Arquivo do mês: março 2022

Sonhos desmoronados

Há alguns anos acompanhei o sucesso meteórico dos garotos do MBL e me convenci que esse resultado era devido a algo eles tinham e que faltava à esquerda. Sim, sobrava eles uma atitude propositiva, nova e divertida, que prometia a quem se juntava a eles a possibilidade de entrar no mundo dos vencedores. Na esquerda eu via culpa, ressentimento, o estímulo aos cancelamentos, ódio aos opressores, censura e o moralismo identitário. Culpa cristã por todo o lado e um gozo vitimista. Era óbvio que esse jogo nós íamos perder.

Esses garotos neoliberais do MBL foram eleitos. Tiveram milhares de votos. Alguns ficaram ricos. A fábrica de fake news que eles possuíam era também uma engrenagem de engajamento midiático, o que levava ao culto de personalidades e dinheiro, bastante dinheiro.

Agora, o castelo de areia que eles construíram nos últimos 9 anos começa a desmoronar. Renan foi “dedurado” sobre o “tour de blonde” no leste europeu. Rolidei está isolado em São Paulo. Kim está envolvido no “caso Monark”. Alan dos Santos está foragido e Arthur “Mamãe Falei” esta soterrado pelo escândalo de suas gravações sobre as mulheres da Ucrânia, algo difícil de perdoar pela grosseria e insensibilidade. Não acredito que possa se recuperar. Todos eles agora estão envolvidos em pequenos e grandes escândalos.

O episódio lembrou um sistema de pirâmide. Durante algum tempo as pessoas se entusiasmam com as promessas e passam adiante o esquema. Num determinado momento as pessoas da ponta se dão conta do engodo em que foram envolvidas e pedem o resgate do seu dinheiro. Como o dinheiro já desapareceu, de uma hora para outra tudo desaba. O MBL era apenas essa proposta arrogante e vazia de conquistar as mentes com a ferramenta das mentiras e do neoliberalismo sem freios, mas não havia um real substrato que sustentasse tais propostas. Agora, tudo desabou.

Eu não gosto de linchamento midiáticos; eles me fazem muito mal. Quando Eduardo Cunha foi cassado eu estava num aeroporto na Escócia com meu filho e – apesar de Eduardo Cunha se tratar de um crápula – eu me senti mal com sua desgraça. Agora, procuro não me associar ao gozo da vingança contra esses garotos, mas não posso deixar de pensar que esse final era mais do que previsível.

Por outro lado, penso que fizemos algo de muito errado enquanto sociedade quando permitimos que um sujeito como Arthur tenha sido escolhido como representante por milhares de pessoas em seu estado. Nossa sociedade está doente e a emergência desses meninos do MBL no cenário nacional é um sintoma evidente dessa enfermidade. A falta de empatia diante de uma situação de guerra – onde impera o instinto de sobrevivência e a miséria humana transparece nos conflitos – é chocante e desumana.

Como é possível estar no meio de uma guerra e olhar para as pessoas de forma tão objetual?

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O Menino

Sim, eu tenho pena da desgraça destes personagens para quem um fosso enorme se abre sob os pés, de onde se podem ver as labaredas do Hades. Não me sinto bem associado à enorme energia destrutiva que se forma como resposta à condenação de seus atos. Talvez seja uma reminiscência de outras tantas fogueiras que presenciei, onde sempre imperam os sentimentos mais primitivos.

Esclareço apenas que sofrer por condescendência e empatia não significa aceitar ou concordar, muito menos absolver. Todavia, quando vejo o peso de tanto ressentimento acumulado recaindo sobre estas cabeças eu me associo à tragédia destes que caem. Digo também que olhar desta forma não é uma escolha racional, é um impulso. Também não significa que não devam pagar por seus delitos.

Existe uma circunstância que me é inevitável nestas passagens: eu sempre penso que poderia ser um filho meu. Tenho filhos da idade destes pobres personagens que agora se encaminham ao calvário. Mas já vi mães chorando no pronto-socorro a morte de seu filho bandido. Elas diziam “Ele sempre foi um bom menino. Foram as companhias e a maldita da droga”. Como não entender que, para uma mãe, este filho – por mais degenerado que seja – será sempre seu guri, que

“Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar”

Eu prefiro não cultuar o ódio por essas figuras, todas elas. Quando vejo se disseminar o gozo da vingança sinto um gosto de fel, que sempre me assusta e angustia.

Eu já fui alvo de ataques desse tipo, em especial na internet, por ter opiniões que ofendiam algumas pessoas. Vi gente fazendo discursos enormes carregados de ódio e que sequer me conheciam. Percebi que nestes momentos eu era colocado em um lugar e ocupava um posto. Não exatamente o que eu era, mas o que queriam que eu fosse. Nessa topografia eu podia ser atacado sem dó ou piedade. Eu era a “coisa” a ser destruída, e para isso não havia problema algum em me arrancar a humanidade.

A última vez que expressei meu sentimento com esses linchamentos fui vítima – que surpresa – de um pequeno linchamento por parte de uma antiga companheira. Defender que estas pessoas em desgraça sejam tratadas com alguma humanidade soa ofensivo para quem já sentiu algumas das dores que eles disseminam. Mas, para mim, passada a raiva inicial – quando me esforço por nada dizer – me assombra a imagem de um menino, sua face surpresa diante do mundo, suas dúvidas, seus projetos, suas paixões e seus sonhos. Ao lado dele um homem de túnica branca e barba sobre a pele escura, o dramaturgo cartaginês Publius Terentius Afer, o africano. Ele me olha e balbucia palavras que acompanho de memória. “Homo sum: humani nihil a me alienum puto”.

“Sou humano e nada do que é humano me é estranho”. Aquele menino poderia ser eu, se o meu caminho tivesse o mesmo rumo que o dele.

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Lillie Excellence

Muito maravilhoso participar de um painel no Dia Internacional da Mulher com ativistas dos direitos reprodutivos e sexuais de tantos países, em especial da Índia e do Irã, onde a cultura nos parece tão diferente. Entretanto, quando vemos a questão do parto e nascimento percebemos que temos problemas semelhantes na luta pela autonomia das mulheres.

Já dizia Max “O parto é um fenômeno da cultura que ocorre no corpo das mulheres”, mostrando que a nossa relação com o que nos cerca é dialética. “Não existe sujeito sem cultura e nem cultura sem sujeito”, diria o mestre de Freiburg, e desta forma o parto é o exato reflexo da cultura onde está inserido. Sociedades violentas vão produzir partos violentos, que estimularão o surgimento de adultos aptos para reproduzir esta violência. O contrário também é verdadeiro: uma cultura de paz e respeito com as mulheres produzirá uma sociedade que cultua seus laços de fraternidade.

Mudar o parto demanda, portanto, transformar o contexto onde ele se insere, mas que melhor maneira para começar essa tarefa senão trazendo mais bebês marcados pelo imprint da dignidade e da humanidade resgatadas? Mudando o parto, mudamos a humanidade, e uma humanidade transformada trará a autonomia e a dignidade para cada nascimento.

Thanks for all my friends in the world conneccted by the passion for birth.

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De novo o imperialismo…

An American cartoonist in 1888 depicted John Bull (England) as the octopus of imperialism, grabbing land on every continent.

Sem querer ser ofensivo….

De onde a esquerda liberal tirou a ideia de “Imperialismo russo”? As repúblicas TODAS da URSS se desmembraram sem disparar um tiro sequer quando ocorreu a queda da União Soviética. Que imperialismo é tão mansinho assim? Pergunta se o Havaí ou Porto Rico poderiam fazer o mesmo, caso seus movimentos separatistas tomassem corpo. Que imperialismo é esse que nunca invade ninguém desde os anos 50 na guerra fria, e por razões meramente de política local? Que expansionismo russo é esse? Pois parece o dinheiro “roubado pelo Lula” que não aparece em lugar nenhum…

Que imperialismo é esse sem domínio econômico, político, cultural e militar e que não tem NENHUMA influência econômica fora do raio de ação dos seus vizinhos (como o Brasil ou Argentina). Está no DNA dos russos a ideia de que o Ocidente vai invadir, e eles sabem que precisam eternamente se defender. Foi assim com Napoleão, depois na guerra civil e por fim com o Führer. Em todas o povo russo unido se defendeu. Eles sabem que qualquer desatenção pode ser a última. Não consigo entender como esse mito proliferou, em especial na esquerda liberal…

Como disse bem Mário Berlese:

“Não se pode usar aleatoriamente a definição de “imperialismo” através de um arsenal de senso comum sem ter a mínima noção do conceito. Em primeiro lugar, a “anexação territorial” não é um elemento definidor do conceito de imperialismo, mas um fator de conjuntura específica, quando países de economias monopolistas altamente desenvolvidas entram em choque por áreas de influência. O que nem de longe pode ser considerado o caso da Rússia. A ideia central que Lênin expõe em “Imperialismo, fase superior do capitalismo” é que um país só pode ser considerado imperialista se sua economia for desenvolvida a tal ponto que sua espinha dorsal será sustentada pela exportação monopolista de capital financeiro, tendo em vista que o alto desenvolvimento de seu capital interno concentrado não mais o permite crescer dentro dos seus limites territoriais, o que força tais países a se lançarem desenfreadamente à imposição predatória e parasitária contra países de economias atrasadas. O que, definitivamente, está MUITO LONGE de ser o caso da Rússia. A guerra da Rússia contra a Ucrânia não tem rigorosamente nada a ver com o expansionismo do capital financeiro, pois economia do russa é subdesenvolvida, seu sistema especulativo é atrasado e sua base de sustentação é o extrativismo – o que é uma característica típica de países retardatários, explorados pelo imperialismo. Ao contrário dos Estados Unidos, Inglaterra e França, a Rússia não possui nenhum tipo de relação colonial contra nenhum país do mundo. “Rússia imperialista” é a terra plana do marxismo. Ninguém leva a sério.”

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Que esquerda é essa?

A “esquerda” brasileira tem algumas figuras patéticas que insistem na tese do “nem-nem” e na ideia de que a Guerra na Ucrânia é um choque entre “imperialismos”. Eu pergunto: até quando vão insistir nessa loucura do “imperialismo russo”????

Respondam aí com sinceridade….

* Qual a série russa vocês tem acompanhado no Netflix?
* Qual a cotação do rublo hoje?
* Você sabem onde tem cursinho de língua russa?
* Qual o tênis russo vocês curtem?
* Que filme russo vocês assistiram esse ano?
* Qual carro russo vocês gostariam de ter?

* Qual a expressão usada por nós no cotidiano deriva do idioma russo, brother?

Imperialismo significa dominação GLOBAL econômica, política, militar e cultural. A Federação Russa não tem nenhuma dessas condições. “Imperialismo russo” não passa de uma narrativa imperialista criada para relativizar a barbárie do Império americano. A Rússia é uma grande Venezuela altamente militarizada, vive de commodities – em especial fósseis, como Petróleo e gás – e tem um PIB menor que o do Brasil. Sim, a Rússia é mais pobre que o nosso país.

Essa história de imperialismo russo é apenas absurda. Ver gente de esquerda reproduzindo a narrativa de uma Rússia expansionista, que deseja recriar a grande “União Soviética”, é apenas ridículo. Mais uma farsa criada pela fábrica de fake news da mídia corporativa

A maioria das pessoas que apoiam o comediante ucraniano e exaltam a “bravura da resistência” – o que, em última análise, exalta um governo nazista na Ucrânia e desmerece a vida de 12 mil russos étnicos mortos até agora pelas milícias no Dombass – se considera de esquerda. Essa é a maior tragédia para o nosso campo, sem desconsiderar o horror e as mortes de uma guerra, por certo.

Ver uma parte da esquerda brasileira parear-se com nazistas, milicianos, anticomunistas e assassinos comuns é o pior que poderíamos assistir aqui. Sem uma visão do contexto geopolítico, e sem abandonar esse anticomunismo infantil, a esquerda brasileira continua a ser esse puxadinho identitário e liberal da direita.

Esses textos que celebram Zelensky e atacam Putin e a Rússia refletem uma perspectiva política reacionária, e poderiam ser usados como libelo para a criação de uma frente neonazi no Brasil.

PS: Jesus tá vendo esse apoio ao nazis e ao Batalhão de Azov. Depois não adianta fazer beicinho quando São Pedro disser que seu nome não está na lista…

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Idiomas distintos

Os médicos que ultimamente discursam contra o uso do termo “violência obstétrica” tem argumentos que eu consigo entender perfeitamente. Convido a uma reflexão.

Imagine que você passa 30, 40 anos trabalhando apenas em hospitais, atendendo bebês que não conseguem nascer de parto normal, tratando diabéticas, aprendendo sobre as drogas a usar, cuidando de hipertensas, gestações ameaçadas pela pré-eclâmpsia, analisando o melhor momento para intervir, operar, retirar um bebê pela via cirúrgica, depois costurar e aguardar a cicatrização adequada da ferida operatória. E fazer tudo isso com genuíno interesse de cuidar, muitas vezes conseguindo até salvar as vidas em risco.

Não apenas isso, mas há que contabilizar anos de dedicação, aulas na faculdade, provas, estágio, residência. Plantões intermináveis, noites mal dormidas, dedicação absoluta, pagamento escasso, crises familiares, angústia, medo, filhos sem pai ou mãe no aniversário. Estresse.

E aí aparece um monte de mulheres furiosas dizendo que o que você faz é violência obstétrica, como se tudo o que é feito pela medicina fosse carregado de egoísmo e maldade. Como se as ações realizadas não passassem de agressões dissimuladas, e igualmente destrutivas. E as vidas salvas? E os bebês resgatados de uma morte certa? E as mães que sucumbiriam sem esta ajuda?

Tente se colocar dentro dos sapatos dos médicos e andar mil km com deles. Só então poderá entender esta indignação.

Não há como negar esta perspectiva e não é necessário, da mesma forma, pintar os profissionais que atendem parto como seres cruéis e insensíveis. A questão não é moral, é sensorial e sistêmica.

A verdade é que estes velhos obstetras, apesar da idade, jamais se permitiram tocar por um nascimento fora do universo conceitual da biomedicina ocidental. É o único paradigma que lhes foi permitido conhecer. Para eles, parto e nascimento se esgotam no conhecimento técnico, focado na patologia, na figura do profissional médico e encerrado dentro dos hospitais. Carecem eles de uma perspectiva mais sensível e emocional, social e espiritual, psicológica e humana, elementos que compõe a complexidade desse evento. Essa perspectiva complexa e abrangente não é oferecida na escola de Medicina porque se contrapõe à ordem da obstetrícia, a qual se estabelece a partir da defectividade essencial feminina e do imperativo tecnocrático.

Em verdade as pessoas continuam cometendo equívocos mesmo depois de saberem que estão erradas ou ultrapassadas, pois as forças inconscientes que mantém estas condutas são mais fortes do que aquelas que as impelem à mudança. Só a dor produz transformação. Por outro lado, é preciso entender e acolher. Em verdade, creio que fazendo nós mesmos o que exigimos deles será o melhor caminho. Porém, lembre que “entender” não significa “aceitar” ou “concordar”.

Por certo que existe sentido em responsabilizar a Universidade, mas sejamos sinceros; os alunos repetem e incorporam como rotina o que escutam nas aulas ou que observam de seus referenciais profissionais? No meu tempo (espero que seja diferente hoje) os professores davam aulas (via de regra muito ruins) sobre fisiologia de parto e depois traziam pacientes particulares para serem operadas sem qualquer justificativa médica em hospitais públicos no plantão do hospital escola em que fazíamos residência. Todos nós sabíamos que os consultórios privados deles eram uma fábrica de cesarianas. Alguns davam aula e sequer trabalhavam com obstetrícia, mas aceitavam cesarianas com “hora marcada”.

Os alunos aprendem, acima de tudo, pelo exemplo!!! Alguns contratados da residência respondiam com risadas ao comentarem sua prática e diziam de forma cínica “lá fora o mundo não é acadêmico”. Esse exemplo entra direto no coração dos alunos: lutar pelo parto normal é “academicismo”; o mundo real é diferente do que se escuta em aula.

Sei que existem profissionais de qualidade hoje em dia, mas a realidade dos abusos, das múltiplas violências e da epidemia de cesarianas não pode ser encarada como ocasional. Ela é fabricada coletivamente pela cultura, e executada pelos profissionais. Pacientes envolvidos em medo e desinformação produzem médicos amedrontados e que apostam nessa mesma desinformação como forma de proteção. Um círculo vicioso que só se quebra com ação política e informação.

Há muitos anos que não me deixo seduzir pela ilusão de que é possível educar médicos para que tenham uma prática mais baseada em evidências no que diz respeito à obstetrícia. Não há como treinar profissionais durante 9 anos pela ideologia da intervenção e depois solicitar que sua prática se contraponha a isso. Todavia, eu cobro dos médicos pela situação absurda que vivemos, em função de sua posição de autoridade e pelo conhecimento que deveriam ter. Deveria partir dos médicos a reflexão necessária, mas o que fazem? Montam seminários pomposos para combater o termo “violência obstétrica”, ao invés de aceitar as críticas, reconhecer os desvios e lutar por uma reforma obstétrica – a exemplo do que ocorreu com a psiquiatria.

Para estes velhos médicos é incompreensível o que escutam das mulheres, porque jamais conseguiram entender o parto por um viés diferente do que receberam. Trata-se de um debate “lost in translation”; as mulheres exigem ser tratadas como sujeitos e protagonistas de seu destino, mas falam em um idioma que eles não entendem. Para entender essa língua estranha é preciso olhar com outros olhos, mudar a perspectiva, e com isso desafiar todo o seu conhecimento. Esta mudança de postura, desenvolvendo uma forma desafiante de sentir o parto, demanda coragem.

E isso também não se aprende na escola.

A revolução do parto, portanto, não virá de uma melhor compreensão dos médicos sobre o processo de nascimento, e nem de uma obediência rígida aos avanços da ciência por parte deles, no que tange ao respeito à fisiologia do parto. Não, a transformação virá da união da sociedade civil exigindo que a atenção ao parto seja conduzida da melhor forma e pelos melhores profissionais; será, sem dúvida, pela luta das mulheres.

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Webinário

LANÇAMENTO DE CURSO

Todos os dias vejo o anúncio de novos gurus da internet dando cursos de qualquer coisa. De “como ganhar dinheiro sem fazer força” até “salgadinhos deliciosos gluten-free”. Pensei se poderia ser possível eu entrar nesse mercado promissor dando aulas pelo YouTube sobre algo que conheço bastante. Existe muita gente jovem e bonita oferecendo estes seminários, mas ainda acho que algumas pessoas se interessariam por um coroa falando de um assunto magnetizante. Aí lembrei que tem uma coisa que eu sou (reconhecidamente) MUITO bom:

Sim, lavar a louça

Achou estranho? Pois alguns dirão que é fácil, tranquilo, não precisa prática e nem habilidades especiais. “A inveja é uma merda”, eu sei. Pois eu respondo que qualquer um constrói um abrigo, mas precisa ser mestre para construir uma casa. Você pode passar a vida inteira lavando a louça como qualquer um, mas agora tem a oportunidade começar a fazê-lo com qualidade e de maneira otimizada.

Elaborei um seminário composto de 5 aulas com dicas e truques para a lavar louça com o máximo de eficiência e o mínimo de esforço, com economia de água e ajudando o meio ambiente.

Abaixo apresento a ementa do curso:

*Aula 1*
– Pré socráticos e a busca da essência da limpeza,
– Platão e mito do sabão,
– Aristóteles “sobre os restos”.
– Kant e a teoria da suficiência,
– Freud e a função paterna nas tarefas infantis,
– Limpeza e modernidade em Derrida.

*Aula 2*
– Sujeira – conceito,
– Iniciando a limpeza pesada,
– Escolha de saponáceos,
– Barra ou líquido? (sob a perspectiva de Bauman),
– Bombril e palha de aço – ainda fazem sentido?,
– Ariação – história, conceitos, perspectivas.

*Aula 3*
– Ordenação e organização da pia – a pré limpeza,
– “Método Ric J” de ordenação de objetos sujos,
– Panelas e pratos (rasos e fundos),
– Métodos de esfregação:
* circular de Ritgen,
* elíptico de Trusseau ou
* ziguezague de Patulle
– Talheres – esfregação vertical ou lateral?,
– Conchas, espátulas, seguradores – como limpar?,
– Pia, sabão, facas e copos – princípios de segurança,
– Esponjas I – quando usar a face verde.

*Aula 4*
– Sabões – química da saponificação,
– História: Sapólio Radium – apogeu e queda,
– Sabão em barra – uma epopeia de sucesso?,
– Detergente líquido – uma metáfora contemporânea?,
– Espuma – prós e contras,
– Enxágue simples e combinado,
– O problema da água,
– Esponjas II – quando usar a face amarela.

*Aula 5*
– Armazenagem posterior vertical
– Armazenagem posterior horizontal
– Secagem imediata x secagem natural (aeração)
– Arrumação imediata e posterior
– Panos de prato – sim ou com certeza?
– Ética – quanto cobrar? Por quê?
– O mito da pia limpa.

Bônus para assinantes: como trocar o vídeo do YouTube ou a música do Spotify com a mão molhada e ensaboada sem danificar o smartphone.

Serão fornecidos certificados
Investimento: 500 reais

Aproveita e dá um like, aperta no sininho para ser avisado de novos conteúdos, compartilha e comenta aqui em baixo, beleza?

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Stand up

Como é “Stand up” no Brasil: o cara pega uma vítima da plateia, pergunta a profissão, o nome e fica debochando do sujeito. Da roupa, da namorada ao lado, do seu ofício, se ele é gordo, se ele é careca, etc. As pessoas submetidas a este tipo de “brincadeira” são constrangidas a rir, sob pena de serem consideradas “mal humoradas”.

É o humor do bullying, do deboche, da humilhação. Para mim isso demonstra falta de texto, de criatividade e de qualidade. Quando eu vejo que o show apela para este tipo de estratégia eu simplesmente desligo ou paro de assistir.

Sofro muito com essas vergonhas alheias. Sim, eu sou mal humorado, mas quando a risada vira obrigação e produz humilhação e dor é porque há muito deixou de ser humor.

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Menas patrulha…

Existe algo recorrente na Internet, desde que a escrita se popularizou nas mídias sociais, que é a crítica – mordaz e preconceituosa – com os erros cometidos por quem se expressa em português. Hoje mesmo uma senhora perguntava “Por que está geração tem tanta dificuldade de se expressar em português?” criticando as falhas gramaticais das mensagens recebidas em um debate.

Bem, em verdade eu creio que as pessoas não tem dificuldade para se expressar em língua portuguesa, tanto é que não é difícil – via de regra – entender o que está escrito. O que as pessoas não conseguem – ou não desejam – é se expressar através daquilo que denominamos “norma culta”, o português “clássico”, que adota a rigidez das construções gramaticais e ortográficas e obedece as suas regras de concordância verbal e nominal. A questão é que, escrever de forma “não culta” não é “errado”, pois este é um conceito equivocado quando tratamos de organismos vivos e mutantes – como as línguas. Veja, não seria justo dizer que “uma cobra é um animal errado por não ter pernas”, porque apesar de não ter pernas as cobras são adaptadas perfeitamente ao seu meio ambiente. E essa adaptação é o que conta…

Desta forma, ao falar ou escrever não existe “erro”, mas pode existir “inadequação”, pois este conceito tem a ver com os contextos e as circunstâncias. Como exemplo, não cabe escrever em uma dissertação de mestrado “quando tu vim aqui“, mas é aceitável falar assim em uma conversa de boteco. O sentido da língua é a conexão entre os sujeitos, que precisa de um mensageiro (quem fala), um receptor (quem ouve ou lê) e um meio comum a ambos (o idioma). Se estas etapas são respeitadas a vinculação à norma culta é secundária, e por vezes desnecessária.

A questão é que esta adesão à linguagem mais sofisticada produz a exposição da divisão de classes. Se você falar “a gente fomos na praia” fica evidente que sua classe social é mais baixa e é exatamente isso que produz rejeição, e não o bom ou mau uso da língua. O modo como falamos funciona como os dentes incisivos: se você não os têm demonstra onde se situa na hierarquia das castas sociais; se você não fala como a burguesia expõe a todos que não se insere nela, e está relacionado(a) ao proletariado.

Na internet esta correção ostensiva da forma de escrever é reservada aos “grammar nazis”. Se querem um conselho, não se juntem a eles. Não é um lugar legal.

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O Pote Cheio

O futebol não ocorre num vácuo social e não pode ser isolado do circuito simbólico onde está inserido. A violência nos estádios é a encenação desta cultura, assim como as lutas de gladiadores eram para a sociedade romana. Como válvula de escape das frustrações, ele será um dos primeiros sinalizadores de situações limítrofes. O futebol é depositário e disseminador dos valores culturais, mas também da nossa neurose social.

Os surtos de violência de torcedores que agora ocorrem em vários pontos do país são reflexos de uma conjuntura social que está doente. Entender estas manifestações como “fatos isolados” é ignorar o grande contexto e perder de vista que, o que vemos agora, é tão somente a manifestação local de uma enfermidade sistêmica que se abate sobre toda a sociedade.

Claro, a imprensa agora bate na tecla da necessidade de “punição exemplar” aos criminosos, sem perceber que, sem tratar a doença de base, este fenômeno tende a se repetir. Os que hoje agridem e apedrejam são aqueles sujeitos que depositam no futebol as suas frustrações e martírios, transformando o time adversário nos representantes de suas mazelas pessoais cotidianas. As manifestações violentas que agora vem à tona nada mais são do que o espelho de uma sociedade no seu limite, a água que transborda pela última gota que cai sobre um pote cheio.

Não é o futebol que se enfermou, somos todos nós…

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