modernos entregando sua vida por instantes fugazes de glória encontram no caminho frustração, dor e martírio. Todavia, jamais perdem a esperança de vestir o cinturão cobiçado.

Para além das incapacitações permanentes não são poucos os casos de morte pela prática de esportes de luta. A regra é ficar no limite máximo do peso da categoria. Imediatamente após a pesagem volta-se a comer (e se come no máximo tolerável) o que causa a curiosa situação de que TODOS os lutadores estão fora do peso no dia da luta. Para uma boa ideia do absurdo desse sistema, vide aqui.

As injeções de diuréticos e as desidratações forçadas antes das lutas já mataram muitos lutadores. Isso lembra o filme “They shoot horses, don’t they?” e os bizarros concursos de dança nos anos 30, onde os casais dançavam sem parar até literalmente caírem de exaustão, pela oportunidade de ganhar um prêmio em dinheiro em uma época de profunda depressão econômica.  

Eles matam cavalos, não?

Deixe um comentário

Arquivado em Violência