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Argentina

Curioso como na Argentina os candidatos de esquerda e de direita se revezam sem que estas trocas venham (mesmo que minimamente) a melhorar o cenário econômico catastrófico do país. Depois de Cristina, Macri; depois deste Alberto. E agora o líder das pesquisas é o “Bolsonaro portenho”, o Milei – que inclusive já declarou seu apreço e admiração pelo nosso ex-presidente. Estes personagens se sucedem uns aos outros acusando os anteriores de terem “destruído a economia da Argentina”, sem perceberem que a esquerda liberal e a direita – mesmo a radical – são irmãs que brigam dentro do mesmo modelo capitalista.

Não haverá futuro sem que a esquerda aceite de forma corajosa e aberta a ruptura com a ideologia de concentração capitalista de riqueza. Teremos crises indefinidas, monótonas e repetitivas até que este circo de “esquerda liberal versus direita” venha a se desfazer pela percepção de que, no seu cerne, são iguais, irmanadas na ideologia capitalista decadente.

Eu acredito que coexistem dois fenômenos distintos no que se refere à gangorra eleitoral nos países satélites do capitalismo: o primeiro é a falta de uma esquerda radical, raiz, operária, anticapitalista, carência esta que muitos repetem cotidianamente, em especial os comunistas. O segundo, e mais importante, é que nas crises cíclicas do capitalismo o discurso de “acabar com tudissquitaí”, votando na estupidez e na potência fálica grotescas de líderes carismáticos e populares, acaba seduzindo as multidões, que as leva a acreditar que o problema são os políticos, a corrupção, a falta de pulso com o crime e não o próprio capitalismo claudicante.

O fascismo tem sua própria agenda, não precisa do vácuo da esquerda. O fascismo sempre ascende para dar uma resposta às crises do capitalismo, e tira dos liberais de direita – a direita limpinha – suas vestes civilizatórias para que possam embarcar na aventura autoritária. Pois diante da miséria crescente e da concentração obscena de riqueza a estratégia é criar um inimigo a combater. É aqui que entram os judeus, os comunistas, os imigrantes, os ciganos e os petistas no nosso passado recente. Já “radicalizar” significa ir à raiz, e a raiz da esquerda é o movimento proletário. Radicalizar, portanto, não é bater de frente com a direita, mas aprofundar seus princípios mesmo que isso custe enfrentar de frente o fascismo.

Isso explica a ascensão de Adolf pós crise de 1929, e a de Mussolini na Itália na mesma época, assim como Trump e Bolsonaro após a crise de 2008. A inexistência de um contraponto da esquerda raiz é apenas um elemento menor – porém importante – em face da crise do capitalismo, modelo cujo desmoronamento estamos vendo ao vivo e à cores diante dos nossos olhos, como testemunhas da história. Mas, como sempre ocorre, essa queda só se dará através do horror e da miséria globais.

No mais, concordo que a esquerda ainda não entendeu o que Zizek falava há uma década: para combater uma direita fascista não se pode oferecer moderação ou capitulação ao centro, mas sim um radicalismo proletário e comunista.

E tenho dito…

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Bobo da Corte

O filme da Barbie é o perfeito exemplo da concessão burguesa à crítica sobre seus postulados. Na verdade, nada de muito novo, já que esta estratégia pode ser reconhecida em uma figura que se destaca nos relatos da idade média. É a figura do Bobo da Corte.

Esse sujeito, um palhaço, tinha a especial concessão de debochar do Rei e de outros membros da Corte. Podia fazer piadas sobre sua volumosa pança, suas amantes, sua sujeira, seus modos à mesa. Podia falar de sua inabilidade esportiva e até de sua potência sexual – tudo isso como recheio para suas piadas e chistes. Essa prática era usada para humanizar a figura do monarca, trazê-lo para perto do povo e mostrar o quanto era permeável às críticas e reclamações. Entretanto, havia um limite tácito às bobagens.

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Seus gracejos jamais poderiam mostrar ao povo a injustiça de uma sociedade separada entre nobres e plebeus e em hipótese alguma questionar a Realeza e seus direitos divinos. Critique-se o Rei, mas jamais questione sua condição de Rei e a estrutura de classes que determina o ordenamento social. Por isso não deveria causar espanto algum que o Rei pagasse muito bem para alguém falar mal dele, e nem que hoje a Mattel faça um filme que questione a própria Barbie, ao mesmo tempo em que lucra milhões com isso.

É por essa singela razão que os americanos podem fazer tantos filmes críticos à guerra e ao mesmo tempo viver em guerra incessante contra nações autônomas e independentes. O mesmo modelo usado desde muitos séculos, não? Eles bem sabem que as críticas servem para oferecer aos sujeitos (nós) a ideia de que algo está sendo feito e que o poder instituído escuta nossos apelos, quando em verdade tudo o que fazem visa manter este poder intocado. Ou seja: questione-se a estupidez da guerra, mas o limite da crítica é o imperialismo e a consciência dos povos periféricos. Por isso Hollywood pode fazer filmes que esculhambam a própria indústria cinematográfica, desde que não atinjam sua pervasividade no mundo e sua forte propaganda burguesa.

O mesmo ocorre com a democracia liberal: podemos questionar, brigar, acusar, protestar livremente. Ninguém vai reclamar das críticas, mas esse modelo vale apenas quando os conservadores e liberais vencem, e até quando a vitória é da “esquerda moderna”, como Boric, que jamais vai atacar as estruturas da sociedade de classes. Entretanto, se os setores excluídos são minimamente representados e a mais suave ameaça ocorre ao sistema excludente e concentrador do rentismo, imediatamente soa o “alarme de ameaça comunista”, e não há problema algum em apelar para um iletrado e ignorante como Bolsonaro para “salvar a liberdade”. E se isso falhar, não haverá escrúpulo algum em chamar os militares para que venham “assegurar os valores democráticos” – através de uma ditadura.

Barbie apresenta essa miragem de renovação e empoderamento, reforçando as bases estruturantes do capitalismo – onde tudo vira mercadoria – enquanto oferece aos revolucionários da poltrona a miragem de que algo real está sendo feito para mudar o mundo. Essa sociedade capitalista precisa de pessoas que se contentam com os Bobos da Corte e suas piadas ácidas… e inúteis.

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Barbie

A minha tese é que o capitalismo se mantém exatamente por seduzir milhões a serem voluntariamente controlados por ele. Ou seja, uma servidão inteligente e civilizada, que dispensa os grilhões. O frisson atual pela Barbie usa a estratégia de questionar os valores da Barbie para, ao fim, valorizá-la, torná-la ainda mais rentável, vender ainda mais e, quiçá, até transformá-la em um ícone feminista. É possível até imaginar que a gente veja em um futuro próximo mais garotas ostentando camisetas da “Barbie Empoderada” do que usando as manjadas Madonna e Frida Kahlo.

E para quem acha que as mulheres sofrem porque estão sempre tentando se adaptar às exigências do patriarcado, pensem na pessoa que elogia Pablo Vittar e assiste o filme da Barbie só para não correr o risco de ser chamado de transfóbico e machista. É duro manter as aparências, viu gente?

Aliás, a sacada mais genial do marketing do filme foi criar o factoide de que “os evangélicos estavam se mobilizando para boicotar o filme”. Ou seja, tentaram transformar o filme sobre uma boneca anatomicamente bizarra em uma arma cultural. Mas sabe o que é pior que o mi-mi-mi de gente chata que não aceita o conteúdo e fica reclamando do filme da Barbie? Resposta: Gente que não suporta que se critique o filme da Barbie e dá xilique público.

“Se não gosta, não veja o filme. Se não suporta a crítica, não leia”. Ou, alternativamente, veja o filme e leia as críticas. Seja… forte.

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A Salvação do Capitalismo

Segundo minha perspectiva – e a de vários analistas – Lula é um Roosevelt brasileiro, guardadas as proporções. Sim, porque Lula é muito mais brilhante, preparado e inteligente do que o presidente americano. Apesar das diferenças, tanto para Franklin quanto para Luís Inácio coube a estupenda tarefa de salvar o moribundo capitalismo de seus países e lhes oferecer uma ilusória sobrevida. Franklin conseguiu adiar uma grande revolução por quase um século, mas não acho que Lula conseguirá o mesmo sucesso. As condições do capitalismo mundial não suportarão por mais tanto tempo.

Porém, os limites de Lula se situam nas fronteiras da democracia burguesa; ou seja: Lula se limita a jogar “dentro das 4 linhas”, como diria seu antecessor de má memória. É por essa paixão pela instauração de um “capitalismo com face humana” que liberais como Reinaldo Azevedo agora o aplaudem Lula com pleno entusiasmo, a ponto de afirmar que “Lula está salvando o capitalismo brasileiro, enquanto Bolsonaro trabalhava pelo seu extermínio”.

O problema, como sabemos, é que as democracias liberais capitalistas são insustentáveis em médio prazo. Com o tempo essas democracias burguesas reagem com violência aos avanços do poder popular. É um sistema criado para manter a artificialidade do poder burguês, que tem como característica a concentração crescente de riqueza (e de poder) na mão de poucos. Nossa história mostra que ela serve a uma classe, e quando essa classe se sente ameaçada ela manda às favas a própria democracia. Assim foi com Getúlio, em 1964, em 2016 e após a vitória de Lula. Há poucos meses, com a eleição de Lula, já havia um contingente considerável de brasileiros pedindo ditadura, para que os poderes ficassem intactos. O capital, nesse modelo realçado pelos liberais, é o “dono da bola”: será democracia quando me interessar, mas mando apagar a luz e levo a bola pra casa se meu time estiver perdendo.

O modelo de democracia vinculada ao poder econômico, que controla os processos de produção e os meios de comunicação acaba invariavelmente entrando em crise, tão logo os 99% de pessoas que são exploradas pela elite financeira começam a exigir seu quinhão no bolo da riqueza nacional. Desta forma, sustentar o poder burguês indefinidamente, é uma ilusão que ainda vai nos atormentar, e nem a figura brilhante de Lula vai conseguir mantê-lo vivo. Estamos na UTI do capitalismo, e nada poderá salvá-lo; nem o mais brilhante estadista do planeta.

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Fim da Ilusão

Erram aqueles que dizem que “o capitalismo morreu”. Ora, ele está no nosso cotidiano, ainda muito presente. O capitalismo não está morto; o que morreu foi seu espírito, a utopia capitalista. O que testemunhamos ainda hoje é o “zumbi capitalista”, um corpo deformado e disforme que vaga por inércia, doente e degenerado, desprovido de alma. Seu odor malsão é sentido desde as malocas imundas enfileiradas nas ruas glamurosas de Los Angeles até os corpos putrefatos envoltos em lama nos campos de batalha da Ucrânia.

Eric Korndorfer, “The Road to Destruction”, Ed. Palmares, pág. 135 

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Futebol e Capitalismo

A UEFA – Federação Europeia de Futebol – pretende implementar um “teto de gastos” no futebol para estimular a competitividade nos campeonatos do continente. Sei que existe um caráter imperialista nesta medida, mas não há como fugir dessa realidade. Não acredito que o objetivo seja roubar da periferia, até porque precisam dos clubes à margem do futebol europeu para produzir bons jogadores para eles. Entretanto, sei que está medida impactará o futebol do sul global. O que se quer por lá é combater o desnível que está acabando com a disputa. Os resultados escandalosos dos campeonatos italiano e alemão recentes deixaram isso claro, quando clubes ricos ganharam seus campeonatos durante uma década inteira. Isso vai matar o futebol, e o Brasil terá que tomar medidas semelhantes, caso contrário vai morrer.

E vamos vender nossos jogadores mais baratos para a Europa mesmo. Eu, pessoalmente, acho ótimo!!! E vamos pagar menos para os jogadores dos grandes clubes daqui como consequência. Somente os clubes muito ricos poderão continuar com salários estratorféricos, e por isso medidas aqui deverão acontecer no mesmo sentido. Não vejo alternativa; o futebol dentro do capitalismo deixa claro que, se não houver esse fairplay econômico, haverá um aumento da concentração de poder que produzirá a fuga ainda maior de torcedores.

Um fato bizarro ocorreu há poucos dias no jogo do Borussia Dortmund, quando havia a possibidade de ser campeão após 10 anos de vitórias do seu adversário, o Bayern de Munique. Não deu; perderam de novo, mas foi o aplauso da sua torcida no final do jogo o que mais nos chocou, deixando claro que, para os desanimados torcedores de Dortmund, perder para o Bayern está “de boa”, já que é impossível competir com eles. Os clubes rivais históricos já se conformam com a derrota para o adversário mais rico. Não há mais indignação.

A disparidade econômica acabou com o campeonato alemão. O mesmo ocorreu com o Espanhol, onde sabemos que apenas dois times disputam. Na França o PSG empilhou campeonatos nacionais. No Brasil o dinheiro de Palmeiras e Flamengo podem produzir a “espanholização” dos nossos campeonatos, além de soterrar em dívidas times como Vasco da Gama, Coritiba, Atlético e Cruzeiro, etc, a quem só resta se atirar nos braços das SAFs e vender-se ao capitalismo.

Isto já está ocorrendo com o Brasil, e vai piorar se o atual desnível se cristalizar. Se não houver algum tipo de bloqueio dessa disparidade o futebol vai morrer. Sim, pois ninguém vai se interessar por assistir um espetáculo de disputa onde não há emoção alguma, pois o desnível financeiro destrói toda a isonomia.

E mais: reduzir o padrão salarial dos jogadores e demais participantes se tornará mandatório. É impossível manter essa fantasia, mas a própria crise do capitalismo internacional vai dar fim à orgia de salários do futebol. Não há como manter esse universo paralelo…

E isso não é uma profecia funesta; o futebol já está ficando sem graça. Os mesmos clubes ganham tudo. O poder econômico do Brasil diante dos parceiros da América Latina já nos dá há anos disputas finais de Libertadores apenas entre clubes brasileiros. Futebol está dominado pelo poder econômico, que é quem produz essa crise. Os clubes de bilionários, sejam sheiks ou mafiosos do leste europeu, produziram este tipo de desnível na Europa, mas o fenômeno está chegando aqui à galope. As torcidas, ainda intoxicadas por este tipo de vandalismo econômico, ainda não perceberam o quanto isso é destrutivo para a paixão do futebol.

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Medicina Suave

Profissionais médicos são ensinados (e levados) a servir aos gigantes da Indústria Farmacêutica durante toda a sua formação acadêmica – algo que continua durante sua vida profissional. Estas empresas os manipulam através de uma gigantesca máquina de propaganda, que também atinge os pacientes. Até mesmo subornos e falsificações são recorrentes nessa indústria. Não há dúvida que 99% dos médicos jamais terão consciência dos cordéis que os controlam, e mesmo aqueles que se dão conta ainda assim continuarão sendo manipulados, porque esta associação lhes garante poder e significado social.

Entretanto, esse controle das corporações sobre a consciência dos profissionais tem seu custo. Hoje, nos estados Unidos e no Canadá, 20% dos adultos entre 40 e 79 anos tomam 5 ou mais medicamentos prescritos a cada dia. Pesquisas informam que em 2020 mais de 150.000 pacientes tiveram mortes prematuras causadas por drogas legalmente prescritas, e cerca 4-5 milhões de internações hospitalares foram realizadas, um custo astronômico para qualquer sistema de saúde. .

“Ser médico é algo muito mais importante do que ser um mero despachante de drogas”, já me dizia Max nos tempos da Escola Médica. Há muito mais no encontro do médico com seu paciente do que aplicar drogas, muitas delas perigosas, outras tantas inúteis e uma boa parte causadoras de mortes prematuras. O médico é, antes de tudo, um pedagogo, cuja tarefa precípua deveria ser mostrar os caminhos de cura ao seu paciente. Sempre que a medicina é impositiva e prescritiva ela aliena o paciente do controle de sua própria saúde e, em última análise, de seu próprio destino. Se a doença é uma construção do sujeito diante das rotas por ele mesmo traçadas, a ação invasiva da medicina – ao olhar a enfermidade e desconsiderar o enfermo e suas alternativas – desloca o poder para fora do doente, alienando o sujeito de si mesmo.

Questionar e criticar o abuso de drogas está na contramão da sociedade capitalista, que criou impérios gigantescos baseados na indústria farmacêutica. Da mesma forma, lutar pela fisiologia do parto, aguardar os tempos corretos, oferecer suporte contínuo e afeto incondicional também agridem a mentalidade moderna tecnocrática, que exige o uso da tecnologia sempre que possível. Todavia, em ambos os casos – no uso abusivo de drogas e na tecnogia exagerada no parto – não se trata de uma maldição, algo sobre o que não temos qualquer ingerência. Não, por serem construções humanas podem ser, por nós, revistas. Assim, a cura para essas doenças sociais depende tão somente de nós mesmos.

Entretanto, é fundamental entender que a humanização do nascimento e o fim do abuso de drogas prescritas jamais vão ocorrer dentro do modelo capitalista. Para alcançar estes objetivos na saúde será necessário mudar a estrutura econômica da nossa sociedade, fazendo com que os avanços médicos sirvam às pessoas, e não ao capital.

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Esquerdomachos e o feminismo

Esquerdomachos estão fora de moda?

Creio que sim, mas é importante lembrar que os “esquerdomachos” são apenas as pessoas da esquerda que não tem posturas aceitas por feministas. Qualquer esquerdista que ouse questionar seus princípios fundamentais, ou questione seus objetivos últimos, pode ser chamado assim. Claro, também pode ser um oportunista, um canalha ou um aproveitador, mas estes são mais facilmente identificados no ambiente da esquerda. Por outro lado, o movimento feminista sempre assumiu uma postura de direita. Não é por acaso que foram abraçados pela direita americana do partido democrata, exatamente porque servem aos interesses do status quo que deseja dividir o movimento operário e estancar a sangria do imperialismo.

Esses movimentos identitários são, desde sua origem, individualistas, jamais assumindo a imagem de uma esquerda real, revolucionária e pela luta de classes. Não faço um julgamento de mérito sobre este ativismo (que julgo importante), mas acho errado confundir feminismo com esquerda. Movimentos feministas nos Estados Unidos são claramente liberais, apoiam o “empreendedorismo feminino” e o “empoderamento das mulheres”, desprezando de forma clara a consciência classe em nome do fortalecimento de identidades.

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Felicidade

No livro “The Village Effect” Susan Pinker nos fala sobre a importância dos relacionamentos para a saúde, a longevidade e a felicidade, e neste livro ela operacionaliza a questão dos afetos, mostrando que os relacionamentos – quando garantidos pela “vila” – podem oferecer às pessoas a possibilidade de uma vida produtiva e feliz. Porém, não é mais segredo para ninguém que pessoas felizes não são boas consumidoras; portanto, a felicidade e a plenitude não interessam ao sistema. Fácil entender: quem é pleno não buscará no consumo algo que lhe falta. Em verdade, ser explicitamente feliz em uma sociedade doente é a mais sofisticada forma de mobilização revolucionária.a.

Enquanto isso, a biomedicina contemporânea tecnocrática, ligada ao capitalismo e o neoliberalismo, desconsidera o quanto o estilo de vida pode modificar os padrões de saúde e bem-estar. Estudos existem por toda a parte para confirmar que a felicidade é algo que se produz de dentro para fora, mas continuamos acreditando que a solução das mazelas físicas e psíquicas dos sujeitos sociais se dá somente pela adição de drogas e intervenções cirúrgicas, cujos efeitos em médio e longo prazos são muitas vezes desconhecidos – ou reconhecidamente danosos.

Em verdade, a vida ocidental contemporânea vai na direção oposta das descobertas dos estudos sobre a felicidade e o bem-estar, desmerecendo o poder da solidariedade em nome de aquisições materiais fugazes e descartáveis. Desta forma, até que a sociedade acorde da sedação/sedução materialista da sociedade de consumo ainda teremos muita “miséria emocional glamurosa“, o culto ao dinheiro e a drogadição (legal e ilegal) como estímulos sociais para suportar uma vida de crescente infelicidade.

“Somos tão pobres que ao invés de criarmos riqueza criamos bilionários”, enquanto deixamos que as coisas sejam mais importantes que as amizades e o convívio.

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Futebol Moderno

Não há como comparar, na atualidade, o futebol europeu com o futebol praticado no resto do mundo. Na condição de tricolor, o jogo do meu Grêmio contra o Real Madrid em 2017 marcou esta diferença, que a partir de então ficou muito clara para mim. Eram (para usar a palavra da moda) patamares diferentes de futebol. No campeonato mundial patrocinado pela FIFA os sul-americanos chegam lá para fazer um “crime”, jogar por uma bola, tentar o milagre, fazer história. Parecemos clubes do interior jogando contra potências futebolísticas da capital. Já os gringos vão fazer compras e curtir os hotéis de luxo das cidades árabes. Estamos muito mais próximos do futebol da Arábia e mesmo da África do que do futebol da Europa. Prova disso é que nas últimas 10 semifinais os clubes da América Latina foram batidos por clubes africanos e de outras praças. O futebol dos anos 80-90 foi último suspiro dessa proximidade; a distância se tornou insuperável pela força do poder econômico; o dinheiro destruiu a competitividade no futebol; um fosso gigantesco se abriu separando o futebol praticado no centro do Imperialismo com aquele da periferia.

Eu sei: os clubes europeus são “legiões estrangeiras” cheios de jogadores da periferia, mas eles apenas arrecadam a mão de obra no sul global; o dinheiro, a organização, os estádios e o marketing é todo deles. Pensem apenas o seguinte: o jogador Neymar ganha sozinho mais do que todos os jogadores do Palmeiras e do Flamengo juntos – que já tem salários obscenos para a realidade do país. Ou seja: ele ganha mais que o plantel inteiro dos dois clubes mais ricos do país. Segundo dados da revista Forbes de 2022, Neymar ganha US$ 55 milhões anuais entre salários e bônus por metas em campo. Por mês arrecada ao redor de US$ 4,5 milhões, o que representa na cotação atual quase R$ 23 milhões. Ainda de acordo com a publicação, Neymar ganha mais US$ 32 milhões por seu trabalho fora de campo, principalmente emprestando seu nome para publicidade de inúmeros produtos. O jogador mais bem pago do Brasil ganha um décimo do que ganha o Neymar. É um poder econômico contra o qual não há como competir.

Com o futebol europeu sendo comprado por bilionários do petróleo ou novos ricos do leste europeu a tendência é que este esporte fique cada vez mais distante do povo. Cada vez mais concentrador de renda – e de títulos – e paulatinamente afastado do trabalhador pobre, o destino desse esporte é se tornar um jogo para as elites, controlado por magnatas, com uma estrutura que visa essencialmente o lucro, na mais acabada perspectiva neoliberal. Enquanto isso, vai se afastando das torcidas, expulsas dos estádios e cada vez mais alienadas das decisões do clube.

O futebol também precisa de uma revolução, para evitar que venha a desaparecer pelo extermínio de sua motivação mais primitiva: a paixão.

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