Arquivo da tag: poder

Beleza e Poder

Virou uma espécie de mantra entre grupos identitários desmerecer a importância e o poder social da beleza. Desde o antigo “o que vale é a beleza interior”, passando por “beleza não põe a mesa” tendemos a desmerecer o juízo que as pessoas fazem do belo. Meu pai sempre me contava a história das suas observações na fila do banco quando, observando a reação das meninas do caixa, percebia a diferença de comportamento quando a pessoa a ser atendida era um homem bonito. Faziam isso de forma inconsciente, por certo, mas ficava evidente a diferença que as pessoas belas tinham nos prosaicos encontros cotidianos.

Pesquisas recentes indicam que a vida pode ser menos dura e mais lucrativa para pessoas mais atraentes. Segundo o economista especializado em mercado de trabalho Daniel Hamermesh, essas pessoas ganham em média US$ 237 mil (R$ 1,2 milhão) a mais ao longo da vida do que pessoas igualmente qualificadas, mas menos atraentes nos Estados Unidos. Elas também são mais propensas a serem promovidas no trabalho, negociar melhores empréstimos e atrair parceiros mais qualificados e bonitos.”

Inúmeros outros trabalhos demonstram a vantagem que as pessoas belas obtém nessa sociedade. Entretanto, existem indicadores indiretos da importância que essas questões têm nas sociedades humanas. O mercado da beleza feminina é um mercado vasto, abrangendo produtos, serviços e cirurgias estéticas, com um valor global estimado em US$ 430 bilhões (2,4 trilhões de reais). Em 2022, o Brasil faturou US$ 26,9 bilhões (150 bilhões de reais) neste mercado, ocupando a quarta posição mundial. O mercado de cirurgias estéticas, que é um dos segmentos mais lucrativos, cresceu para US$ 127,1 bilhões (711 bilhões de reais) em 2023. O mercado brasileiro de estética é considerado um dos maiores do mundo, movimenta R$ 48 bilhões anualmente e ocupa o terceiro lugar no ranking mundial.

Apenas como comparação, estão previstos R$ 226,4 bilhões para a educação e R$ 245,1 bilhões para a saúde pública. Desta forma podemos ver a importância que se dá à aparência e o valor que as sociedades dão a ela Com tanta atenção a esta faceta do sujeito – o aspecto externo – pode-se imaginar o poder que existe naqueles sujeitos belos e sedutores.

Também não é à toa que a mais épica das histórias antigas gira em torno do poder de uma bela mulher, capaz de produzir uma guerra de uma década entre duas cidades. Assim fez Helena, que pelo poder de sua beleza, levou gregos e troianos à guerra. Desta forma, é ingenuidade acreditar que a beleza, em especial a feminina, não seja uma força extremamente poderosa nas sociedades humanas, e não é por acaso que os homens de poder obsceno conquistam mulheres de beleza estonteante e hipnótica. Desconsiderar o valor da beleza na estruturação da humanidade é desmerecer a própria herança que recebemos dos mamíferos que nos cercam e nos antecederam.

Deixe um comentário

Arquivado em Causa Operária, Pensamentos

Romantismo tóxico

“Precisamos falar desse ‘romantismo tóxico’ que une homens mais velhos e meninas”.

Por que romantismo tóxico? Por que precisa ser isso o que une essas pessoas de idades díspares? Como afirmar que namorar alguém mais novo seja um pendor para a subjugar, e quando alguém muito mais novo entra neste tipo de relação há um desejo de ser oprimido?

As dinâmicas eróticas, afetivas e sexuais são únicas, subjetivas, pessoais e não há como saber o que realmente as conduz. Aliás, nem mesmo ao sujeito é dado saber, pois que as reais motivações para as escolhas amorosas estão escondidas no inconsciente. Entretanto, por que rotular a disparidade de idades como “tóxica”? E tóxica por parte de quem? Do sujeito mais velho e famoso que deseja rejuvenescer com um parceiro décadas mais novo? Ou do jovem desejando ascensão social e facilidades por meio da sensualidade de seu corpo atraente? Quem intoxica quem? Quem comanda ou detém o poder? O falo poderoso ou o corpo jovem e manipulador? Talvez, por que não, nenhum dos dois, se aceitarmos que estas relações também podem ser mediada por amor.

Por que é necessário achar que esse desnível de idade é tóxico? Olhe a experiência de outras mulheres, falando se suas experiências com homens mais velhos e mais jovens. Por que seria correto criminalizar relações que não se conformam à nossa visão específica de amor? Numa sociedade patriarcal, onde o poder está com os homens, é óbvio que ele será exercido nas relações afetivas. Entretanto, isto não é da essência dos homens, mas da essência do poder. Coloque o poder nas mãos das mulheres e o modelo se reproduz, como eu mostrei acima.

“Existem mulheres mais velhas que se envolvem com meninos, mas não é a norma, não é o mercado.”

Sim, não é o “mercado” porque poucas são as mulheres que ascendem a posições de poder. Entretanto, entre aquelas que atingem esta condição, seu valor social lhes oferece essa oportunidade. Repito: não é da essência dos homens e das mulheres, mas da essência do poder. Quem o detém (no patriarcado, majoritariamente os homens) terá a oportunidade de escolher seu parceiro mais belo e jovem, buscando nele a ilusão de eternidade.

Sabe o que me deixa triste? A ideia de que toda a relação de amor entre um homem mais velho e uma mulher mais jovem está regida pelo desejo de dominação, e que não passa de uma expressão machista de opressão. Mas, para aceitar isso, é necessário colocar as mulheres que se apaixonam por homens mais velhos como tolas, manipuláveis, ingênuas, frágeis ou submissas, quando a realidade nos mostra que, apesar da existência desse fenômeno, essa não é a totalidade e, penso eu, nem a maioria casos.

A emancipação das mulheres do jugo do patriarcado passa por reconhecer seus desejos e seu protagonismo nas escolhas amorosas, retirando-as da condição de objetos e alçando-as à posição de sujeitos de seu destino – inclusive no que diz respeito às suas escolhas eróticas. Acho curioso ver como algumas pessoas sabiam exatamente o que ocorria na cabeça daquela moça da foto, mas fazem isso julgando-a apenas pelos SEUS referenciais e experiências pessoais. Repito: se ainda existem elementos do patriarcado a modular estas relações, certamente que o mundo está em mudança, e não é justo acreditar que todas as relações construídas por esse modelo sejam fruto de estruturas opressivas ou masoquistas.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Miragem

Esta foto do Mark Zuckerberg e sua digníssima esposa fazendo uma trilha em Kauai’s Awaawapuhi foi apresentada em vários jornais do mundo todo alguns anos atrás. Ela se referia a uma viagem que ele fez com sua esposa Priscilla Chan e tem todas as características de propaganda. Todos aqueles que entendem de semiótica percebem de pronto como estas fotos são usadas com objetivos bem claros. Atentem para os detalhes constitutivos da foto: as roupas são simples, o boné básico, o programa (um passeio na montanha) é de gente comum que ama a natureza, o enquadramento é de quem está fazendo um programa de casal de classe média e a foto é de baixa qualidade, como se tivesse sido tirada por um velho celular da Motorola. Tudo nessa foto é feito para criar uma conexão de Mark & Priscilla com os bilhões de humanos que consomem seus produtos. Entretanto, tudo que há nessa imagem é pura miragem.

Essa foto diz tanto da humildade do dono do Facebook quanto aquelas outras fotos que ficaram famosas durante o governo Bolsonaro que mostravam o presidente devorando um pão com margarina no Palácio do Planalto ou comendo galinha feito um troglodita, todo lambuzado e sujo de farofa. São produções de pura propaganda, criadas para estabelecer empatia entre o povão (todos nós) e os megapoderosos, os donos do mundo, com a clara intenção de esfumaçar a realidade e nos fazer crer que eles são “gente como a gente”. Tentam criar uma imagem de simplicidade e frugalidade par0a pessoas que possuem somas obscenas de riqueza e poder.

Eles não são como nós; eles são políticos corruptos, empresários, herdeiros, gangsters ou donos dos meios de produção. São burgueses, no caso do dono do Facebook; são políticos fascistas, no caso do Bolsonaro e são empresários gananciosos no caso do véio da Havan ou do Leman. Eles não compartem o mesmo estrato social que nós; estão na cobertura de um edifício que não somos sequer autorizados a entrar. Somos proletários, trabalhadores, servidores públicos, profissionais liberais e pequenos comerciantes, mesmo que para alguns ainda sobre um pouco de renda, o que possibilita a compra de um carro ou da casa própria.

Acreditar nessas fantasias é fazer o jogo dos ricos, das elites financeiras e dos poderosos. Cabe a nós desenvolvermos o que estes personagens da burguesia já têm: consciência de classe. Eles sabem o quanto têm de poder e dinheiro; também sabem e exaltam o quanto são diferentes de nós em termos de posses, gostos, status e posição social. Enquanto isso, somos iludimos por artifícios de publicidade e, por falta de consciência, acabamos acreditando que somos semelhantes a eles.

Deixe um comentário

Arquivado em Causa Operária, Pensamentos

Misandria

Deveria o feminismo repetir os erros do machismo?

A imensa maioria dos homens daria a vida para proteger a vida de uma mulher, fosse ela sua esposa, mãe, filha ou mesmo uma desconhecida. É isso que nos demonstra a história da humanidade e nosso entorno. Sim, existem canalhas espancadores e abusadores, mas apenas uma parcela ínfima e insignificante de homens desprezaria os códigos masculinos e machucaria uma mulher. Ainda assim, existem aqueles que desejam acreditar que esta “franja maldita” de homens feridos seja o retrato da própria masculinidade.

Toda a civilização foi construída por homens objetivando proteger as mulheres e seus filhos. Olhem ao redor e vejam as maravilhas criadas pela engenhosidade masculina e observem como são usadas para o bem de todos, homens e mulheres. A frase “mulheres e crianças primeiro” deveria fazer soar um sino de alerta. Quem a disse, e repetiu por milênios, não o fez por amor às mulheres e seus significados no mundo? Se existem homens perversos e cruéis com as mulheres – por certo uma minoria – por que não haveria o mesmo número de mulheres a odiar, desprezar, torturar e desconsiderar os homens? Ou por acaso devemos acreditar que as mulheres são mais doces, amorosas, nobres e dignas que os homens? Seriam elas mais inteligentes? E se disséssemos isso de negros em relação aos brancos, não seria esse um preconceito malsão e inaceitável? Por que aceitamos para os gêneros o que repudiamos nas “raças”?

Mulheres e homens compartilham as mesmas virtudes morais e intelectuais, mas também as mesmas tragédias e dramas, determinados pela condição humana. Querer determinar um gênero mais inteligente, capaz ou honesto que outro – elementos da essência moral e intelectual da humanidade – é um erro grosseiro, que apenas estimula ódio e divisionismo. Quando esta divisão foi aplicada às raças produziu o holocausto, e hoje quando é usada para tratar um gênero como superior ao outro apenas atrasa as propostas de um entendimento mais equânime e justo.

Esse ódio aos homens precisa parar.

Maggie Maxwell Wilkinson, “The Spirit of Innovation”, Ed. Oxford Press, pág 135

Deixe um comentário

Arquivado em Citações

Domínios

Mais de uma vez escrevi sobre a questão dos “domínios” nos âmbitos familiares, que sempre me pareceram tão importante quanto o desejo real de participação. Mas num universo onde os homens são sempre culpados, como questionar este ponto importante? O caminho mais fácil é sempre o maniqueísmo…

A perspectiva contemporânea que aborda de forma mais equilibrada os espaços de conflito nas tarefas do lar é um sopro de frescor na aridez dos embates acusatórios. Ainda hoje reconheço como padrão a prática de acusar os homens de não participarem das tarefas domésticas e da educação dos filhos. Apesar de ser uma queixa verdadeira, ela deixa de apresentar outras facetas da realidade que são, via de regra, negligenciadas.

Uma das questões pouco abordadas é o que chamo de “domínios”. Eles se referem aos espaços de controle e saber reconhecidos, confinados a um gênero. É esse tipo de controle que faz muitos homens levantarem para ver um barulho estranho na porta dos fundos, abrirem o capô do carro para ver o defeito ou pegarem a chave do carro quando a família vai sair. O mesmo que faz as mulheres decidirem de forma autocrática a comida, as roupas e o tipo de educação dos filhos. São domínios culturalmente construídos dentro do patriarcado, mas que apenas enxergamos quando somos vítimas, não quando estamis na posição de opressores.

Muitos homens – e mulheres – se adaptam a essas construções milenares – por comodismo ou cansaço – mas muitos começam a questionar tais posições. Por que não posso (homem) arrumar – ou escolher – a roupa do meu filho? Por que não posso (mulher) dirigir o carro quando a família sai? Por que não posso (homem) decidir a comida que todos vamos comer? Por que não posso (mulher) trocar o pneu do carro ou fazer tarefas mais pesadas da casa?

Para haver equilíbrio é necessário que todos aceitem as mudanças e concordem com as inevitáveis concessões. Homens precisam ter o direito de participar dessas decisões sem o martírio das críticas e sem o peso do escárnio de suas companheiras que se sentem invadidas em seus domínios. As mulheres também precisam ter o direito de “invadir” as funções historicamente assumidas por homens sem sofrer com o deboche e o desprezo que estes oferecem como resposta ao que sentem como a tomada de um lugar cativo que lhes era destinado.

Os domínios antigos estão paulatinamente ruindo. Creio que o desmanche os limites pode ser celebrado como uma nova era de colaboração. Todavia, para que isso ocorra é preciso que a desconstrução de modelos ancestrais seja um exercício constante para os homens e também para as mulheres.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Horários e Poderes

Trabalhei por 30 anos com agenda para marcação de consultas, mas meus atendimentos eram marcados a cada hora cheia. Como sou homeopata e obstetra não acredito que um paciente possa ser atendido com cuidado e atenção para abordar a profunda complexidade e sutileza de suas queixas em menos de 60 minutos. Entretanto, eu sabia como era o funcionamento padrão dos consultórios médicos da minha cidade, em especial aqueles que atendem convênios: uma mistura de hora marcada com “walk in“.

Funcionava assim: os pacientes das 16:30 eram 3 ou 4; aquele que chegasse primeiro seria atendido com menos atraso. Muitas pacientes minhas que consultavam com esses colegas me contavam da surpresa que tinham quando a secretária perguntava “Paciente das 16:30?” e várias pessoas levantavam a mão.

Consultas médicas são muito mais do que aparentam ser. Para entender os mistérios intrincados desse encontro pessoal e único é importante entender que uma consulta com um profissional da medicina significa muitas coisas, desde um perdido de socorro, uma opinião técnica, um encontro místico, uma relação erotizada sobre o próprio corpo ou um simples ato burocrático de um “despachante médico” – para fazer perícia, pedir exames ou conseguir um atestado (frio ou não). Todavia, diante de qualquer dessas possibilidades uma consulta é, acima de tudo, uma relação de poder e subjugação.

Muitos médicos que conheço usavam de técnicas sofisticadas para expressar essa assimetria de poderes. A roupa, os estágios intermediários até chegar ao “Dr Fulano” (o porteiro, a secretária para a burocracia, a enfermeira para os sinais vitais, as vezes estudantes para tomar a história e por fim o “doutor”), os diplomas pendurados, o estetoscópio, o jaleco branquíssimo, a mesa separando os corpos, os livros na parede, a linguagem empolada e difícil, etc. Todos os detalhes servem para garantir e manifestar poder. São potentes armas semióticas de subjugação simbólica.

Entretanto a forma mais corriqueira de expressar a distância entre cuidador e paciente é deixar os pacientes esperando. Muitas vezes vi isso ser feito propositalmente; deixavam o paciente na sala de espera enquanto batiam papo ao telefone pois essa espera de alguns minutos determinava os valores dos tempos subjetivos e as respectivas hierarquias. “Você me espera pois eu tenho o poder do seu tempo em minhas mãos. Eu sou o doutor“.

Lembro que eu costumava almoçar com meu filho próximo (ao lado) do meu consultório e ele, com certa frequência, reclamava dos atrasos causados pelo papo que tínhamos na hora do descanso do meio dia. Dizia ele: “Olha aí pai, 14:05. O paciente já deve ter chegado!!!

Eu respondia um pouco surpreso, mas na defensiva: “Calma, são só 5 minutos!!!

Mas ele terminava a conversa com uma expressão claramente debochada e de reprovação: “Claro, o doutor vai chegar atrasado e deixar os pacientes esperando para mostrar quem é que manda…

Ele tinha razão…. não havia desculpa.

Deixe um comentário

Arquivado em Histórias Pessoais

Personagens de si mesmos

Lembrei hoje de um fato entre tantos de posturas preconceituosas e sexistas de professores de medicina. Este fato ocorreu há quase 40 anos durante um curso de verão na enfermaria de Medicina Interna do hospital universitário. O professor por certo já é falecido. Estávamos em um “round” debatendo casos da enfermaria quando o professor anunciou que precisaria se afastar por uma hora para acompanhar as entrevistas de seleção para os novos residentes do serviço.

Continuamos nas prescrições e questionamentos aos residentes (eu estava no 3o ano de medicina) até que o professor voltou da sua tarefa e perguntamos a ele como haviam sido as entrevistas. “Medianas“, respondeu com ar de enfado. “Nenhum candidato se sobressaiu. Todos ganharam notas médias, nada de mais”. Nesse momento ele parou por uns instantes sua fala e resolveu nos dar uma informação extra. “Só um deles recebeu de mim a nota zero”.  

Para os estudantes presentes essa poderia ser uma informação valiosa. Ficamos todos tentando imaginar o que levaria um professor a zerar a nota de um candidato na entrevista para uma vaga de residente em Medicina Interna. Talvez sabendo do erro cometido poderíamos evitá-lo quando nossa vez chegasse. Não me contive e perguntei ao professor a causa da nota baixa, sem me dar conta que a observação havia sido feita com o único propósito de firmar uma posição e expor um princípio.  

Ele desmunhecou“, disse ele, imitando o gesto afeminado com as mãos grossas, arrancando sorrisos acanhados dos estudantes e residentes presentes na sala. Eu não ri, e ele tomou minha seriedade como uma censura.  

“Eu não permitiria que um degenerado fosse residente nesse serviço”, disse ele visivelmente contrariado e me fuzilando com seus olhos azuis. “Tu gostarias que um sujeito como esse atendesse teu pai, tua mãe ou um irmão teu?”  

Não consegui responder, e minha apatia dói até hoje. Eu era um menino de 20 anos enfrentando, com o olhar parado e uma expressão atônita, um professor rico e famoso com idade para ser meu pai. Meu silêncio até hoje me incomoda, tantas vezes revi a cena e ensaiei respostas para o homem à minha frente. Mas naquele dia minha covardia e meu medo me venceram. Não consegui dizer do meu horror de imaginar um jovem médico sendo barrado no seu sonho apenas por sua orientação sexual.  

No ano seguinte um querido amigo homossexual foi selecionado para residência em pediatria naquele mesmo hospital e fiquei imaginando que sua entrada só ocorreu porque, durante a entrevista, teve que encenar, da forma mais cínica possível, um personagem que não despertasse desconfiança nos professores à sua frente.

1 comentário

Arquivado em Histórias Pessoais

Motocicletas

Sobre as motocicletas…  

Vamos esclarecer alguns pontos fundamentais: Qual relação com motocicletas NÃO é sexualizada? Em outras palavras: como colocar no meio das pernas um monstrengo metálico rígido e gigantesco e não sentir aquilo como sendo uma poderosa prótese fálica? Por que “quanto maior, melhor”? Por que tanto empenho em comprar um veículo responsável por grande parte das mortes no trânsito? Por que uma relação tão insensata entre custo e benefício?  

Só o sexo explica. A mesma explicação que eu imagino para espartilhos e saltos altos.  

“Vital e sua moto”. Por quê? Ora, por ser “vital” ter uma moto para conseguir “sucesso reprodutivo”.

Mas a minha tese é de que pela dinâmica adaptativa das espécies, possuir uma motocicleta tem um altíssimo fator positivo para conseguir se dar bem no sexo. Isto é: funciona, mesmo que incomode algumas vizinhas. O dia que não funcionar mais, desaparece.  

Aliás… eu acho engraçado mulheres usando próteses fálicas como motocicletas e guitarras. Veja bem, nada contra elas usarem pelos seus óbvios aspectos operacionais – deslocamento urbano ou música – mas pelas suas características simbólicas, ao meu ver, inquestionáveis. Percebam o jeito com que um “easy rider” trata sua moto mas olhem para as guitarras com a mesma atenção e perceberão a lascívia masturbatória que os guitarristas demonstram, em especial nas músicas juvenis como o rock.

As motos, em especial, se prestam para jovens (em busca de) e fulanos carecas de meia idade (na raspa do tacho da virilidade).  

Faz sentido?

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Tecnocracia

robo_humanoide

Muitos amigos – em especial os liberais de direita – apregoam que a administração pública seja entregue aos técnicos, pessoas que “conhecem profundamente seu trabalho”, seja ele a saúde, a administração, a defesa, a aviação, etc. Assim .. médicos para o Ministério da Saúde, banqueiros para a economia, administradores para a Fazenda, militares para a segurança, advogados para a justiça. Em outras palavras, “tecnocratas que não se deixam contaminar pelo cheiro do povo“. Viram que eu disse médicos? Porque não enfermeiros? Ora … porque na tecnocracia vale o poder e a visão que os poderosos desejam ver implementada.

Os que assim se posicionam pensam a coisa pública como sendo uma máquina que se pode ajustar, da mesma maneira com um mecânico arruma um automóvel. Esse é o erro típico da direita positivista e ingênua: a incapacidade de ver a sociedade como algo mais complexo do que uma máquina. Um estado, dos menores municípios aos conglomerados de países, é um organismo composto por seus inevitáveis choques e pressões, o que extrapola a simplicidade de um mecanismo sem vida. Um estado é um corpo animado, onde nós somos as células. O erro dos positivistas é imaginar haver uma forma “certa” de administrar e gerenciar estruturas complexas como os governos, como se fossem máquinas sem vida. Isso é impossível, em especial a tarefa de apaziguar seus infinitos conflitos.

Uma escolha política é apenas procurar alguém com a mesma visão política de quem chegou ao poder. Como, porque, onde e quanto investir em uma determinada pasta ou região. Isto é completamente diferente do conceito de CONCHAVO. Política nada mais é que a arte de gerir o bem comum. As escolhas precisam ser políticas nos altos escalões, podendo ser meramente técnicas nos baixos. Até um diretor de hospital precisa ser político, mas o chefe do bloco cirúrgico pode ser técnico. Afinal, ele apenas receberá as ordens e as cumprirá da melhor maneira possível.

Pobre do Brasil se for entregue aos “técnicos” e infeliz de qualquer país que despreze a política como comandante suprema das aspirações do seu povo.

Deixe um comentário

Arquivado em Política

Muro

Muro Berlim

Quando escrevo que percebe-se ao longe uma luz no fim do túnel sou – com frequência – metralhado virtualmente. Sei que é uma luzinha tênue, como uma lâmpada de árvore de Natal. Mesmo assim, algo aos poucos está acontecendo. A truculência típica da corporação está lentamente cedendo espaço para a aceitação de postulados mais modernos e alinhados aos direitos humanos reprodutivos e sexuais. Acredito que, com o tempo, os “caciques” fixados no biopoder e na manutenção de privilégios se sintam cada dia mais constrangidos e isolados.

Todavia, eu também acho difícil poder testemunhar uma verdadeira revolução no sentido da plena humanização do nascimento ainda em vida. Sei que as transformações que tratam de valores profundamente inseridos na rocha das culturas só produzem efeito após uma lenta erosão. Por outro lado, quando eu era residente no hospital escola da universidade no final dos anos 80, um colega me disse:

Ricardo, essa sua história de parto de cócoras, parto fisiológico, parto humanizado – apesar de estar absolutamente correta por qualquer ponto de vista – jamais vai “colar” pois está ligada ao poder. O poder é o motor do mundo e fazemos qualquer coisa para, depois de conquistado, mantê-lo conosco. E ninguém abre mão do poder sem luta ferrenha. Olhe ao redor e veja o mundo em que estamos. Os poderosos vencedores da segunda guerra mundial ergueram um muro separando a Alemanha há 40 anos que ainda está de pé. E eu te afirmo que ele jamais cairá“.

Nunca esqueci de suas palavras “proféticas”…

Deixe um comentário

Arquivado em Ativismo, Parto