Pelé, Rei do Futebol, magia nos pés, Imperador de ébano, orgulho da raça, maior esportista do século XX, homem negro, pobre, periférico, humilde, garoto de 3 Corações que levou o nome do Brasil para além de todas as fronteiras….
… mas eu entendo a dor de quem não suporta ter um herói negão.
Estamos próximos de perder Pelé mas é inacreditável a quantidade de comentários racista contra ele, inclusive análises morais fajutas baseadas neste tipo especial de racismo escamoteado e envergonhado. Existe uma horda de racistinhas identitárias e ferozes que contaminam a internet iludindo a todos e a si mesmas de que são progressistas e de esquerda, quando não passam de sexistas e reacionárias, fazendop o trabalho sujo da direita internacional de dividir a organização do trabalhadores e destruir os símbolos e heróis nacionais. Um exemplo diasso é o que circula entre muita gente – infelizmente também da esquerda – a imagem dos familiares do Pelé reunidos no hospital para oferecer o suporte afetivo para ele, que se aproxima de seu desencarne. A legenda diz que “os herdeiros de Pelé aguardam sua recuperação”, de forma irônica, dando a entender que eles apenas desejam sua morte, ansiosos pela partilha dos bens do Rei do Futebol.
Penso que deveria ser justo anotarmos os nomes de todos que divulgam essa crueldade para publicar algo semelhante quando for sua hora de partir. Acreditar que os filhos, netos e noras dele estão angustiados apenas por dinheiro, como urubus aguardando o último suspiro do seu almoço, diz mais de quem divulga essa crueldade do que da própria vida do Pelé. Não esqueçam as lições duras que surgiram dessa última eleição: a esquerda também tem seu gado e ninguém deixa de lado seus preconceitos – em especial seu racismo – apenas por declarar voto em Lula.
Existe um caloroso debate acerca dos fatos acerca da vida de Jesus de Nazaré, isso porque os indícios de sua existência real não são conclusivos e não conseguem convencer os estudiosos mais céticos. Presume-se, entretanto, que esse personagem foi apenas um entre mais de 400 conhecidos e autoproclamados “Messias” da Palestina no período de dominação de Roma, cujo objetivo principal era tão somente libertar o povo miserável da Palestina do jugo do Império. Todos eles, inclusive o filho de José e Maria, falharam de forma inquestionável e foram sacrificados por seus dominadores. Jesus sequer foi o mais importante em sua época; como diz Reza Aslan, autor do livro “Zelota” que busca analisar os passos deste galileu que teria vivido entre nós há cerca de 20 séculos, “tivéssemos jornais diários naquela época é bem possível que sua execução ocupasse tão somente uma pequena nota no pé da página policial“.
Por outro lado, sabemos bastante sobre o Jesus mítico, por certo, mas ao analisarmos sua existência através dos textos bíblicos é possível encontrar em sua trajetória uma variada compilação das crenças da sua época, uma mistura rica de tradições de várias partes do mundo antigo, desde tradições egípcias, gregas e romanas até persas e babilônicas. Do ponto de vista histórico o Jesus “homem” é uma curiosidade que dura quase 2 mil anos, mas o filho de Deus foi uma criação coletiva que se adaptou às necessidades humanas do tempo em que foi forjada.
Minha percepção é que o “Jesus histórico” realmente existiu e era o que se pode chamar hoje de um reformista do judaísmo, alguém que desejava a transformação da religião judaica por dentro, um judeu falando das crenças judaicas exclusivamente para judeus, visto que Jesus nunca se referiu a outro povo que não o seu durante toda a sua vida. A ideia de levar sua mensagem aos gentios nunca foi dele, mas de seu seguidor Paulo de Tarso. Assim, o cristianismo tal qual o conhecemos, é uma mistura do apóstolo visionário Paulo com a incorporação desta religião pelo Império Romano do Oriente, através de Constantino, mas quase nada tem a ver com o revolucionário libertador que porventura tenha caminhado pela Palestina.
Inobstante os acalorados debates sobre a figura de Jesus, muito mais importante do que a descoberta desse sujeito que perambulou pela aridez Palestina há 2000 anos é a sua mensagem. Para um observador isento de preconceitos, é fácil perceber que as histórias da Bíblia precisam ser entendidas através de uma exegese profunda e sofisticada, olhando para os fatos narrados como ensinamentos e metáforas que carregam valores e ideias, e não como a descrição factual de acontecimentos. Essa é a essência dos livros “sagrados”, e por isso eles sobrevivem por milênios. Desta forma, o que se encontra na Bíblia, no Corão e no Bhagavad Gita não pode ser alvo de uma leitura histórica, fundamentalista e literal – pois isso seria uma perversão do sentido original de sua escrita – mas de um mergulho profundo nos valores e signos de sua época, para que possa ser entendido em seu contexto e significado profundos.
É por isso que durante minha vida inteira sempre tive um dúvida sincera: será que o Papa ou membros dos altos círculos da Igreja acreditam mesmo nesses milagres descritos no velho e novo testamentos, na multiplicação de tilápias, na transformação de água em vinho, na concepção virginal da mãe de Deus, no Cristo redivivo ao terceiro dia, nas curas, etc? Ou será que eles sabem – por serem homens de rara erudição – que tais descrições bíblicas não passam de belas alegorias, ficções escritas mais de um século após decorridos os fatos, exemplos de vida, valores morais, metáforas e histórias cheias de ensinamentos que servem apenas para oferecer um sentido ao caos da existência, mas que por sua força coercitiva e de coesão social funcionam como um cimento cultural poderoso para a formação de identidades?
Este dilema dos poderosos que controlam o cristianismo sempre me faz lembrar um filme do anos 80, um épico de extrema direita chamado “Desejo de Matar”, com Charles Bronson. Depois de ver a esposa sendo morta e a filha estuprada por um grupo de bandidos (claro, todos imigrantes escurinhos e latinos) o heróis vingador do filme resolve se vingar dos elementos que produziram sua desgraça pessoal. Movido por um ódio imparável, e sendo um veterano da Guerra da Coreia, ele conhecia “as manhas” do ofício de matar, mas teve agir à margem da lei. “Desejo de Matar” foi um dos mais importantes filmes do gênero “vigilante”, sujeitos que tomam a justiça pelas próprias mãos por reconhecerem a incapacidade do sistema judiciário de livrar a sociedade dos maus elementos. O filme, como se pode facilmente apreender, é um libelo fascista, que descreve a luta de “gente de bem” contra vagabundos que invadem e promovem a degenerescência dos valores americanos. Depois de muito treinar com a ajuda de um amigo ele encontra os meliantes e se inicia uma carnificina. Na luta, mesmo ferido, ele consegue matar um a um todos os criminosos e consumar sua vingança, até ser pego pelos seus policiais que estavam à caça do “justiceiro”
No hospital acontece a fala mais brilhante do filme. Os oficiais da polícia confidenciam a ele que houve uma diminuição significativa na taxa de crimes desde que ele iniciou sua busca por vingança. Sua prisão, portanto, de nada serviria à polícia. Os criminosos da cidade estavam com medo do “vingador”, e por isso refrearam suas intenções criminosas. Por este fato, os tiras decidiram se calar e não revelar publicamente sua prisão, preferindo deixar o mito vivo e à solta. Assim, ele foi avisado que nenhuma queixa seria dada e que poderia voltar para casa, desde que abandonasse a cidade para nunca mais voltar.
Ou seja: apesar de ser um criminoso ele cumpriu a importante tarefa de estancar a sangria de crimes na cidade. Um delinquente, um assassino frio e violento, um justiceiro cruel e um animal ferido, mas que cumpriu uma importante função social – a eliminação de vários criminosos e a instalação de um clima de medo entre os que ficaram. Como é fácil perceber, um filme típico da sociedade americana dos anos 70, assustada com o índice de criminalidade urbana, que pretendia justificar a violência tratando os policiais como heróis e os criminosos como uma casta de perversos e degenerados, acusando as leis de apenas ajudarem os meliantes e limitarem a ação da justiça. Suco de fascismo concentrado.
Aqui é que eu estabeleço minha analogia: Não estaria o Papa diante do mesmo dilema? “Eu sei que tudo isso é mentira, que são apenas histórias, que nada é passível de confirmação. Sei também da história terrível da Santa Sé, dos seus delitos horríveis, do poder e da corrupção. Sei dos malfeitos repreensíveis que colorem de sangue sua história. Todavia, reconheço a importância que estes mitos desempenham na coesão dos fiéis, em nome da Santa Igreja, de Jesus – o Cristo, e da Santíssima Trindade. Por entender isso, melhor calar-me diante do que sei, vejo e sinto. É melhor manter o mito vivo e à solta, porque isso exerce um controle moral sobre o rebanho“.
Costumamos dizer que sair de uma festa sem se despedir dos convivas é “sair de fininho”, mas também pode ser chamada de saída “à francesa”. Entretanto, sair desta forma normalmente é visto de forma negativa, como se a pessoa fugisse do encontro evitando “fechar” sua presença com o ritual da despedida. Sair à francesa é escapar sorrateiramente das normas sociais, burlando os costumes.
Pois, curiosamente, os países anglofônicos chamam esta atitude de “saída irlandesa” (irish exit). Claro que existe uma tendência a nomear determinados costumes pelos países de onde se imagina terem surgido, da mesma forma como os franceses chamavam a sífilis de “doença italiana”, enquanto os italianos a chamavam de “doença francesa”. Porém, mais interessante ainda que os países envolvidos no surgimento dessa convenção social, está o fato de que “sair à irlandesa” era considerado uma atitude polida e educada.
Sim, exatamente isso: uma atitude reconhecidamente correta, adequada e “chique”, e sou obrigado a concordar com as justificativas para considerá-la assim.
Pensem bem: quando alguém – também um casal ou toda a família – resolve sair de uma festa despedindo-se de todos, isso inexoravelmente produz uma ruptura no fluxo da reunião. O sujeito que sai interrompe várias conversas, atrapalha pessoas que estão comendo ou bebendo e cria distúrbio entre os demais convidados. Faz temas em debate serem perdidos, assuntos abortados, piadas cortadas no meio. Mais ainda: induz outras pessoas a saírem da festa, antes de assim o desejarem, imaginando que a saída de alguns sinaliza o tempo adequado e certo para o término da reunião.
Todavia, existe ainda outra questão importante. Ao se despedir de todos chamamos muita atenção sobre nós mesmos, desfocando a importância do anfitrião. Nos consideramos tão importantes a ponto de interromper o prazer e a alegria de todos apenas para avisá-los de nossa ausência iminente. Criamos sobre nós uma relevância presunçosa, quase pedante. Algumas despedidas são como a dizer: “Olha, estou indo. Não sei como essa festa poderá continuar após a minha despedida. Pense bem se pretende ficar aqui, sem minha presença por perto”.
Portanto, é compreensível que a “saída à irlandesa” fosse admirada em uma época em que a sociedade não era tão viciada em exaltação de egos e personalidades. Sair à irlandesa era uma atitude humilde de quem reconhecia ser apenas uma personalidade entre tantas, alguém que não buscava ser o centro momentâneo de tantas atenções e reverências imerecidas.
Bem, era isso. Agora saio “à irlandesa” e os deixo com essas ideias para elaborar…
Uma das coisas que mais me chocou nestes últimos anos em que convivemos com a pandemia foi a facilidade com que juntamos a ideia de um elemento salvador externo (uma vacina) com o conceito de “ciência”. Neste tempo todo em que vimos a doença se espalhando era fácil notar que o mundo caberia em dois grandes grupos: os “crentes” (nas vacinas) e os “descrentes”, que acreditavam em outras coisas, diferentes da crença oficial.
Neste período, 99.9% das pessoas que colocaram “vacina para todos” na sua foto das redes sociais não tinham ideia do quanto é complicada sua elaboração, sua fabricação, seu transporte e a mensuração de seus efeitos e parefeitos maléficos. Também não tomaram conhecimento da pressão política para admitir uma vacina com tão pouco tempo para testes. A conexão sempre foi retilínea: vacinas = tecnologia, a qual, por sua vez, obedece os ditames da ciência. Não havia espaço para muitas perguntas, e qualquer um que ousasse questionar a estrutura de segurança e real efetividade dessas drogas ganhava imediatamente o carimbo de “negacionista“, um selo que a ninguém interessava receber.
Eu mesmo, apesar de passar décadas tendo uma postura de fundamentada desconfiança com as empresas que produzem drogas, fui vacinado. Não poderia suportar as críticas caso alguém próximo ficasse doente, ou mesmo positivo para o vírus. Tomei a atitude menos conflituosa: mesmo não tendo todas as informações que gostaria para uma escolha consciente, e mesmo testemunhando contradições graves na narrativa oficial, resolvi quebrar um jejum de mais de 30 anos sem tomar qualquer droga. Ahhh, sem surpresa, mesmo vacinado tive Covid duas vezes…
Todavia, minha curiosidade com a questão se manteve intacta. Não conseguia entender porque o debate sobre as vacinas não podia ocorrer abertamente. Testemunhei a debacle da Cloroquina e da Ivermectina, que foram colocadas contra a parede exigindo-se delas as provas de sua eficácia, enquanto das vacinas pouco era exigido. Ficou claro que estas ultimas eram ungidas com o óleo da confiança mística, o selo de “ciência” para além de qualquer prova que porventura pudessem apresentar. Basta uma simples pergunta sobre as diferenças de mortalidade por Covid 19 entre a África – pouco vacinada – e o ocidente – maciçamente vacinado – para desencadear uma série de acusações por parte daqueles que acreditam piamente na superioridade do paradigma vacinal.
Até o conceito de vacina precisou ser modificado para que estas drogas fossem utilizadas com este nome. Houve uma campanha gigantesca em seu favor e, tanto aqui quanto no centro do Império, políticos usaram sua posição quanto à vacinação como plataforma de discurso público. Por isso é que no Brasil e nos Estados Unidos os presidentes de extrema direita no cargo tiveram posturas que chamamos “negacionistas”, cujas ações retardaram o uso das vacinas ou dificultaram seu uso.
Esta luta acabou colocando pessoas como eu na mais incômoda das posições. Como seria adequado se posicionar diante da luta entre dois gigantes por quem se tem profunda contrariedade? De um lado governos de direita, abusivos, misóginos, lgbtfóbicos, anti imigrantes, liberais na economia, conservadores nos costumes, destruidores do Estado e machistas. Entretanto, do outro lado se encontra a indústria mais poderosa e antiética do planeta, que obtém lucros através do adoecimento da população, envolvida em escândalos de toda ordem, de falsificações, negligência, conspirações, golpes de Estado, mentiras e até assassinatos. Peter Gotzsche (Medicamentos Mortais e Crime Organizado) e Márcia Angell (A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos) em seus livros nos oferecem uma imagem bem clara – apesar de incompleta – da capacidade destrutiva desse empreendimento. Em ambas as pontas dessa disputa eu via a mão suja do capitalismo manipulando corações e mentes.
A indústria farmacêutica é um lobo de Wall Street disfarçado de ciência salvadora e de tecnologia redentora – que pretende nos salvar dos desastres e da dor através de suas drogas mágicas. Por outro lado, nós não passamos de ovelhas de um grande rebanho, ou, se quiserem uma imagem mais frugal, somos os habitantes de uma pequena aldeia gaulesa, ávidos pela poção do mago Panoramix, que poderá nos salvar do ataque das hostes de César.
Para quem acha essa minha visão da indústria farmacêutica muito dura e inexorável recomendo que assistam à série “Dopesick”. Em Dopesick (dope = dopado, sick = doente), Michael Keaton (ex Batman) interpreta Samuel Finnix, um dedicado médico que percebe entre seus clientes no consultório um aumento (até então) inexplicável de casos de viciados em medicamentos opioides (drogas com efeitos estupefacientes como o ópio), especialmente entre os trabalhadores de minas. Por certo que, quanto mais acidentes de trabalho maior seria a necessidade de tratar as dores que causavam. Nada melhor do que o trabalho insano e insalubre nas minas para deflagrar este drama.
A descoberta de Finnix* já estava também sendo investigada pelos promotores federais e da Drug Enforcement Agency (DEA), que se empenharam em uma investigação para descobrir a correlação dos fatos. Depois de intensa busca encontraram uma gigantesca conspiração na Purdue Pharma, um poderoso grupo farmacêutico. Todos os fatos apresentados na série são baseados na realidade.
Por trás de uma das piores epidemias nos Estados Unidos, que mata mais de 100 mil pessoas por ano (!!!), está uma gigantesca empresa de drogas que a patrocina. Esta série desvela o que outros filmes, como “O Fiel Jardineiro” e “Eu sou a Lenda” (onde a epidemia que destrói os humanos vem de uma vacina contra o câncer) já tentavam nos alertar: o poder da indústria de medicamentos não pode existir sem o contraponto de uma ciência isenta, controlada pelo Estado democrático, que precisa atuar sem a influência e a interferência do capital e de quem o controla. Claro que a série vai explorar o submundo fétido das corporações, mas será incapaz de colocar o dedo na ferida que está por trás do surgimento desses males: o capitalismo, o lucro imoral e a sociedade de classes.
Atrás dessas crises encontraremos sempre o capitalismo e seus tentáculos, mas sua evidente degradação vai trazer ainda outras tragédias iguais a esta dos “medicamentos viciantes”, o qual destrói as entranhas do pais mais poderoso do planeta. Todavia, a ideia de que perguntas inconvenientes sobre “tabus médicos” (como as vacinas ou medicamentos) não podem ser feitas é uma mancha no próprio conceito e na confiabilidade da ciência, que deveria se basear na dúvida sistemática e constante, na desconfiança, no falsificacionismo, na busca por provas e jamais nas certezas e nos lucros – muito mais afeitos às instituições religiosas.
* Só eu acho que o nome do personagem “Finnix” refere-se a “Phoenix”, ou Fênix, a mitológica ave grega que, quando morria, entrava em autocombustão e, passado algum tempo, ressurgia das próprias cinzas? Não seria o personagem do filme um médico que desperta para o absurdo da medicina atrelada ao capitalismo depois de ter toda a sua formação “queimada” pelo reinado das drogas, condicionado-o a ser um mero “despachante de medicamentos”, comandado pelos finos cordéis que nos atam aos “senhores da doença”? Ok, talvez esta seja apenas a minha particular visão sobre o tema….
Não se passa um dia sequer que eu não escute ou leia de um liberal a seguinte frase, normalmente dita ou escrita com sofisticada empáfia, digna da mais absoluta lacração:
“Nunca vi um americano pegando um bote e fugindo pra Cuba”.
Esse é o mantra dos direitistas, que enxergam apenas a superfície dos fatos, sem entender o que leva as pessoas a fazer esse movimento dramático de fuga de seu país. Dica: não é em busca de liberdade. Até porque o migrante que vai dividir um quarto de 3×3 com 16 pessoas, depois de atravessar um deserto ou se jogar em um mar cheio de tubarões e ratos americanos para quase morrer de sede, não está preocupado com sua liberdade pessoal. O que deseja é uma chance de ascender.
Acham mesmo que um americano pobre da periferia das grandes cidades, nas favelas de Detroit, que urina em banheiro químico, sem teto que mora numa tenda de lona no bairro Skid Row em Los Angeles, não tem dinheiro pra tratar os dentes, tem uma qualidade de vida subsaariana, mora num deserto alimentar, não tem SUS e só pode ser atendido por caridade, seus filhos não tem escola decente e morre de medo de ser espancado e morto por gangues – ou, pior ainda, pela polícia – não aceitaria fugir para um país onde segurança, educação, saúde e moradia são garantidas pelo Estado? Acha mesmo que eles se importam com uma noção idealista de “liberdade” quando a materialidade de suas vidas apresenta a prisão da miséria? E sabe por que eles não fazem isso? Porque são tão miseráveis no capitalismo que não teriam condições sequer de comprar um bote, e também porque a sociedade cubana não poderia suportar os milhões de americanos que fariam essa travessia.
Parece exagero? Olhem para o norte do México e verão cidades inteiras onde o inglês virou a língua mais falada. Existe uma crescente emigração de aposentados americanos para cidades como San Miguel de Allende para que possam viver uma vida com clima melhor e com saúde mais barata do que aquela do sistema privado americano. Nos Estados Unidos mais de 70% dos americanos desejam uma modelo único de saúde, mas isso nunca esteve mais distante do que hoje, pois os governantes sonegam dos cidadãos esse sistema por interesses econômicos, e porque as eleições americanas são uma farsa comandada pelo deep state, onde os presidentes são apenas os CEOs de uma empresa cujos donos são os capitalistas.
“Ahh, mas os imigrantes nos Estados Unidos são atendidos através do Charity Care”. Sim, é verdade, porém é preciso entender que a caridade que eles recebem lhes transforma em cidadãos de segunda classe e que esse benefício recebido por eles é pago por toda a periferia do capitalismo que sustenta o império. Somos nós, o terceiro mundo, que garante – com seu trabalho e seus recursos – a opulência obscena dos países imperialistas. Acham mesmo que a qualidade de vida dos americanos – um modelo que vai esgotar os recursos do planeta em breve – é produzida pelo sistema capitalista concentrador de renda, que só é mantido através da violência e que condena milhões a não ter sequer o que comer, negando aos seus cidadãos abrigo e segurança? Não, isso é o resultado do imperialismo opressor, que condena a periferia ao servilismo.
Para quem acha o modelo socialista cubano ruim tenha ao menos a honestidade não o comparar com os países imperialistas, como o seu vizinho, os Estados Unidos – com seus 8 milhões de km2 e seus mais de 330 milhões de habitantes. Compare Cuba com o Haiti, com Honduras, com a Jamaica, com El Salvador ou a República Dominicana. Todos de origem étnica e história semelhantes; todos capitalistas e todos miseráveis – com exceção de Cuba, que ofereceu dignidade humana a quem mora lá. O Haiti, por exemplo, tem um PIB 10x menor que o de Cuba, e todos esses países capitalistas tem migrantes que fogem para os Estados Unidos, México e até mesmo para o Brasil.
Entendam… o socialismo tornou o país mais pobre da Europa – a Rússia – em uma potência nuclear e um player no debate político, econômico e cultural contemporâneo. O socialismo transformou o país mais pobre e mais explorado da Ásia – a China – em uma enorme potência econômica, industrial e tecnológica. Cuba se tornou um país melhor, sendo referência mundial em educação e saúde. Agora… tome 5 minutos para pensar como a ilha seria sem o embargo cruel dos americanos. Agora reserve outros 5 minutos para entender que o embargo é exatamente para que a ilha não possa florescer e mostrar ao mundo que um outro modelo político e outro estilo de vida é possível.
E por fim, não me venham falar de capitalismo e “liberdade”, pois que esse modelo se importa tão somente com a propriedade privada. Os capitalistas do mundo inteiro jamais se importaram que seu sistema abrigasse a escravidão, o apartheid e o jugo imperialista sobre outras nações. Por que se importariam com a real liberdade de seus cidadãos se ela representa o fim dos seus privilégios?
Nunca desista dos seus sonhos!! Quando Messi quase se naturalizou brasileiro…
Antes de se transferir para o Barcelona o jovem Lionel estudou no colégio Visconde do Rio Branco em Canoas. Nesta ocasião seu pai, Jorge Messi, arrumou um emprego como funcionário estoquista do CEASA enquanto aguardava todos os documentos necessários para viajar à Espanha. Esta viagem tinha como objetivo realizar um tratamento de crescimento para o pequeno Lionel e também para ele se submeter aos testes na escolinha da equipe catalã.
Como era menor de idade, Lionel conseguiu um emprego de meio turno no Carrefour de Canoas, atuando principalmente no setor do frigorífico. Nessa época ele treinava à noite no infantil da ULBRA, mas sob o apelido de “Nanico”. Chegou a ser observado por Felipão – técnico da seleção canarinho – que negociou com seu pai a naturalização do moleque para que pudesse participar das seleções de base do Brasil. Infelizmente, após a concordância de Jorge Messi, Lionel “Nanico” não passou na prova do hino nacional (errou o “se o penhor dessa igualdade” e cantou “se o pior dessa igualdade“…). Por esta razão seu processo de naturalização até hoje tem o carimbo de “pendente”.
Apesar de frustrado, dois meses depois sua documentação ficou pronta e ele foi para a Europa para fazer seu tratamento de crescimento e para jogar nas categorias de base do Barcelona. Lá o “Nanico” virou Messi, conheceu Eto’o e Ronaldinho Bruxo e o resto é história.
A medicina não é capaz de aumentar a vida das pessoas, mas pode manter seu coração batendo por mais algum tempo. O que estica o fio da vida é uma mistura de paixão, propósito e o suporte de afeto que se é capaz de dar e receber.
Waharu Hita 人生の境界を越えて (“Além das fronteiras da vida”) ed. Hiroshi, pág 135
Vendo o contraste entre os cânticos anti-Brasil ao redor do Obelisco* e a desabrida torcida dos brasileiros pela Argentina – em nome da latinidade e da Ursal – eu me convenço que a Argentina se comporta eternamente como o irmão caçula do Brasil, sempre nos odiando e nos atacando. A nós cabe a posição do irmão mais velho, que escuta a raiva do maninho com a compreensão de quem está acima desse ódio. Salve a Argentina e Viva Messi!!!
Enquanto isso o viralatismo toma conta das redes sociais. Se não bastasse a declaração falsamente atribuída ao Messi, falando de “simplicidade e humildade” agora aparecem posts ressaltando que ele tem hábitos simples, não faz dancinhas e não pinta o cabelo. Tudo mentira, como pode ser facilmente comprovado com as imagens que rolam por toda a Internet. Mas, como cobrar coerência e racionalidade em um campo tão afeito às paixões?
Não esqueçamos que nos 36 anos de derrotas da seleção argentina Messi foi tratado como lixo também pelos seus próprios compatriotas, que o tratavam como depressivo, “europeu”, arrogante, pouco participativo, apagado, sonolento e “jogador de clube”. Chegou a abandonar sua seleção diante de tantas derrotas. As queixas contra os craques dizem mais das projeções que jogamos sobre eles do que reais falhas em sua performance. Muitos times campeões (lembro do Grêmio dos anos 90) tinham jogadores com problemas de comportamento muito graves, mas que foram esquecidos ou apagados pelas vitórias. Quando se ganha, chegar alcoolizado para treinar passa a ser “atitude administrável”.
Aqui na aldeia o comportamento de boa parte da torcida brasileira – e da crônica esportiva – é suco de viralatismo, uma doença sistêmica que cronicamente acomete o povo brasileiro, e que agora vivencia mais um de seus paroxismos cíclicos. Nesse contexto vemos aparecer o conhecido comportamento macunaímico, que considera o Brasil um país inferior, medíocre, destinado às derrotas, perdedor e fracassado. Existe um interesse do imperialismo – mais ou menos explícito – em desvalorizar o valor e o talento dos brasileiros, seja ao transformá-los em mercenários, seja por tratá-los como irresponsáveis ou mesmo considerando-os taticamente “indisciplinados”. Aliás, esta última crítica transforma os jogadores brancos em “inteligentes”, enquanto os mestiços do Brasil são chamados de “habilidosos”, a mesma crítica que historicamente se fez aos times negros, sejam eles africanos, brasileiros ou colombianos.
A vitória da Argentina teve seus méritos, sem dúvida, mas a histeria de exaltação do Messi e dos demais jogadores, conjugada com as críticas mordazes e destrutivas contra os jogadores brasileiros, são parte desse cenário irracional que sempre ocorre diante das derrotas dramáticas e frustrantes. A vitória da Argentina na final contra a França, com direito a prorrogação e penalidades foi épica e emocionante, porém o jogo não foi uma partida de excelente qualidade – mas em uma final, como exigir isso? Dos seis gols marcados na partida final, metade deles foi de pênalti. O primeiro sequer existiu, enquanto o último foi aquela famosa mão na bola com “braço em posição não natural”. O jogo foi truncado e amarrado, Messi sequer fez uma grande partida (e dele sempre se espera muito). O lance que levou o jogo para prorrogação foi bola na mão, o mesmo tipo de pênalti que foi sonegado ao Brasil, não é?
Não há dúvida que a Argentina é a legítima campeã do torneio, mas ao dizer isso não podemos cair no erro de considerar o Brasil como uma equipe formada por um bando de mercenários pernas de pau. Aliás, ao meu ver nosso time é muito superior ao da Argentina, e a fase de classificação para a Copa deixou isso muito claro. Creio até que a história dessa copa seria completamente diferente se aquele pênalti fosse marcado para o Brasil no jogo contra a Croácia e a penalidade duvidosa marcada sobre Di María não tivesse selado o destino do confronto contra a França; talvez os heróis de hoje seriam outros. Nossa derrota, na prática, dependeu de detalhes, e colocar a culpa apenas na qualidade e no comportamento dos jogadores é profundamente errado e injusto.
Menos, gente. Celebrem a vitória argentina, mas não percam a racionalidade ao exaltar os vencedores, criando sobre eles uma mística fantasiosa enquanto jogam sobre os derrotados causalidades sem sentido.
* Meus amigos argentinos dizem que a rejeição ao Brasil e sua seleção é uma atitude típica dos portenhos, e não dos argentinos em geral. É lá, nos limites que separam a província de Buenos Aires do resto do país, que se escutaram os cânticos de despeito em relação à nossa seleção.
O jogador Edenílson está saindo do Internacional no início de 2023 para jogar no Atlético MG. Ficou 6 anos no Internacional de Porto Alegre e jamais deu uma volta Olímpica sequer, nem mesmo no ruralito (campeonato gaúcho, ou “gauchão”). Alguns jogadores tem essa sina; são bons, competentes, dedicados e alguns são até mesmo craques da bola, mas jogam em times que não conseguem ganhar nada. O mesmo aconteceu com Tcheco do Grêmio na época ruim do início desse século, ou Rubem Paz também do Inter nos anos 80. São os famosos “Craques das vacas magras”.
Entretanto, para mim o maior exemplo no mundo inteiro de craque sem títulos na carreira foi Rivelino, craque indiscutível, ídolo e exemplo maior de Maradona, mas que teve o supremo azar de jogar naquele Corinthians que viveu à sobra da “Academia Palmeirense” e depois dos anos de glória do Santos de Pelé, e por isso ficou 23 anos sem ganhar nada de relevante, mesmo sendo a maior e mais fiel torcida de São Paulo.
Estes são os títulos da carreira de Roberto Rivelino. Percebam que os títulos obtidos em clubes são todos inexpressivos. Entretanto, ele foi um dos principais jogadores da conquista definitiva da Taça Jules Rimet, o tricampeonato conquistado no México em 1970.
Os heróis culturais do esporte mais popular do planeta, expoentes em seus campos de atuação, são a consequência do sistema que controla o mundo e também esse espetáculo. Desta forma, Neymar jamais teria esse comportamento e essa fortuna se não fosse nutrido por esse maquinaria econômica. Apesar de reconhecer sua importância é forçoso entender que o mundo cria estes heróis com a mesma voracidade que os expurga. E não só no futebol, mas em qualquer área do entretenimento, da vida social e da política. Citando apenas a aldeia, onde estão agora os heróis do golpe midiático antipetista como Moro, Alexandre Cunha, Joaquim Barbosa senão em um merecido ostracismo, após terem sido alçados à condição de personalidades inatacáveis da cultura? Inúteis figuras, agora estão curtindo seus milhões, esquecidos e apagados.
Voltando ao futebol, Neymares, Cristianos, Ronaldos e tantos outros são o resultado da nossa neurose, o produto de uma complexa engenharia de mídia e poder econômico, trabalho de elaborada manipulação dos corações e mentes do mundo inteiro, controlada por gigantescos interesses econômicos e geopolíticos.
Por certo que os jogadores alimentam a cultura do “futebol moderno” – individualista, hipercapitalista, elitista – de forma dialética, mas não são seus causadores, sendo apenas o reflexo de uma estrutura social construída para valorizá-los. Criticar os ídolos é como criticar o policial que usa de sua autoridade delegada para bater em trabalhadores e professores quando, em verdade, eles são apenas os instrumentos de uma política estatal de punição das classes sociais exploradas e oprimidas. Olhar para personalidades fulanizando suas ações é perder deliberadamente a compreensão do todo e deixar de lado a ultraestrutura que os governa.
A figura do policial, do Neymar, da Anitta ou do Bolsonaro, apesar se serem importantes nessa equação, são descartáveis. Ronaldinhos e Pelés se aposentaram e foram trocados por outros, assim como músicos e políticos o são. A estrutura subjacente utiliza esses personagens para que se mantenha como fonte de lucros e poder para a elite invisível que a controla.
Atacar os heróis populares é atacar apenas a pequena parcela visível do iceberg, sem colocar a devida importância no gelo que se esconde abaixo da superfície e que, em verdade, é quem produz a pequena fração que se expõe para fora da água. Neymar é um excelente exemplo de um sujeito inserido nesse contexto, pois seu personagem foi manufaturado pela indústria bilionária do futebol. Os jogadores são proletários – apesar de uma diminuta franja ser muito bem paga – dessa gigantesca fábrica,e não são os responsáveis pela sua criação; apenas colaboram em sua mitologia e na manutenção desse empreendimento.