Arquivo do mês: agosto 2023

Argentina

Curioso como na Argentina os candidatos de esquerda e de direita se revezam sem que estas trocas venham (mesmo que minimamente) a melhorar o cenário econômico catastrófico do país. Depois de Cristina, Macri; depois deste Alberto. E agora o líder das pesquisas é o “Bolsonaro portenho”, o Milei – que inclusive já declarou seu apreço e admiração pelo nosso ex-presidente. Estes personagens se sucedem uns aos outros acusando os anteriores de terem “destruído a economia da Argentina”, sem perceberem que a esquerda liberal e a direita – mesmo a radical – são irmãs que brigam dentro do mesmo modelo capitalista.

Não haverá futuro sem que a esquerda aceite de forma corajosa e aberta a ruptura com a ideologia de concentração capitalista de riqueza. Teremos crises indefinidas, monótonas e repetitivas até que este circo de “esquerda liberal versus direita” venha a se desfazer pela percepção de que, no seu cerne, são iguais, irmanadas na ideologia capitalista decadente.

Eu acredito que coexistem dois fenômenos distintos no que se refere à gangorra eleitoral nos países satélites do capitalismo: o primeiro é a falta de uma esquerda radical, raiz, operária, anticapitalista, carência esta que muitos repetem cotidianamente, em especial os comunistas. O segundo, e mais importante, é que nas crises cíclicas do capitalismo o discurso de “acabar com tudissquitaí”, votando na estupidez e na potência fálica grotescas de líderes carismáticos e populares, acaba seduzindo as multidões, que as leva a acreditar que o problema são os políticos, a corrupção, a falta de pulso com o crime e não o próprio capitalismo claudicante.

O fascismo tem sua própria agenda, não precisa do vácuo da esquerda. O fascismo sempre ascende para dar uma resposta às crises do capitalismo, e tira dos liberais de direita – a direita limpinha – suas vestes civilizatórias para que possam embarcar na aventura autoritária. Pois diante da miséria crescente e da concentração obscena de riqueza a estratégia é criar um inimigo a combater. É aqui que entram os judeus, os comunistas, os imigrantes, os ciganos e os petistas no nosso passado recente. Já “radicalizar” significa ir à raiz, e a raiz da esquerda é o movimento proletário. Radicalizar, portanto, não é bater de frente com a direita, mas aprofundar seus princípios mesmo que isso custe enfrentar de frente o fascismo.

Isso explica a ascensão de Adolf pós crise de 1929, e a de Mussolini na Itália na mesma época, assim como Trump e Bolsonaro após a crise de 2008. A inexistência de um contraponto da esquerda raiz é apenas um elemento menor – porém importante – em face da crise do capitalismo, modelo cujo desmoronamento estamos vendo ao vivo e à cores diante dos nossos olhos, como testemunhas da história. Mas, como sempre ocorre, essa queda só se dará através do horror e da miséria globais.

No mais, concordo que a esquerda ainda não entendeu o que Zizek falava há uma década: para combater uma direita fascista não se pode oferecer moderação ou capitulação ao centro, mas sim um radicalismo proletário e comunista.

E tenho dito…

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Acusações

Na internet tropeço em um “exposed” de “macho escroto” todo santo dia. “Senta lá que vem textão”, dizem, e logo aparece um enorme e dramático texto acompanhado de um ou mais prints de Whatsapp. Lágrimas, cobranças, ataques, raiva, indignação são os ingredientes infalíveis da famosa lavagem pública de roupa suja. Bem, não me cabe julgar a dor de alguém que apela para estes ataques cujo alvo é um amor deteriorado. Quem poderia atirar a primeira pedra?

Ok, são as trevas do ressentimento. Muitas vezes os ataques nada mais são que gritos desesperados de um coração que sofre, vociferados na ilusão de manter vivo um vínculo de amor, nem que seja pelo artifício do ódio. Não há como saber da dor, que é única e intransferível, mas é possível imaginar a extensão da ferida pela força das palavras duras, inexoráveis e carregadas de tristeza.

Há algumas semanas vi um sujeito expor as conversas privadas com as namoradas como forma se defender de acusações gravíssimas. Jogou tudo no ventilador, reduzindo à poeira qualquer segredo de alcova, expondo os corpos contraídos, os sussurros, as juras, as safadezas e tudo aquilo que deveria estar no cofre da cumplicidade. Fez tudo isso para salvar o que lhe resta de dignidade, o tênue fio de honradez que ainda o liga à vida. Para algumas, não passou de uma estratégia que visava “silenciar” quem o acusa.

Não há como negar a este sujeito o direito à salvar-se, provando, através desta exposição, a sua inocência. Pau que bate em Chico, bate em Francisco. Àquelas que pretendem negar-lhe esse direito digo apenas que se acostumem com a equidade, ou desistam de lutar por ela. Além disso, nunca esqueçam que o equilíbrio nas relações de gênero demanda imparcialidade, e ela apresenta ônus e bônus. Quem acusa precisa provar, e quem é acusado tem o direito sagrado de se defender com as armas possíveis e legais.

E quem acusa de forma leviana, por vingança, perversidade ou desprezo, merece a mão firme da lei.

Ok, são as trevas do ressentimento. Muitas vezes os ataques nada mais são que gritos desesperados de um coração que sofre, vociferados na ilusão de manter vivo um vínculo de amor, nem que seja pelo artifício do ódio. Não há como saber da dor, que é única e intransferível, mas é possível imaginar a extensão da ferida pela força das palavras duras, inexoráveis e carregadas de tristeza.

Há algumas semanas vi um sujeito expor as conversas privadas com as namoradas como forma se defender de acusações gravíssimas. Jogou tudo no ventilador, reduzindo à poeira qualquer segredo de alcova, expondo os corpos contraídos, os sussurros, as juras, as safadezas e tudo aquilo que deveria estar no cofre da cumplicidade. Fez tudo isso para salvar o resto que lhe resta de dignidade, o tênue fio de honradez que ainda o liga à vida. Para algumas, não passou de uma estratégia que visava “silenciar” quem o acusa.

Não há como negar a este sujeito o direito à salvar-se, provando, através desta exposição, a sua inocência. Pau que bate em Chico, bate em Francisco. Àquelas que pretendem negar-lhe esse direito digo apenas que se acostumem com a equidade, ou desistam de lutar por ela. Além disso, nunca esqueçam que o equilíbrio nas relações de gênero demanda imparcialidade, e ela apresenta ônus e bônus. Quem acusa precisa provar, e quem é acusado tem o direito sagrado de se defender com as armas possíveis e legais.

E quem acusa de forma leviana, por vingança, perversidade ou desprezo, merece a mão firme da lei.

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Trombadinha

As atuais descobertas da Polícia Federal mostram de forma inequívoca o que algumas pessoas à esquerda do espectro político denunciavam há muito tempo: durante quatro longos anos fomos governados por um reles trombadinha. Sim, tivemos à frente de um país gigante um ladrãozinho minúsculo, um escroque que passou anos preocupado em fazer pequenos furtos, subtraindo o erário público de bugigangas recebidas como presentes. Sim, ainda há que se desvendar os grandes roubos e as denúncias de propriedades em nome de laranjas nos Estados Unidos, mas a avidez para roubar tudo o que estivesse ao alcance da mão é uma descoberta brutal e chocante. E o roubo daquilo que foi ganho de ditadores árabes apenas desvela os crimes menores, pois que o crime maior – a corrupção que teve nas joias o devido pagamento – ainda não foi devidamente investigado. A sensação natural diante destas últimas notícias é a mais profunda vergonha.

Sim, inevitável vergonha. Imaginem o constrangimento de saber que um país como o Brasil, de 200 milhões de habitantes, com riquezas imensas, um povo sofrido e uma história complexa e grandiosa foi governado por um farsante, um mísero estelionatário com um discurso francamente fascista. Atrás dele, a lhe dar suporte, uma horda de fanáticos, zumbis contaminados por um discurso anticomunista desenterrado da guerra fria, enfeitado por palavras de ordem que evocam o fascismo mais rasteiro.

Que vergonha, que vexame. Tive amigos que, por ódio ao Lula e ao PT – o que no fundo escondia uma rejeição à qualquer ameaça de justiça social – até ontem defendiam Bolsonaro, tratando-o como “injustiçado”, “cavaleiro de Deus”, enviado para nos livrar da famigerada “ameaça comunista”. São os mesmos que ainda hoje, chamam os celerados que em janeiro invadiram Brasília de “patriotas” afirmando que o golpe foi planejado pelo PT para derrubar o governo… do próprio PT. Como podem explicar agora essa rede de roubalheira rasteira, que agia nos porões do Palácio, envolvendo inclusive – sem surpresa – a nata da mediocridade militar. Como justificar agora que o combate ao “Estado Inchado”, outra rotunda falsidade, precisava de uma figura como este escroque racista e canalha? Como explicar as delações do “hacker de Araraquara” que demonstram o interesse do antigo governante de fraudar o resultado das eleições e de envolver o STF nas suas artimanhas?

Por quanto tempo ainda teremos que aceitar um país atrelado a estes monstros travestidos de anjos de Deus, cujos crimes são cometidos sob a égide da proteção da família e da Pátria? Até quando estes militares corruptos e ineptos vão ameaçar nossas aspirações democráticas? Quanto ainda teremos que esperar até que se desmanchem as redes criminosas de igrejas evangélicas e seus líderes estelionatários? Até onde vamos aceitar a máfia do sistema econômico escravizando o povo em nome de sua fome por lucros e poder?

A resposta a estas perguntas significa a diferença entre sermos uma eterna esperança de nação e a fulgurante realidade de um país justo e desenvolvido.

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Deceptio

Sim, já fui tomado pela decepção com algumas pessoas. Tipo: acreditar na bondade e nas boas intenções de alguém e descobrir que por trás dos sorrisos e dos abraços existe oportunismo e interesse. Todavia, não tenho a menor dúvida de que existem muitas pessoas que se decepcionaram comigo. Faz parte da vida.

Muitas vezes fui injusto ao me decepcionar, ou ingênuo ao esperar algo irreal de alguém. Outras vezes fui injustiçado por esperarem de mim o que eu não poderia dar – e sequer poderia ter oferecido. Quem nunca?

Hoje, depois de velho, já não há como me decepcionar de novo. Estas são as benesses da senectude: a gente aprende a esperar dos outros algo muito mais próximo da realidade.

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Consultas

Por que as pessoas evitam ao máximo consultas médicas?

O problema é o choque hierárquico, o saber que se faz autoritário de um sujeito sobre o corpo de outro. Também tem a ver com a insensibilidade com o sofrimento do paciente causada pelo afastamento afetivo característico da medicina. Esta distância, por fim acaba por obliterar a empatia que deveria fluir em todo encontro interpessoal.

A impotência que o paciente é levado a sentir, na medida em que suas perspectivas são frequentemente negligenciadas, é algo que dói no corpo, e portanto retarda a chegada ao profissional, o que obstrui muitos tratamentos. E não é por negligência com a própria saúde, mas por um mecanismo bem compreensível de defesa.

Nesse terreno os homens são muito mais afetados porque na cultura patriarcal abrir mão da autonomia sobre o próprio corpo é muito mais grave quando se trata do corpo masculino.

Não creio que a mudança deve partir dos pacientes através do aumento da confiança ou forçando docilidade diante dos médicos. Não, deve ser um movimento de pressão por parte dos clientes dos serviços de saúde, exigindo uma medicina menos tecnocrática e mais voltada às necessidades subjetivas de cada sujeito enfermo.

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Utopias

No YouTube vejo mil cursos dizendo para você crescer, sair da sua “zona de conforto”, ser um vencedor e conquistar aquilo que você merece e que só não ganha por preguiça – ou falta de oportunidade. A totalidade deles se baseia na ideia de que você pode ganhar o dinheiro que os outros estão perdendo, aprender a lucrar com as brechas do sistema financeiro, lucrar com “mercados emergentes”, se fartar na flutuação da bolsa ou encher o c* de bitcoins, bastando para isso entender as manhas do grandes vencedores.

Tudo isso terá como resultado final ganhar muito dinheiro, vencer na vida, ser reconhecido, ficar famoso, usar uma peruca legal, viajar pelo mundo, conhecer mulheres incríveis em seus biquínis minúsculos deitadas de bunda pra cima na proa da sua lancha ancorada em uma praia do Mediterrâneo. E eu achando que uma utopia bem mais divertida seria ir com os meus netos passar um fim de semana na praia do Pinhal ou visitar a concha acústica de Cidreira.

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Messias

Li, num passado não muito distante, a história de um gerente de banco que, por vários anos, cometeu desvios de valores para a sua conta pessoal. Por sua posição de chefia engordou sua conta pessoal de forma indevida, subtraindo volumosas quantias da instituição bancária, mas depois algum tempo a sua engenhosa ação criminosa foi descoberta, e ele preso. Quando pego, deu a criativa explicação que muito me impressionou. Disse ele: “Sei que é errado, mas o dinheiro que peguei é, em verdade, o justo pagamento pelo excelente trabalho que eu realizava em minhas funções”.

Ou seja: entre a legalidade e a justiça ele achou mais adequado ser justo do que obedecer a lei. Para ele o salário que recebia era inadequado para o excelente trabalho exercido. Preferiu assim ser correto com seu devotado trabalho, oferecendo a si mesmo o pagamento que lhe parecia mais ajustado para sua inquestionável dedicação.

Para qualquer um dotado de bom senso fica fácil perceber a falácia desse argumento. Em primeiro lugar, não existe “valor justo” para um trabalho qualquer. Médicos ganham muito mais do que motoristas de ônibus, não porque seu trabalho seja mais importante, mas por sistemas de poder que são gerados dentro das sociedades complexas. Isso explica as razões da distância entre os ganhos de um jogador de futebol e um professor da rede pública de ensino. Não é pela qualidade do trabalho (não há quem concorde que um astro do futebol seja mais indispensável que dois mil professores), mas pelo valor que a sociedade oferece aos diferentes ofícios. O valor pago pelo trabalho é construído dentro de um elaborado sistema de pressões e ajustes, e não pela decisão autocrática de um sujeito movido pela percepção pessoal que tem do seu próprio labor.

O que me chamou a atenção foi o fato de que o gerente deixava claro que não se sentia “ladrão”, sequer desonesto, porque apenas recolhia o que lhe era devido pelos patrões gananciosos. E essa sensação de impunibilidade me fez lembrar da cena política contemporânea.

As manchetes dos últimos dias apresentam inúmeros crimes e falcatruas cometidos pelo ex-presidente. São tantas as notícias que é impossível não perceber a marcante desonestidade e o caráter débil do mandatário anterior. A partir dessas notícias passei a crer que apenas a punição severa para estes personagens – Bolsonaro e seu entorno – poderá oferecer uma mínima esperança de sobrevivência da democracia. Entretanto, junto a este outro fenômeno me chamou à atenção. As acusações são agora recheadas de provas materiais irrefutáveis (tome por exemplo a venda do Rolex, que pertence ao erário nacional) porém não parecem movimentar negativamente a popularidade de Bolsonaro. Aquele grupo bolsonarista raiz, que está por volta de 15 a 17% do eleitorado nacional, não parece diminuir mesmo diante das provas contundentes de sua irresponsabilidade, incompetência e desonestidade. Bolsonaro, para este grupo, continua sendo o “messias”.

A figura de Bolsonaro faz lembrar a do presidente Trump, que afirmava de forma arrogante – porém correta – de que Posso matar alguém em plena 5ª Avenida em Nova York que isso não me faria perder votos”. Isso porque essas figuras públicas ocupam o lugar de salvadores para quem o roubo e até a morte de opositores seriam “a justa licença garantida pelo excelente trabalho realizado”. Da mesma forma que o gerente esperto analisava suas falcatruas, seus eleitores pensam que para salvar o mundo ocidental do “comunismo” vale a pena qualquer sacrifício, até aceitar que o mandatário do país seja ladrão, desonesto e profundamente incompetente. O mesmo fenômeno acontece nas Igrejas evangélicas, que devotam o mesmo tipo de ligação irracional com seus líderes. Pouco importa ao pobre que frequenta o templo que o pastor seja visto com carros importados e more em mansões. Não há sequer preocupação em esconder essa opulência: trata-se, como já vimos em outros contextos, do “adequado pagamento pela tarefa de salvar os crentes da fúria impiedosa de Deus e para livrá-los das garras do demônio”.

Por certo que estas construções só podem ocorrer a partir de propaganda massiva e pervasiva, diuturnamente exaltando as virtudes da “liberdade” capitalista e mitificando os supostos horrores do comunismo, assim como demonstrando as vantagens que são oferecidas àqueles que contribuem com a igreja, em especial a volta da saúde, do dinheiro, a recuperação de antigos amores e a salvação da alma. Nem é necessário dizer o quanto de dinheiro é investido pelo Estado burguês para nos blindar da verdade da concentração obscena de riqueza nas mãos de poucos e o quando se investe em publicidade para não expor as igrejas na produção de factoides (de cura, de comunicação com Jesus, de sucesso financeiro, etc.) que justificariam o pagamento de dízimo aos pastores e o financiamento de suas igrejas.

Para aqueles que dão apoio à extrema direita e às igrejas – fenômenos que se valem do pânico moral para sua proliferação – a ameaça constante de novos valores sociais (sexuais, familiares, etc.) e a emergência de uma sociedade comunista justificam as falhas morais de seus líderes. Curiosamente, as mesmas falhas que não toleram e denunciam de forma incessante em seus opositores.

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Ciência

Como já dizia Albert Einstein, “nem tudo que conta se conta e nem tudo que se conta, conta”. Portanto, nem todas as coisas passam a ser valiosas apenas a partir do momento em que podem ser contabilizadas, mensuradas e aquilatadas. O amor, a saudade, os afetos, as tristezas são bons exemplos de emoções que não cabem nas perspectivas experimentais. Entretanto, sem surpresa recebi nos últimos dias a notícia de que uma pesquisadora (cuja fama foi catapultada durante a pandemia de Covid) escreveu um livro denunciando “pseudociências”, entre as quais estavam incluídas duas vertentes de saberes que conheço de perto: a psicanálise e a homeopatia.

Escuto esse tipo de visão positivista sobre o conhecimento científico há mais de 30 anos e acho cansativo contra-argumentar; na maioria das vezes os acusadores agem como cruzados furiosos, montados em seus conceitos rígidos sobre ciência experimental e não aceitam escutar o idioma confuso e sem respostas exatas da linguagem do simbólico e do subjetivo. É simples entender que a ninguém parece viável analisar uma neurose “in vitro”, ou entender uma fobia despregada da história de quem a produziu; também não há como entender as diáteses homeopáticas fora dos conceitos de unicidade e suscetibilidade. Portanto, os limites da pesquisa experimental não são complexos para entender, e a ideia de analisar a realidade apenas pela metodologia que existe – desprezando aquilo que ainda não entendemos – se mostra sempre como uma forma muito arrogante de decodificá-la. No fundo esta propensão a “achar feio o que não é espelho” esconde o medo do novo, do não sabido e o pânico de relativizar o conhecimento que julgam ter conquistado. É mais fácil limitar o universo ao nosso entorno próximo do que admitir que somos apenas poeira de algo infinitamente maior.

Sempre é bom ter a mente aberta para entender as questões da saúde e da doença de forma complexa e criativa. Para algumas práticas – como a psicanálise e a homeopatia, entre outras – imaginar que é possível analisar a efetividade de uma terapêutica sem levar em conta a subjetividade e a suscetibilidade individual é desmerecer o fato de que somos seres de linguagem e vivemos envoltos em um campo simbólico que diante dos mesmos “inputs” estabelece “outputs” muito mais sofisticados e diversos.

Para além desse debate não conheço nenhum analista que tenha o real interesse de chamar psicanálise de “ciência”; a castração envolvida no processo de análise bloqueia em parte o pedantismo de enxergar-se de forma superlativa. Todavia, fica muito claro que o cientificismo contemporâneo trata tudo que não considera ciência (pelos seus critérios) como conhecimento menor. Para alguns pensadores da homeopatia, ela ainda se reivindica como ciência (por suas históricas conexões com a medicina institucional), mas não vejo muito sentido em tratá-la assim. Para mim ela se aproxima muito mais da psicanálise e suas investigações de caráter pessoal e único, por sua vinculação inexorável com a subjetividade e pelas manifestações raras, estranhas e peculiares do processo mórbido no sujeito.

Para finalizar vamos esclarecer algo que me parece importante: a autora dessa publicação foi tratada como sumidade da área médica (apesar de ser bióloga) durante o período da pandemia. Essa notoriedade foi resultado dos ataques que fez às teses bolsonaristas relacionadas à emergência da pandemia da Covid. Dissipada a nuvem que nos obliterava a percepção mais clara dos personagens da crise de saúde, hoje já é possível perceber que se trata de uma fundamentalista que está surfando na fama para levar adiante seu ideário. É também importante ressaltar que ela é consultora de uma gigante multinacional de drogas, a Janssen-Cilag, conforme consta em seu currículo. Isso deixa claro o quanto existe de interesses econômicos muito fortes por trás dessa personagem. Para além disso, trata-se de um clichê muito conhecido na área médica: o “cientista soldado da Verdade que combate a pseudociência”. Na realidade são tão somente clérigos de uma religião positivista, carentes da mais essencial virtude de um cientista: a imaginação criativa. No fundo temem descobrir a imensidão do que desconhecem, e como todos os religiosos, mais do que exaltar sua crença, sentem que é preciso destruir tudo que a questiona e desafia.

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