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Paixões

Certa vez uma astronauta relativamente famosa dirigiu quase 1500 quilômetros para confrontar a nova namorada do seu amante. Na época, esta funcionária da NASA era casada e tinha 3 filhos pequenos. Seu nome era Lisa Nowak, e ela percorreu o trajeto usando fraldas geriátricas para não precisar parar e chegar ao seu destino em tempo muito curto. Usando uma peruca preta, encontrou sua vítima num estacionamento em Orlando, mas conseguiu apenas confrontá-la e jogar gás lacrimogêneo em seu rosto. Depois disso foi presa, mas foi solta pouco tempo depois, até porque suas acusações eram leves e não passaram de mera agressão. Entretanto, divorciou-se e encerrou sua carreira de engenheira da agência espacial americana. Hoje vive sozinha no Texas e se nega a dar entrevistas, mas seu advogado afirmou recentemente que ela vive uma vida modesta e “está em paz”.

Sempre lembro dessa história quando penso no quanto somos governados por nossas paixões. Vejam: ao contrário de crimes passionais quando um dos cônjuges (ou conges) perde a cabeça durante uma briga e produz uma agressão – que muitas vezes é fatal – no caso dela toda a ação foi premeditada e demorada. A travessia empreendida demorou 14 horas, e foi feita dirigindo seu próprio carro de Houston até Orlando. Fez isso sem parar, e teve muito tempo para ponderar sobre as repercussões de suas atitudes para si mesma, sua família e a vítima – que também era astronauta. Todavia, as 14 horas de viagem não foram o tempo suficiente para lhe devolver a plena visão, já que se encontrava cega de ciúme, ressentimento, rancor e orgulho ferido.

Apesar de tudo que estava em jogo e o quanto ela podia perder – carreira, família, amigos – ela não conseguiu se libertar da prisão de suas paixões. Seguiu em frente sem conseguir que uma réstia de luz pudesse iluminar seu entendimento. Entretanto, apesar da tristeza dos resultados e as perdas enormes que Linda teve em sua vida pessoal e profissional, eu ainda penso que essa explosão de afetos será a última barreira a ser rompida pelas máquinas. Quando os robôs forem capazes de copiar as mais brutais manifestações humanas, nada haverá que os impeça da supremacia completa sobre a condição humana. Enquanto formos caracterizados por esse tipo de comportamento caótico, movidos pela torrente de emoções explosivas, ainda estaremos em segurança, distantes da suprema extinção e consequente substituição pelos replicantes.

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Queixa

“Um amor assim delicado
Nenhum homem daria
Talvez tenha sido pecado
Apostar na alegria”

A música “Queixa” de Caetano Veloso foi lançada em 1982 no álbum “Cores e Nomes”. Ela me cativou desde sempre, porque fala de uma questão universal, afeita a cada um de nós: o desamor, a subversão da paixão, que “quando torna-se mágoa é o avesso de um sentimento; oceano sem água”. Muitas vezes ouvi diferentes histórias sobre as razões pelas quais Caetano compôs essa música, tão dolorida e ressentida. Todavia, pouco importa: ele a fez para todos nós, para cada dor de amor pela qual já passamos, pois, de uma maneira ou de outra, esses sentimentos a todos nós pertencem e a eles tivemos acesso.

Entretanto, não é sobre o sentido último da música e sua poesia que eu me detive estes anos todos, mas sobre esta específica estrofe, que retirei da Internet. A razão para a minha curiosidade é que eu acredito que a letra de “Queixa” poderia, neste ponto preciso, oferecer uma interpretação dúbia, e eu sempre me diverti mentalmente explorando essa dualidade.

Sim, a música pode ser cantada como “Um amor assim delicado, nenhum homem daria”. Tenho certeza que assim Caetano pensou ao escrevê-la, até porque faz sentido na estrutura lírica da canção. Ele estava magoado, sentindo-se traído, ressentido e com raiva. Estava dizendo à sua amada que o amor que lhe ofertou nenhum outro homem seria capaz de lhe oferecer. Claro, faz sentido. Por outro lado, existe uma forma homofônica de cantá-la, mas diversa na escrita, que pode transformar completamente a ideia que a estrofe nos apresenta. Na minha cabeça eu cantava assim:

“Um amor assim delicado, nem um homem daria”

Eu adorava pensar que Caetano desejava dizer que “a delicadeza deste amor era tão grande que sequer um homem seria capaz de oferecê-lo”. Ou seja: (só) os homens seriam capazes de garantir a necessária delicadeza ao amor, mais do que as próprias mulheres. Um amor “delicado” seria um atributo de homens, e “um amor tão delicado” somente um homem seria capaz de entregar a uma mulher. Por certo que esta é uma interpretação bem pessoal, baseada em algo que – quase certamente – Caetano jamais pensou ou desejou colocar na música. Porém, eu pensei muito sobre este tema, e acho que de uma forma pode fazer sentido.

Vejam… o amor é um tema feminino. Para a humanidade as mulheres são as guardiãs do amor, algo que a elas pertence. Os homens, por certo, bebem dessa fonte, mas o amor é uma criação feminina, surgida da relação primitiva entre um bebê e sua mãe. Tamanha é a altricialidade (dependência do outro) dos bebês em relação a quem lhes cuida, pela saída prematura do claustro materno, que se produziu de forma espelhar um sentimento único de amor dessa mãe em direção ao seu rebento. Nesse momento na história do universo formou-se a fissura aberrante da ordem cósmica, falha colossal na tessitura da biologia. O amor surgiu da profundidade desses sentimentos inesperados e bizarros, e por esta razão Freud nos ensinou que “se o amor existe, este é o sentimento de uma mulher por seu filho, sendo todos os outros amores dele derivados”. Desta maneira, partiu das mulheres a criação do amor, mas graciosamente o ensinaram à humanidade, inclusive aos homens.

Por esta perspectiva, para o homem o amor não é natural; ele é um aprendizado bem mais complexo. É preciso que uma mãe (função) lhe conte essa história, com todos os detalhes do seu enredo amoroso. Esse ensinamento vai ocorrer desde os primeiros instantes em que a criança escuta os sons do mundo e reconhece seus brilhos e nuances. Portanto, para que um homem ame, é necessário que se torne delicado e pelo seu esforço torne do avesso o que dele se espera. Para isso, fragiliza-se, coloca-se de joelhos e à mercê daquela que o subjuga. Baseado nessa interpretação, eu escutei a música de Caetano como um elogio ao esforço do masculino de tornar-se delicado, frágil e inseguro para, só assim, ter acesso à energia hipnotizante do amor.

Ok, eu sei o quanto disso é puro devaneio, mas acredito que para mim, de forma absolutamente subjetiva, esta música abriu um portal através da vida própria que as músicas desenvolvem, a despeito das intenções e gostos de seu criador. Penso nela como um elogio ao homem que, apesar da brutalidade da qual sempre se sentiu devedor, é capaz de amar de forma aberta, frágil e …. delicada.

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O Império dos Sentidos

Em 1976, quando eu ainda era adolescente, foi lançado com grande furor um filme chamado “O Império dos Sentidos” do diretor japonês Nagisa Oshima. No enredo uma ex-prostituta se envolve num caso tórrido, obsessivo e altamente erótico com seu patrão, numa história que envolve possessão, sexo e morte. O filme tinha como atrativo inédito uma cena de sexo explícito que ficou famosa, apesar do filme ter seus méritos para além desta cena, e ser um drama tenso, pesado e com final trágico. Claro, eu fui assistir com a mesma cara de pau de quem comprava revista Playboy e depois dizia que era “pelas entrevistas”. Sim, eu fui ver o filme porque sempre fui “um amante do cinema japonês”…

Outra curiosidade era que, quando as pessoas falavam que no filme havia essa cena de sexo explícito, logo emendavam a frase dizendo que os protagonistas eram “casados na vida real”, o que oferecia uma curiosa “liberação” para esta exposição pública do sexo entre eles. Tipo, “ahh, se eles são casados, tudo bem”. Parecia que o fato de estarem legalmente unidos através dos sagrados laços do matrimônio retirava da cena uma grande parcela de pecado, e aposto que essa desculpa foi uma das razões para permitir que este filme pudesse ser exibido em plena ditadura militar.

Na verdade, eu lembrei do filme por outras razões. Foi o nome da película que me fez imaginar uma interpretação alternativa. Digo isso porque hoje vivemos, de uma certa forma, no “Império dos Sentidos“, mas não nos “sentidos” com o significado das percepções que captamos do exterior e que nos impressionam, como o tato, o paladar, a visão, etc. Não, eu me refiro aos “Sentidos” com a conotação de “magoados” ou “ofendidos“.

Vivemos, assim, no “Império dos Magoados” onde os sentimentos alheios valem mais do que a própria verdade. Qualquer palavra, expressão, dependendo de sua origem (e não do seu conteúdo), pode ofender pessoas, grupos, etc. As piadas e os gracejos não podem mais se arriscar a tocar as feridas de todos os “(re)sentidos”, pois estes podem se machucar ao ouvi-las. Com isso a cultura fica paralisada, imóvel, temendo os cancelamentos inexoráveis que podem partir de qualquer pessoa e coletivo que se julgam ofendidos. Os comediantes, em especial, vivem sob vigilância extrema, e vivemos hoje em um tempo em que o humor perdeu boa parte da sua potência transformadora. Humor que não rompe barreiras e que não agride conceitos recalcitrantes é entretenimento anestesiante. Nesse Império os grupos historicamente oprimidos se tornaram os mais poderosos na cultura, ditando de forma autoritária o que pode e o que não pode ser dito. Como afirma Zizek, “ser branco, cis, hetero e homem nos tempos atuais tornou-se um crime para o qual não há mais perdão“.

Não nego que houve avanços em algumas áreas – em especial nas agressões que eram travestidas de piada – mas as perdas também são inegáveis. Por isso uma reação evidente já pode ser vista no horizonte. O “Império dos Sentidos” começa lentamente a ver sua força diminuir diante da reação de pessoas e grupos que não acreditam mais na capacidade da censura, dos silenciamentos e dos cancelamentos em oferecer solução para as desigualdades ou para acabar com o preconceito. Não se muda a cultura proibindo e punindo, mas educando e transformando as relações de poder.

A ideia de que os sentimentos feridos devem ser considerados superiores à justiça, à realidade e à verdade é um conceito que precisa acabar. O modelo de “maternagem” condena os oprimidos à uma posição inferior e reativa na sociedade, mas o que eles precisam é de protagonismo e poder de decisão, não de proteção infinita.

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Paixão

Paixão

Do outro lado da rua escuto uma briga de casal. Os decibéis eram tantos que pensei chamar a polícia. Escutei apenas pedaços de desespero e fragmentos de rancor. “Chega“, “não chegue perto do meu filho“, “vá embora“. Tudo muito dolorido. A voz dele era mais forte e raivosa, mas a dela não ficava muito atrás. Muita dor, raiva e angustia.

Em outras palavras, pura paixão.

Sim… o que eu escutei foi amor. Degenerado e doente, caótico e violento, mas feito da mesma energia que une os amantes desde que o mundo se criou das cinzas de nossa animalidade. Paixão intensa, na sua forma enferma e destrutiva, mas por trás disso amor deturpado.

“Paixão vem do latim passio, cuja tradução seria algo como “sofrimento, ato de suportar”, de pati, “sofrer, aguentar”, do grego pathe, “sentir ”. Com o tempo, entretanto, lá pelo século XIV, ela passou a designar também “forte emoção, desejo”, e mais tarde ainda, “entusiasmo, grande apreço, predileção”. (Wikipédia)

Como canta João Bosco: “Quem quer viver um amor, mas não quer suas marcas qualquer cicatriz. Ah, a ilusão do amor, não é risco na areia desenho de giz“.

A paixão é sempre dor e sofrimento. Os sons da noite passada nada mais eram do que a paixão em megafonia, o amor em sua versão trash, o desejo rechaçado que retorna como mágoa e dor. Porém, não consigo deixar de ver – e ouvir – nesta cena o mesmo gemido e a mesma languidez dos amantes envoltos na energia inebriante que um dia os uniu. O que era amor tornou-se ódio; o que era desejo tornou-se dor.

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Ativismo e Política

Jean Wyllys 1

No episódio do encontro do deputado Bolsonaro com seu desafeto político Jean Wyllys em um voo recente, creio que o comportamento do Bolsonaro foi absurdamente infantil e grosseiro para um cidadão na sua posição e idade. Filmar seu colega de congresso da forma como ele fez não tem justificativa, nem se eles fossem colegiais. Também acredito que Bolsonaro representa as forças mais retrógradas e conservadoras do país, além de significar uma ameaça a própria sobrevivência da democracia. Jean Wyllys, por sua vez, representa o novo, o diferente, e sua defesa aberta e corajosa das comunidades LGTB – e mesmo da humanização do nascimento – são novidades no parlamento, e que nos enchem de esperança.

Porém acho que a atitude do Jean Wyllys no episódio do avião foi despreparada e pouco esperta. Ele poderia ter capitalizado para suas causas. Poderia ter sido simpático, feito uma piada, esboçado um sorriso. Infelizmente faltou a ele o que sobrou ao deputado Bolsonaro: jogo de cintura e agilidade para encontrar uma brecha nos fatos para fazer política.

Ficar emburrado apenas mostrou seus limites. Não acho que todo mundo tenha que suportar calado ou hipocritamente sorridente a presença de um ogro, ou mesmo aceitar a presença destes sujeitos, mas os estadistas aprendem como fazer isso, a ponto de conquistar o respeito até dos adversários. Por isso existem políticos e estadistas.

Um estadista pensa longe e dialoga até com ditadores e assassinos. Por isso ele é especial. Qualquer um que estivesse sendo assaltado tentaria dialogar com o criminoso, para ao menos garantir uma redução de danos. Infelizmente o deputado Jean se portou como uma pessoa comum, sangue quente, e que preferiu manter sua coerência e os SEUS valores a ganhar pontos para suas lutas. NÃO é assim que se faz política de qualidade, que nada mais é do que a arte de compor, de ajustar, de aproximar e de provocar acordos e consensos. Porque não negociar com Bolsonaro? Ora, porque Jean Wyllys não se deu conta que a postura PESSOAL dele vale muito menos do que os MILHARES que ele representa. Nesse episódio Bolsonaro saiu com jeito de bem humorado e fanfarrão, e Jean saiu com cara de garoto emburrado.

A atitude do Jean foi pessoalmente coerente, e politicamente burra.

Aliás, os mais velhos podem lembrar: a postura do Lula e do “velho PT” nos anos 80 era assim: “não falamos com burgueses, que exploram o povo, roubam, são corruptos, defendem os interesses dos banqueiros e blá, blá, blá.“. Isso era apenas infantilidade e imaturidade do PT, que foi corrigida posteriormente com uma ampla política de alianças, com a ideia de que não existe pessoa suficientemente suja com quem não seja possível fazer um acordo, desde que isso ajude a produzir avanços e conquistar espaços.

Eu não acuso o deputado Jean de ter feito algo errado; apenas o “acuso” de ser normal, de agir como qualquer pessoa diante do mesmo desafio. MEU erro foi esperar dele uma atitude inteligente e diferenciada, curiosa e única, brilhante e propositiva. Meu equívoco foi criar uma expectativa exagerada sobre um político – aparentemente – comum, que diante de um desafio preferiu ficar emburrado, perdendo uma rara possibilidade de capitalizar politicamente o evento.

Se for possível fazer uma análise isenta e desapaixonada, serei obrigado a reconhecer que, se há alguém com espaço para crescer diante de seu eleitorado, este é o Bolsonaro. Jean é um militante, um representante ainda politicamente imaturo.

Agressões verbais para o Bolsonaro é o que o faz crescer. Analisar esse episódio de forma pessoal, chamando o ex milico de “monstro” é tolice. Convido a todos para que observem este evento pela ótica verdadeira: o teatro político. Visões pessoais e morais (nesse caso) são inúteis. Verme, monstro, animal… Enquanto for esse o discurso Bolsonaro vence, e avança mais e mais. Ganhou 400.000 votos no Rio por causa disso, e ganhou mais alguns pelo episódio tosco do avião.

Sabe o que seria uma atitude genial do Jean Wyllys? Sentar do lado dele e fazer bullying, gravar um vídeo, dizer palavras de amor, segurar a mão dele e tentar fazer o Bolsonaro ficar envergonhado, emburrado e constrangido. E cair na risada!!!!

Xingar o Bolsonaro… quanta criatividade.

Diante do que ocorreu me permito perguntar: “Que ganho há para os homossexuais e minorias ficar zangado diante da chacota do Bolsonaro? O que avançamos com essa atitude mal humorada?” Eu respondo: NADA!!! E xingar também não. Ali era o lugar de uma grande sacada armada pelo destino: inimigos lado a lado. Foi o que o Bolsonaro fez, e o Jean Wyllys caiu!!!

Mas agir de forma bem humorada não é ficar em cima do muro, pelo contrário. É mostrar que o SEU jogo não é o da mágoa, do rancor e do ódio!!!

Política é mais do que atacar posições contrárias: é almoçar com o diabo e jantar com o demo, negociando algumas almas, salvando alguns poucos pecadores e avançando terreno. Não acredito que o deputado Jean agiu errado. Ele apenas foi medíocre, e (meu erro) eu esperava mais dele. Tolice minha. O grande erro é confundir atitudes pessoais com atitudes políticas.

É possível que eu tivesse as mesmas atitudes que o Jean teve: sairia de perto e ficaria em silêncio, emburrado e brabo. Mas eu sou medíocre e comum, e não um signatário do povo. Meu erro foi esperar política de quem, até agora, só aprendeu a militar para o seu eleitorado.

Espero que Jean Wyllys possa fazer uma leitura madura desse episódio, para perceber que em política estes encontros não se repetem e que precisam ser capitalizados em benefício das causas que defendemos.

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Abraço, Fabrício…

Fabrício

Abraço, Fabrício…

Sabe o que é desumano?

É quando retiramos as qualidades humanas de um sujeito, sua unicidade e subjetividade, aquilo que o transforma em uma pessoa única. É quando ele deixa de ser alguém, e passa a ser uma “coisa”.

Ontem testemunhamos um fato raro no futebol. O jogador Fabrício do Inter, após ser vaiado por uma parte da torcida, investiu contra ela com gritos, insultos e gestos obscenos. Uma cena lamentável de violência e descontrole. Ato contínuo, foi expulso pelo juiz e tirou a camisa do seu clube. Arremessou-a ao solo e, mesmo sendo contido pelos colegas de profissão, rumou célere para a saída do campo, sinalizando com gestos que jamais voltaria. Boa parte da torcida colorada, em especial aquela que o estava vaiando, vibrou com a sua expulsão e a saída. O futebol, haja vista sua má fase, pouco perdeu. Mas e o nosso senso de humanidade?

Poucos dias atrás, uma outra desgraça, desta vez atingindo o (ex) todo poderoso José Dirceu, foi tratada com deboche e escárnio por centenas de internautas. Quando do anúncio de seu AVC (Acidente Vascular Cerebral) inúmeros comentários depreciativos surgiram nas redes sociais, fazendo troça com a doença do ex-ministro. Com os candidatos e a presidenta, o mesmo. O ministro Guido Mantega, em visita a um hospital, foi brutalmente hostilizado por pessoas na recepção. As figuras públicas perdem a sua condição de humanas, e passam a ser meros personagens, sem vida, história, subjetividade ou porvir.

Desumanizar é tirar do sujeito sua essência humana. É coisificá-lo para o nosso gozo, seja ele qual for. É olhar para uma mulher e reduzi-la a peitos e bunda, para um homem e torná-lo apenas força, poder e dinheiro. Um jogador de futebol vale apenas para o nosso gozo, sem que seus sofrimentos, sua vida, suas fragilidades e sua história sejam levadas em consideração.

O jogador Fabrício, soube-se hoje, tem um irmão que está preso, e outro que já morreu pelas mesmas razões: tráfico de drogas. Sofria pressão desumana de torcedores que achavam que ele não estava jogando o quanto devia. A pressão também chegava de uma “crônica esportiva” espetaculosa, insensível e grosseira, que ressalta ainda mais a objetualização dos jogadores, tornando-os marionetes de seus conceitos e alvos fáceis para suas piadas de gosto duvidoso. Por mais que se entenda que as gratificações monetárias para os jogadores são muito altas (para uma elite restrita e minúscula, como no caso do Fabrício) também é verdade que a tensão para cumprir metas, nunca errar, jamais falhar, lutar como um gladiador, oferecer o sangue, destruir a própria saúde em nome de uma bandeira é uma tarefa pesada demais para qualquer um, e mais ainda para meninos de origem pobre.

Não foram poucos os jogadores que pensaram em suicídio. Outro famoso jogador do Internacional, quando jogava no exterior, longe da família, sem falar o idioma local, sem amigos e sem referências, subiu no alto de um prédio e por pouco não se arrojou de lá, acabando com sua vida. Teve mais sorte do que Fabrício.

Fabrício explodiu, rompeu a corda. Diante de tanta tensão acumulada ele não aguentou a(s) pressão(ões). Não suportou o desprezo da torcida por quem se dedicava ao limite e jogou tudo para o ar. Todavia, quando o que ele mais precisa é de compreensão e de uma palavra amiga, ele recebe deboche, críticas, mais violência e desprezo. O objeto Fabrício passa a ser desimportante e, mais ainda, incômodo. “Joguem fora essa peça, ela já não nos serve mais.

Fabrício precisa de um abraço. Se serve o abraço de um gremista, aqui vai. Erga a cabeça, olhe para frente, pense na sua família, tente se acalmar. Existe um grande futuro ainda possível, se você puder ultrapassar este momento.

Vai passar, vai passar…

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